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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versión On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.1 no.2 Lisboa jun. 2014

 

DIREITO PÚBLICO

Unificação das formas de processo – alguns aspetos da tramitação da ação administrativa

Unification of procedural forms – some remarks on the administrative court procedure

 

Dinamene de Freitas I

IFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: dinamenef@fd.ul.pt

 

 


RESUMO

Este artigo aborda a projetada reforma da lei processual administrativa ─ o anteprojeto de revisão do Código do Processo nos Tribunais Administrativos ─ sob uma perspetiva comparativa relativamente ao Código de Processo Civil que entrou em vigor em 2013.

Comparam-se alguns regimes específicos no âmbito da tramitação de forma a discernir justificação para diferenças ou aproximações entre as duas leis processuais (administrativa e civil). Embora a maior parte das soluções preconizadas seja coerente, algumas disposições particulares daquele anteprojeto são suscetíveis de melhorias significativas que, sem deixar de ter em conta as especificidades do contencioso administrativo, se aproximem mais da concretização do objetivo de celeridade da justiça, da garantia da tutela jurisdicional efetiva.

Advoga-se ainda uma aproximação entre as soluções consagradas na lei processual civil e as projetadas em sede de contencioso administrativo nos casos em que não se revelem razões singulares que justifiquem a definição/manutenção de um regime específico para o contencioso administrativo.

Palavras chave: contencioso administrativo; tramitação processual; oralidade vs. processo escrito.

 

ABSTRACT

This article addresses the forthcoming reform on procedural law regarding administrative courts – the Draft Project of Code of Administrative Court Procedure ─ from a comparative perspective within the procedural law applied by judicial courts, the Code of Civil Procedure (2013).

Some regimes on judicial procedure are compared in order to justify differences between those procedures (administrative and civil). Although coherent in the majority of solutions put forward some specific provisions contained in the Draft Project should be improved in order to diminish the length of the judicial procedures ensuring a real respect for the due process of law.

An additional closeness between procedural laws should be established where there are no specific reasons to justify administrative court procedure's specific regimes.

Keywords: administrative court procedure; acts of procedure; orality vs. writing process.

 

Sumário: 1.Motivação e razão de ordem; 2.Réplica e tréplica; 2.1.As exceções no processo administrativo; 2.2.Comparação entre o CPC e o ProjCPTA; 3.Audiência prévia; 3.1.As finalidades da audiência prévia; 3.2.Obrigatoriedade da audiência prévia: comparação entre o CPC e o ProjCPTA; 3.3.Apreciação e sugestões; 4.Despacho saneador; 4.1.Comparação de regimes e apreciação; 4.2.A preclusão de apreciação quanto a exceções dilatórias não apreciadas; 5.Alegações finais; 5.1.Comparação de regimes; 5.2.Apreciação e sugestões; 6.Conclusões

 

 

1 - Motivação e razão de ordem

No quadro de uma análise da reforma do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, cujo projeto de diploma foi apresentado para discussão pública no passado mês de fevereiro1, e no âmbito do tema da unificação das formas do processo2, é oportuno estabelecer uma análise comparativa do proposto no quadro da reforma do contencioso administrativo com o que resultou da última reforma do processo civil em 2013 por várias ordens de razões:

1ª) o resultado da reforma do processo civil já se encontra a vigorar, por remissão, no quadro do contencioso administrativo e particularmente no âmbito das ações administrativas comuns;

2ª) a ação administrativa, resultante da unificação das formas de processo, tem assumida inspiração na ação do processo comum de declaração que, nos termos do art.º 548.º do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), segue “forma única”.

3ª) o CPC continua a ser o regime subsidiário a aplicar ao processo nos tribunais administrativos.

No passado dia 1 de setembro de 2013 entrou em vigor a Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Código de Processo Civil. Este novo Código, por força da remissão constante quer do artigo 1.º quer do n.º 1 do artigo 35.º do CPTA, provocou, ainda que por remissão, uma reforma real do contencioso administrativo com destaque para as ações administrativas comuns. Neste momento em que se discute a revisão do CPTA, o regime do contencioso administrativo já se encontra alterado não só por força da receção do CPC, no tocante às ações administrativas comuns, mas também por via da aplicação subsidiária aos demais meios processuais. Significa isto que já estamos a lidar com uma reforma do contencioso, designadamente do contencioso das ações administrativas comuns; uma reforma por remissão, por isso menos evidente mas não menos real.

Mas a influência da legislação processual cível no contencioso administrativo promete não ficar por aqui: a opção pela unificação da ação administrativa, nos termos em que se encontra projetada, mostra uma tentativa de aproximação às soluções resultantes da reforma do CPC de 2013. Nesta medida, é oportuno trazer à discussão os moldes em que essa aproximação está prevista no projCPTA sob a perspetiva de perceber se, quando e como se justifica importar soluções daquele código, adaptá-las ou, ao invés, rejeitá-las.

Daí que a opção neste texto tenha sido a da abordagem de quatro aspetos essenciais relativos à tramitação confrontando o regime resultante do CPC com o proposto para a reforma do CPTA; são eles: i) a réplica e a tréplica, ii) a audiência prévia; iii) o saneamento e iv) as alegações finais.

Ainda previamente à confrontação de regimes podem salientar-se alguns aspetos que ditam, logo à partida, dificuldades de aproximação entre o regime do contencioso administrativo e o CPC, designadamente, ao nível da tramitação da ação administrativa. A primeira destas dificuldades diz respeito ao diagnóstico levado a cabo, de forma mais ou menos formal, relativamente aos aspetos que a intervenção legislativa pretendia corrigir ou melhorar em termos de prestação da justiça: os diagnósticos pré-reforma (do processo civil e do contencioso administrativo) não foram idênticos e, nessa medida, também não apontaram soluções similares.

Assim, no tocante ao processo civil, uma das bandeiras hasteadas foi a da celeridade processual, que se obteria através de um processo com menor número de articulados (e menos prolixos), substituídos, em grande medida, por intervenções orais e contraditórias das partes. Por outro lado, o reforço dos poderes do juiz, que passaria de mero árbitro a gestor e conformador de todo o processo, também almejava garantir um controlo mais justo da velocidade processual, dispensando diligências inúteis ou agilizando a realização de outras. A nível do contencioso administrativo, pese embora a diagnosticada lentidão da justiça e o consequente objetivo de garantia de um processo temporalmente justo, não seria de esperar que se encontrasse no reforço da oralidade do processo um motor adequado à sua aceleração. Já a conformação dos poderes do juiz em termos próximos do que sucedeu no processo civil não se vê como poderia não ser benéfica em termos de adequação do processo a exigências de maior celeridade3.

Um outro aspeto que também aconselha a ponderar a diferenciação do contencioso administrativo relativamente às soluções concebidas para o processo civil diz respeito às necessidades específicas e ao peso processual da instrução em ambos os processos. A instrução ─ ou seja, o conjunto das diligências de prova que o juiz considere necessárias para o apuramento da verdade ─ no caso de pretensões típicas de uma ação administrativa especial tende a ser ou extremamente simples ou praticamente inexistente. Suponhamos que as partes discutem a validade de um ato administrativo; não custa admitir que toda a matéria de facto relevante se tenha reconduzido à prova documental e seja, nessa medida, totalmente pacífica para as partes. Já se estivermos, por hipótese, no âmbito de uma ação de responsabilidade por ilícito extra-contratual, que tramite nos termos da ação administrativa comum, se percebe que a fase da instrução é, geralmente, muito mais exigente, desde logo por não ser comum as partes, mesmo que de acordo quanto aos factos que geram o alegado ilícito, estarem de acordo quanto à ocorrência de dano e ou à sua dimensão juridicamente relevante.

O que nos conduz ao último aspeto que queria salientar nesta sede ─ em certa medida, decorrência do anterior ─, enquanto óbice a uma aproximação acrítica entre o regime do contencioso administrativo e o CPC: o tipo de pretensões que, em concreto, são levadas aos tribunais administrativos. Estas conseguem ser muito variadas mas existe uma predominância evidente das pretensões que se reconduzem a pedir ao juiz que, perante um conjunto de factos sabidos ou assentes (que as partes não discutem) diga o direito que se lhes aplica, ou seja, interprete e aplique a lei ao caso concreto. É menos comum pedir-se ao tribunal administrativo que fixe a chamada verdade processual ─ os factos que perante divergência das partes se viram firmados em tribunal ─ para lhe aplicar um direito que não suscita escolhos. Ora, é evidente que para juris dictio perante factos assentes, não carece o tribunal de diligências de prova, não carece de uma verdadeira instrução: bastam-lhe os elementos escritos carreados para os autos.

Esta circunstância conduz também a que muitas das ações no contencioso administrativo reclamem um comportamento processual distinto daquele que é exigido no processo civil: as partes orientam a defesa para a discussão de direito, elaboram essencialmente sobre as exceções que obstam ao conhecimento do mérito da causa, registando-se uma preponderância muito grande dos elementos escritos, de cujo melhor exemplo é a remessa obrigatória do processo administrativo imposta à entidade demandada nos processos impugnatórios.

A existência de pretensões sujeitas a pressupostos processuais diferenciados ─ que o legislador bem soube identificar ─, nem sempre de concretização pacífica ou isenta de dificuldades, propicia a invocação de exceções dilatórias e a necessidade de as debater previamente. Esta circunstância acaba por imprimir, em certos casos, uma importância decisiva aos articulados iniciais, com destaque para a réplica.

2 - Réplica e tréplica

2.1 As exceções no processo administrativo

Com efeito, é reconhecida a necessidade de definição de algumas regras especiais em sede impugnatória e condenatória associada: quando se trata de ações de impugnação de atos administrativos, são regras relativas ao objeto do processo – o ato impugnável ─, à legitimidade ativa e passiva (v.g. no tocante aos contra-interessados), aos prazos de impugnação; do mesmo modo, no caso da condenação à prática de ato devido existem disposições especiais a caracterizar o objeto da ação, os seus pressupostos específicos, as regras de legitimidade próprias bem como os diferentes prazos de caducidade do direito de ação; também os processos que envolvem a apreciação da validade de normas administrativas ou a legalidade da sua omissão se encontram desenhados em função de pressupostos e prazos adequados à especificidade das pretensões em causa; e, por fim, as ações relativas à validade e execução de contratos contam também com disposições especiais quanto à legitimidade e aos prazos de impugnação4.

Daqui se depreende que numa ação sujeita a pressupostos especiais (quando confrontada com o regime da ação administrativa, chamemos-lhe “simples”) possa haver muitos outros assuntos a tratar antes de lidar com o fundo da questão ou o mérito da causa. Daí que a matéria das exceções, designadamente dilatórias, comummente invocadas e discutidas, acabe por assumir uma feição particular numa parte significativa do contencioso administrativo.

Como é sabido, nas ações administrativas especiais, à luz do CPTA, a matéria das exceções não é atualmente respondida na réplica (nos termos em que esta se encontrava prevista no CPC), que se encontra reservada para respostas a pedidos reconvencionais por aplicação subsidiária daquela legislação processual. De acordo com o previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 87.º do CPTA, caso tenham sido deduzidas exceções na contestação, o autor não irá apresentar réplica para lhes responder pois que o juiz, previamente à prolação do despacho saneador, notifica o autor para que este, no prazo de 10 dias, se pronuncie sobre as questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo5. Conforme notaram Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, “o autor, tendo sido deduzidas excepções na contestação, não carece, para responder, de apresentar réplica (…), devendo antes aguardar a notificação que, para o efeito, lhe seja feita pelo juiz, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alíneas a) ou b). É, portanto, a audição do autor, nos termos do referido preceito, que exerce a função que, no artigo 502.º do CPC anterior à reforma de 2013, corresponde à réplica” 6.

No caso das ações administrativas comuns está, já desde 1 de setembro de 2013, a aplicar-se o regime que resulta do CPC agora em vigor e que de seguida será objeto de comparação com o previsto no projCPTA para a ação administrativa.

2.2 Comparação entre o CPC e o ProjCPTA

Assim, o CPC prevê atualmente a figura da réplica em casos muito residuais: nas ações de simples apreciação negativa, e para dedução da defesa quanto à matéria da reconvenção (artigo 584.º). A tréplica deixa de estar prevista.

O CPC praticamente erradicou a réplica e erradicou mesmo a tréplica. A função da réplica passa a ser desempenhada pela audiência prévia 7 com contraditório oral ou, na falta desta, na própria audiência de julgamento em momento, necessariamente, preliminar.

Diga-se, porém, que a transformação da réplica em articulado residual e sem função de resposta às exceções não foi uma opção que tenha sido proposta pela comissão encarregue da reforma do CPC. Foi uma opção introduzida pelo legislador parlamentar motivado pela alegada relação direta entre o menor número de articulados/maior oralidade e uma maior celeridade processual8.

Tem sido entendido ainda, por quem se pronunciou em sede de revisão do CPC, que os poderes (reforçados) de gestão processual atribuídos ao juiz lhe facultam a possibilidade de optar por uma resposta escrita às exceções, designadamente se o teor das mesmas ou o estado do processo o justificar em ordem à mesma agilização e celeridade processual9.

Já no projCPTA, retoma-se o regime que existia no CPC antes de 1 de setembro de 2013, isto é, prevê-se a réplica como articulado de resposta: a) às exceções deduzidas na contestação ou às exceções perentórias invocadas pelo Ministério Público; b) para deduzir toda a defesa em matéria de reconvenção; c) nas ações de simples apreciação negativa, para impugnar os factos constitutivos que o demandado tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo demandado (números 1 e 2 do artigo 85.º‑A). A tréplica só é admissível para responder às exceções deduzidas na réplica quanto à matéria da reconvenção (n.º 6 do mesmo artigo).

O resultado final é a retoma de um regime abandonado pelo CPC e que, no momento presente, já nem está a aplicar-se às ações administrativas comuns.

Coerentemente, são definidos prazos para apresentação da réplica diferenciados em função do conteúdo da mesma (20 dias quando responda a exceções e 30 dias quando responda à reconvenção), que se contam a partir da notificação da apresentação da contestação (n.º 3 ainda do mesmo artigo).

2.3 Apreciação e sugestões

Pode parecer um pouco estranho, e até criticável, este desfasamento entre dois códigos de processo em que um elimina, na prática, o articulado de resposta às exceções e o outro passa a consagrá-lo em toda a linha.

Contudo, há boas razões a justificar a decisão de inserção da réplica como articulado de resposta às exceções ao nível do ProjCPTA. A primeira prende-se com a circunstância de sempre ter existido no contencioso administrativo um articulado de resposta às exceções, mesmo que nas ações administrativas especiais não se chamasse réplica e carecesse de notificação do juiz nos termos do artigo 87.º do CPTA10, razão pelo qual este regime só será novo no tocante ao prazo e ao termo a quo do mesmo.

E justifica-se autonomizar este articulado de resposta às exceções ─ por oposição à hipótese de resposta apenas em audiência ─ tendo em conta a especificidade do contencioso administrativo quanto à quantidade e natureza das exceções dilatórias frequentemente invocadas. A frequente arguição de exceções dilatórias neste contencioso (que não tem qualquer paralelo com o que penso suceder no processo cível) recomenda que o contraditório sobre estas não se protele pelo processo e possa ser rapidamente proferida uma decisão que as conheça. Por outro lado, tendo em conta que, na grande maioria dos casos, o litígio em causa será sobre questões de direito (de dizer o direito do caso), a oralidade não parece trazer uma mais valia ao processo. Os termos em que a réplica surge consagrada também permitem que a sua junção aos autos se faça de forma mais célere do que sucede com a pronúncia prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 87.º do CPTA, tanto mais que o prazo para replicar é de apenas 20 dias contados da notificação da apresentação da contestação. Tal significa que quando o processo for concluso ao juiz para proferir o despacho saneador (ou eventualmente o pré-saneador) todo o contraditório relativo às exceções invocadas nos articulados se encontra já assegurado.

O único aspeto menos positivo deste regime da réplica, enquanto articulado de resposta a exceções, residiria na impossibilidade de o juiz a dispensar mesmo quando ela fosse inútil, por não se exigir o contraditório em concreto11. Todavia, configurar uma hipótese de o juiz aceder, em regra, aos autos antes da réplica, a fim de decidir sobre a sua necessidade, também parece consumir tempo e acabar por atrasar os processos em que efetivamente deve haver lugar a réplica12. A eventual redução de articulados nos processos em que se justificasse dispensar a réplica ─ em clara aproximação do CPTA ao CPC ─ acabaria por não se traduzir, globalmente, numa aceleração da marcha do processo administrativo.

Tal como se encontra previsto o regime da réplica, podemos dizer que o ProjCPTA faz uma clara opção pela discussão escrita das exceções não tendo a audiência prévia a função de assegurar o contraditório quanto a estas. Esta tramitação permite perceber que, no processo cível e no processo administrativo, o momento em que se chega à fase da audiência prévia não será idêntico quer em termos de tempo já despendido quer também quanto à informação já carreada para os autos.

É este o momento para afrontar o aspeto seguinte: o regime da audiência prévia no ProjCPTA.

3 - Audiência prévia

3.1 As finalidades da audiência prévia

A audiência prévia, momento oral posterior à fase dos articulados, assume, entre outras, as mesmas finalidades que tinha, no processo civil, a audiência preliminar. Neste aspeto, ambos os regimes processuais coincidem e o ProjCPTA (n.º 1 do artigo 87.º‑A) foi beber ao CPC (n.º 1 do artigo 591.º) esta nova perspetiva de uma audiência multifacetada e complexa quanto às finalidades envolvidas.

Assim, a audiência prévia visa: a) realizar tentativa de conciliação; b) facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c) discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d) proferir despacho saneador; e) determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo; f) proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua duração, e designar as respetivas datas. Acresce que os requerimentos probatórios podem ser alteradas na e em função do que se conclua nesta audiência.

Conforme se perceberá, está previsto no ProjCPTA (e também no CPC) que as finalidades enunciadas nas alíneas d) a g) possam ser efetivamente alcançadas por via da emissão de despachos pelo juiz com dispensa daquele momento de oralidade13.

3.2 Obrigatoriedade da audiência prévia: comparação entre o CPC e o ProjCPTA

Se quanto às finalidades da audiência prévia os regimes processuais não divergem, já não é verdade que convirjam no demais, e desde logo na opção fundamental pela obrigatoriedade ou não da audiência prévia.

A matéria da audiência prévia, e a previsão da obrigatoriedade da sua realização ao nível do CPC, gerou bastante desconfiança ao nível dos operadores judiciários por estar generalizada a ideia de que se trata de uma audiência inútil e demasiado onerosa (constou que só cerca de 10% das ações tinham audiência preliminar ao abrigo do anterior CPC).

Uma das justificações avançadas ao nível do processo civil para esta consagração prende-se com o binómio oralidade/celeridade pois terá sido detetado que uma das causas de atraso na conclusão dos processos seria o excesso de articulados (a par da sua prolixidade). Praticamente erradicadas a réplica e a tréplica do processo civil, a audiência prévia permite também o contraditório (oral) prévio ao saneamento do processo.

Ao nível do ProjCPTA, inverte-se a regra, e a audiência prévia é facultativa (proémio do n.º 1 do artigo 87.º-A).

Assim, respeitando a lógica comparativa que norteou esta análise, cabe avaliar não só do bem fundado desta opção ─ que é de fundo, e que rejeita uma das bandeiras da reforma do CPC ─ mas também verificar em concreto os termos em que ela se consagra no projeto.

A propósito das finalidades da audiência prévia, supra, já se desvendou um pouco do regime de dispensa da audiência prévia pois ficou explícito que existem finalidades atribuídas à audiência que serão eventuais ou, noutra perspetiva, finalidades que, só por si, não justificam a obrigatoriedade daquela diligência ─ que pode ser substituída pela emissão de certos despachos do juiz.

Mas não será esta a única situação em que não se realiza a audiência prévia. O CPC tanto prevê aquelas hipóteses de dispensa em função das finalidades quanto disciplina casos que poderemos chamar de isenção de audiência prévia e ainda uma situação em que é esta é facultativa.

Esta última situação (audiência prévia facultativa) envolve apenas as ações de valor não superior a € 15.000 nas quais, à luz da alínea b) do artigo 597.º do CPC, a audiência prévia tem uma natureza facultativa. Trata-se de uma tramitação alternativa no tocante às ações menos valiosas e que, de certo modo, fragiliza a ideia de que o CPC consagraria a chamada forma única do processo (artigo 548.º)14.

As hipóteses de isenção de audiência prévia estão previstas no artigo 592.º e reportam-se: à revelia, ou seja ausência de contestação, inoperante (n.º 1); e à situação de procedência de exceção dilatória, e consequente terminus da ação no despacho saneador, que “já tenha sido debatida nos articulados” 15.

Esta última hipótese encontra paralelo, coerente, no projCPTA (n.º 1 do artigo 87.º-B); essa coerência resulta da consagração da réplica como articulado de resposta a exceções. Dito de outro modo, a sequência de articulados que se prevê no contencioso administrativo permite antecipar que a audiência prévia não tenha por função o exercício do contraditório quanto às exceções, designadamente dilatórias, que, a procederem ditarão o fim da ação no despacho saneador sem necessidade de mais intervenção das partes.

Por fim, e a propósito de nada se prever no projCPTA quanto à chamada revelia inoperante, importa chamar aqui a atenção para a forma como surge consagrado o ónus de impugnação, ou a ausência dele… O n.º 4 do artigo 82.º define que “a falta de impugnação especificada não importa confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios” ─ em disposição parcialmente semelhante à constante do n.º 4 do art.º 83.º do CPTA, que acrescenta a previsão da “falta de contestação” atribuindo-lhe a mesma estatuição.

Prossegue o n.º 3 do artigo 83.º do ProjCPTA, determinando que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação” que deve conter uma “posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”; esta disposição parece ir um pouco mais longe do que o atual n.º 1 do artigo 83.º do CPTA que aponta para um dever de, na contestação, “deduzir, de forma articulada, toda a matéria relativa à defesa”. Contudo, ambas não passam de disposições que definem a oportunidade da dedução da defesa, reconduzindo-a ao momento da contestação16.

O ProjCPTA não prevê, pois, à semelhança do que sucede com o CPTA, o ónus de impugnação especificada, não determinado qualquer efeito cominatório para a falta de contestação ou para a falta nela de impugnação especificada. Contudo, apesar de as disposições da legislação em vigor e daquela que se propõe não divergirem grandemente em termos textuais, apresentam uma diferença muito significativa quanto ao âmbito de aplicação dos preceitos. Se o n.º 4 do artigo 83.º do CPTA se aplica tão só às ações administrativas especiais, estando justificada a inadmissibilidade da ficta confessio quanto a factos relacionados com a legalidade do ato ou da norma ─ pelo « “privilégio” próprio da função exercida (ligada à ideia de indisponibilidade dos interesses envolvidos no exercício de poderes de autoridade»17 ─, já o n.º 4 do artigo 82.º do ProjCPTA diz respeito a ação administrativa, e, portanto, a todo o contencioso administrativo das ações que não sigam um processo especial. Ora, no âmbito das atuais ações administrativas comuns, o CPC define (já definia) um ónus de impugnação dos factos (essenciais), que serão admitidos por acordo salvo “se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto” (n.º 2 do artigo 574.º do CPC). E não parece que deva deixar de se aplicar este regime às ações em que não valha a justificação supra mencionada, ou seja, àquelas em que não se discuta diretamente a legalidade de um ato administrativo ou de um regulamento. Mesmo quanto àquelas ações que têm essa análise por objeto tenho dúvidas de que não fosse suficiente um redação adaptada do regime que vigora à luz do CPC. Assim, partindo da redação do mencionado n.º 2 do artigo 574.º do CPC, o n.º 4 do art.º 82.º do ProjCPTA poderia passar a dispor: “Sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 84.º, consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em contradição com a defesa no seu conjunto ou com o processo administrativo, ou se não for admissível confissão sobre eles.” A referência à inadmissibilidade da confissão deixará margem suficiente para se elaborar (doutrina e jurisprudência) nos casos dos processos impugnatórios (ou condenatórios com objeto idêntico).

Em suma, tendo em conta que o regime atual do CPTA só tem aplicação às ações administrativas especiais e que as ações administrativas comuns já lidavam com o regime constante do CPC, parece que deve ser aproveitado o ensejo para estabelecer uma aproximação razoável com lugar à adaptação estritamente necessária em respeito pelo princípio da igualdade de armas no contencioso administrativo.

3.3 Apreciação e sugestões

Embora já tenha levado a cabo uma apreciação ─ e consequente sugestão ─ da matéria do ónus de impugnação especificada, cabe agora olhar criticamente o regime da audiência prévia.

Que a realização da audiência prévia seja uma faculdade do juiz não parece desajustado à grande maioria dos processos no contencioso administrativo; não sou a primeira a afirmá‑lo18e julgo que se trata de uma intuição generalizada de quem opera nos tribunais administrativos. Contudo, a perceção que temos dessa escassa utilidade da audiência prévia no contencioso administrativo está diretamente ligada aos chamados processos impugnatórios (quer de atos quer de regulamentos administrativos) e àqueles em que a condenação também passaria pela prática de um ato de idêntica natureza (condenação à prática de ato e, previsivelmente, também à emissão de regulamento). É que nesses processos, na esmagadora maioria dos casos, não são os factos que se apresentam como controvertidos; o labor do juiz não será tanto apurar a verdade dos factos quanto dizer afinal o direito que, perante factos em que as partes se encontram tendencialmente de acordo, se aplica e qual a solução a que conduz.

E também no âmbito dessas ações, quando haja processo administrativo, o mesmo será remetido ao tribunal, contextualizando a atuação/omissão administrativa posta em crise no processo. E por isso não repugna que o processo não tenha de ter uma fase oral intermédia logo após os articulados, e seja um processo essencialmente escrito.

Estando prevista a possibilidade de se realizar uma audiência prévia, parece adequado que tal aconteça naquelas ações em que possa existir alguma complexidade de matéria de facto (v.g., entre outras, algumas ações relativas à responsabilidade extracontratual, e eventualmente, em matéria de contratos). Pois que aí já não haveria razão para o contencioso administrativo se afastar do regime do CPC.

Tal como já foi diagnosticado, a grande diferença entre as ações administrativas comuns e as ações administrativas especiais (ou entre as pretensões típicas de cada uma destas ações) radica na fase da instrução, necessariamente mais exigente naquelas – e daí uma utilidade imediata na audiência prévia enquanto diligência intermédia instrutória ou preparatória de futura instrução. No âmbito de algumas das pretensões típicas das ações administrativas comuns, os processos (civil e administrativo) apresentam-se com contornos muito idênticos; ora, nessas circunstâncias não parece coerente que o mesmo legislador (governamental) que advoga a obrigatoriedade da audiência prévia como um acelerador da justiça, assegurando a “concentração processual, (…) entendida como meio essencial para operar o princípio da cooperação, do contraditório e da oralidade” (v. exposição de motivos do CPC), não advogue idêntico remédio em condições semelhantes no contencioso administrativo.

Quer isto dizer que se poderia pensar na consagração de uma obrigatoriedade da audiência prévia, também no contencioso administrativo, quando os factos sejam controvertidos e, designadamente, não exista processo administrativo junto aos autos conexo com a pretensão formulada. Não estando prevista esta obrigatoriedade, deve o juiz administrativo estar atento ao curso da audiência prévia decorrente da aplicação do CPC e adequar a faculdade que tem ─ de a realizar ou não ─ às virtu(alida)des que aquela diligência venha a demonstrar.

Passo agora à deteção de algumas incoerências de regime/redação relativamente ao regime de dispensa da audiência prévia e da sua realização por iniciativa das partes no âmbito do ProjCPTA. A primeira dessas incoerências é apontar-se para um regime de dispensa, com fundamentos admissíveis de dispensa, quando está em causa uma diligência cuja realização é uma mera faculdade do juiz ─ não parece que possa dispensar-se aquilo que já não era obrigatório! Esta contradição ─ pelo menos, linguística ─ ficou a dever-se à transcrição acrítica dos números 1 e 2 do artigo 593.º do CPC que vieram a compor o n.º 2 do artigo 87.º‑B do ProjCPTA.

A segunda incoerência de regime resulta de se permitir às partes que invertam a lógica da facultatividade da audiência prévia suscitando, por via da reclamação (dos despachos emitidos em substituição daquela diligência), a realização de uma audiência potestativa que parece que o juiz não poderá negar (cfr. n.º 3 do artigo 593.º do CPC transcrito para o n.º 3 do artigo 87.º-B do ProjCPTA). Tal como o regime surge gizado, a reclamação apresentada de algum daqueles despachos só se torna efetiva mediante a realização da audiência prévia anteriormente dispensada pelo juiz.

Quanto a este último aspeto não deve escamotear-se que, mesmo no âmbito do processo civil, já há quem tenha vindo dizer que, de acordo com o teor ou a matéria das reclamações apresentadas, estaria na disponibilidade do juiz enquanto gestor do processo – no âmbito dos seus poderes de adequação formal – notificar a parte reclamante para motivar a reclamação por escrito e a outra parte para responder nos mesmos termos 19. Ainda perante essa possibilidade, transposta para o contencioso administrativo, não deixa de subsistir uma incoerência de regimes, pois deve ser deixada ao juiz a decisão sobre realizar a audiência prévia ou decidir a reclamação mediante expediente escrito (despacho), uma vez que, ab initio, a audiência prévia é configurada como uma faculdade.

Por fim, uma sugestão de redação; a manter-se a opção por consagrar a audiência prévia nos moldes de facultatividade constantes do projCPTA, deixo aqui uma redação alternativa para estes dois preceitos (os números 2 e 3 do artigo 87.º‑B do ProjCPTA) que, a meu ver, lhes imprime uma maior coerência interna.

Assim, o n.º 2 teria a seguinte redação: “Nas ações que hajam de prosseguir, quando o juiz dispense a realização da audiência prévia, profere, nesse caso, despacho para os fins previstos nas alíneas d), e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados.”; já o n.º 3 passaria a constar desta forma: “Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos proferidos para os fins previstos nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, pode o juiz convocar audiência prévia, que, neste caso, deve realizar-se num dos 20 dias seguintes e destinar‑se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, podendo haver alteração dos requerimentos probatórios.»

4 - Despacho saneador

4.1 Comparação de regimes e apreciação

O CPC prevê como finalidades do despacho saneador, o conhecimento das exceções dilatórias e das nulidades processuais, ou o conhecimento imediato do mérito da causa sempre que o estado do processo o permitir (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 595.º). O projCPTA veio adaptar este regime introduzindo uma modificação também sobre o que vigora atualmente ao abrigo do CPTA. Assim, para além de visar o conhecimento das exceções dilatórias e nulidades processuais, pode, no despacho saneador, conhecer-se imediatamente do mérito da causa sempre que a questão seja apenas de direito ou que, sendo também de facto, o estado do processo o permitir (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 88.º).

Saliente-se, porém, que a emissão do despacho saneador pressupõe, em princípio, no âmbito do CPC, que tenha havido lugar a audiência prévia pois as finalidades daquele despacho terão de ser antecedidas das diligências de contraditório constantes da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC. Por outro lado, também desta alínea, conjugada com o regime de dispensa da audiência prévia, resulta que o juiz, em caso algum, poderá conhecer do mérito da causa no despacho saneador sem ter convocado a audiência prévia; ou seja, resulta da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC que, se a intenção do juiz for a de proceder logo de seguida ao conhecimento do mérito e, eventualmente, absolver do pedido, então não pode deixar de realizar a audiência prévia ─ e daí que esta alínea b) não surja mencionada no n.º 1 do artigo 593.º a propósito da dispensa de audiência prévia.

Já assim não sucede quando afrontamos o regime do ProjCPTA, desde logo porque a audiência prévia é facultativa mas também porque o contraditório quanto às exceções, que aquela garantiria, deverá já estar assegurado através da réplica.

Neste primeiro aspeto do regime, a adaptação do regime do CPC ao processo administrativo é de saudar pois não serão poucas as vezes em que o processo administrativo se reconduz a uma questão de “dizer o direito” encontrando-se a factualidade totalmente assente. Do ponto de vista da aceleração do processo ─ e tendo em conta o (ab)uso que vinha sendo feito da alínea i) do n.º 1 do artigo 27.º do CPTA ─, verdadeiramente de saudar esta modificação (sobre o regime que consta atualmente do art.º 87.º/1 do CPTA) pois ela permite - se não obriga – o juiz a terminar o processo no saneador sempre que a questão seja apenas de direito. Deixa de estar na dependência das partes, nestes casos, a produção ou não de alegações finais.

Resta saber qual a amplitude da expressão “questão apenas de direito”. Julgo que tanto abrange os casos em que só existe uma questão de direito para decidir, não dependente de factos como aqueles em que a matéria de facto se encontra já assente no momento do despacho saneador. Ainda, se as dúvidas em relação aos factos forem mínimas, subsiste a hipótese de ser convocada a audiência prévia de molde a permitir findar o processo no saneador sem maiores delongas.

Este novo enquadramento do despacho saneador leva a que tenha de se ter em mente que quer a petição inicial quer a contestação podem passar a ser os únicos articulados globais do processo podendo não ser avisado, do ponto de vista da estratégia processual, guardar matéria/argumentos para as alegações finais, uma vez que estas poderão não chegar a ocorrer.

Menos pacífico, no âmbito do regime do despacho saneador, é o efeito preclusivo deste despacho saneador quanto a exceções dilatórias não apreciadas.

4.2 A preclusão de apreciação quanto a exceções dilatórias não apreciadas

Nos termos do n.º 3 do artigo 595.º do CPC, quando o despacho aprecie exceções dilatórias ou nulidades processuais, “constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas”; já se conhecer imediatamente do mérito da causa, “fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença”. Esta disposição encontra‑se transcrita no n.º 4 do artigo 88.º do ProjCPTA.

Contudo, também o n.º 2 do artigo 88.º se debruça sobre os efeitos do despacho saneador quanto à apreciação de questões prévias, reproduzindo integralmente o que consta do n.º 2 do artigo 87.º do CPTA. Quanto à redação em concreto, cabe salientar que a parte final deste número deve ser eliminada por repetir o efeito de caso julgado formal já constante do n.º 4 do artigo 88.º do ProjCPTA ─ tratou-se porventura de uma situação de inércia relativamente à redação atual mas que merece ser corrigida.

Já a primeira parte do preceito ─ estabelecendo a preclusão de apreciação de exceções dilatórias ou nulidades que não tenham sido apreciadas no despacho saneador ─, embora não seja inovadora no contencioso administrativo, tem merecido vivas críticas, designadamente por parte dos magistrados, por impraticabilidade20. Não me parece que se deva ver neste regime um qualquer sinal de desconfiança do legislador relativamente à diligência dos magistrados administrativos21 mas, porventura, um entendimento de que o processo que ultrapasse a fase do saneador terá de ver o seu fim, em regra, através de uma apreciação de mérito, e não de uma mera decisão formal 22.

Se, à luz do CPTA vigente, essa preclusão, de apreciar quaisquer questões prévias após o saneador, só se aplica às ações administrativas especiais ─ e já surge como solução contestada ─, a sua consagração no ProjCPTA tem por efeito estendê-la a todas as ações administrativas, ou seja, mesmo àquelas que atualmente seguem o regime do CPC23. E o que importa perceber é se se justifica esta dissonância com o sucede no processo civil por alguma especialidade do contencioso administrativo.

Nos chamados processos impugnatórios poder-se-ia buscar uma justificação para tal regime de preclusão ao princípio da legalidade administrativa (e a uma eventual natureza objetiva do processo), que seria mais valioso do que o do respeito pelas regras processuais que obstassem ao conhecimento de mérito a partir de uma dada fase do processo. Dito de outra forma, se a exceção em causa não foi (e poderia ter sido) invocada pelas partes, deveria prevalecer a aferição da legalidade da atuação administrativa em causa (função objetiva do contencioso) com consequente desvalorização da exceção dilatória em causa. Não se trata de argumentação que me deixe convencida tanto quanto o espectro de exceções dilatórias (e de nulidades processuais) é muito vasto e não parece que se possa defender que o princípio da legalidade administrativa seja sempre o bem mais valioso nesse confronto.

Certo é que nas pretensões que não tenham cariz impugnatório, esta lógica falha completamente e não se vê qualquer razão válida para a diferenciação de regimes em face do CPC e daquilo que vem sendo uma realidade nas ações administrativas comuns. Assim, julgo que a manter-se a preclusão de apreciação de questões prévias não apreciadas no saneador, esta deve restringir-se apenas aos processos que tenham por objeto imediato a verificação da legalidade de actos/regulamentos ou da sua omissão. Mas a manter-se deve ainda ser corrigida quanto aos excessos da solução que alguma doutrina já identificava: sejam eles o de obrigar a que um processo prossiga mesmo quando a sentença venha a revelar-se totalmente inútil ─ v. g., por se dirigir a parte ilegítima relativamente à qual não poderá vir a ser executada ─, ou o de obstar a que possa haver apreciação posterior da litispendência ou do caso julgado 24; neste último caso, o regime do CPC não obstaria à decisão de absolvição da instância por se tratar de uma exceção não só de conhecimento oficioso quanto atinente à tutela de interesses objetivos. Conforme realça Vieira de Andrade, a propósito da solução vigente no CPTA, “ a lei terá ido longe demais”.

Mas, a manter-se o regime da preclusão ─ que criticamos ─, pelo menos, não deve o mesmo ser endurecido e estendido a todas as ações administrativas por total ausência de justificação perante a opção constante do CPC, opção essa, largamente aplicada no contencioso administrativo no âmbito das ações administrativas comuns.

5 - Alegações finais

5.1 Comparação de regimes

Para se compreender o regime das alegações finais definido no ProjCPTA importa ter em conta alguns aspetos do regime da audiência final. Nos termos do n.º 1 do artigo 91.º, “há lugar à realização de audiência final quando haja prestação de depoimentos de parte ou inquirição de testemunhas”; está previsto que um dos atos dessa audiência sejam as “alegações orais, nas quais os advogados exponham as conclusões, de facto e de direito, que hajam extraído da prova produzida, podendo cada advogado replicar uma vez” (n.º 3 do mesmo artigo); nos termos do n.º 6, ainda do mesmo artigo, “quando a complexidade da matéria o justifique ou qualquer das partes não prescinda da sua apresentação, o juiz, no termo da audiência, determina que as alegações previstas na alínea e) do n.º 4 alegações orais sejam apresentadas por escrito pelo prazo simultâneo de 20 dias”; e, por fim, “quando não haja lugar à realização de audiência final, as partes, finda a instrução, são notificadas para apresentarem alegações escritas pelo prazo simultâneo de 20 dias” (artigo 91.º‑A).

A comparação com o regime previsto no CPC permite verificar que as alegações finais têm o mesmo objeto: conclusões de facto e de direito extraídas da prova produzida. Contudo, no âmbito do CPC, determina-se que essas alegações sejam sempre orais e com tempos delimitados 25. Já no ProjCPA se prevê uma espécie de direito das partes a produzirem alegações finais escritas (“ou qualquer das partes não prescinda da sua apresentação”), o que não encontra qualquer justificação imediata. Trata-se porventura de um reflexo do regime vigente no âmbito do qual, sempre que o processo não se finde no saneador, se encontra na disponibilidade das partes a apresentação de alegações escritas que, quando não tenha havido produção de prova, serão simplesmente alegações de direito (n.º 4 do artigo 78.º e n.º 4 do artigo 91.º do CPTA) 26.

Parece que o legislador do contencioso administrativo não estabeleceu a mesma relação que o legislador do processo civil entre a morosidade das ações e a multiplicação de articulados escritos. E o argumento de que o contencioso administrativo é um contencioso essencialmente escrito encontra aqui alguns obstáculos importantes. Por um lado, caso as alegações finais surjam na sequência da audiência final, encontramos aqui um momento de oralidade importante que afasta, pelo menos parcialmente, essa linha de argumentação. Por outro lado, se não houver lugar a audiência final, só em casos específicos é que poderá haver lugar à produção de alegações finais.

O disposto no artigo 91.º-A não deve significar que, ultrapassada a fase do despacho saneador, possa haver sempre alegações, mesmo que não haja audiência final ─ ao contrário do que uma leitura apressada poderia levar a pensar ─ e que estas sejam, então, alegações escritas. Uma leitura atenta e articulada com o regime do despacho saneador permite perceber que: a) só haverá lugar a alegações (escritas) se tiver havido efetiva instrução (sendo que esta se compõe das diligências de prova que o juiz considere necessárias para o apuramento da verdade); b) caso se passe à fase da instrução mas não cheguem a realizar-se, de facto, quaisquer diligências de prova, não parece que possa haver lugar a alegações – materialmente nada se acrescentou ao que já estava adquirido nos autos até àquele momento pelo que não há objeto para alegações finais e pode, então, ser proferida de imediato sentença 27.

Significa isto também, reforçando o que se escreveu supra a propósito do despacho saneador, que, caso não estejam previstas diligências de prova a realizar após o despacho saneador, não só não haverá lugar a alegações finais, como o juiz deve estar preparado para decidir a ação no despacho saneador (que terá então força de sentença). Caso subsistam dúvidas, deve ser dada preferência à realização da audiência prévia a fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito (alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º-A do ProjCPTA) de modo a que, se forem sanadas essas dúvidas, se possa concluir a ação no despacho saneador.

5.2 Apreciação e sugestões

A configuração das alegações finais como articulados que efetivamente só devem ser admitidos para expor conclusões, de facto e de direito, que tenham sido extraídas da prova produzida após os articulados, ou seja, durante a instrução, é acertada e coaduna‑se com os objetivos de celeridade processual que também norteiam a presente reforma do contencioso.

Já o regime das alegações finais enquanto articulados que podem ser escritos pode ainda beneficiar de algumas melhorias. Assim, mesmo que se chegue à conclusão de que a especificidade do processo administrativo justifica que deva estar nas mãos do juiz o poder de determinar que as alegações finais sejam produzidas por escrito (atendendo, designadamente à complexidade da causa), não parece que tal possa ser ainda uma prerrogativa das partes tal como surge consagrada (“ou qualquer das partes não prescinda da sua apresentação”) na medida em que nada o justifica. Daí que sugira a eliminação do inciso intermédio transcrito (n.º 6 do artigo 91.º).

Uma última palavra sobre o critério utilizado para nortear a decisão do juiz – a complexidade da causa. A este propósito tenha-se apenas em conta que, presentemente, nas ações administrativas comuns as alegações finais não podem deixar de ser orais, à luz do CPC que, remissivamente, se lhes aplica. Por não conseguir encontrar especificidades que justifiquem a diferença de regimes entre o CPTA e o CPC neste particular, julgo que deveriam ensaiar-se critérios objetivos para determinar a possibilidade de alegações escritas28: a natureza essencialmente escrita do processo administrativo permitiria estabelecer que, havendo diligências instrutórias, quando a prova tivesse sido toda produzida sem recurso a audiências orais ou não houvesse lugar a audiência final, poderiam as alegações finais ser apresentadas por escrito. Havendo lugar a audiência final, nos termos do n.º 1 do artigo 91.º, não se compreende porque não devem as alegações finais ser sempre orais à semelhança do que se prevê no CPC.

6 - Conclusões

1ª) O carácter facultativo da audiência prévia é adequado ao contencioso administrativo mas o regime previsto carece de adaptações e benfeitorias na redação.

2ª) A introdução generalizada da réplica como articulado eventual de resposta a exceções é uma boa decisão e manifesta uma clara opção pela discussão escrita das exceções que é consentânea com a opção anterior, não tendo a audiência prévia a função de assegurar o contraditório quanto a estas.

3ª) A matéria do saneamento foi adequadamente adaptada ao contencioso administrativo quando se prevê que o despacho saneador venha pôr fim ao processo sempre que a questão seja apenas de direito; já o carácter preclusivo do despacho saneador quanto a exceções não apreciadas não parece encontrar justificação para se estender a todo o tipo de pretensões e de modo dissonante com o que se passa no processo civil.

4ª) Quanto às alegações finais, surge totalmente injustificada a prerrogativa das partes de as formularem por escrito, justificando-se antes uma regra geral de oralidade; já é de aplaudir a sua exclusão quando, não havendo audiência de julgamento, não tenham sido levadas a cabo efetivas diligências instrutórias; trata-se de uma aspeto no qual ainda pode ser ensaiada uma maior aproximação ao regime constante do CPC.

 


1 Sempre que me refira a preceitos do projeto em causa (doravante “ProjCPTA”), reporto‑me à versão tal como posta a discussão pública e disponível no portal do Governo em http://www.portugal.gov.pt/media/1352316/20140225%20mj%20prop%20lei%20cpta%20etaf.pdf (último acesso em 16/05/2014).
2 Este texto corresponde, no essencial, à intervenção na Conferência “A Reforma do Direito Processual Administrativo”, organizada pelo Instituto de Ciências Jurídico‑Políticas (FDUL), no passado dia 9 de maio, que foi subordinada ao painel relativo à unificação das formas do processo.
3 Com esta afirmação condicional não se está a sugerir que o juiz administrativo não passará a gozar de poderes idênticos aos que foram conferidos ao juiz no âmbito do CPC (nomeadamente por via do artigo 6.º); essa aplicação subsidiária parece conforme ao espírito da remissão constante do artigo 1.º do ProjCPTA. Contudo, perdeu-se a oportunidade de introduzir diretamente no articulado do CPTA essa “pequena revolução” que, pela mudança de paradigma que acarreta, só parece reunir condições de êxito quando prevista/imposta diretamente. Não é de descurar a circunstância de o artigo 87.º-A do ProjCPTA ter consagrado, como uma das finalidades da eventual audiência prévia, a decisão do juiz sobre “a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo”, contudo, parece estar a perder-se a oportunidade de estabelecer como princípio também do contencioso administrativo o “dever de gestão processual” atribuído ao juiz ─ neste sentido, podem ouvir-se as palavras de Esperança Mealha, referindo-se, positivamente, ao “processo como pasta moldável” na sua intervenção in Colóquio de Direito Administrativo “A Reforma do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Porto, 10 Abril de 2014, disponível em http://www.justicatv.com/index.php?p=4498 . Tendo sido uma bandeira da reforma do processo civil carece, pois, de alguma reflexão a opção por não a consagrar em termos idênticos na reforma do contencioso administrativo.
4 Estas regras constam do ProjCPTA entre os artigos 51.º e 77.º-B, embora neste intervalo haja espaço para outras normas especiais atinentes, entre outras, à tramitação e às modificações da instância.
5 Também, nos termos da alínea b) do mesmo preceito, o autor pode ser ouvido, pelo mesmo prazo, quanto a exceções perentórias que hajam sido invocadas, no caso de haver dispensa de alegações finais, a fim de permitir ao juiz decidir sobre o mérito da ação.
6 Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos , 2ª ed. revista, Coimbra, 2007, pp. 513/514.
7 Conforme se verá infra, esta audiência é obrigatória, salvo exceções assinaladas, e uma das suas finalidades é, precisamente, facultar a discussão de facto e de direito quando caiba ao juiz apreciar exceções dilatórias (alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC).
8 Esta alteração introduzida pelo legislador parlamentar acabou por gerar algumas incoerências em certos preceitos do CPC, elaborados na suposição de que a réplica serviria para responder às exceções, que não foram modificados em conformidade; é o caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 592.º cuja redação pressupõe claramente a pré-existência de uma réplica com função de respostas às exceções arguidas na contestação.
9 Neste sentido, entre outros, Elizabeth Fernandez, em conferência sob o títuloO impacto do novo CPC no processo administrativo e no processo tributário, setembro de 2013, disponível em http://www.justicatv.com/index.php?p=3288 .
10 No momento atual assim não sucede por força da aplicação remissiva do regime do CPC às ações administrativas comuns, desde o dia 1 de setembro de 2013; mas trata-se claramente de uma fase transitória do contencioso administrativo.
11 Estou a pensar concreta e exemplificativamente na circunstância de só serem invocadas exceções dilatórias de conhecimento oficioso que não houvessem de proceder, prosseguindo assim a ação. Esta possibilidade não afrontaria o contraditório porque a parte que não é ouvida obtém uma decisão intermédia que lhe é totalmente favorável.
12 Tal hipótese obrigaria a repescar o regime atualmente previsto no CPTA sendo que os processos seriam conclusos ao juiz logo após a contestação para que este decidisse se haveria ou não lugar a réplica e, em caso afirmativo, a mesma fosse elaborada num prazo mais curto atendendo ao conhecimento já antecipado da contestação (à semelhança do que sucede à luz da alínea a) do n.º 1 do art.º 87.º, que prevê um prazo de 10 dias). Ainda assim, parece mais célere assumir a réplica como articulado eventual caso haja lugar à invocação de exceções (ou tenha havido reconvenção) contando-se o prazo para a sua apresentação logo desde a data em que se considere notificada a apresentação da contestação.
13 Nesse caso, terá 20 dias (contados do termo dos articulados) para proferir três (ou quatro) despachos: 1) o saneador (excepções dilatórias e nulidades processuais); 2) o despacho que define o objeto do litígio e os temas da prova; 3) o despacho de agendamento e programação da audiência final; e, eventualmente, 4) um despacho destinado a determinar a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual (n.º 2 do artigo 87.º-B do ProjCPTA).
14 Como já foi notado, a chamada forma única do processo consagrada no artigo 548.º do CPC acaba por ser algo enganadora; estou a pensar, não nas múltiplas tramitações processuais que o juiz pode adotar ao abrigo dos seus poderes de adequação formal (artigo 547.º), mas, tão só nas disposições específicas do CPC quanto a ações de valor não superior a 15000€. Assim, para além da audiência prévia como uma faculdade do juiz (artigo 597.º do CPC), nessas ações, o número máximo de testemunhas surge reduzido de 10 para 5 (n.º 1 do artigo 511.º), a perícia só pode ser singular (n.º 5 do artigo 478.º), e o tempo previsto para alegações orais surge reduzido a metade (n.º 5 do artigo 604.º). Ao nível do CPTA, embora não se faça qualquer menção às especificidades da tramitação por relação com valor da causa, parece que a aplicação supletiva do CPC indicia a possibilidade de se aplicarem estas disposições aos processos menos valiosos. A facultatividade da audiência prévia já resulta do CPTA em qualquer caso, pelo que serão os outros traços de regime mencionados a poderem apresentar alguma relevância prática nas ações administrativas de valor igual ou inferior a €15.000.
15 Conforme supra se mencionou, esta alínea encerra uma contradição resultante da alteração introduzida pela Assembleia da República que limitou o âmbito da réplica; ou seja, mesmo que haja de proceder exceção dilatória não será conforme ao regime da réplica que, antes do saneador, essa exceção já tenha sido debatida nos articulados (exceção feita aos casos em que o autor utilize a resposta à reconvenção para se defender quanto a exceções). Contudo, tal não impede que, para fazer funcionar a isenção de audiência prévia, o juiz não venha, ao abrigo do artigo 6.º do CPC, notificar o autor para se pronunciar sobre as exceções.
16 Cfr. Mário Aroso de Almeida/ Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed. revista, p. 485.         [ Links ]
17 Mário Esteves de Oliveira/ Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, vol. I, Coimbra, 2004, p. 491.         [ Links ]
18 No mesmo sentido, Esperança Mealha, na sua intervenção in Colóquio de Direito Administrativo “A Reforma do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate”, Porto, 10 Abril de 2014, disponível em http://www.justicatv.com/index.php?p=4498.
19 Defendendo esta possibilidade, Elizabeth Fernandez, em conferência sob o títuloO impacto do novo CPC no processo administrativo e no processo tributário, setembro de 2013, disponível em http://www.justicatv.com/index.php?p=3288 . De acordo com Laurinda Gemas, haverá toda a conveniência em que a parte reclamante concretize a sua reclamação (podendo o juiz convidá-la a fazê-lo) para que o juiz possa chegar a uma conclusão sobre a necessidade ou não de realização da audiência prévia – intervenção em “Jornadas do Processo Civil”, 1 de Outubro de 2013, disponível em http://www.justicatv.com/index.php?p=3348.
20 A doutrina tenta justificá-la por “razões de funcionalidade e economia processual”, por “evitar a proliferação de decisões judiciais sobre aspetos relativos à regularidade da instância”, uma das causas de morosidade da justiça administrativa identificada no período pré‑CPTA (artigo 54.º da LPTA e 59.º do RSTA); esta solução visaria assegurar o “princípio de promoção do acesso à justiça”. Permitiria evitar que o juiz relegasse aquela apreciação para um momento posterior do processo, vindo tardiamente a concluí-lo com uma mera decisão de forma; ou ainda que ao longo do processo, e em qualquer fase do mesmo, pudessem as partes suscitar questões prévias que entorpecessem o seu andamento, cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed. revista, pp. 515 e 522.
21 Também neste sentido, João Pacheco de Amorim, no âmbito do debate que se seguiu à sua intervenção in “A Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (CEJ), Lisboa, 3 e 4 Abril de 2014, disponível em http://www.justicatv.com/index.php?p=4482 , advogando antes uma lógica de desconsideração dessas exceções na medida em que não tenham sido suscitadas nem conhecidas.
22 Exceção feita, claro está, a exceções ou nulidades que sobrevenham ou que não pudessem de todo ser conhecidas no momento do saneador. Este regime não impede ainda que o juiz relegue, expressamente no despacho saneador, para momento posterior o conhecimento de uma dada exceção por esta se encontrar dependente da matéria ainda não apurada nos autos (designadamente, aquisição de factos durante a instrução). Esta é uma prática muito comum, por exemplo, a propósito da exceção de caducidade do direito de ação (alínea h) do n.º 1 do art.º 89.º do CPTA) que, à luz do ProjCPTA, deixa ─ e bem! – de ser considerada uma exceção dilatória.
23 Nos termos do n.º 3 do artigo 278.º do CPC, a exceção dilatória não conduzirá à absolvição da instância “quando, destinando-se a tutelar uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da exceção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.
24 V., entre outros, Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed. revista, p. 522/523, e Vieira de Andrade, Justiça Administrativa (Lições), 10ª ed., Coimbra, 2009, p. 333.
25 Está em causa o disposto no n.º 5 do artigo 604.º do CPC que deverá aplicar-se subsidiariamente ao contencioso administrativo quando as alegações finais hajam de ser orais.
26 V. Mário Aroso de Almeida/ Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed. revista, p. 552.
27 Ao contrário do que sucede atualmente, à luz do regime previsto no ProjCPTA, não parece que se possa, após o saneador, notificar as partes para produzirem as alegações finais sem que de permeio se tenham realizado quaisquer diligências instrutórias. Esta interpretação resulta dos termos em que se encontram redigidos a alínea e) do n.º 4, e o n.º 6.º do artigo 91.º, bem como o artigo 91.º-A do ProjCPTA, pois aí se aponta para que as alegações possam ser de facto e de direito mas não parece haver margem para que sejam apenas de direito; pois que só haverá notificação para serem produzidas se houver lugar a efetiva instrução ─ daí o inciso “finda a instrução” constante do artigo 91.º-A, que não parece admitir exceção.
28 A complexidade da causa não é um critério convincente e, além disso, poderia ter sido usado no CPC e não foi querido pelo legislador.