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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.1 no.2 Lisboa jun. 2014

 

DIREITO PÚBLICO

Nova lei de bases do solo, do ordenamento do território e do urbanismo

The recent approval of law n.º 31/2014, of may 30th, on soil classification, land use and planning

 

Vasco Pereira da Silva I, Carlos Lobo II, Henrique Sousa Antunes III, Fernanda Paula Oliveira IV, João Miranda V, Cláudio MonteiroVI, André Salgado de Matos VII

IFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: vasco@fd.ulisboa.pt

IIFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: carloslobo@fd.ulisboa.pt

IIIFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: hnsa@fd.lisboa.ucp.pt

VIFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: fpaula@fd.uc.pt

VFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: joaomiranda@fd.ulisboa.pt

VIFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: cmonteiro@fd.ulisboa.pt

VIIFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: asamatos@mail.fd.ul.pt

 

 

Sumário:1.Anteprojeto elaborado pela Comissão 2.Trabalhos preparatórios 3.Primeiro Comentário à Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos de Ordenamento do Território e do Urbanismo

Palavras-chave: Lei de Bases do Solo; lei n.º 31/2014; urbanismo e ordenamento do território; estatuto jurídico do solo; intervenção estatal

Keywords: Land statutory Framework; Law 31/2014; urban planning; legal status of land; state intervention

 

 

Anteprojeto de Lei de Bases do Solo, do ordenamento do território e do Urbanismo

(Projeto elaborado pela Comissão - 4 de Julho de 2012)

 

PARTE I

Princípios, direitos e deveres gerais

CAPÍTULO I

Princípios gerais

Artigo 1.º

Âmbito

A presente lei estabelece as bases gerais das políticas públicas e do regime jurídico do solo, do ordenamento do território e do urbanismo.

Artigo 2.º

Princípios gerais relativos ao solo, ao ordenamento do território e ao urbanismo

As políticas públicas e as atuações administrativas em matéria de solo, de ordenamento do território e de urbanismo estão subordinadas, nomeadamente, aos princípios gerais:

a) Da solidariedade intergeracional;

b) Da economia e da eficiência das decisões;

c) Da subsidiaridade e da aproximação às populações dos órgãos decisórios;

d) Da justa repartição dos encargos e dos benefícios;

e) Da participação dos cidadãos;

f) Da segurança jurídica e da proteção da confiança;

g) Da concertação e da contratualização entre interesses públicos e privados;

h) Da necessária consideração e compatibilização com outras políticas de desenvolvimento económico e social.

Artigo 3.º

Princípios ambientais relativos ao solo, ordenamento do território e urbanismo

As políticas públicas e as atuações administrativas no domínio do solo, do ordenamento do território e do urbanismo contribuem para a defesa e preservação do ambiente e estão subordinadas, nomeadamente, aos seguintes princípios:

a) Do desenvolvimento sustentável,

b) Da prevenção e da precaução,

c) Do poluidor-pagador,

d) Da responsabilização ambiental;

e) Da utilização racional e eficiente do solo enquanto recurso natural escasso.

Artigo 4.º

Qualidade do solo

1 — As políticas públicas e as atuações administrativas de ordenamento do território e urbanismo visam preservar a qualidade do solo e salvaguardar a realização das suas funções ambientais, económicas, sociais e culturais, nomeadamente, de:

a) Suporte físico e de enquadramento cultural para as pessoas e suas atividades;

b) Produção de biomassa;

c) Armazenamento, filtragem e transformação de nutrientes, substância e água;

d) Reserva de biodiversidade;

e) Fonte de matérias-primas;

f) Reservatório de carbono;

g) Conservação do património, designadamente geológico e arqueológico

2 — As políticas e as atuações públicas em matéria de solo visam evitar a contaminação deste, nomeadamente eliminando ou minorando os efeitos de substâncias poluentes, a fim de garantir a salvaguarda da saúde humana e do ambiente.

3 — A descontaminação e a reabilitação do solo são objeto de lei especial.

 

Artigo 5.º

Regulação fundiária

1 — A regulação fundiária do ordenamento do território e do urbanismo promove o aproveitamento pleno do solo, o desenvolvimento económico, a organização eficiente do mercado imobiliário e a perequação global de benefícios e encargos.

2 — As opções a adoptar nos planos territoriais dependem da respectiva sustentabilidade financeira.

CAPÍTULO II

Direitos e deveres gerais

Artigo 6.º

Propriedade privada do solo

1 — A todos é garantido o direito de propriedade privada, nos termos da Constituição e da lei e no respeito da sua função social.

2 — O direito de propriedade privada e os demais direitos relativos ao solo são ponderados e compatibilizados, no quadro das relações jurídicas de ordenamento do território e de urbanismo, com princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios do ambiente, da cultura e do património cultural, da saúde pública, da educação, da habitação, da qualidade de vida e do desenvolvimento económico e social.

3 — A imposição de limites e restrições aos direitos relativos ao solo está sujeita ao pagamento de justa indemnização, nos termos previstos na presente lei.

Artigo 7.º

Direito ao ordenamento do território

Todos têm o direito a um ordenamento racional, proporcional e equilibrado do território, de modo a que a prossecução do interesse público em matéria de solo se faça no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos de cada um.

 

Artigo 8.º

Dever de ordenamento do território

1 — Os órgãos do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais promovem políticas públicas de ordenamento do território e de urbanismo, no âmbito das respetivas atribuições e competências, de modo a assegurar um sistema articulado de planeamento territorial que promova uma adequada organização e utilização do território nacional na perspetiva da sua valorização e do seu desenvolvimento, designadamente no espaço europeu, e numa lógica de contenção da expansão urbana, de colmatação dos espaços urbanizados e de reabilitação urbana, de modo a garantir uma ocupação racional do território.

2 — As políticas públicas de ordenamento do território e urbanismo visam assegurar o desenvolvimento económico, social e cultural integrado, harmonioso, coeso e sustentável do país, tendo em conta as especificidades das respetivas regiões e aglomerados urbanos.

Artigo 9.º

Direitos de utilização do solo

Todos têm o direito:

a) De usar e fruir adequamente os solos, no respeito pela respetiva função, nomeadamente em termos agrícolas, florestais, de urbanização e de edificação;

b) De utilizar os bens do domínio público e das infraestruturas de utilização coletiva;

c) De aceder, em condições de igualdade, aos espaços coletivos abertos ao público, designadamente equipamentos e zonas verdes, de acordo com a legislação reguladora da respetiva atividade.

Artigo 10.º

Deveres de utilização do solo

Todos têm o dever:

a) De utilizar racionalmente os recursos naturais;

b) De respeitar o meio ambiente, o património cultural e a paisagem natural e urbana, e de se abster de realizar quaisquer atividades lesivas dos mesmos;

c) De fazer um uso adequado e racional dos bens do domínio público e das infraestruturas, dos serviços urbanos e dos espaços colectivos, de acordo com as suas caraterísticas, funções e capacidade de serviço, bem como de se abster de realizar qualquer ato ou de desenvolver qualquer atividade que comporte um perigo de perturbação ou de lesão dos mesmos.

 

Artigo 11.º

Deveres da Administração relativos à utilização do solo

As entidades administrativas têm o dever:

a) De planear e programar a ocupação, uso e transformação do solo;

b) De garantir a igualdade e transparência no exercício dos direitos e no cumprimento dos deveres relacionados com o solo;

c) De garantir o uso do solo de acordo com o desenvolvimento sustentável de modo a prevenir a sua degradação;

d) De garantir a existência de espaços públicos destinados a infraestruturas, equipamentos e zonas verdes, acautelando que todos tenham acesso a eles em condições de igualdade;

e) De disponibilizar, de forma ativa, toda a informação relativa aos procedimentos e às decisões com incidência no solo, por intermédio de meios eficazes de publicidade, designadamente as redes eletrónicas e a Internet.

Artigo 12.º

Direito à habitação

O direito a uma habitação condigna, adequada e acessível realiza-se através das políticas públicas de ordenamento do território e urbanismo.

Artigo 13.º

Direitos procedimentais

1 — Todos gozam dos direitos de intervir e participar nos procedimentos administrativos relativo ao solo, ordenamento do território e urbanismo.

2 — Os direitos referidos no número anterior incluem, nomeadamente:

a) O direito de participação efetiva nos procedimentos com incidência na ocupação, uso e transformação dos solos através da apresentação de propostas, sugestões e reclamações, bem como o direito de obter uma resposta fundamentada da administração nos termos da lei geral;

b) O direito de acesso à informação de que as entidades públicas disponham e aos documentos que integram os procedimentos referidos na alínea anterior.

PARTE II

Solo e política de solos

 

CAPÍTULO I

Estatuto jurídico do solo

 

SECÇÃO I

Disposições comuns

Artigo 14.º

Regime de ocupação, uso e transformação do solo

A ocupação, o uso e a transformação do solo realizam-se na forma e dentro dos limites estabelecidos na lei e nos planos municipais em vigor e em conformidade com as respectivas classificação e qualificação.

Artigo 15.º

Classificação e qualificação do solo

1 — O regime de ocupação, uso e transformação do solo é definido mediante a classificação e a qualificação do solo.

2 — A classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rústico e solo urbano.

3 — Para efeitos do número anterior, entende-se por:

a) Solo rústico, aquele para o qual é reconhecida vocação para atividades agrícolas, pecuárias, florestais, mineiras e espaços naturais de proteção e lazer;

b) Solo urbano, aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação.

4 — A classificação do solo como urbano depende das suas indispensabilidade e adequação quantitativa e qualitativa para o desenvolvimento urbanístico com vista a garantir o pleno aproveitamento das áreas urbanas e faz-se no respeito pelos imperativos da economia do solo e dos demais recursos territoriais.

5 — A qualificação do solo define, com respeito pela sua classificação, o conteúdo do seu aproveitamento possível por referência a uma atividade ou utilização dominante.

6 — O regime de ocupação, uso e transformação do solo é estabelecido pelos planos municipais.

 

Artigo 16.º

Restrições de utilidade pública

1 — Sem prejuízo da definição do regime de ocupação, uso e transformação do solo pelos planos municipais, para a prossecução de finalidades abstratas de interesse público relativas à política de solos podem ser estabelecidas por lei restrições de utilidade pública ao conteúdo do direito de propriedade.

2 — Quando tenham carácter permanente e expressão territorial que possam impedir ou condicionar o aproveitamento do solo, as restrições de utilidade pública são obrigatoriamente traduzidas nos planos municipais.

3 — As restrições de utilidade pública não podem envolver a formulação de decisões de planeamento, sendo-lhes vedada, nomeadamente, a definição positiva do conteúdo do regime de ocupação, uso e transformação do solo.

 

SECÇÃO II

Solo rústico

Artigo 17.º

Categorias de solos rústicos

1 — O solo rústico compreende as seguintes categorias:

a) Espaços agrícolas;

b) Espaços florestais;

c) Espaços mineiros;

d) Espaços naturais.

2 — Podem ser criadas outras categorias de solos rústicos destinadas a usos que não sejam incompatíveis com a sua vocação básica, designadamente categorias destinadas a usos culturais, de lazer e de turismo rural ou da natureza.

 

Artigo 18.º

Direitos e deveres dos proprietários dos solos rústicos

1 — Os proprietários dos solos rústicos têm o direito e o dever de utilizar os solos de acordo com a sua natureza, traduzida na exploração da aptidão produtiva desses solos, diretamente ou por terceiros. bem como de preservar e valorizar os bens culturais, naturais, ambientais, paisagísticos e de biodiversidade.

2 — Os proprietários dos solos rústicos têm o direito de ser compensados pelos serviços ambientais prestados à sociedade.

 

SECÇÃO III

Solo urbano

 

Artigo 19.º

Categorias de solo urbano

1 — O solo urbano compreende, em função do uso dominante nele admitido, designadamente espaços residenciais, espaços de atividades económicas, espaços de equipamento e espaços de recreio, lazer e turismo, integrando ainda espaços verdes destinados a garantir o equilíbrio ecológico e o acolhimento de atividades ao ar livre.

2 — O solo urbano é ainda qualificado, para efeitos da definição do respectivo estatuto e da forma de execução do plano, e tendo por base o nível de infraestruturação do solo e o estado da sua programação, de acordo com as seguintes categorias:

a) Solo urbano não programado;

b) Solo urbano programado;

c) Solo urbanizado.

 

Artigo 20.º

Solo urbano não programado

1 — Constitui solo urbano não programado aquele que, embora dotado, nos termos dos planos municipais em vigor, de vocação para a urbanização e a edificação, não tenha ainda sido objeto de programação.

2 — Enquanto não for aprovado o respetivo instrumento de programação, o solo urbano não programado está sujeito ao regime do solo rústico.

3 — Os proprietários de solo urbano têm o direito de propor a sua programação de acordo com as condições estabelecidas nos planos municipais em vigor, podendo para o efeito ser celebrados os contratos previstos na lei.

Artigo 21.º

Solo urbano programado

1 — Constitui solo urbano programado aquele cuja urbanização e edificação tenham sido programadas em conformidade com o plano municipal.

2 — Em função do programa aprovado, os proprietários de solo urbano programado têm o dever:

a) De urbanizar, em regra em parceria e mediante intervenções sistemáticas;

b) De contribuir para os custos inerentes à urbanização, mediante a atribuição das áreas necessárias para espaços verdes e de utilização coletiva;

c) De compensar as autoridades municipais pela prévia dotação de determinada área com as infraestruturas e equipamentos necessários, bem como pelo reforço ou pela renovação dessas infraestruturas;

d) De assegurar a sustentabilidade económica das obras indispensáveis à instalação de infraestruturas viárias e equipamentos;

e) De contribuir para o desenvolvimento do nível de infraestruturação geral;

f) De contribuir com capacidade edificativa adequada para os patrimónios públicos de solos.

3 — Em caso de incumprimento dos deveres impostos pela programação urbanística, a Administração pode expropriar o prédio pelo valor do solo não programado ou ponderar a manutenção da programação nos termos aprovados, podendo, se necessário, excluir da programação os prédio cuja integração se tenha tornado inviável.

Artigo 22.º

Solo urbanizado

Os proprietários dos solos urbanizados têm o direito e o dever:

a) De edificar, se necessário precedendo a urbanização;

b) De promover, quando necessário, a reestruturação e a renovação urbanas ou o preenchimento do tecido urbano;

c) De utilizar, conservar e reabilitar o edificado existente, através dos meios previstos na lei.

 

Artigo 23.º

Aquisição gradual das faculdades urbanísticas

1 — A classificação e a qualificação do solo como urbano não conferem por si só direitos patrimoniais privados ao proprietário do solo.

2 — O conteúdo do aproveitamento urbanístico definido pelos planos municipais incorpora-se no património do proprietário do solo mediante a aquisição sucessiva das faculdades urbanísticas.

3 — As faculdades urbanísticas referidas no número anterior adquirem-se, nomeadamente, em virtude de:

a) Informação prévia favorável à realização de uma operação urbanística;

b) Aprovação de um projeto de loteamento urbano ou de obras de edificação;

c) Emissão do ato administrativo de controlo prévio de uma operação urbanística;

d) Execução material das obras de edificação.

 

Artigo 24.º

Ónus e deveres urbanísticos

1 — A aquisição das faculdades urbanísticas que integram o conteúdo do aproveitamento do solo urbano está sujeita aos ónus e deveres urbanísticos estabelecidos na lei e nos planos municipais aplicáveis.

2 — Constituem ónus ou deveres urbanísticos do proprietário do solo, nomeadamente:

a) Realizar obras de urbanização que sirvam diretamente as edificações a construir;

b) Ceder terrenos para espaços verdes e de utilização coletiva sem contrapartidas patrimoniais diretas ou compensar a Administração pela ausência ou insuficiência de áreas de cedência;

c) Pagar as taxas necessárias para o financiamento da construção ou reforço das infraestruturas e dos serviços gerais do município em cujo território se realiza a operação urbanística.

3 — O cumprimento dos ónus e obrigações previstos nas alíneas b e c) do número anterior pode ser dispensado, por regulamento municipal, quando, respetivamente, o proprietário compense a Administração pela ausência ou insuficiência de áreas de cedência ou assuma a obrigação de realização e manutenção das infraestruturas e dos serviços gerais do município que devam ser construídos ou reforçados.

 

Artigo 25.º

Obrigação de realizar operações urbanísticas

1 — A Administração pode impor ao proprietário do solo a obrigação de realizar as operações urbanísticas que sejam necessárias à execução de um plano municipal, incluindo, nomeadamente, a obrigação de nele construir, de demolir as construções e edificações que nele existam ou de as utilizar.

2 — A realização das operações urbanísticas previstas no número anterior apenas pode ser imposta quando o plano expressamente o preveja e o proprietário não cumpra a sua obrigação nos prazos estabelecidos no instrumento de programação aplicável.

3 — Se o proprietário não cumprir voluntariamente a sua obrigação ou alegar que não quer ou não pode realizar a operação urbanística em causa, a Administração pode, em alternativa, proceder à expropriação ou à venda forçada do imóvel a quem oferecer melhor preço e se dispuser a cumprir a obrigação em causa no prazo inicialmente estabelecido para o efeito.

Artigo 26.º

Sacrifício de faculdades urbanísticas

1 — O sacrifício de faculdades urbanísticas só pode ter lugar nos casos expressamente previstos na lei ou nos planos territoriais aplicáveis e mediante compensação ou indemnização.

2 — A compensação a que se refere o número anterior é obrigatoriamente prevista, de forma expressa, na lei ou no plano territorial que fundamenta a imposição do sacrifício, nomeadamente através da definição de mecanismos de perequação compensatória dos encargos e benefícios dele resultantes.

3 — Independentemente do disposto nos números anteriores, são indemnizáveis quaisquer sacrifícios impostos ao proprietário do solo que tenham um efeito equivalente a uma expropriação.

Artigo 27.º

Reserva de solo para infraestrturas e equipamentos

1 — A reserva pelos planos territoriais de solo para infraestruturas urbanísticas, equipamentos e espaços verdes de utilização coletiva caduca se a execução destes não se iniciar no prazo estabelecido no respectivo instrumento de programação, desde que o atraso não seja imputável à falta de iniciativa do proprietário ou ao incumprimento dos respetivos ónus ou deveres urbanísticos.

2 — Na falta de fixação do prazo a que se refere o número anterior, a reserva de solo caduca no prazo de cinco anos contados da data da entrada em vigor do plano territorial ou do respetivo instrumento de programação.

3 — Sem prejuízo do disposto no número 3 do artigo anterior, verificada a caducidade da reserva a Administração deixa de poder executar as infraestruturas urbanísticas, os equipamentos e os espaços verdes de utilização coletiva previstos no plano sem previamente renovar a respectiva previsão através de uma nova decisão de planeamento.

SECÇÃO IV

Estruturação da propriedade

SUBSECÇÃO I

Estruturação fundiária

 

Artigo 28.º

Dimensionamento da propriedade

1 — A propriedade do solo estrutura-se de acordo com a ocupação e os usos previstos nos planos municipais, devendo as unidades prediais que constituem o seu objeto ter a dimensão e a configuração adequadas à realização da sua função.

2 — Sem prejuízo da fixação legal de unidades mínimas de cultura do solo rústico, os planos municipais podem estabelecer limites mínimos ao dimensionamento da propriedade do solo, nomeadamente aos lotes ou parcelas resultantes das operações de transformação fundiária realizadas no âmbito da sua execução.

Artigo 29.º

Parcelamento, emparcelamento e reparcelamento do solo

1 — A realização de operações de transformação fundiária que promovam o parcelamento ou o emparcelamento do solo pode ser submetida a um procedimento administrativo de controlo prévio destinado a verificar a sua conformidade com as leis e os planos municipais aplicáveis.

2 — Nos prédios constituídos através da divisão de solo rústico não podem realizar-se construções ou edificações que, antes daquela divisão, não pudessem ter lugar sem o prévio parcelamento ou loteamento do solo para fins urbanísticos, sob pena de invalidade dos respetivos atos de controlo prévio.

3 — Os planos municipais podem impor a realização de operações de reparcelamento do solo urbano, nos termos constantes do artigo 46.º.

Artigo 30.º

Regularização de áreas urbanas de génese ilegal

1 — A Administração promove a regularização das áreas urbanas de génese ilegal que, de acordo com o plano municipal aplicável, não devam ser demolidas ou mantidas temporariamente.

2 — Tendo em conta o tempo decorrido e as expectativas criadas quanto à proteção jurídica da situação de facto existente, pode estabelecer-se, através da aprovação de um plano de pormenor, um regime excecional para a realização das operações de transformação fundiária necessárias à regularização de áreas urbanas de génese ilegal, bem como para a regularização das respetivas construções e edificações.

3 — As servidões administrativas e as restrições de utilidade pública que estabeleçam condicionamentos ao aproveitamento urbanístico das áreas urbanas de génese ilegal podem ser desafetadas até ao estrito limite do necessário à viabilização da sua regularização, desde que isso não envolva perigo para a segurança ou para a saúde das pessoas e não afecte o conteúdo essencial ou o fim da servidão ou restrição.

SUBSECÇÃO II

Estrutura da propriedade imobiliária urbana

 

Artigo 31.º

Edificabilidade

1 — O aproveitamento urbanístico definido pelos planos municipais é expresso através da fixação de um volume de construção ou do estabelecimento de um índice superficiário de construção ou de utilização do solo.

2 — A edificabilidade pode ser objeto de direitos subjetivos públicos ou privados autónomos em relação aos direitos que incidem sobre o solo que lhe dá origem ou no qual o plano prevê a sua materialização.

 

Artigo 32.º

Construções e edificações

1 — Sem prejuízo da possibilidade de constituição de direitos autónomos sobre a superfície e de outras formas de propriedade especial sobre o espaço edificado, as construções e edificações que se realizem em conformidade com os planos municipais e demais normas legais e regulamentares aplicáveis incorporam-se no património do proprietário do solo.

2 — As construções e edificações existentes que tenham sido realizadas em conformidade com os planos municipais e com as demais normas legais e regulamentares aplicáveis à data da sua realização gozam da proteção concedida à propriedade privada, dispondo o seu proprietário dos poderes jurídicos necessários para assegurar as suas manutenção e conservação em boas condições de utilização.

 

Artigo 33.º

Conjuntos de edifícios e outros complexos imobiliários

1 — Os planos municipais podem estabelecer condicionamentos específicos aos atos de controlo prévio de conjuntos de edifícios ou outros complexos imobiliários que mantenham no património dos respetivos proprietários ou condóminos as infraestruturas urbanísticas, os equipamentos e os espaços verdes de utilização colectiva, que de outro modo devessem ser cedidos ao domínio municipal.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando tenham um impacto urbanístico equivalente a uma operação de loteamento urbano, os atos de controlo prévio de conjuntos de edifícios ou outros complexos imobiliários ficam sujeitos ao mesmo regime que aquelas operações urbanísticas, nomeadamente no que se refere às restrições à sua localização e ao cumprimento dos ónus e deveres urbanísticos de que depende a sua realização.

Artigo 34.º

Transferência de edificabilidade

1 — Os planos municipais podem permitir que a edificabilidade por eles atribuída a um lote ou parcela de terreno seja transferida para outros lotes ou parcelas situados na sua área de intervenção, para prosseguir uma das seguintes finalidades:

a) Conservação da natureza e da biodiversidade;

b) Salvaguarda do património cultural;

c) Minimização de riscos ambientais;

d) Reabilitação urbana;

e) Perequação compensatória dos benefícios e encargos do plano.

2 — Para efeito do disposto no número anterior, os planos municipais estabelecem mecanismos que permitam acomodar a edificabilidade transferida às regras de ocupação, uso e transformação do solo definidas para o local previsto para a sua materialização, nomeadamente através da dissociação entre o padrão médio de aproveitamento urbanístico definido pelo plano para a totalidade da sua área ou unidade de execução e o aproveitamento real por ele permitido em cada lote ou parcela de terreno.

3 — O registo dos direitos reais constituídos, modificados ou extintos em consequência da transferência de edificabilidade entre lotes ou parcelas de terreno é regulado em legislação especial.

 

CAPÍTULO II

Propriedade pública dos solos e intervenção da administração pública nos solos

 

SECÇÃO I

Propriedade pública dos solos

SUBSECÇÃO I

Domínio público

Artigo 35.º

Espaços de uso público e equipamentos e infraestruturas de utilização coletiva

1 — Os espaços de uso público e os equipamentos e infraestruturas de utilização coletiva integram o domínio público da administração.

2 — O disposto no número anterior pode ser afastado no âmbito de uma operação urbanística, mediante decisão fundamentada da administração, quando seja comprovadamente mais adequada do ponto de vista urbanístico a integração dos espaços de uso público e dos equipamentos e infraestruturas de utilização coletiva no domínio privado da administração ou a sua manutenção ou integração em titularidade privada.

3 — Quando os espaços de uso público e os equipamentos e infraestruturas de utilização coletiva se mantenham ou sejam integrados em titularidade privada, a administração assegura o uso público dos bens em questão e regula os respetivos termos, nomeadamente através de servidões administrativas, de regulamentos municipais de uso público de espaços privados ou de contrato.

Artigo 36.º

Proteção dos bens imóveis do domínio público da administração

Podem ser estabelecidas limitações ou restrições ao direito de propriedade e a outros direitos reais para defesa dos bens imóveis do domínio público da administração.

SUBSECÇÃO II

Domínio privado

Artigo 37.º

Domínio privado e políticas fundiárias

Sem prejuízo de outras finalidades previstas na lei, os bens imóveis do domínio privado da administração podem ser afetados à prossecução de finalidades de política fundiária.

Artigo 38.º

Patrimónios públicos do solo

1 — As entidades administrativas com atribuições em matéria do solo constituem patrimónios autónomos compostos por bens imóveis integrantes do seu domínio privado e outros ativos patrimoniais, que ficam afetos à prossecução de finalidades de política fundiária.

2 — As finalidades os patrimónios públicos do solo compreendem, nomeadamente:

a) A regulação do mercado dos solos, tendo em vista a prevenção da especulação fundiária e a regulação de preços;

b) A concretização dos mecanismos de compensação perequativa;

c) A instalação de espaços públicos, infraestruturas e equipamentos de utilização coletiva;

d) A realização de intervenções públicas ou de iniciativa pública, nos domínios da agricultura, das florestas, da habitação social e da reabilitação urbano;

e) A facilitação da execução programada dos planos territoriais;

f) Outros fins de interesse coletivo, territoriais, urbanísticos ou de proteção.

Artigo 39.º

Formas de ingresso de bens nos patrimónios públicos do solo

1 — Os bens imóveis integrantes dos patrimónios públicos do solo podem ingressar nestes por qualquer meio admitido em direito, nomeadamente:

a) Reafectação de terrenos de titularidade pública;

b) Compra e venda, permuta, arrendamento, locação financeira e outros contratos;

c) Sucessão, doação e renúncia;

d) Expropriação por utilidade pública;

e) Cedências no âmbito de operações urbanísticas ou fundiárias e compensações perequativas;

f) Aquisição originária.

2 — Os demais ativos patrimoniais integrantes dos patrimónios públicos do solo podem ingressar nestes por qualquer meio admitido em direito, nomeadamente mediante:

a) Contrapartida contratual da alienação, do arrendamento, da concessão ou de qualquer outra operação que tenha como resultado a rentabilização dos bens imóveis integrantes dos patrimónios públicos do solo;

b) Entrega em substituição de cedências no âmbito de operações urbanísticas e fundiárias;

c) Previsão na contabilidade das entidades administrativas titulares dos patrimónios públicos do solo.

3 — Os bens referidos nas alíneas e) do número 1 e nas alíneas a) e b) do número 2 integram obrigatoriamente os patrimónios públicos do solo.

Artigo 40.º

Regime jurídico dos patrimónios públicos do solo

1 — Os bens integrantes dos patrimónios públicos do solo não podem ser desafetados das finalidades destes, sob pena de, tratando-se de bens imóveis que tenham neles ingressado a partir do património de particulares fora das condições de mercado, ter lugar a respetiva reversão, nos termos previstos na legislação relativa às expropriações, com as necessárias adaptações.

2 — Os patrimónios públicos do solo são obrigatoriamente administrados de forma direta pelas entidades públicas a que se refere o número 1 do artigo 38.º e não podem ser objeto de transmissão a qualquer título, sem prejuízo dos atos de disposição singular dos bens neles integrados tendo em vista a prossecução das respectivas finalidades.

SECÇÃO III

Meios de intervenção administrativa no solo

 

Artigo 41.º

Meios de intervenção pública nos solos

O Estado, as regiões autónomas, as autarquias locais e as demais entidades públicas intervêm relativamente ao solo, dentro das respectivas atribuições e das competências dos seus órgãos, para prossecução das finalidades que lhe são cometidas e no respeito das leis, dos regulamentos e dos planos territoriais aplicáveis, através dos seguintes meios:

a) Planeamento territorial;

b) Transacção de bens imóveis por meios de direito privado;

c) Exercício do direito de preferência;

d) Constituição do direito de superfície;

e) Servidões de direito administrativo;

f) Expropriações por utilidade pública e venda forçada;

g) Operações de reparcelamento do solo urbano;

h) Operações de emparcelamento do solo rústico;

i) Cedências de utilização de bens do domínio privado;

j) Concessões de uso e de exploração do domínio público.

Artigo 42.º

Planeamento territorial

1 — O planeamento territorial contribui para a realização dos objetivos de política fundiária ao nível nacional, regional e local, nos termos definidos na Parte III.

2 — As intervenções administrativas no solo têm lugar no quadro dos planos territoriais em vigor e de acordo com os termos previstos para a respectiva execução.

Artigo 43.º

Transacção de bens imóveis por meios de direito privado

Salvo se o contrário resultar da lei, da natureza ou do objecto do ato a praticar, as entidades administrativas podem adquirir ou alienar bens imóveis ou direitos reais sobre eles incidentes por meios previstos no direito privado, nomeadamente compra e venda e permuta, para a prossecução de finalidades de política fundiária.

Artigo 44.º

Direito de preferência

1 — A lei pode conferir à administração o direito de preferência nas transmissões onerosas de prédios entre particulares tendo em vista a prossecução de objectivos de política fundiária, nomeadamente:

a) A execução dos planos territoriais;

b) A reabilitação urbana;

c) A preservação do património cultural.

2 — O direito de preferência pode ser exercido mediante declaração de não aceitação do preço convencionado, seguindo-se, na falta de acordo do transmitente, o procedimento de expropriação por utilidade pública.

Artigo 45.º

Direito de superfície

1 — As entidades administrativas podem constituir o direito de superfície sobre bens imóveis integrantes do seu domínio privado para a prossecução de finalidades de política fundiária.

2 — O direito de superfície pode ter como objeto obras já realizadas ou a realizar, ou partes delas, e plantações.

3 — O direito de superfície pode conferir as faculdades de construir, acima ou abaixo do solo, de sobreelevar construções já existentes e de realizar plantações, ficando o superficiário com o direito de propriedade sobre aquilo que tiver sido construído ou plantado no exercício dessas faculdades ou sobre a construção ou plantação que tenha constituído o objeto originário do direito de superfície.

4 — O direito de superfície é, em regra, constituído a título oneroso, salvo quando as operações a realizar pelo superficiário prossigam diretamente interesses públicos relevantes e constituam contrapartida económica suficiente do direito conferido.

5 — Quando o direito de superfície seja constituído a título oneroso, a contrapartida exigida ao superficiário pode consistir no pagamento de quantia pecuniária, única ou periódica, ou em qualquer outra prestação que assegure a rigorosa equivalência financeira em relação ao benefício conferido, sem prejuízo da tomada em consideração do eventual interesse social da finalidade a que os bens em questão sejam afetados.

Artigo 46.º

Reparcelamento do solo urbano

1 — Os municípios podem promover, unilateralmente ou em cooperação com os proprietários de terrenos urbanos, o agrupamento e a posterior divisão destes, com adjudicação dos lotes ou parcelas resultantes aos proprietários, tendo em vista:

a) Ajustar a configuração e o aproveitamento dos terrenos para construção às disposições dos planos municipais;

b) Distribuir equitativamente, entre os proprietários, os benefícios e encargos resultantes do plano;

c) Localizar as áreas a ceder obrigatoriamente pelos proprietários destinadas à implantação de infra-estruturas, espaços e equipamentos públicos.

2 — Se algum ou alguns dos proprietários rejeitarem o projecto de reparcelamento, o município pode promover a aquisição consensual dos respectivos terrenos ou, quando tal não seja possível, mediante expropriação por utilidade pública ou venda forçada.

3 — O disposto nos números anteriores não prejudica a realização de operações de reparcelamento por iniciativa dos proprietários,

4 — O reparcelamento produz os seguintes efeitos:

a) Constituição de lotes para construção ou de parcelas para urbanização;

b) Substituição, com eficácia real, dos antigos terrenos pelos novos lotes ou parcelas;

c) Transmissão para o município das parcelas de terrenos para espaços de utilização colectiva, infra-estruturas e equipamentos públicos que, de acordo com a operação de reparcelamento, devam integrar o domínio público, de pleno direito e livres de ónus ou encargos.

d) Constituição da obrigação de urbanizar a zona por ela abrangida.

Artigo 47.º

Emparcelamento do solo rústico

1 — O Estado, as regiões autónomas e os municípios podem promover, unilateralmente ou em cooperação com os proprietários de terrenos rústicos, o agrupamento e a posterior divisão destes, com adjudicação das parcelas resultantes aos proprietários, tendo em vista reduzir ou eliminar os inconvenientes sócio-económicos da fragmentação e da dispersão da propriedade rústica e, em particular:

a) Melhorar as condições técnicas e económicas das explorações agrícolas;

b) Assegurar o correcto ordenamento do território;

c) Promover a conservação da natureza;

d) Realizar melhoramentos fundiários e rurais de carácter colectivo indispensáveis à remodelação predial ou que contribuam para a valorização económica da respectiva zona ou para a promoção das populações rurais.

2 — As operações referidas no número anterior visam ainda:

a) Ajustar a dimensão e a configuração do solo à estrutura fundiária definida pelo plano;

b) Distribuir equitativamente, entre os proprietários, os benefícios e encargos resultantes do plano.

3 — Se algum ou alguns dos proprietários rejeitarem o projecto de emparcelamento, as entidades públicas podem promover a aquisição consensual dos respectivos terrenos ou, quando tal não seja possível, mediante expropriação por utilidade pública ou venda forçada.

4 — O disposto nos números anteriores não prejudica a realização de operações de emparcelamento por iniciativa dos proprietários,

5 — Sem prejuízo do que for acordado por todos os interessados, a repartição dos direitos entre os proprietários abrangidos por uma operação de emparcelamento é feita na proporção do valor ou da área do respetivo terreno, transferindo-se para os prédios resultantes do emparcelamento os ónus ou encargos de natureza real e os contratos de arrendamento incidentes sobre os prédios anteriormente pertencentes ao mesmo titular.

Artigo 48.º

Cedência de utilização de bens do domínio privado

1 — As entidades administrativas podem ceder, a título precário e com caráter oneroso, a utilização de bens do respetivo domínio privado para assegurar a prossecução de finalidades de política fundiária.

2 — A cedência é devidamente fundamentada e procura garantir a conservação, a valorização e a rendibilidade dos bens cedidos.

3 — A lei estabelece o procedimento da cedência e as condições em que se realizam a fiscalização da atividade do cessionário e a restituição dos bens imóveis cedidos.

 

Artigo 49.º

Concessão do domínio público

1 — As entidades administrativas podem celebrar contratos de concessão do uso ou da exploração de bens do respetivo domínio público para a gestão de infraestruturas urbanas e dos espaços verdes e de utilização colectiva.

2 — A concessão é devidamente fundamentada e assegura a rentabilização económico-financeira dos bens concessionados.

3 — As entidades administrativas podem, nomeadamente, transferir para o concessionário a execução das seguintes tarefas:

a) Limpeza e higiene urbana;

b) Conservação de espaços verdes e de infraestruturas viárias;

c) Manutenção da sinalização toponímica ou da iluminação pública;

d) Vigilância da área por forma a evitar a sua degradação.

4 — A lei estabelece as regras a observar quanto ao prazo de vigência da concessão, à fixação dos critérios para o pagamento de taxas pelo concessionário, às obrigações e aos direitos do concessionário, aos bens afetos à concessão, às garantias a prestar, ao sequestro, ao resgate e à responsabilidade perante terceiros.

Artigo 50.º

Servidões de direito administrativo

1 — Para a prossecução de finalidades concretas de interesse público relativas à política fundiária, podem, por lei ou ato administrativo, ser constituídas servidões sobre bens imóveis que, com carácter real, limitem o direito de propriedade ou outros direitos reais, designadamente impondo aos respetivos titulares obrigações de não adotar condutas que prejudiquem as finalidades de interesse público prosseguidas ou de adotar condutas ou suportar atividades da administração ou de terceiros que sejam necessárias para a sua prossecução.

2 — As servidões de direito administrativo podem ser constituídas para a prossecução de quaisquer fins de política fundiária para cuja prossecução sejam adequadas, nomeadamente:

a) Assegurar a instalação, o funcionamento e a manutenção de infraestruturas públicas ou de uso público;

b) Assegurar e regular o uso público de espaços públicos, equipamentos e infraestruturas de utilização coletiva que permaneçam em titularidade privada e regular os termos da respetiva utilização.

3 — As servidões de direito administrativo que tenham efeito análogo à expropriação só podem ser constituídas mediante pagamento de justa indemnização.

4 — Os condicionamentos do aproveitamento específico do solo resultantes das servidões de direito administrativo são traduzidos nos planos territoriais.

Artigo 51.º

Expropriações por utilidade pública e venda forçada

1 — Para a prossecução de finalidades concretas de interesse público relativas à política fundiária podem ser efetuadas expropriações por utilidade pública e pode ser determinada a venda forçada de bens imóveis.

2 — As expropriações por utilidade pública podem ser efetuadas e a venda forçada pode ser determinada tendo em vista, nomeadamente, a prossecução das seguintes finalidades:

a) Urbanização;

b) Reabilitação urbana;

c) Realização de intervenções públicas ou de iniciativa pública;

d) Instalação de infraestruturas e equipamentos de utilização coletiva;

e) Integração de terrenos em patrimónios públicos do solo;

f) Execução de planos territoriais.

3 — A expropriação e a venda forçada só podem ter lugar quando a constituição de uma servidão de direito administrativo ou outros meios menos lesivos não sejam suficientes para assegurar a prossecução das finalidades de interesse público em causa.

4 — Na falta de acordo do proprietário quanto ao valor do bem em procedimento de venda forçada é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no Código das Expropriações para a expropriação litigiosa, designadamente sobre a arbitragem, a designação de árbitros, a arguição de irregularidades e o recurso da decisão arbitral.

 

PARTE III

Planeamento territorial

CAPÍTULO I

Sistema de planeamento territorial

Artigo 52.º

Planeamento territorial

1 — As políticas públicas de ordenamento do território e do urbanismo são desenvolvidas através do planeamento.

2 — O sistema de planeamento territorial organiza-se nos âmbitos nacional, regional e municipal, em função da natureza e da incidência dos interesses públicos prosseguidos.

 

Artigo 53.º

Ponderação de interesses públicos e privados

Os planos territoriais identificam, graduam e harmonizam os vários interesses públicos e privados com projecção no ordenamento do território tendo em vista a mais adequada utilização do território em termos ambientais, económicos, sociais e culturais.

 

Artigo 54.º

Âmbito nacional

1 — Os planos territoriais de âmbito nacional definem o quadro estratégico para o ordenamento do espaço nacional, estabelecendo as diretrizes a considerar a nível regional e municipal e a compatibilização das políticas públicas setoriais do Estado, bem como, na medida do necessário, a salvaguarda de valores e recursos de reconhecido interesse nacional, nos termos dos números seguintes.

2 — O programa nacional da política de ordenamento do território estabelece, em concretização da política europeia de desenvolvimento territorial, as grandes opções de organização do território nacional e define o modelo de estruturação espacial da proteção do sistema urbano, das redes, das infraestruturas e dos equipamentos de interesse nacional, bem como das áreas de interesse nacional em termos agrícolas, florestais, ambientais e económicos.

3 — Os planos setoriais estabelecem a incidência espacial e o impacto territorial da programação ou concretização de políticas públicas dos diversos setores da Administração Pública estadual.

4 — Os planos especiais visam, exclusivamente, a prossecução de objetivos de salvaguarda de recursos e valores naturais e culturais, considerados indispensáveis à tutela de interesses públicos de âmbito nacional.

5 — Os planos referidos nos números anteriores estabelecem um compromisso de integração e compatibilização recíproca das respetivas opções.

Artigo 55.º

Âmbito regional

1 — Os planos regionais fixam, em observância das diretrizes de âmbito nacional e em estreita articulação com as políticas públicas de natureza estadual, as orientações para o ordenamento do território regional, definem as redes regionais de infraestruturas e transportes e constituem o quadro de referência para a elaboração de planos municipais.

2 — Os planos regionais incorporam obrigatoriamente as opções constantes dos planos sectoriais e especiais.

 

Artigo 56.º

Âmbito municipal

1 — Os planos territoriais de âmbito municipal estabelecem, de modo exclusivo, de acordo com as diretrizes de âmbito nacional e regional e com opções próprias de desenvolvimento estratégico, o regime de ocupação, uso e transformação do solo e a respetiva execução e programação.

2 — O planeamento municipal engloba o plano diretor municipal, o plano de urbanização, o plano de pormenor e o plano intermunicipal.

Artigo 57.º

Planos municipais

1 — O plano diretor municipal estabelece a estratégia de desenvolvimento territorial e a política municipal de ordenamento do território e do urbanismo, integra e articula as demais políticas municipais com expressão territorial e as orientações estabelecidas nos planos de âmbito nacional e regional e fixa o modelo de ordenamento do território municipal.

2 — O plano de urbanização estabelece o quadro de referência para a aplicação das políticas urbanas e define a respetiva estrutura, bem como os critérios de transformação do solo numa área delimitada do território municipal.

3 — O plano de pormenor desenvolve e concretiza os termos da ocupação de qualquer área do território municipal, estabelecendo, designadamente, regras sobre a implantação das infraestruturas e o desenho, a localização e a inserção urbanística dos espaços de utilização coletiva, assim como a forma de edificação e a disciplina da sua integração na paisagem.

4 — É obrigatória a existência de um plano de âmbito municipal que abranja a totalidade do respetivo território e integre uma estratégia de desenvolvimento municipal, com autonomia documental face aos demais elementos do plano.

 

Artigo 58.º

Cooperação intermunicipal

1 — O plano intermunicipal estabelece, de modo coordenado, a estratégia de desenvolvimento territorial, as opções de localização e de gestão de equipamentos públicos locais e as relações de interdependência entre a totalidade ou parte das áreas territoriais pertencentes a dois ou mais municípios vizinhos.

2 — Caso o plano intermunicipal defina o regime de ocupação, uso e transformação do solo para a totalidade das áreas territoriais dos municípios a que respeita e estes assim o determinem, a aprovação do plano intermunicipal dispensa a elaboração do plano diretor municipal.

3 — Os municípios podem aprovar planos de urbanização e planos de pormenor abrangendo as áreas territoriais de mais do que um município.

Artigo 59.º

Princípios da coordenação e da articulação

O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais coordenam e articulam entre si a formação e a execução dos respetivos planos, nomeadamente mediante a identificação e ponderação dos planos, programas e projetos existentes ou em preparação, tendo em vista assegurar a sua recíproca compatibilização.

Artigo 60.º

Relações entre planos territoriais

1 — As opções e o modelo de desenvolvimento territorial contidos no programa nacional da política de ordenamento do território orientam e enquadram a elaboração dos demais planos territoriais, que devem ser compatíveis com aqueles.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando sobre a mesma área territorial incidam dois ou mais planos de âmbito nacional ou regional contraditórios entre si, as disposições do plano posterior prevalecem sobre as dos planos preexistentes.

3 — Os planos de âmbito municipal observam as orientações definidas nos planos de âmbito nacional e regional, sem prejuízo da autonomia municipal .

4 — Nas relações entre planos municipais contraditórios entre si, o plano posterior prevalece sobre o plano preexistente.

Artigo 61.º

Vinculação jurídica

1 — Os planos territoriais vinculam as entidades públicas na sua atividade de planeamento.

2 — Os planos municipais e especiais são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

 

Artigo 62.º

Contratualização do planeamento

1 — A elaboração, a alteração, a revisão, a suspensão e a execução de planos municipais pode ser precedida da celebração de contratos entre o Estado, as regiões autónomas e os municípios, que tenham por objeto, nomeadamente, as formas e os prazos para adequação dos planos existentes em relação a planos supervenientes com os quais os primeiros planos devam ser conformes ou compatíveis.

2 — Os particulares que se mostrem interessados na elaboração, alteração, revisão ou execução de um plano de urbanização ou de um plano de pormenor podem apresentar aos municípios propostas de contratos com esse objeto.

3 — Os contratos celebrados entre os municípios e os particulares não podem prejudicar o exercício dos poderes públicos de planeamento, as garantias procedimentais de intervenção de outras entidades públicas ou de participação dos particulares, nem a observância das disposições legais e regulamentares aplicáveis.

4 — Os procedimentos de formação dos contratos referidos nos números anteriores asseguram uma adequada publicitação e a realização de discussão pública.

 

CAPÍTULO II

Procedimento de formação e dinâmica dos planos

Artigo 63.º

Elaboração

1 — O programa nacional da política de ordenamento do território e os planos regionais são elaborados pelo Governo, sob coordenação do respetivo membro responsável pelo ordenamento do território.

2 — Os planos especiais e setoriais são elaborados pelo Governo, sob coordenação do respetivo membro responsável pela área cujo interesse público é tutelado, a título principal, no plano.

3 — Os planos municipais são elaborados pelas câmaras municipais, salvo os planos intermunicipais cuja elaboração cabe aos conselhos executivos das associações de municípios.

Artigo 64.º

Participação

1 — O procedimento de formação dos planos territoriais assegura aos particulares, em qualquer momento, os meios de participação necessários para que estes possam acompanhar a elaboração do plano, bem como formular observações e sugestões à entidade por ela responsável.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, a decisão de elaboração de planos especiais e municipais é publicitada pelas entidades públicas competentes.

3 — Após a conclusão da elaboração dos planos é realizada uma discussão pública em que os interessados podem apresentar as suas reclamações, sugestões e pedidos de esclarecimentos.

4 — A entidade pública competente pondera e responde fundamentadamente aos contributos apresentados pelos interessados nos termos dos números anteriores.

Artigo 65.º

Acompanhamento e concertação

1 — A elaboração dos planos territoriais é acompanhada por uma comissão especialmente designada para o efeito e é obrigatória em todos os planos, com exceção do plano de urbanização e do plano de pormenor.

2 — O acompanhamento visa o apoio aos trabalhos de elaboração dos planos e a identificação e ponderação dos planos, programas e projetos existentes ou em preparação, bem como dos interesses públicos envolvidos.

3 — O acompanhamento da elaboração dos planos territoriais inclui a concertação com as entidades que, no decurso dos trabalhos, formulem objeções às soluções definidas para os futuros planos, sem prejuízo da possibilidade de concertação noutras fases do procedimento com quaisquer outras entidades públicas ou privadas.

Artigo 66.º

Avaliação ambiental

1 — Os planos territoriais cuja aplicação seja suscetível de produzir efeitos significativos no ambiente estão sujeitos a avaliação ambiental.

2 — Para efeitos do número anterior, os planos territoriais são acompanhados por um relatório no qual se descrevem e avaliam os efeitos da aplicação do plano, as alternativas razoáveis que tenham em conta os objetivos e o âmbito de aplicação territorial respetivos e a previsão do adequado enquadramento ambiental dos seus instrumentos de execução.

 

Artigo 67.º

Aprovação

1 — O programa nacional da política de ordenamento do território é aprovado por lei da Assembleia da República, sob proposta do Governo e depois de ouvidas as regiões autónomas e os municípios.

2 — Os planos especiais, regionais e setoriais são aprovados pelo Governo, através de resolução de conselho de ministros.

3 — Os planos municipais são aprovados por deliberação das assembleias municipais, sob proposta das câmaras municipais.

4 — Os planos intermunicipais são aprovados por deliberação das assembleias intermunicipais, sob proposta dos conselhos executivos das associações de municípios, salvo quando dispensem a elaboração de plano diretor municipal nos termos do n.º 2 do artigo58.º, caso em que são aprovados pelas respetivas assembleias.

5 — Quando os planos de urbanização e os planos de pormenor abranjam áreas territoriais de mais do que um município, a aprovação por cada assembleia municipal é restrita à respetiva área territorial.

6 — Na situação referida nos números 4 e 5, a aprovação do plano só se considera concluída após a última das deliberações das assembleias municipais.

 

Artigo 68.º

Derrogação

1 — Os planos de âmbito municipal não estão sujeitos a aprovação governamental.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, o governo, por resolução do conselho de ministros, pode derrogar as disposições de planos regionais e de planos setoriais incompatíveis com as normas de um plano diretor municipal ou de um plano intermunicipal.

3 — A derrogação ocorre, mediante solicitação do município, quando, no âmbito do procedimento de formação do plano, seja suscitada por serviços estaduais intervenientes a incompatibilidade das normas do projeto de plano municipal com os planos setoriais e regionais.

Artigo 69.º

Avaliação

1 — Antes da aprovação do plano territorial, as entidades responsáveis procedem à elaboração de um relatório contendo a avaliação prévia do impacto da execução do plano sobre o território, em termos de custos e benefícios, de forma a assegurar a sustentabilidade económica, ambiental, social e cultural.

2 — Na vigência do plano territorial, as entidades competentes promovem a permanente avaliação da adequação e concretização da disciplina nele contida, bem como, relativamente aos planos sujeitos a avaliação ambiental, dos efeitos significativos da sua execução no ambiente.

 

Artigo 70.º

Dinâmica

1 — Os planos podem, em razão da evolução ou reponderação das condições económicas, sociais, culturais e ambientais subjacentes à sua elaboração, fundamentadas em relatório de avaliação, ser objeto de revisão, alteração ou suspensão.

2 — A revisão consiste na modificação do plano em resultado da reconsideração e reapreciação global, com caráter estrutural ou essencial, das opções estratégicas do plano, dos princípios e objetivos do modelo territorial definido ou dos regimes de salvaguarda e valorização dos recursos e valores territoriais, de acordo com o procedimento de elaboração do plano, com as necessárias adaptações.

3 — A alteração consiste numa modificação decorrente da reponderação parcial do plano, a realizar no âmbito de um procedimento administrativo simplificado.

4 — A suspensão consiste na paralisação, por um período de tempo certo, dos efeitos de todo o plano ou de parte dele, quer em termos espaciais, quer em termos materiais, determinando obrigatoriamente a abertura de procedimento de elaboração, revisão ou alteração do plano para a área em causa.

5 — Os planos municipais e os planos especiais só podem ser objeto de alteração ou revisão decorridos três anos sobre a sua entrada em vigor, salvo em circunstâncias excecionais definidas por lei.

6 — O plano diretor municipal é obrigatoriamente revisto decorridos 15 anos sobre a sua entrada em vigor ou a sua última revisão.

 

Artigo 71.º

Atualização

A atualização de planos territoriais decorrentes da entrada em vigor de leis, regulamentos ou planos de ordem superior que não implique uma decisão autónoma de planeamento é obrigatória e depende de declaração da entidade responsável pela elaboração do plano.

 

CAPÍTULO III

Medidas preventivas e provisórias

Artigo 72.º

Medidas preventivas

1 — Podem ser adotadas as medidas preventivas necessárias para evitar a alteração das circunstâncias de facto existentes em determinada parcela do território, de modo a garantir a liberdade na elaboração de planos municipais e especiais a ele relativos e a evitar que a sua execução fique comprometida ou se torne excessivamente onerosa.

2 — As medidas preventivas podem consistir na proibição ou limitação das seguintes ações:

a) Operações de loteamento e obras de urbanização, de construção, de ampliação, de alteração e de reconstrução, com exceção das que estejam isentas de procedimento de licenciamento ou comunicação prévia;

b) Trabalhos de remodelação de terrenos;

c) Obras de demolição de edificações existentes, exceto as que, por regulamento municipal, possam ser dispensadas de licença ou autorização;

d) Derrube de árvores em maciço ou destruição do solo vivo e do coberto vegetal.

3 — As medidas preventivas não podem resultar na redução a uma única opção de planeamento quanto à parcela de território sobre as quais incidem.

4 — A adoção de medidas preventivas por motivo de revisão ou alteração de um plano determina a suspensão da eficácia deste na área abrangida por aquelas medidas e, ainda, quando assim seja determinado no ato que as adota, a suspensão dos demais planos em vigor na mesma área.

5 — A adoção de medidas preventivas dá lugar a indemnização nos termos do artigo 26.º

Artigo 73.º

Medidas provisórias

1 — Quando a salvaguarda de interesses públicos a prosseguir mediante a elaboração ou a revisão de um plano territorial não possa obter-se mediante a imposição das proibições ou limitações a que se refere o número 2 do artigo 72.º, podem ser adotadas medidas provisórias que definam de forma positiva o regime transitoriamente aplicável a uma determinada parcela de território e se revelem necessárias para a salvaguarda daqueles interesses.

2 — Só pode haver lugar à adoção de medidas provisórias quando do procedimento resulte a existência de opções de planeamento suficientemente densificadas e documentadas.

3 — A adopção de medidas provisórias é precedida de discussão pública, nos termos aplicáveis ao plano a que respeitam.

4 — A adoção de medidas provisórias confere direito a indemnização nos mesmos termos que a aprovação, revisão ou alteração de planos territoriais.

 

CAPÍTULO IV

Execução dos planos

Artigo 74.º

Programação pública da execução

1 — A execução dos planos é uma tarefa pública, cabendo à Administração a sua programação e coordenação.

2 — Os proprietários têm o dever de concretizar e adequar as suas pretensões aos objetivos e prioridades definidos pela Administração nos instrumentos de programação.

 

Artigo 75.º

Princípios gerais em matéria de execução

A execução dos planos municipais obedece às seguintes orientações:

a) As operações urbanísticas contribuem, em todos os casos, para a melhoria funcional, formal e ambiental do espaço onde se inserem;

b) As operações urbanísticas em solo urbano estabelecem a articulação espacial e temporal entre a execução de infraestruturas e de equipamentos e a execução das edificações, tendo em vista uma ocupação harmoniosa do território e o equilíbrio económico-financeiro de cada operação;

c) A construção de infraestruturas, equipamentos e zonas verdes por iniciativa municipal articula-se, sempre que possível, com a urbanização envolvente, com recurso a unidades de execução.

d) As operações urbanísticas realizam-se preferencialmente mediante execução sistemática.

 

Artigo 76.º

Execução sistemática

1 — A execução sistemática consiste na realização, mediante programação municipal, de operações urbanísticas integradas, com dimensão e localização adequadas a uma transformação ordenada do território.

2 — A execução referida no número anterior tem lugar mediante os sistemas:

a) De execução privada;

b) De execução por cooperação entre proprietários e o município;

c) De execução pela Administração.

3 — A execução sistemática ocorre:

a) Em solo urbano programado, designadamente mediante a delimitação, pela câmara municipal, por iniciativa própria ou a requerimento dos proprietários interessados, de unidades de execução;

b) b) Em solo urbanizado a consolidar, renovar ou reestruturar, sempre que se justifiquem intervenções suportadas por uma solução integrada e de conjunto.

4 — A execução sistemática pressupõe, em regra, a associação entre os proprietários e eventualmente outros interessados.

 

Artigo 77.º

Execução não sistemática

1 — A execução não sistemática é efetuada por intermédio de operações urbanísticas isoladas e tem lugar preferencialmente em solo urbanizado consolidado.

2 — A realização de operações urbanísticas isoladas é excecional e só pode ser admitida em solo urbano quando já existam infraestruturas adequadas para a edificação pretendida ou, quando seja caso disso, tenha sido realizada operação de loteamento ou de reparcelamento.

 

Artigo 78.º

Orientações de execução

1 — Os planos integram orientações para a sua execução, que contêm:

a) A identificação e a programação das intervenções consideradas estratégicas ou estruturantes, a explicitação dos objectivos e a descrição e a estimativa dos custos individuais e da globalidade das ações previstas no plano;

b) A ponderação da viabilidade jurídico-fundiária e económico-financeira das respetivas propostas;

c) A definição dos meios, dos sujeitos responsáveis pelo financiamento da execução e dos demais agentes a envolver;

d) A estimativa da capacidade de investimento municipal relativa às propostas do plano, tendo em conta os custos da sua execução.

2 — Os elementos referidos no número anterior constam de forma autónoma do programa de execução e do plano de financiamento dos planos municipais.

 

Artigo 79.º

Programação

1 — A programação estabelece as acções tendentes à execução do plano, definindo o modo como elas se processam.

2 — São instrumentos de programação, designadamente, as unidades de execução e as áreas de reabilitação urbana delimitadas pela câmara municipal nos termos previstos na lei.

3 — A delimitação de unidades de execução assenta num programa genérico, que explicita o interesse público e estabelece o processo de dinamização dos vários sujeitos a envolver.

4 — O desenvolvimento das unidades de execução exige um programa detalhado, negociado com proprietários e outros investidores, traduzido em desenho que viabilize uma distribuição perequativa de receitas entre todos eles.

5 – A programação é inscrita nos planos de atividades e nos orçamentos municipais.

Artigo 80.º

Unidades e subunidades operativas

1 — Os planos municipais identificam unidades e, eventualmente, subunidades operativas de planeamento e gestão, que correspondem a áreas de intervenção prioritárias, estratégicas ou estruturantes.

2 — O plano estabelece, para as unidades operativas, os objectivos de interesse público a alcançar, processos executórios a adotar e os meios financeiros a mobilizar.

3 — Os investimentos e empreendimentos públicos enquadram-se preferencialmente nas unidades ou subunidades operativas.

Artigo 81.º

Meios de execução

A execução programada dos planos municipais é concretizada, nomeadamente, mediante a aquisição ou disponibilização de terrenos, operações de transformação fundiária e formas de parceria ou contratualização que incentivem a concertação dos diversos interesses em presença.

Artigo 82.º

Momento da concretização da perequação

No âmbito da realização de cada operação urbanística isolada ou programada tem lugar a perequação urbanística regulada nos artigos 97.º a 99.º.

 

PARTE IV

Operações urbanísticas

 

CAPÍTULO I

Controlo administrativo

Artigo 83.º

Controlo prévio

1 – A realização de operações urbanísticas depende, em regra, de controlo prévio mediante atos administrativos que assegurem a salvaguarda dos interesses públicos em presença e definam de forma expressa e estável a situação jurídica dos interessados.

2 – Quando a salvaguarda dos interesses públicos em causa seja compatível com a existência de um mero controlo sucessivo e as condições de realização da operação urbanística estejam suficientemente definidas em disposição legal, plano ou regulamento, a lei pode isentar a realização de operações urbanísticas de controlo prévio.

3 – Nos casos previstos no número anterior, a lei pode estabelecer a obrigatoriedade da comunicação prévia da operação urbanística sob reserva de proibição.

Artigo 84.º

Regularização de operações urbanísticas

1 – A lei estabelece um procedimento específico para a regularização de operações urbanísticas realizadas sem o controlo prévio a que estavam sujeitas, sem prejuízo da responsabilidade civil, contraordenacional e penal a que haja lugar.

2 – A regularização das operações urbanísticas não dispensa o cumprimento dos planos e demais normas legais e regulamentares em vigor à data em que tenha lugar.

3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a lei pode dispensar o cumprimento de requisitos de legalidade relativos à construção cujo cumprimento se tenha tornado impossível ou que não seja razoável exigir, desde que tenham sido cumpridos os requisitos da legalidade vigentes à data da realização da operação urbanística em questão.

Artigo 85.º

Controlo sucessivo

1 – A realização de quaisquer operações urbanísticas está sujeita a controlo sucessivo, independentemente da sua sujeição a controlo prévio.

2 – O controlo sucessivo destina-se a assegurar a conformidade das operações urbanísticas com as disposições legais e regulamentares aplicáveis e a prevenir os perigos que da sua realização possam resultar para a saúde e segurança das pessoas.

Artigo 86.º

Tutela da legalidade urbanística

1 – Os órgãos administrativos competentes adotam as medidas de tutela de legalidade urbanística adequadas quando sejam realizadas operações urbanísticas:

a) Sem os necessários atos administrativos de controlo prévio;

b) Em desconformidade com os respectivos atos administrativos de controlo prévio;

c) Ao abrigo de ato administrativo de controlo prévio revogado ou declarado nulo;

d) Sem que tenha tido lugar a comunicação prévia exigida por lei;

e) Em violação das normas legais e regulamentares,.

2 – As medidas a que se refere o número anterior podem consistir:

a) No embargo de obras ou de trabalhos de remodelação de terrenos;

b) Na determinação da demolição total ou parcial de obras;

c) Na reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ou trabalhos;

d) Na determinação da cessação da utilização de edifícios ou suas frações autónomas.

3 – Em caso de incumprimento de qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística previstas nos artigos anteriores pode ser determinada a posse administrativa do imóvel por forma a permitir a sua execução coerciva.

CAPÍTULO II

Urbanização e edificação

Artigo 87.º

Loteamentos urbanos

1 — As operações de loteamento urbano concretizam o regime de uso do solo definido nos planos municipais aplicáveis e procedem à transformação fundiária do solo para fins urbanísticos através da constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana.

2 — O lote constituído por uma operação de loteamento urbano confere ao seu proprietário o direito de construir a edificação nele prevista, de acordo com os parâmetros urbanísticos fixados na respetivo ato de controlo prévio.

3 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, o ato de controlo prévio do loteamento urbano pode ser alterado ou revogado por iniciativa da câmara municipal desde que tal alteração ou revogação se mostre necessária à execução de plano municipal ou de plano especial.

4 — Quando da alteração ou revogação referidas no número anterior resulte o sacrifício de faculdades urbanísticas consolidadas pelo ato de controlo prévio da operação de loteamento urbano e aquelas ocorram no prazo de cinco anos contados da receção provisória das obras de urbanização, os proprietários dos lotes por estes afetados têm direito a uma indemnização pelos prejuízos causados

5 — O solo rústico não pode ser objecto de operações de loteamento urbano.

Artigo 88.º

Obras de urbanização

1 — As obras de urbanização são realizadas no interesse do município pelo titular do respetivo ato de controlo prévio e destinam-se a dotar o solo das infraestruturas e dos espaços verdes e de utilização coletiva necessários à sua edificação.

2 — O controlo prévio da realização de obras de urbanização é feito autonomamente ou no âmbito de uma operação de loteamento urbano, podendo ser substituído por um contrato de urbanização celebrado entre o município e o interessado.

Artigo 89.º

Obras de edificação

As obras de edificação, compreendendo a construção, ampliação, alteração, reconstrução, conservação ou demolição de imóveis, realizam-se em conformidade com quaisquer normas legais e regulamentares a que a edificação se deva subordinar e nos termos das condições fixadas no respetivo ato administrativo de controlo prévio.

Artigo 90.º

Responsabilidade e qualidade da construção

1 — O dono da obra e todas as pessoas que intervenham na realização de obras de edificação, nomeadamente os técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição dos respetivos projetos e pela sua fiscalização ou direção, são responsáveis pelo ressarcimento dos danos causados a terceiros decorrentes da violação culposa, por ação ou omissão, de deveres no exercício da atividade a que estejam obrigados por contrato ou por norma legal ou regulamentar.

2 — O disposto no número anterior não exclui a responsabilidade sem culpa nos casos previstos na lei.

3 — A aprovação do projeto e o exercício da fiscalização municipal não isentam o dono da obra e todas as pessoas que intervenham na sua realização, nomeadamente os técnicos responsáveis pela sua fiscalização ou direção, da responsabilidade pela condução dos trabalhos em estrita observância pelas condições do ato administrativo de controlo prévio.

4 — A elaboração e a subscrição de projetos e o exercício das funções de fiscalização e direção de obras só podem ser realizados por técnicos que sejam titulares das habilitações legalmente exigíveis em função do objeto e da natureza da atividade desenvolvida.

Artigo 91.º

Utilização e conservação do edificado

1 — As edificações respeitam, as condições de segurança, salubridade e arranjo estético adequadas ao fim a que se destinam pelo projeto aprovado e não podem ser utilizadas para fim diverso daquele.

2 — Os proprietários têm o dever de manter as edificações existentes em boas condições de utilização, realizando as obras de conservação que se revelarem indispensáveis a essa finalidade.

3 — Quando os proprietários não cumpram o dever estabelecido no número anterior, a administração pode fixar um prazo para a realização das obras necessárias.

4 — Decorrido o prazo referido no número anterior, pode ser determinada a posse administrativa do imóvel para execução imediata das obras necessárias, se necessário mediante o prévio despejo administrativo dos seus ocupantes.

Artigo 92.º

Reabilitação urbana

1 — Os proprietários têm o dever de reabilitar as edificações existentes cujo estado de conservação seja insuficiente, degradado ou obsoleto, realizando as obras necessárias para repor as suas condições de segurança, salubridade e arranjo estético.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, incumbe ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias locais promover a reabilitação das áreas urbanas que dela careçam, programando ou realizando as respetivas operações de reabilitação urbana ou concedendo apoios e outros incentivos financeiros e fiscais aos proprietários e a terceiros que promovam a reabilitação de edifícios.

PARTE V

Regime económico e financeiro do solo

 

CAPÍTULO I

Financiamento de infraestruturas urbanísticas

 

Artigo 93.º

Princípios gerais

1 — A execução de infraestruturas urbanísticas pelas entidades públicas obedece a critérios de eficiência e sustentabilidade financeira, sem prejuízo da coesão territorial.

2 — Para efeitos do número anterior, qualquer decisão de criação de infraestruturas urbanísticas é financeiramente justificada pela entidade competente no âmbito da programação nacional, regional ou municipal.

3 — Os municípios elaboram um programa de financiamento urbanístico que integra o programa plurianuanal de investimentos municipais na execução, na manutenção e no reforço das infraestruturas gerais e a previsão de custos gerais de gestão urbana e identifica, de forma explícita, as fontes de financiamento para cada um dos compromissos previstos.

4 — Os tributos podem ter taxas de tributação diferenciadas em função dos usos, das tipologias, do estado de conservação, da localização e do nível de serviço das infraestruturas urbanísticas disponibilizadas.

Artigo 94.º

Impostos sobre o património imobiliário

1 — Os impostos sobre o património imobiliário urbano respeitam o princípio da equivalência ou do benefício, remunerando, em termos amplos, a atividade pública de prestação que beneficie os prédios urbanos.

2 — Os impostos sobre o património imobiliário rústico respeitam o princípio da capacidade contributiva, tomando em consideração o rendimento fundiário normal decorrente de uma utilização eficiente do solo e promovendo a efetiva utilização do mesmo.

Artigo 95.º

Contribuições especiais

1 —Os municípios podem criar contribuições especiais adicionais ao imposto municipal sobre imóveis, tendo em vista a recuperação dos custos incorridos ou das vantagens proporcionadas mediante o fornecimento ou a manutenção de infraestruturas urbanísticas de qualidade excecional ou a prestação de serviços ambientais qualificados.

2 — As contribuições especiais referidas no número anterior são lançadas no instrumento de programação territorial, sendo a sua taxa fixada em função da fundamentação económica dos custos incorridos ou das vantagens proporcionadas.

Artigo 96.º

Taxas

As taxas urbanísticas respeitam o princípio da equivalência ou do benefício, remunerando as entidades públicas pelos encargos especialmente incorridos com uma específica operação de infraestruturação urbanística.

 

CAPÍTULO II

Perequação de benefícios e encargos

Artigo 97.º

Princípio da perequação

1 — Os planos municipais contêm mecanismos equitativos de perequação dos encargos e benefícios deles resultantes, que funcionam em escalas territoriais distintas, nos termos definidos nos números seguintes.

2 — A perequação a efetivar no âmbito dos planos diretores municipais e dos planos de urbanização toma por referência unidades territoriais distintas, considerando a globalidade de território por eles abrangida, aplicando-se a todas as operações urbanísticas que nele ocorram, isoladas ou programadas.

3 — A perequação a efectivar no âmbito de unidades de execução ou de outros instrumentos de programação determina a distribuição dos encargos e benefícios pelo conjunto dos respectivos intervenientes.

4 — Para efeitos do disposto nos números anteriores, os planos municipais fundamentam o processo de formação das mais-valias fundiárias e definem os critérios para a sua parametrização e redistribuição.

Artigo 98.º

Funcionamento da perequação urbanística

1 — Na definição dos mecanismos de perequação, o plano identifica:

a) As zonas que apresentem, no momento anterior ao plano, características similares entre si e que o plano trate de forma diferenciada;

b) O benefício-padrão e o encargo-padrão para cada uma dessas zonas decorrentes das propostas do plano;

c) A compensação a atribuir nas situações em que do plano decorram desvios relativamente aos padrões fixados.

2 — Para efeitos da alínea b) do número anterior, o benefício-padrão e o encargo padrão podem ser apurados por qualquer instrumento adequado, podendo consistir, nomeadamente:

a) O benefício-padrão, num índice médio de construção;

b) O encargo-padrão, num índice de cedência média.

Artigo 99.º

Compensação perequativa

1 — A compensação da perequação urbanística pode ser efectuada em espécie ou em dinheiro, designadamente mediante a compra e venda de direitos de construção, diretamente entre os proprietários ou entre estes e a Administração, sendo integrada nos patrimónios públicos do solo.

2 — Para efeitos do número anterior, a compensação pode consistir na afetação social das mais-valias urbanísticas decorrentes da atribuição concreta do direito de construir, mediante a disponibilização de terrenos, direitos de construção ou edifícios.

3 — Quando o benefício-padrão consista num índice médio de construção, a compensação da perequação à escala municipal é fixada numa taxa entre 40% e 60% sobre a vantagem patrimonial resultante da atribuição de um direito concreto de construção superior ao índice médio municipal, sendo lançada pela Assembleia Municipal no momento da aprovação do plano municipal.

4 — Quando o encargo-padrão consista num índice de cedência média, a perequação pode ser realizada por via de cedências para a implementação, instalação e renovação de infraestruturas, equipamentos e espaços urbanos de utilização coletiva, por via da distribuição dos índices de cedência concreta.

Artigo 100.º

Perequação financeira

A lei pode estabelecer uma perequação a nível nacional, por via de transferências financeiras provenientes do Estado, com vista a compensar os municípios com maiores encargos ambientais e com especiais limitações ao nível urbanístico.

 

CAPÍTULO III

Avaliação

 

Artigo 101.º

Âmbito de aplicação

O disposto no presente capítulo aplica-se à avaliação do solo, das instalações, das construções e das edificações, bem como dos direitos constituídos sobre ou em conexão com eles que tenha por objecto a determinação:

a) Do valor fundiário para efeitos de execução dos planos municipais, na ausência de acordo entre os interessados;

b) Da justa indemnização na expropriação, independentemente da finalidade que a origina;

c) Do preço a pagar ao proprietário na venda ou no arrendamento forçados.

Artigo 102.º

Critérios gerais para a avaliação

1 — O valor do solo corresponde ao seu valor justo, em situação de pleno domínio, livre de quaisquer ónus ou encargos.

2 — O solo é avaliado pelo método de avaliação mais apropriado tendo em consideração a sua situação concreta e independentemente do motivo da avaliação, nos termos previstos nos artigos seguintes.

3 — As avaliações visam apurar o valor do bem ou direito nos seguintes momentos:

a) No caso das operações referidas na alínea a) do número anterior, na data anterior à aprovação do instrumento de programação que as origine.

b) No caso das alíneas b) e c) do número anterior, no momento da resolução de expropriação ou de venda forçada.

4 — A avaliação das edificações ou construções tem em conta o respetivo estado de conservação.

 

Artigo 103.º

Avaliação do solo rústico

1 — O solo rústico é avaliado mediante a capitalização do rendimento anual real ou potencial da exploração.

2 — O rendimento potencial é calculado atendendo ao rendimento decorrente do uso, da fruição ou da exploração dos terrenos utilizando os meios técnicos normais para a sua produção e de acordo com a lei aplicável.

3 — Para efeitos do número anterior, são incluídos no rendimento os subsídios concedidos à exploração que possuam carácter estável, sendo deduzidos os custos necessários à exploração considerada.

4 — O valor do solo rústico obtido nos termos dos números anteriores pode ser corrigido em função de fatores objetivos de localização, nomeadamente a facilidade de acesso aos centros populacionais ou de atividade económica e a proximidade de locais de valor ambiental ou paisagístico únicos, nos termos definidos em regulamento.

5 — As edificações e plantações são avaliadas de forma independente em relação ao solo sempre que, no momento da avaliação, sejam conformes com as leis, os regulamentos e os planos aplicáveis e respeitem o disposto no ato administrativo que as permitiu.

5 — As construções e edificações, quando avaliadas de forma independente do solo, são valorizadas pelo método do custo de reposição de acordo com seu estado e antiguidade no momento a que a avaliação respeita.

6 — Em nenhum dos casos previstos nos números anteriores podem considerar-se as expectativas derivadas de edificações e usos decorrentes de planos municipais cuja execução não esteja sido ainda programada ou na qual o proprietário opte por não participar.

 

Artigo 104.º

Avaliação do solo urbano

1 — As construções e edificações que, no momento da avaliação, não estejam em situação de ruína e sejam conformes com as leis, os regulamentos e os planos aplicáveis e respeitem o disposto no ato administrativo que as permitiu são avaliadas em conjunto com o solo, sendo identificados em separado os valores correspondentes às construções e edificações e o valor do solo.

2 — Nas situações não previstas no número anterior, a avaliação do solo urbano atende:

a) Ao valor correspondente à edificabilidade e ao uso concretos atribuídos ou, se o solo não tiver edificação prevista ou atribuída, ao valor referente ao benefício-padrão definido no plano municipal, deduzidos dos valores compensados por via perequativa.

b) Ao valor do edificado existente em situação de ruína, deduzidos os custos da sua reabilitação, bem como, quando seja esse o caso, o valor dos deveres e das obrigações pendentes para realização da edificabilidade prevista, incluindo os custos de infraestruturação e de comercialização.

2 — A avaliação do solo edificado ou em construção faz-se de acordo com os métodos comparativo, de rendimento ou de reposição.

PARTE VI

Validade dos atos jurídicos e garantias

Artigo 105.º

Validade

A validade dos regulamentos, planos, atos administrativos e contratos relativos ao solo, ao ordenamento do território e do urbanismo depende da sua conformidade com o direito aplicável.

Artigo 106.º

Invalidade

1 — São inválidos os regulamentos, planos, atos administrativos, contratos e outros atos jurídicos:

a) Que ofendam o disposto em plano territorial ou as proibições ou limitações resultantes de medidas preventivas ou normas provisórias que devam respeitar;

b) Contrários a servidões de direito administrativo, limitações e restrições de utilidade pública ou que permitam a realização de ações em desconformidade com os fins que determinaram a exclusão de áreas dos respetivos âmbitos.

2 — São inválidos os atos administrativos que não tenham sido precedidos de consultas às entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações fossem legalmente exigíveis ou que não estejam em conformidade com eles.

3 — A invalidade a que se referem os números anteriores pode ser efetivada a todo o tempo e por iniciativa de qualquer pessoa ou entidade que disponha de legitimidade procedimental ou processual para tal, salvo quando exista uma confiança legítima na manutenção das situações entretanto constituídas, que, tendo em conta o tempo decorrido sobre a sua constituição, deva sobrepor-se ao interesse público na reintegração da legalidade.

Artigo 107.º

Responsabilidade administrativa

As entidades administrativas que prosseguem atribuições relativas ao solo, ao ordenamento do território e ao urbanismo, bem como respetivos titulares de órgãos, trabalhadores e demais agentes, respondem civilmente pelos prejuízos que ilicitamente causem em virtude das suas atuações ou omissões.

Artigo 108.º

Garantias administrativas

Os interessados têm o direito de utilizar os procedimentos previstos na lei para o controlo administrativo das atuações e omissões da administração relativas ao solo, ao ordenamento do território e ao urbanismo.

Artigo 109.º

Garantias processuais

As atuações e omissões da administração relativas ao solo, ao ordenamento do território e ao urbanismo são suscetíveis de controlo judicial pleno, de modo a garantir a tutela efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, bem como a protecção de interesses difusos e a reintegração da legalidade objectiva.

 

PARTE VII

Publicidade e registo

 

CAPÍTULO I

Publicidade

 

Artigo 110.º

Publicação

1 — Todos os planos territoriais são publicados em Diário da República acompanhados do respetivo ato de aprovação.

2 — São também publicados em Diário da República os atos que:

a) Determinem a elaboração de planos ou a celebração de contratos para a elaboração daqueles;

b) Procedam à abertura de períodos de participação de interessados na formação e dinâmica de planos;

c) Suspendam planos territoriais e aprovem ou prorroguem medidas preventivas;

d) Aprovem a derrogação de planos setoriais e regionais.

3 — A publicação das plantas e demais peças gráficas é efetuada mediante ligação automática do local da publicação dos atos a que se referem no sítio da Internet do Diário da República ao local da sua publicação no sistema nacional de informação territorial.

.

Artigo 111.º

Disponibilização ativa de informação administrativa

1 — As entidades públicas disponibilizam ativamente no respetivo sítio da Internet a informação administrativa relativa à prossecução das suas atribuições em matéria de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, sem prejuízo do exercício do direito geral à informação nos termos legalmente estabelecidos.

2 — É obrigatória a disponibilização ativa de informação administrativa relativa:

a) Aos regulamentos administrativos e aos planos territoriais, incluindo todo o conteúdo documental destes;

b) À tramitação dos procedimentos de formação e dinâmica de planos

c) À tramitação dos procedimentos de licenciamento e admissão de comunicação prévia de operações urbanísticas;

d) Às decisões finais sobre os pedidos de licenciamento e de admissão de comunicação prévia referidos na alínea anterior;

e) Aos contratos celebrados com outras entidades públicas ou com particulares;

f) Aos relatórios sobre a execução de planos territoriais e sobre as operações urbanísticas realizadas no seu território;

3 — O acesso à informação referida na alínea c) do número anterior pode ser limitado, mediante decisão fundamentada, aos titulares de direitos e interesses legalmente protegidos.

4 — A informação é disponibilizada em boas condições de acesso, com formas de sinalização claras e visíveis, permitindo, sempre que possível, o descarregamento de ficheiros.

5 — A informação é atualizada em tempo útil, está disponível durante o tempo adequado à divulgação satisfatória dos seus conteúdos e, quando respeite a regulamentos ou planos, permanece disponível durante o período da sua vigência.

Artigo 112.º

Observatório

A recolha da informação referida nos números anteriores e o seu tratamento estatístico, técnico e científico são assegurados por um observatório que funciona no âmbito do ministério que prossegue as atribuições do ordenamento do território.

CAPÍTULO II

Registo predial

Artigo 113.º

Factos sujeitos a registo

1 — Estão sujeitos a registo:

a) A alteração à descrição do prédio motivada pela aplicação de instrumentos de planeamento territorial;

b) Os atos administrativos e as atuações materiais constitutivos, modificativos ou extintivos de faculdades urbanísticas;

c) Os factos jurídicos referentes à transferência de edificabilidade;

d) Os factos jurídicos, e suas vicissitudes, que restrinjam ou extingam o direito de propriedade em benefício do interesse público;

e) As ações de declaração de nulidade ou de anulação dos atos administrativos referidos na alínea b);

f) As sentenças que anulem e declarem a nulidade ou a inexistência dos atos administrativos referidos na alínea b);

g) As providências cautelares administrativas que respeitem à situação jurídica dos prédios;

h) A renúncia ao direito de propriedade.

2 — O extrato da descrição registal dos prédios inclui uma referência geodésica.

Artigo 114.º

Registo de bens do domínio público

Os bens do domínio público e os factos a eles relativos são registáveis nos termos definidos por lei.

PARTE VII

Disposições finais e transitórias

Artigo 115.º

Regulação posterior

Artigo 116.º

Disposições transitórias

Artigo 117.º

Revogação

São revogados:

a) A Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto;

b) …

Artigo 118.º

Início de vigência

A presente lei entra em vigor a …

Trabalhos preparatórios

PRIMEIRO RELATÓRIO

1- Introdução

A comissão encarregada de elaborar a Lei do Solo é coordenada por mim (Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva) e integra os seguintes membros: Prof. Doutor Carlos Lobo, Prof. Doutor Henrique Sousa Antunes, Profª. Doutora Fernanda Paula Oliveira, Mestre Cláudio Monteiro, Mestre João Miranda, Mestre André Salgado de Matos. Têm também participado nos trabalhos da Comissão três representantes da Administração, indicados pela DGOTDU, a saber: as Dras. Ana Catita, Anabela Duarte e a Arqª. Elisa Vilares, sendo as sessões ainda acompanhadas por um representante do Ministério do Ambiente, o Dr. José Luís Cunha.

Nos termos da cláusula 3ª. do Caderno de Encargos para a Elaboração do Projecto da Nova Lei do Solo, a Comissão (dita “Jurídica”) encarregada de realizar a referida lei compromete-se a entregar, até final de Março de 2001, um relatório que contenha a “definição do âmbito da nova lei, conteúdo fundamental e inserção no Sistema de Gestão Territorial”. Tal o objecto do presente relatório.

 

2- Delimitação do âmbito da nova lei

A Comissão decidiu ocupar-se da regulação jurídica do solo em geral, de forma a abranger tanto os solos urbanos como os rústicos (ainda que com um maior desenvolvimento dos primeiros). Assim, a Comissão estabeleceu o seguinte esquema de organização do futuro projecto de Lei do Solo:

Capitulo I - Princípios gerais

Capítulo II - Direitos e deveres

* Direitos e deveres dos cidadãos em geral

* Direitos e deveres dos proprietários dos solos

a) Direitos e deveres dos proprietários de solos rústicos

b) Direitos e deveres dos proprietários de solos urbanizáveis

c) Direitos e deveres dos proprietários de solos urbanos

* Da titularidade (pública ou privada) da propriedade

§ Direitos e deveres dos promotores-urbanizadores e dos promotores-construtores

Capítulo III – Estatuto jurídico do solo

* Definição do conteúdo do direito de propriedade do solo

* Função social da propriedade

* Função produtiva dos solos destinados à produção agrícola ou florestal, às infra-estruturas, à habitação e às demais funções do solo urbanizado

* Harmonização dos critérios de classificação do solo para os diversos fins

* Definição de padrões básicos de aproveitamento urbanístico

Capítulo IV – Instrumentos de Política do solo

§ Medidas de estímulo e de controlo da oferta de solos por parte dos privados

§ Formas de colaboração da Administração com os proprietários na urbanização dos solos

§ Mecanismos de desincentivo à retenção de solos urbanos pelos proprietários

§ Formas de aquisição de solos pela administração:

(a) meios de direito privado

(b) expropriação por utilidade pública

(c) direito de preferência

(c) cedências urbanísticas

Capítulo V – Mecanismos de intervenção da Administração pública no solo

* Expropriações por utilidade pública

* Servidões Administrativas

* Restrições de utilidade pública

* Outras limitações (em especial, planeamento)

Capítulo VI – Propriedade pública do solo

Capítulo VII – Avaliação, financiamento e tributação

* Do financiamento em geral

* Da tributação

Capítulo VIII – Publicidade e registo

Capítulo IX – Fiscalização e sanções

Capítulo X – Disposições Finais e Transitórias

3- Conteúdo fundamental da Lei do Solo

Em cada um dos capítulos serão tratadas, entre outras, as seguintes matérias:

Capítulo I – Princípios Fundamentais

O presente capítulo versará, nomeadamente, sobre as seguintes questões:

· garantia do direito fundamental de propriedade privada e sua integração em relações jurídicas de urbanismo e de ordenamento do território;

· função social da propriedade do solo e princípio da indemnização por restrições que afectem o conteúdo essencial da propriedade privada;

· necessidade de compatibilização e dever de ponderação do direito fundamental de propriedade privada, mormente na sua vertente urbanística, com outros princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios do ambiente, cultura e património cultural, saúde pública;

· princípio do desenvolvimento sustentável;

· princípio da prevenção e precaução;

· princípio da eficiência ou da utilização racional do solo enquanto recurso natural escasso;

· princípio da equidade e da coesão territoriais;

· princípio da colaboração entre sujeitos públicos e privados no âmbito das relações jurídicas relativas ao solo.

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Capítulo II – Direitos e Deveres dos Sujeitos

A parte referente aos direitos e deveres dos sujeitos será estruturada de forma a abranger, por um lado, o estatuto básico da cidadania em relação ao solo (direitos e deveres dos cidadãos em geral e deveres do Estado em relação a eles) e, por outro, os direitos e deveres dos proprietários dos solos.

No que concerne a estes últimos, será feita a devida articulação com o estatuto do solo, já que a definição dos direitos e deveres dos proprietários dependerá da classe e da categoria de solo em causa. Assim serão tratados sucessivamente os direitos e deveres dos proprietários dos solos rurais (ainda que distinguindo consoante a categoria de solo rural em causa) e dos proprietários dos solos urbanos (distinguindo-se, a este propósito, consoante se trate de solos urbanizáveis ainda não programados, já programados ou urbanizados).

Para cada classe ou categoria de uso do solo serão igualmente identificados os deveres a ser cumpridos pelas entidades públicas.

A aquisição gradual das faculdades (direitos) ligados aos vários solos (classes e categorias) em função do cumprimento dos correspectivos deveres, será um princípio em que assentará esta parte da Lei do Solo.

Capítulo III – Estatuto Jurídico do Solo

A existência de um capítulo dedicado ao estatuto jurídico do solo reflecte a mudança de orientação da Lei do Solo em relação à sua antecessora, que na linha da redacção inicial do artigo 65.º da Constituição se preocupou em dotar a Administração de um património público de solos, para assim regular o mercado e assegurar a disponibilidade de terrenos para construção e para outros fins, mas não lhe concedeu os instrumentos necessários para conformar o conteúdo do direito de propriedade privada e adequar as escolhas individuais dos proprietários às políticas públicas expressas nos instrumentos de gestão territorial.

O presente capítulo propõe-se assim definir o conteúdo – o estatuto – do direito de propriedade do solo, em termos que permitam conciliar a função individual que é prosseguida através da sua apropriação privada com a satisfação dos interesses gerais da colectividade, definidos de acordo com a função social do respectivo objecto.

O novo estatuto jurídico do solo, além de enquadrar o poder de conformação do conteúdo do direito de propriedade imobiliária através dos instrumentos de planeamento, deve também adequar o objecto e a estrutura daquele direito às necessidades inerente à respectiva função social, nomeadamente através da valorização de novas formas de propriedade que promovam a sua desmaterialização e assegurem uma melhor relação entre a forma do território e a sua estrutura fundiária.

Nesse quadro, o presente capítulo valorizará as formas de dissociação do direito de construir do direito de propriedade do solo que permitam a construção de modelos mais eficientes de perequação compensatória dos benefícios e encargos do planeamento urbanístico, bem como a adopção de outros mecanismos de transferência de direitos para fins de protecção do ambiente e do património cultural.

 

Capítulo IV – Instrumentos de Política do Solo

O presente capítulo abordará as seguintes matérias

· Definição dos princípios gerais e dos objectivos subjacentes à utilização dos instrumentos de política de solos

· Articulação dos instrumentos de política de solos com a execução dos planos urbanísticos

· Estabelecimento de critérios gerais para a escolha dos instrumentos a adoptar pela Administração Pública;

· Previsão de um regime aplicável às formas de intervenção directa da Administração (por exemplo, direito de preferência urbanística, demolição de edifícios, expropriação por utilidade pública, arrendamento e venda forçados e cedências de terrenos por particulares).

· Determinação das formas de colaboração/cooperação entre Administração e particulares

Capítulo V- Mecanismos de Intervenção da Administração Pública no Solo

O presente Capítulo incidirá sucessivamente sobre:

a) Planeamento

· Definição das relações entre a lei do solo e o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), designadamente através de um enquadramento genérico na lei do solo das matérias actualmente disciplinadas no último diploma que sejam relevantes do ponto de vista da política do solo, sem prejuízo da manutenção da sua disciplina desenvolvida na sua sede actual.

· Harmonização de descoordenações normativas entre o RJIGT e outras leis relativas ao solo.

· Previsão de incentivos à dinamização dos instrumentos de execução dos planos no quadro de um urbanismo programado, definido pelo PNPOT como medida prioritária.

· Identificação das situações em que a execução deva ser feita de forma sistemática ou assistemática e aquelas em que se processa através de nova urbanização ou edificação e aquelas em que se processa através de reabilitação urbana

b) Servidões e restrições de utilidade pública

· Caracterização geral das servidões administrativas e das restrições de utilidade pública como condicionantes do uso do solo decorrentes da função social da propriedade.

· Identificação dos fins de interesse público relativos à política do solo para cuja prossecução podem constituir-se servidões sobre imóveis

· Estabelecimento de meios que evitem a confusão entre planeamento e restrições de utilidade pública.

· Identificação dos fins de interesse público relativos à política dos solos para cuja prossecução é possível a expropriação por utilidade pública.

Capítulo VI- Propriedade Pública do Solo

O presente Capítulo abordará

· a disciplina da gestão do domínio público e privado da administração do prisma da política do solo, alargando-se a perspectiva do domínio privado como suporte para instalação e funcionamento de serviços públicos e como instrumento de rentabilização económica.

· A Admissão da constituição de bolsas públicas de terrenos com fins de regulação do mercado do solo e outros fins de interesse colectivo, territoriais, urbanísticos ou de protecção

· Estabelecimento de um regime geral do direito de superfície sobre o domínio privado da administração que complete os espaços deixados em aberto pelo Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, na óptica da política do solo.

 

Capítulo VII – Avaliações, Financiamento e Tributação

O presente capítulo tratará das seguintes matérias:

  • Regime Geral das Avaliações

¾ Definição do âmbito da actividade de avaliação e enumeração dos respectivos critérios para efeitos de determinação do valor do solo rústico, do solo urbano e do solo programado. Inserção de uma previsão que permita a concretização do "valor justo".

  • Regime Financeiro da Produção de Infra-Estruturas Urbanísticas

¾ Definição do princípio da equivalência ou do benefício com estabelecimento de normas de referência para a definição dos impostos e restantes tributos urbanísticos. Princípio de Limitação de Encargos Urbanísticos ao Custos efectivamente incorridos ou a incorrer na criação de infra-estruturas urbanísticas.

¾ Previsão de contribuições especiais para casos de internalização de externalidades negativas - por actividades ambientalmente danosas - e de socialização de externalidades positivas - por benefícios urbanísticos excepcionais.

  • Regime Financeiro da Redistribuição Urbanística

¾ Previsão do princípio geral de perequação alargada. Definição do Conceito de Cedência Urbanísticas e dos Restantes Instrumentos Perequativos. Estabelecimento do Princípio Regulador Geral de Eliminação de Mais-Valias Fundiárias por motivos não produtivos. Constituição de Bolsas de Terrenos e de Imóveis para Arrendamento a preços regulados.

Capítulo VIII - Publicidade e Registo

A segurança do comércio jurídico imobiliário depende da confiança que os vários agentes do mercado possam fundar nas intervenções registais, apurando a concreta situação jurídica do prédio e das faculdades que aos seus titulares os ordenamentos, privado e público, reconheçam. Assim, a aprovação da nova Lei do Solo prossegue, em especial, a coordenação entre as actuações urbanísticas e o registo Predial.

 

Capítulo IX –Fiscalização e Sanções

Neste capítulo tratar-se-á de estabelecer o regime jurídico das contra-ordenações em matéria de Lei do Solo, assim como da responsabilidade civil, disciplinar e penal nesta matéria.

 

Capítulo X – Disposições Finais e Transitórias

 

O último capítulo para além de cláusulas reguladoras da entrada em vigor do diplima, procederá ainda à compatibilização da Lei do Solo

4- Inserção da Lei do Solo no Sistema de Gestão Territorial

A Comissão entende que a Lei do Solo deve ser um diploma constitutivo ou estruturante de todas as políticas públicas em matéria de ordenamento do território e do urbanismo. Assim, a Lei do Solo deverá ter uma função de primazia sobre todos os diplomas actualmente existentes nestes domínios, nomeadamente os relativos ao sistema de gestão territorial. Impõe-se, por isso, que a Lei do Solo revista a forma de lei ordinária reforçada, para além de ser necessário, até por razões de certeza e segurança jurídica, a concreta revogação de normas constantes dos actuais regimes jurídicos do sistema de gestão territorial.

Entende ainda a Comissão que, apesar da Lei do Solo dever adoptar uma estrutura próxima de uma “lei de bases”, tal não deve, no entanto, significar um diploma que se limite a estabelecer meros princípios básicos, antes deve conjugar tais princípios com regulações mais detalhadas. Não se trata pois de elaborar uma lei de bases “em estado puro”, mas uma realidade jurídica de natureza “mista”, que conjugue princípios e regras em matéria do solo.

Lisboa, 30 de Março de 2011.

 

SEGUNDO RELATÓRIO

 

A Comissão organizou o projecto da Lei do Solo nos seguintes capítulos:

 

Capítulo I – Princípios Fundamentais

Capítulo II – Direitos e Deveres dos Sujeitos

Capítulo III – Estatuto Jurídico do Solo

Capítulo IV – Instrumentos de Política do Solo

Capítulo V- Mecanismos de Intervenção da Administração Pública no Solo

Capítulo VI- Propriedade Pública do Solo

Capítulo VII – Avaliações, Financiamento e Tributação

Capítulo VIII - Publicidade e Registo

Capítulo IX –Fiscalização e Sanções

Capítulo X – Disposições Finais e Transitórias

 

Em cada um desses capítulos a Comissão chegou às seguintes conclusões a serem vertidas em articulado:

Capítulo I – Princípios Fundamentais

O presente capítulo versará, nomeadamente, sobre as seguintes questões:

· garantia do direito fundamental de propriedade privada e sua integração em relações jurídicas de urbanismo e de ordenamento do território;

· função social da propriedade do solo e princípio da indemnização por restrições que afectem o conteúdo essencial da propriedade privada;

· necessidade de compatibilização e dever de ponderação do direito fundamental de propriedade privada, mormente na sua vertente urbanística, com outros princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios do ambiente, cultura e património cultural, saúde pública;

· princípio do desenvolvimento sustentável;

· princípio da prevenção e precaução;

· princípio da eficiência ou da utilização racional do solo enquanto recurso natural escasso;

· princípio da equidade e da coesão territoriais;

· princípio da colaboração entre sujeitos públicos e privados no âmbito das relações jurídicas relativas ao solo.

.

Capítulo II – Direitos e Deveres dos Sujeitos

A parte referente aos direitos e deveres dos sujeitos será estruturada de forma a abranger, por um lado, o e statuto básico da cidadania em relação ao solo (direitos e deveres dos cidadãos em geral e deveres do Estado e demais entidades públicas em relação a eles) e, por outro, os direitos e deveres dos proprietários dos solos.

No que concerne a estes últimos, será feita a devida articulação com o estatuto do solo, já que a definição dos direitos e deveres dos proprietários dependerá da classe e da categoria de solo em causa.

b) Da reflexão efectuada concluiu-se que, para efeitos da definição dos direitos e deveres dos proprietários dos solos (e, portanto, do respectivo estatuto), se deve partir das seguintes categorias:

- Solo rústico

- Solo não programado

- Solo programado (ou de urbanização programada)

- Solo urbanizado (já devidamente infra estruturado e, eventualmente, edificado)

A novidade relativamente ao que consta do actual Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial tem a ver com o estatuto dossolos cuja urbanização é passível de programar que, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 73.º deste regime surge na categoria dos solos urbanos e aqui passará a integrar a dos rústicos, mas com possibilidade de “transitar” para os solos urbanos se (ou quando) for aprovada a respectiva programação (da urbanização), e isto sem necessidade de se alterar o plano.

No que concerne ao solo vocacionado para os processos urbanísticos, o grau dos direitos (e dos deveres) depende do nível de infra-estruturação do território. No que diz respeito ao solo rústico, a formação do respectivo valor terá que ter em consideração da renda potencial do mesmo, numa óptica de “valor normal”. Esse valor de base territorial é essencial para calcular sequencialmente o valor adicional resultante da infra-estruturação bem como a margem adicional resultante de mais-valias de reclassificação.

c) A aquisição gradual das faculdades (direitos) ligados aos vários solos em função do cumprimento dos correspectivos deveres, será um princípio em que assentará esta parte da Lei do Solo.

Assim, os proprietários dos solos não programados apenas terão o direito de obter a programação quando estejam verificadas as condições gerais (a definir na Lei do Solo) e especiais (definidas pelos municípios nos seus próprios planos directores municipais). Enquanto esta programação não for aprovada o solo permanece afecto a um “uso natural”.

Com a aprovação da programação, o solo adquire um novo estatuto, a que estão associados um conjunto de direitos, mas também de deveres, designadamente o de infra estruturar o território sem o que o respectivo proprietário não adquire a faculdade de nele construir. A programação de que aqui se fala é também temporal, pelo que, não cumpridos os prazos dela constantes (e a programação terá, ela própria, um prazo máximo a definir na Lei do Solo), podem caducar os direitos associados ao solo programado, voltando este para o “estádio anterior” (solo não programado).

Em todo o caso, admite-se, quando o interesse público o justifique, a possibilidade de execução coerciva dos deveres associados ao solo programado (de urbanização programada).

A consolidação dos direitos dos proprietários de cada categoria do solo, incluindo para efeitos expropriativos (expropriação clássica ou expropriação do plano) depende, assim, do cumprimento dos respectivos deveres.

Uma vez que se estrutura esta parte da Lei do Solo a partir de uma terminologia funcionalizada à definição do estatuto do solo e dos direitos e deveres dos respectivos proprietários, será feito um esforço de harmonização (que não uniformização) e correspondência com outras terminologias para fins distintos (designadamente, fiscais e registais).

d) Neste regime a programação assume um relevo fundamental, razão pela qual será reforçada a sua importância.

A este propósito serão definidos distintos níveis de programação ¾ de uma programação estratégica a uma programação mais operacional ¾, e distintos instrumentos para o efeito ¾ deste os planos de pormenor, designadamente com efeitos registais ou referidos a projectos, a unidades de execução e áreas de reabilitação, passando por instrumentos contratuais que os enquadrem (nomeadamente programas de acção territorial).

Assim, depois de tratados o estatuto básico da cidadania em relação ao solo (direitos dos cidadãos, deveres dos cidadãos e deveres das entidades públicas em relação ao solo), serão regulados sucessivamente direitos e deveres dos proprietários dos solos rústicos, dos solos não programados, dos solos programados (ou de urbanização programada) e dos solos urbanizados (já devidamente infra estruturado e, eventualmente, edificado). Para cada uma destas categorias serão igualmente identificados os deveres a ser cumpridos pelas entidades públicas.

Capítulo III – Estatuto Jurídico do Solo

A existência de um capítulo dedicado ao estatuto jurídico do solo reflecte a mudança de orientação da Lei do Solo em relação à sua antecessora, que na linha da redacção inicial do artigo 65.º da Constituição se preocupou em dotar a Administração de um património público de solos, para assim regular o mercado e assegurar a disponibilidade de terrenos para construção e para outros fins, mas não lhe concedeu os instrumentos necessários para conformar o conteúdo do direito de propriedade privada e adequar as escolhas individuais dos proprietários às políticas públicas expressas nos instrumentos de gestão territorial.

O presente capítulo propõe-se assim definir o conteúdo – o estatuto – do direito de propriedade do solo, em termos que permitam conciliar a função individual que é prosseguida através da sua apropriação privada com a satisfação dos interesses gerais da colectividade, definidos de acordo com a função social do respectivo objecto.

O novo estatuto jurídico do solo, além de enquadrar o poder de conformação do conteúdo do direito de propriedade imobiliária através dos instrumentos de planeamento, deve também adequar o objecto e a estrutura daquele direito às necessidades inerente à respectiva função social, nomeadamente através da valorização de novas formas de propriedade que promovam a sua desmaterialização e assegurem uma melhor relação entre a forma do território e a sua estrutura fundiária.

Nesse quadro, o presente capítulo valorizará as formas de dissociação do direito de construir do direito de propriedade do solo que permitam a construção de modelos mais eficientes de perequação compensatória dos benefícios e encargos do planeamento urbanístico, bem como a adopção de outros mecanismos de transferência de direitos para fins de protecção do ambiente e do património cultural.

 

 

Capítulo IV – Instrumentos de Política do Solo

O presente capítulo abordará as seguintes matérias

· Definição dos princípios gerais e dos objectivos subjacentes à utilização dos instrumentos de política de solos

· Articulação dos instrumentos de política de solos com a execução dos planos urbanísticos

· Estabelecimento de critérios gerais para a escolha dos instrumentos a adoptar pela Administração Pública;

· Previsão de um regime aplicável às formas de intervenção directa da Administração (por exemplo, direito de preferência urbanística, demolição de edifícios, expropriação por utilidade pública, arrendamento e venda forçados e cedências de terrenos por particulares).

· Determinação das formas de colaboração/cooperação entre Administração e particulares

Capítulo V- Mecanismos de Intervenção da Administração Pública no Solo

O presente Capítulo incidirá sucessivamente sobre:

a) Planeamento

· Definição das relações entre a lei do solo e o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), designadamente através de um enquadramento genérico na lei do solo das matérias actualmente disciplinadas no último diploma que sejam relevantes do ponto de vista da política do solo, sem prejuízo da manutenção da sua disciplina desenvolvida na sua sede actual.

· Harmonização de descoordenações normativas entre o RJIGT e outras leis relativas ao solo.

· Previsão de incentivos à dinamização dos instrumentos de execução dos planos no quadro de um urbanismo programado, definido pelo PNPOT como medida prioritária.

· Identificação das situações em que a execução deva ser feita de forma sistemática ou assistemática e aquelas em que se processa através de nova urbanização ou edificação e aquelas em que se processa através de reabilitação urbana

b) Servidões e restrições de utilidade pública

· Caracterização geral das servidões administrativas e das restrições de utilidade pública como condicionantes do uso do solo decorrentes da função social da propriedade.

· Identificação dos fins de interesse público relativos à política do solo para cuja prossecução podem constituir-se servidões sobre imóveis

· Estabelecimento de meios que evitem a confusão entre planeamento e restrições de utilidade pública.

· Identificação dos fins de interesse público relativos à política dos solos para cuja prossecução é possível a expropriação por utilidade pública.

Capítulo VI- Propriedade Pública do Solo

O presente Capítulo abordará

· a disciplina da gestão do domínio público e privado da administração do prisma da política do solo, alargando-se a perspectiva do domínio privado como suporte para instalação e funcionamento de serviços públicos e como instrumento de rentabilização económica.

· A Admissão da constituição de bolsas públicas de terrenos com fins de regulação do mercado do solo e outros fins de interesse colectivo, territoriais, urbanísticos ou de protecção

· Estabelecimento de um regime geral do direito de superfície sobre o domínio privado da administração que complete os espaços deixados em aberto pelo Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, na óptica da política do solo.

 

 

Capítulo VII – Avaliações, Financiamento e Tributação

 

O presente capítulo tratará das seguintes matérias:

  • Regime Geral das Avaliações

¾ Definição do âmbito da actividade de avaliação e enumeração dos respectivos critérios para efeitos de determinação do valor do solo rústico, do solo urbano e do solo programado. Inserção de uma previsão que permita a concretização do "valor justo".

  • Regime Financeiro da Produção de Infra-Estruturas Urbanísticas

¾ Definição do princípio da equivalência ou do benefício com estabelecimento de normas de referência para a definição dos impostos e restantes tributos urbanísticos. Princípio de Limitação de Encargos Urbanísticos ao Custos efectivamente incorridos ou a incorrer na criação de infra-estruturas urbanísticas.

¾ Previsão de contribuições especiais para casos de internalização de externalidades negativas - por actividades ambientalmente danosas - e de socialização de externalidades positivas - por benefícios urbanísticos excepcionais.

Assim, o regime tributário urbanístico deve ser direccionado à regulação eficiente do mercado fundiário e do mercado imobiliário e, neste âmbito, todos os tributos – impostos, taxas e contribuições especiais – terão de ser redireccionados tomando em consideração critérios de eficiência e de justiça na angariação de receita e na realização da despesa.

– Na vertente da produção, haverá que:

i) Alinhar o IMI, na sua vertente da tributação de prédios urbanos, com o princípio da equivalência ou do benefício – na sua vertente ampla - determinando que a sua receita – e as bandas de variação das suas taxas – deverão ser alinhadas com os custos municipais com a manutenção e amortização de infra-estruturas locais e gerais; neste quadro, o IMI poderia ser construído como um “Imposto de Repartição”, o que permitia a simplificação da fórmula de VPT para uma versão mais minimalista e simplificada;

ii) Alinhar o IMI, na sua vertente da tributação de prédios rústicos, com o princípio da equivalência ou do benefício – na sua vertente ampla – tendo em vista a promoção da utilização eficiente do solo, tomando como base o Valor de Base Territorial, enquanto elemento de referência médio de utilidade de exploração; neste quadro, o IMI poderia ser construído como um “Imposto de Incentivo”, o que permitia a constituição de uma Bolsa Municipal de Financiamento à criação de um banco de terras e ao financiamento de acções de promoção ambiental. Porém, este modelo de tributação tem de ser conciliado com um modelo de oferta de solo para arrendamento rural ou florestal de forma a permitir que o proprietário possa disponibilizar o seu solo e eximir-se, desta forma, ao pagamento do imposto.

iii) Reduzir progressivamente o IMT até que se assumisse como mero “Imposto de Registo” o que aumentaria a fluidez do mercado imobiliário;

iv) Determinar um modelo de taxas urbanísticas de acordo com o princípio da equivalência – na sua vertente estrita – tendo em vista a redistribuição dos encargos com a criação de infra-estruturas urbanísticas; estes encargos deveriam ser ponderados com uma lógica de “margens de serviço”, tendo em vista eliminar barreiras à entrada em investimentos que beneficiem a integralidade dos agentes económicos

v) Prever um modelo perequativo nacional de forma a que os custos per capita por infra-estrutura sejam equitativamente distribuídos, de forma a compensar as zonas do interior;

  • Regime Financeiro da Redistribuição Urbanística

¾ Previsão do princípio geral de perequação alargada. Definição do Conceito de Cedência Urbanísticas e dos Restantes Instrumentos Perequativos. Estabelecimento do Princípio Regulador Geral de Socialização de Mais-Valias Fundiárias por motivos não produtivos. Constituição de Bolsas de Terrenos e de Imóveis para Arrendamento a preços regulados.

– Na vertente da redistribuição, haverá que:

i) Eliminar, na medida do possível, as mais-valias urbanísticas, alterando o modelo de reclassificação do solo; assumindo-se a via gradativa, todo o processo será transparente e mensurável;

ii) Criar um modelo de valoração que reduza a formação das mais-valias ou que, caso elas sejam geradas, permita a sua apropriação pública. Este modelo passa pela definição das seguintes componentes:

· Conceito de “Valor de Base Territorial” (VBT);

· Determinação de uma margem de lucro considerada “normal” para a actividade urbanística (L);

· Determinação de uma cedência ou prestação compensatória pelo aproveitamento urbanístico excepcional (superior a um determinado referencial), equivalente a uma percentagem do custo total do investimento a realizar para a implementação efectiva da urbanização e edificações, excluindo o custo correspondente a maquinaria e equipamentos móveis (C). Esta cedência seria paga em espécie, revertendo para uma Bolsa de Terrenos do património público municipal.

Nota: Este modelo não tem natureza tributária, situando-se totalmente no âmbito dos modelos de compensação urbanística. Efectivamente, não está em causa a recepção de receita para os gastos gerais da administração, sendo esta obrigatoriamente direccionada para a regulação do mercado fundiário.

iii) Reconfigurar o IMI em solo rural. A isenção parcial ou total do IMI consoante o grau de condicionamento do solo poderia compensar o proprietário do solo afecto a serviços dos ecossistemas. Por sua vez valores mais elevados do IMI poderiam incentivar os proprietários dos solos abandonados ou expectantes a colocar esses solos no sistema de produção, bem como favorecer o emparcelamento rural; Este modelo de tributação incentivaria à disponibilização do solo para arrendamento, sendo que a sua simples entrega à “bolsa de arrendamento” eximiria o proprietário do pagamento do tributo, calculado em função do Valor de Base Territorial.

Nota: Sendo o IMI uma contribuição especial, este valor poderia ser recanalizado para o sector ambiental – numa óptica assente no princípio da equivalência amplo – financiando intervenções ecológicas e acções de limpeza florestal, entre outras. E, nesta concepção garantir-se-ia a sua plena compatibilização com o princípio da unicidade do imposto sobre o rendimento.

Capítulo VIII - Publicidade e Registo

A segurança do comércio jurídico imobiliário depende da confiança que os vários agentes do mercado possam fundar nas intervenções registais, apurando a concreta situação jurídica do prédio e das faculdades que aos seus titulares os ordenamentos, privado e público, reconheçam. Assim, a aprovação da nova Lei do Solo prossegue, em especial, a coordenação entre as actuações urbanísticas e o registo Predial.

 

 

Capítulo IX –Fiscalização e Sanções

Neste capítulo tratar-se-á de estabelecer o regime jurídico das contra-ordenações em matéria de Lei do Solo, assim como da responsabilidade civil, disciplinar e penal nesta matéria.

 

 

Capítulo X – Disposições Finais e Transitórias

 

O último capítulo para além de cláusulas reguladoras da entrada em vigor do diplima, procederá ainda à compatibilização da Lei do Solo.

Tal é, neste momento, o conteúdo projectado para a Lei do Solo.

Lisboa, 21 de Junho de 2011.

 

Primeiro Comentário à Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos de Ordenamento do Território e do Urbanismo (Lei n.º 31/2014, de 30 de maio A1 )

 

Sumário: I - Brevíssimas Memórias de um Procedimento Legislativo Atribulado; II – Disposições Gerais; III - Política de solo; IV- Sistema de gestão territorial; V - Operações urbanísticas; VI- Uma omissão notável: a disciplina da invalidade; VII - O Novo Modelo de Regulação Económica do Solo, do Ordenamento do Território e do Urbanismo; VIII- Considerações diversas em razão do direito privado

 

I

Brevíssimas Memórias de um Procedimento Legislativo Atribulado

Vasco Pereira da Silva1

No início, estivemos a fazer uma Lei do Solo. O XVIII Governo Constitucional encarregou-me de coordenar os trabalhos de uma Comissão responsável pela elaboração de um Anteprojeto de Lei do Solo. A Comissão que escolhi, constituída exclusivamente por juristas, procurava associar cientistas preparados e imunes a possíveis pressões políticas ou económicas, especialistas em Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território, de distintas Faculdades nacionais (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa), conjugando diferentes vertentes da ciência jurídica (a saber, Jurídico-políticas, Jurídico-económicas, Jurídico-privadas) e era composta pelos seguintes membros: Prof. Doutor Carlos Lobo, Prof. Doutor Henrique Sousa Antunes, Profª. Doutora Fernanda Paula Oliveira, Prof. Doutor Cláudio Monteiro, Prof. Doutor João Miranda, Mestre André Salgado de Matos2. Esta Comissão, dita “jurídica”, deveria trabalhar em estreita colaboração com a Direção-geral competente, além de uma outra Comissão, dita “técnica”, a quem cabiam as tarefas de acompanhamento dos trabalhos legislativos e de organização da discussão pública tendente à feitura da lei.

Pretendia-se que a Lei do Solo fosse um diploma constitutivo ou estruturante de todas as políticas públicas em matéria de ordenamento do território e do urbanismo. Assim, até porque tal diploma surgia posteriormente a outros que já regulavam as referidas matérias, e que se manteriam em vigor, entendeu a Comissão que a Lei do Solo deveria revestir a forma de lei ordinária reforçada, o que não afastava que viesse ainda a ser necessário, até por razões de certeza e de segurança jurídicas, proceder à posterior revogação de normas constantes dos regimes jurídicos vigentes do sistema de gestão territorial.

Dava-se assim início a uma verdadeira “saga” legislativa, de uma Lei do Solo que alargou o seu âmbito também às bases do Ordenamento do Território e do Urbanismo, que foi elaborada por encomenda de dois Governos (de distintas maiorias e formações políticas), e sob a supervisão de três Ministros, e de quatro Secretários de Estado.

Na segunda fase do procedimento legislativo, estava a Lei do Solo quase pronta (vide “relatórios”), o XIX Governo Constitucional confirmou a Comissão e renovou o respetivo mandato, mas alargou o âmbito da tarefa a realizar, que agora passou a ser uma Lei de Bases do Solo, do Ordenamento do Território e do Urbanismo, ao mesmo tempo que fazia desaparecer o acompanhamento legislativo da “Comissão técnica”. A tarefa da Comissão agora era dupla, por um lado, em relação ao material já preparado, escolher aquilo que deveria ficar numa lei de bases, e já não numa simples lei do solo, ainda que de valor reforçado, eliminando muitas das normas já redigidas (que deveriam passar a constar de um diploma de desenvolvimento); por outro lado, escolher as matérias consideradas essenciais em termos de ordenamento do território e do urbanismo para as fazer constar do projeto, uma vez que a Lei de Bases, então vigente, praticamente se limitava a regular a matéria dos instrumentos de gestão territorial.

Os trabalhos da Comissão foram progredindo a bom ritmo, sem contato com as estruturas governamentais, exceto, na fase final, com a intervenção do novo Diretor-geral (que também tinha participado na anterior Comissão técnica) em algumas reuniões de trabalho. Já quase no termo desta fase do procedimento, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território fez algumas reuniões com a Comissão, apresentando algumas linhas de orientação muito genéricas e estabelecendo uma metodologia de repartição de matérias entre a lei de bases e a necessária legislação complementar, assim como procedendo à integração da tarefa da Comissão Legislativa no âmbito de uma outra, mais ampla e heterogénea, atividade da Comissão Consultiva. A Comissão legislativa decide, então, terminar o seu próprio projeto de diploma, que apresentou ao Governo em julho de 2012, não sem que, em simultâneo, se tenha prontificado a proceder a alterações, determinadas por orientações de caráter político.

Na terceira fase do procedimento legislativo, a Comissão, muito embora tenha sido sempre chamada a pronunciar-se em todos os momentos das sucessivas alterações e modificações do projeto que apresentara, perdeu contudo o “controlo” da produção normativa. Sucederam-se, então, múltiplos projetos de alteração e modificação, uns mais afastados, outros mais próximos das soluções apresentadas pela Comissão, elaborados ao nível dos gabinetes, em razão de diferentes e, por vezes, mesmo antagónicas orientações, determinadas, entre outras razões, pelas mudanças dos titulares dos cargos governativos (por exemplo, ora o “problema” era a demasiada extensão da lei ora, pelo contrário, ela deveria ser mais extensa e regular matérias remetidas para a legislação complementar; ora se dizia que o texto da Comissão era demasiado explícito, ora que ele não era suficientemente claro para ser entendido por não-juristas).

Em resultado de tudo isto, quer a proposta apresentada pelo Governo ao Parlamento, quer a lei aprovada pela Assembleia da República se, por um lado, apresentam uma estrutura e soluções legais que se baseiam no Anteprojeto elaborado pela Comissão Legislativa, por outro lado, adotam normas que se afastam ou, pior, que deturpam e desvirtuam o pretendido pela Comissão. Elaborar um “primeiro comentário” à Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, por parte dos membros da Comissão legislativa, não é, por isso, uma tarefa fácil, já que não é possível dizer “demasiado mal” de um texto legislativo que tem por base um texto anterior por nós elaborado, mas ao mesmo tempo não é possível dizer “demasiado bem” de um texto que adota soluções legislativas que se afastam das nossas e nas quais não nos podemos rever. Existe assim uma ambivalência afetiva, um sentimento de “amor-ódio” que, retomando uma análise psicanalítica que tanto me agrada, é necessário assumir e verbalizar para melhor o superar, de modo a conseguir realizar um comentário científico a um importante diploma legislativo nacional. Tal o que tentaremos agora fazer.

II

Disposições Gerais

Vasco Pereira da Silva

O Título I, «Disposições Gerais», divide-se no Capítulo I, «Objeto, fins e princípios gerais», e no Capítulo II, «Direitos e Deveres Gerais», o que não é muito diferente do proposto no Anteprojeto da Comissão Legislativa, em que havia uma Parte I, «Princípios, Direitos e Deveres Gerais», dividida num Capítulo I, relativo aos «Princípios gerais», e um Capítulo II, «Direitos e Deveres Gerais».

A comparação dos artigos contidos na Lei e no Anteprojeto da Comissão, no entanto, para além de diferenças estilísticas de pouca monta, apresenta algumas outras mais substanciais, nomeadamente a da maior importância dada a declarações proclamatórias de escassa densidade reguladora (no texto legislativo), do que à identificação dos princípios relevantes (que, no Anteprojeto, estavam desdobrados em mais de um artigo), ou o do elenco dos principais direitos e deveres gerais relativos ao solo, ordenamento do território e urbanismo (que é menos extenso e compreensivo na Lei do que no Anteprojeto).

O objetivo deste Título I é, no entanto, inequívoco, o de consagrar, logo na abertura de uma lei de bases relativa ao solo, ordenamento do território e urbanismo, os grandes princípios e os princípais direitos e deveres dos cidadãos neste domínio, adotando uma lógica personalista e humanista, de preservação da dignidade da pessoa humana, mesmo quando estão em causa direitos de natureza real ou relativos a deveres obrigacionais decorrentes desses direitos reais. Ao mesmo tempo que se assegura, por razões de certeza e de segurança jurídicas, o conhecimento dos seus principais direitos e deveres neste domínio a todos os possíveis sujeitos de relações jurídicas em matéria de solo, de ordenamento do território e de urbanismo. Consagra-se, assim, por um lado, o estatuto básico da cidadania em relação ao solo, ordenamento do território e do urbanismo (direitos e deveres dos cidadãos em geral e deveres do Estado e demais entidades públicas em relação a eles), por outro lado, os principais direitos e deveres gerais dos proprietários e dos titulares de outros direitos reais.

Mas, para tornar mais evidentes as diferenças entre o “espírito” da lei e o do Anteprojeto, sirva de exemplo o artigo 4.º (Direito de propriedade privada do solo), aparentemente idêntico ao artigo 6.º do Anteprojeto (Propriedade privada do solo).

O n.º 1, do artigo 4.º, da Lei n.º 31/2004, de 30 de maio, estabelece que «o direito de propriedade privada do solo é garantido nos termos da Constituição e da lei», o que aparentemente é idêntico a dizer-se (como no Anteprojeto) que «a todos é garantido o direito de propriedade privada do solo, nos termos da Constituição e da lei e no respeito da sua função social», mas é consideravelmente distinto, pois a lei omite a referência à função social da propriedade (que é a razão de ser da disposição do Anteprojeto). É certo que a Constituição é, por todos, interpretada como consagrando essa função social, assim como os autores privatistas afirmam que ela também está implícita nas disposições do Código Civil, mas não seria a Lei de Bases do Solo, do Ordenamento do Território e do Urbanismo o local mais apropriado para a consagrar de forma explícita? Porquê, então, a atitude temerosa do legislador em omitir a referência à função social da propriedade, limitando-se a remeter para a Constituição e para a lei, que a consagram apenas de forma implícita?

Este é apenas um exemplo, mas bastante sintomático, de como uma ligeira alteração na formulação de um artigo pode ter consequências tão importantes no seu sentido e alcance.

A propósito do direito de propriedade privada diga-se, por último, que não sendo a função do legislador fazer doutrina, nem substituir-se a esta, as soluções legislativas consgradas espelham a ideia de que ela é um conceito-quadro unitário, regulado pela Constituição e pela lei (não fazendo sentido uma noção “esquizofrénica”, que separasse um conceito de direito público e outro de direito privado), integrado por múltiplas posições jurídicas ativas e passivas (um direito composto por outros direitos, faculdades, deveres), de conteúdo aberto e progressivo (suscetível de aquisição de novos direitos, faculdades ou deveres em razão da criação, modificação ou extinção de relações jurídicas públicas ou privadas).

III

Política de solos

1- Estatuto jurídico do solo

Cláudio Monteiro3

Fernanda Paula Oliveira4

1. O Título II da Lei n.º 31/2014, relativo à política de solos, é onde provavelmente a Lei de Bases é mais inovadora, sobretudo no seu Capítulo I, que define o Estatuto Jurídico do Solo, por se tratar de matéria que não era anteriormente tratada na Lei dos Solos de 1976 e que só muito limitadamente, na parte respeitante à classificação e qualificação do solo, era objeto da Lei de Bases de 1998.

Trata-se, além do mais, de uma parte substancial da matéria que constituía o objeto inicial do mandato conferido à Comissão Legislativa encarregue de elaborar o seu Anteprojeto, pelo que aqui o confronto do texto final aprovado pela Assembleia com as propostas da referida Comissão assume uma importância fundamental na avaliação das soluções legislativas adotadas.

Em termos gerais, pode dizer-se que o texto final aprovado constitui um retrocesso relativamente às propostas da Comissão Legislativa, quer na parte em que Anteprojeto definia de uma forma mais clara os poderes de conformação pública do conteúdo do direito de propriedade privada, quer na parte em que o mesmo se preocupava de uma forma mais sistemática em adaptar o objeto e a estrutura daquele direito à satisfação de necessidades urbanísticas.

Esse retrocesso é, inclusive, mais visível naquilo em que o texto final aprovado pela Assembleia da República omite em relação às propostas constantes do Anteprojeto do que propriamente em relação às alterações formuladas ao mesmo. Muitas dessas alterações, aliás, não traduzem sequer uma diferente opção política da proposta final apresentada pelo Governo à Assembleia, mas apenas um exercício - por vezes gratuito - de reescrita do Anteprojeto, em que no entanto muito da coerência linguística e sistemática do articulado se perdeu.

Se algumas das omissões se podem considerar apenas simbólicas, por não deixarem de se retirar do sentido global do texto da lei, como a eliminação no artigo 4.º da Lei de Bases (artigo 6.º do Anteprojeto) de uma referência expressa ao “respeito pela função social da propriedade”, outras causam um prejuízo significativo à economia das soluções legislativas adotadas, como por exemplo a eliminação no artigo 15.º da Lei de Bases (artigo 23.º do Anteprojeto) da distinção entre os direitos subjetivos públicos conferidos pelo plano através da definição do conteúdo do aproveitamento urbanístico da propriedade e os direitos subjetivos patrimoniais privados que deles podem resultar mediante a incorporação na esfera jurídica do proprietário das respetivas faculdades urbanísticas, ou a falta de concretização dos ónus e deveres urbanísticos de que depende a aquisição daquelas faculdades (artigo 24.º do Anteprojeto).

Também são significativas algumas das omissões do texto final da Lei n.º 31/2014 em matéria de estruturação da propriedade, de que merecem especial destaque a eliminação da alínea do artigo 19.º (artigo 29.º do Anteprojeto) que proibia a realização de construções ou edificações em parcelas constituídas através do parcelamento rústico dos solos, quando as mesmas não se pudessem realizar anteriormente sem o prévio loteamento ou parcelamento urbanístico do solo, e do artigo 33.º do Anteprojeto que estabelecia as bases do licenciamento de conjuntos de edifícios e outros complexos imobiliários, procurando assim introduzir alguma disciplina na criação dos designados loteamentos ou condomínios fechados.

 

2. No domínio da classificação e da qualificação do solo também se pode dizer que a Lei n.º 31/2014 constitui um claro retrocesso em relação, quer ao regime constante da Lei de Bases de 1998, e do respetivo diploma de desenvolvimento, quer em relação às propostas formuladas pela Comissão Legislativa no seu Anteprojeto.

Existe uma opção clara de classificar os solos a partir da realidade existente e não do destino que se lhe pretende dar, o que não corresponde àquela que é a função dos planos, que é a de antecipar uma realidade de desenvolvimento que se pretende venha a existir no futuro (e que será concretizada no seu prazo de vigência) e não a que existe no momento da sua elaboração.

De facto, para esta lei, o solo urbano é o que está total ou parcialmente urbanizado e, por isso, está afeto por plano territorial à urbanização e edificação; o solo rústico é o que se destina a certos usos em função da “sua reconhecida aptidão” para tal, ainda que se apresente como uma classe residual porque nela se deve integrar também o solo que, ainda que não dotado desta aptidão, “não seja classificado como urbano”.

Desaparece, desta forma, a categoria do solo urbanizável, o que, contudo não é uma novidade já que esta categoria de solo já não se encontrava prevista na anterior Lei de Bases e no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) que, respetivamente, integraram de forma expressa e desenvolveram o conceito de programação da execução: a classe do solo urbano já só integrava, então, o solo urbanizado (infraestruturado) e o solo cuja urbanização fosse programada, ainda que não fosse clara a diferença, nestes diplomas, entre o solo urbano cuja execução já se encontrasse programada ¾ solo de urbanização programada (alínea b) do n.º 2 do artigo 72.º do RJIGT) ¾ e aquele em que tal ainda não tinha acontecido ¾ solo cuja urbanização fosse possível programar (alínea b) do n.º 4 do artigo 73.º do RJIGT).

3. Na definição do estatuto do direito de propriedade ¾ que se prende com a definição dos direitos e dos deveres dos proprietários dos solos (os quais se devem diferenciar, precisamente, em função das suas categorias, designadamente operativas) ¾ sempre se preocupou a Comissão Legislativa com o estatuto a conferir aos solos dependentes de programação e dependentes da sua concretização, sendo feito no Anteprojeto uma clara distinção entre o estatuto do solo cuja execução já tivesse sido programada e aquele em que tal ainda não tivesse acontecido.

Em relação a estes últimos, a dúvida que se colocava era a de saber se os mesmos se deveriam reconduzir à classe de solo rústico, transformando-se em urbano com a aprovação da programação (ainda que o incumprimento desta pudesse fazer reverter o solo à situação anterior, de rústico) ou se deveria integrar, antes, a classe do solo urbano, ainda que com um estatuto (em termos de direitos e de deveres) equivalente ao do solo rústico.

Após muitas discussões no seio da Comissão, acabou por vencer esta última posição, designadamente pelo perigo da inconstitucionalidade de uma opção distinta, que colocaria em causa a reserva do plano em matéria de classificação dos solos (de facto a primeira solução apontava no sentido de a reclassificação de um solo rústico em urbano poder ocorrer pela simples aprovação de um programa de execução).

Deste modo, o Anteprojeto elaborado pela Comissão determinava que o solo urbano seria qualificado, para efeitos da definição do respetivo estatuto e da forma de execução do plano ¾ e tendo por base o nível de infraestruturação do solo e o estado da sua programação ¾, de acordo com as categorias de solo urbano não programado; solo urbano programado e solo urbanizado, distinguindo-se o respetivo estatuto nos seguintes termos:

a) o solo urbano não programado seria aquele que, embora dotado, nos termos dos planos municipais em vigor, de vocação para a urbanização e a edificação, não tivesse sido ainda objeto de programação, determinando o Anteprojeto que enquanto não fosse aprovado o respetivo instrumento de programação aquele solo estaria sujeito ao regime do solo rústico (os proprietários teriam o direito e o dever de os utilizar de acordo com a sua natureza, traduzida na exploração da aptidão produtiva desses solos, diretamente ou por terceiros, bem como de preservar e valorizar os bens culturais naturais, ambientais, paisagísticos e de biodiversidade). A opção de os reconduzir à classe do solo urbano tinha, porém, como consequência, reconhecer aos proprietários o direito de propor a sua programação, ainda que apenas de acordo com as condições estabelecidas nos planos municipais em vigor, prevendo-se que pudessem, para o efeito, ser celebrados contratos previstos na lei.

b) o solo urbano programado corresponderia àquele cuja urbanização e edificação tivessem sido programadas em conformidade com o plano municipal, tendo os proprietários, em função do programa aprovado, o dever de: (1) urbanizar, em regra em parceria e mediante intervenções sistemáticas; (2) contribuir para os custos inerentes à urbanização, mediante a atribuição das áreas necessárias para espaços verdes e de utilização coletiva; (3) compensar as autoridades municipais pela prévia dotação de determinada área com as infraestruturas e equipamentos necessários, bem como pelo reforço ou pela renovação dessas infraestruturas; (4.) assegurar a sustentabilidade económica das obras indispensáveis à instalação de infraestruturas viárias e equipamentos; (5) contribuir para o desenvolvimento do nível de infraestruturação geral; (6) contribuir com capacidade edificativa adequada para os patrimónios públicos de solos. Apenas com o cumprimento destes deveres, os proprietários adquiriam as faculdades de urbanizar, de lotear e de edificar. Em caso de incumprimento dos deveres impostos pela programação urbanística, a Administração poderia ou expropriar o prédio (pelo valor do solo não programado, portanto, pelo valor do solo rústico) ou reponderar a manutenção da programação nos termos aprovados, podendo, se necessário, excluir da programação os prédios cuja integração se tivesse tornado inviável (os quais, por essa via manteriam o estatuto de solos rústicos).

c) por fim, os proprietários dos solos urbanizados teriam o direito e o dever de edificar, se necessário precedendo a urbanização; de promover, quando necessário, a reestruturação e a renovação urbanas ou o preenchimento do tecido urbano; e de utilizar, conservar e reabilitar o edificado existente, através dos meios previstos na lei.

Ora, de acordo com o disposto na Lei n.º 31/2014, o solo urbano apenas integra, agora, o solo total ou parcialmente urbanizado e edificado (que corresponde, grosso modo, ao anterior solo urbanizado), pelo que parece ter ganho ¾ ainda que tal não resulte explicito da lei, e deveria ¾ a tese de que o solo ainda não urbanizado nem edificado, enquanto não for objeto de programação, é rústico, nada impedindo, em todo o caso, que o mesmo se venha a transformar em urbano por simples efeito da aprovação da respetiva programação (que, contudo, para evitar problemas de inconstitucionalidade, apenas poderá ocorrer por via de um instrumento de planeamento ¾ plano de urbanização e planos de pormenor ¾ devidamente enquadrado por instrumentos contratuais). Esta solução não resulta, porém, como referimos, da Lei de Bases, sendo indiciada pela leitura de algumas versões de proposta de alteração ao RJIGT que já viram a luz do dia.

Julgamos que está aqui em causa uma solução que, ao contrário do que se pretendia, pode não permitir contornar os problemas que eram colocados pelos solos urbanizáveis, na medida em que passa a criar sobre todo o solo rústico expetativas (geradoras de pressão e especulação) de o mesmo poder vir a ser destinado ao processo urbano pela simples aprovação de um programa (ainda que enquadrado em instrumento de planeamento).

4. Note-se que a ideia da aquisição gradual de faculdades urbanísticas (prevista no artigo 16.º da Lei n.º 31/2014) apenas se pode compreender num sistema em que se passa sucessivamente da categoria do solo não programado para o solo programado e deste para o urbanizado, passagem que vai sendo feita por via do cumprimento de ónus e deveres urbanísticos. Essa aquisição gradual é feita por etapas: o solo não urbanizado; solo com licença de urbanização (para realização de obras de urbanização e loteamento urbano); solo urbanizado (infraestruturado e efetivamente loteado); solo urbanizado com licença de obras (para edificação); e solo urbanizado edificado. Estas etapas não são explicitadas no artigo 16.º, ainda que pareçam decorrer do previsto no n.º 3 do artigo 13.º, não tornando a sua intenção e objetivo percetíveis.

Refira-se, a este propósito, que Lei n.º 31/2014 eliminou uma das normas mais relevantes do Anteprojeto apresentado pela Comissão a este propósito: o artigo que determinava que a classificação e a qualificação do solo não conferem, por si só, direitos patrimoniais privados. A eliminação desta norma coloca em causa o próprio objetivo da aquisição gradual das faculdades urbanísticas, objetivo dificultado ainda pela previsão, constante do n.º 3 do artigo 15.º, de que «a inexistência de faculdades urbanísticas não prejudica o disposto na lei em matéria de justa indemnização devida por expropriação». Com efeito, caso se mantenham as normas constantes do Código das Expropriações, que apontam no sentido de que o valor dos solos depende do que prevê o plano e não do cumprimento, por parte do respetivo proprietários, dos seus ónus ou encargos urbanísticos, o disposto no artigo 16.º, referente à aquisição gradual de faculdades urbanísticas pode ser completamente postergado. Com a agravante de a alínea a) do n.º 2 do artigo 71.º fazer depender o valor do solo urbano do «aproveitamento ou edificabilidade concreta estabelecidos pelo plano aplicável».

É pois, fundamental, que exista uma articulação da presente Lei com o Código de Expropriações ao nível da avaliação do solo já que a avaliação para efeitos de expropriações não pode ser feita à margem da avaliação do solo para efeitos da execução dos planos, sob pena de se premiar o proprietário que não cumprindo os seus deveres urbanísticos, seja expropriado.

5. Merecem por fim uma nota positiva duas inovações em que a Lei n.º 31/2014, não obstante a diferente - e em alguns casos deficiente - formulação, retoma as propostas da Comissão Legislativa.

Por um lado, o alargamento no artigo 16.º do âmbito dos poderes da Administração de imposição da realização de operações urbanísticas para além das situações de edifícios que ameaçam ruína ou constituem perigo para saúde pública, ou de operações de reabilitação urbana. Esses poderes existem agora sempre que se revelem necessários para garantir a execução de um plano, mesmo que isso implique a imposição de obrigações positivas de construção de novos edifícios, e o incumprimento dos deveres resultantes das respetivas ordens podem dar lugar, quer à expropriação por utilidade pública dos imóveis, quer à sua venda forçada.

Por outro lado, a previsão no artigo 21.º de uma base genérica sobre a transferência de edificabilidade, a par do reconhecimento expresso constante do número 2 do artigo 20.º de que a mesma pode ser objeto de direitos subjetivos autónomos em relação ao direito de propriedade ou outros direitos reais sobre o solo.

O número 1 do artigo 21.º acrescenta inclusive finalidades não inicialmente previstas no Anteprojeto, como a prevenção ou minimizarão de riscos (alínea c), dotação de equipamentos e infraestruturas (alínea e) e eficiência energética (alínea g), mas estranhamente omite a perequação compensatória de encargos e benefícios, única caso de transferência de edificabilidade já anteriormente previsto na lei.

A omissão da perequação compensatória do número 1 do artigo 21.º revela que o Governo não compreendeu a função de uma lei de bases, eliminando do articulado da lei matérias que necessariamente dela deveriam constar, sob o falso pretexto que as mesmas já eram objeto de regulamentação nos respetivos diplomas de desenvolvimento, nomeadamente no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. Ora, embora neste caso não se vislumbrem razões para entender o legislador não possa autonomamente dispor sobre a transferência de edificabilidade no âmbito de mecanismos de perequação compensatória, a omissão desta alínea cria uma dúvida desnecessária sobre a sua admissibilidade, dado que em rigor um diploma de desenvolvimento não dispõe sobre matérias cujas bases do respetivo regime jurídico não estejam estabelecidas na sua sede própria.

2 - Propriedade pública do solo e intervenção do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais

André Salgado de Matos5

O Título II da Lei n.º 31/2014 integra um Capítulo II epigrafadoPropriedade pública do solo e intervenção do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, com duas secções, epigrafadas Propriedade pública do solo e Meios de intervenção administrativa no solo. Embora com algumas alterações relevantes, que se assinalarão, o conteúdo deste Capítulo II corresponde fundamentalmente ao Capítulo II da Parte II do Anteprojeto (resultando a assimetria das designações das suas divisões internas de uma alteração desnecessária introduzida pelo legislador).

Quanto à Secção I, relativa à propriedade pública do solo, o artigo 22.º, n.º 1 (correspondente ao artigo 35.º, n.º 1 do Anteprojeto) estabelece a regra geral de que os espaços de uso público e os equipamentos e infraestruturas de utilização coletiva integram o domínio público ou privado da administração (afastando-se, no entanto, do Anteprojeto na medida em que, neste, se referia o domínio público da administração), exigindo-se no n.º 2, para que assim não seja, que exista decisão fundamentada das autarquias locais e acordo do proprietário e seja comprovadamente mais adequada do ponto de vista urbanístico, a manutenção ou integração das áreas referidas no número anterior em titularidade privada. Trata-se de uma alteração significativa em relação ao direito vigente, no qual, designadamente, o artigo 44.º, n.º 4 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação ainda admite como normal, no âmbito de operações de loteamento, que espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos se mantenham em titularidade privada. Ficando os espaços de uso público e os equipamentos e infraestruturas de utilização coletiva em titularidade privada, determina o n.º 3 que as autarquias locais devem assegurar e regular a utilização coletiva das áreas em questão, através de regulamento municipal e de contrato celebrado com os proprietários. Sem razão aparente, foi eliminada a possibilidade, constante do Anteprojeto e que tem sido utilizada na prática administrativa, de os referidos fins serem prosseguidos mediante constituição de servidões administrativas. A inclusão nesta sede dos n.os 4 e 5 do artigo 22.º, que não constavam do Anteprojeto, é inexplicável, uma vez que a matéria nele disciplinada nada tem que ver com o conteúdo não só deste artigo, mas desta Secção e deste Capítulo.

O artigo 23.º, que corresponde ao artigo 37.º do Anteprojeto, estabelece que os bens imóveis do domínio privado do Estado, das regiões autónomas e autarquias locais podem ser afetos à prossecução de finalidades de política pública de solos. Anteriormente, de forma anacrónica, a disciplina legal do domínio privado imobiliário da administração, de que é paradigmático o Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, estava exclusivamente orientada para assegurar a instalação de serviços públicos e para a rentabilização de ativos. Estamos, portanto, perante uma inovação relevante para as políticas públicas dos solos.

Todavia, a Lei n.º 31/2014 descaraterizou por completo o sistema do Anteprojeto quanto a esta matéria. Com efeito, o artigo 38.º, n.º 1 do Anteprojeto determinava que as entidades administrativas com atribuições em matéria do solo constituíssem obrigatoriamente patrimónios autónomos compostos por bens imóveis integrantes do seu domínio privado e outros ativos patrimoniais, que ficassem exclusivamente afetos à prossecução de finalidades de política fundiária. Por sua vez, o artigo 39.º, n.ºs 2 e 3 estabelecia que os bens integrantes dos patrimónios públicos do solo poderiam ingressar neles por qualquer meio admitido em direito, nomeadamente, quanto aos bens imóveis, por reafetação de terrenos de titularidade pública, compra e venda, permuta, arrendamento, locação financeira e outros contratos, sucessão, doação e renúncia, expropriação por utilidade pública, cedências no âmbito de operações urbanísticas ou fundiárias, compensações perequativas e aquisição originária, e, quanto aos demais ativos, mediante contrapartida contratual da alienação, do arrendamento, da concessão ou de qualquer outra operação que tenha como resultado a rentabilização dos bens imóveis integrantes dos patrimónios públicos do solo, entrega em substituição de cedências no âmbito de operações urbanísticas e fundiárias ou previsão na contabilidade das entidades administrativas titulares dos patrimónios públicos do solo. Em particular, determinava o artigo 39.º, n.º 3 que os bens resultantes de cedências no âmbito de operações urbanísticas ou fundiárias e compensações perequativas ou de entrega em sua substituição, bem como de contrapartida contratual da alienação, do arrendamento, da concessão ou de qualquer outra operação que tenha como resultado a rentabilização dos bens imóveis integrantes dos patrimónios públicos do solo, integrariam obrigatoriamente os patrimónios públicos do solo. Por fim, o artigo 40.º, n.º 1 determinava que os bens integrantes dos patrimónios públicos do solo não poderiam ser desafetados das finalidades destes, sob pena de, tratando-se de bens imóveis que tenham neles ingressado a partir do património de particulares fora das condições de mercado, ter lugar a respetiva reversão, nos termos previstos na legislação relativa às expropriações, com as necessárias adaptações; e o artigo 40.º, n.º 2 impunha que os patrimónios públicos do solo fossem obrigatoriamente administrados de forma direta pelas entidades públicas deles titulares e proibia a sua transmissão a qualquer título, sem prejuízo dos atos de disposição singular dos bens neles integrados tendo em vista a prossecução das respetivas finalidades.

Destes artigos o legislador limitou-se a aproveitar as partes menos importantes de forma completamente descontextualizada (vejam-se as alíneas do artigo 23.º, o artigo 24.º, n.º 2 e o artigo 25.º que correspondem, com amputações e desvirtuamentos, ao artigo 38.º, n.º 2, ao artigo 39.º, n.º 1 e ao artigo 40.º, n.º 1 do Anteprojeto). A constituição de patrimónios públicos do solo genericamente afetos à prossecução de finalidades de políticas fundiárias é crucial para o desenvolvimento racional e eficiente destas políticas, pelo que a sua supressão limitará em muito a utilidade da previsão do artigo 39.º, n.º 1. Será ingénuo supor que a bolsa nacional de terras para utilização agrícola, florestal ou silvopastoril criada pela Lei n.º 62/2012, de 10 de dezembro, que tem um âmbito muito mais restrito e finalidades muito mais modestas que os patrimónios públicos do solo visados pelo Anteprojeto, pode vir a constituir um sucedâneo destes (como aliás logo se comprova pela remissão do artigo 36.º, 2).

A Secção II, referente aos meios de intervenção administrativa no solo, regula a gestão territorial (artigo 27.º), a transação de bens do domínio privado (artigo 28.º), o direito de preferência (artigo 29.º), o direito de superfície (artigo 30.º), a cedência de utilização de bens do domínio privado (artigo 31.º), a concessão de utilização e exploração do domínio público (artigo 32.º), as servidões administrativas (art. 33.º), a expropriação por utilidade pública (artigo 34.º), a venda forçada (artigo 35.º) e o arrendamento forçado (artigo 36.º). Esta secção não pretendeu introduzir significativas inovações substanciais, mas tratar de forma articulada e teleologicamente unificada os meios de intervenção administrativa no solo, sendo a primeira vez que tal sucede no direito português. O Anteprojeto abarcava as mesmas matérias (artigos 41.º-45.º, 48.º-51.º) salvo o arrendamento forçado, que todavia referia no artigo 101.º, alínea c). O texto legal é aparentemente muito similar à correspondente divisão interna do Anteprojeto. Contudo, existem diferenças assinaláveis.

A primeira diferença resulta da parcial frustração pela Lei n.º 31/2014 do intento sistematizador dos meios de intervenção administrativa no solo subjacente ao Anteprojeto. Esta frustração verifica-se, em lugar, na supressão de grande parte daquilo que no Anteprojeto era integrador e agregador no tratamento dos meios de intervenção administrativa no solo como verdadeiros instrumentos de política fundiária e que apenas enquanto tal se justificava incluir numa lei de bases. Atente-se, por exemplo, ao conteúdo anódino dos artigos 26.º e 27.º. Em particular, quanto a este último, note-se a supressão da menção, constante do artigo 42.º, n.º 2 do Anteprojeto, de que «as intervenções administrativas no solo têm lugar no quadro dos planos territoriais em vigor e de acordo com os termos previstos para a respetiva execução», que constituía um enquadramento relevante de toda a Secção e de todo o sistema normativo que se intentava criar. A referida frustração verifica-se também na supressão de qualquer menção nesta sede ao reparcelamento do solo urbano e ao emparcelamento do solo rústico (a que se referiam os artigos 46.º e 47.º do Anteprojeto), que apenas são referidos no artigo 19.º enquanto meios de estruturação da propriedade (embora reconhecendo-se implicitamente no n.º 3 deste artigo que se trata, na realidade, de meios de intervenção administrativa no solo).

A segunda diferença reside na redução da densidade normativa de algumas das disposições relativas aos meios de intervenção administrativa no solo, a um ponto tal que se torna legítimo perguntar se se justifica a sua inclusão. O melhor exemplo disto é o do artigo 30.º, que se refere ao direito de superfície em termos tão limitados que se tornam inúteis. A opção legislativa é neste caso particularmente grave, porquanto a sede geral da disciplina do direito de superfície enquanto meio de intervenção administrativa no solo, a Lei dos Solos de 1976, foi integralmente revogada pela Lei n.º 31/2014 artigo 83.º, alínea b).

IV

Sistema de gestão territorial

1-Breves notas sobre as disposições relativas ao sistema de gestão territorial: tipologia de instrumentos, respetiva formação e dinâmica, medidas preventivas e normas provisórias

João Miranda6

1.A matéria relativa ao sistema de gestão territorial desdobra-se em quatro capítulos:

- Capítulo I (Gestão Territorial);

- Capítulo II (Formação e dinâmica dos programas e planos territoriais);

- Capítulo III (Medidas preventivas e normas provisórias);

- Capítulo IV (Execução dos programas e planos territoriais).

Na presente nota, apenas iremos curar dos três primeiros capítulos.

2. A utilização da expressão Sistema de gestão territorial como epígrafe do Título III não constitui uma novidade, dado que ela se encontrava contemplada na anterior Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo7, aprovada pela Lei n.º 48/98, de 11 de agosto8, assim como no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro9, diploma de desenvolvimento desta que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial 10, adiante abreviadamente designado RJIGT. Não obstante isso, na verdade ela nunca se enraizou completamente no plano dogmático do Direito do Ordenamento do Território e do Urbanismo e ao nível da atuação dos aplicadores práticos. Por isso mesmo, no Anteprojeto da Comissão Legislativa apresentado ao Governo, havia sido sugerida a sua substituição por Sistema de planeamento territorial. Na verdade, esta última expressão apresentava as indiscutíveis vantagens de retratar melhor a atividade administrativa de conformação pública do solo e de se adequar ao enunciado do artigo 65.º, n.º 4, da Constituição portuguesa, que alude a instrumentos de planeamento.

3. O capítulo I cuja epígrafe é “Gestão territorial” inicia-se com uma enumeração bastante exaustiva de objetivos da gestão territorial, podendo questionar-se a bondade da opção tomada pelo legislador quanto à sua inserção sistemática. Com efeito, a generalidade desses objetivos não é específica da gestão territorial, sendo própria das políticas públicas do solo, de ordenamento do território e do urbanismo. Nesta medida, teria sido preferível a sua consagração no Título I do diploma, seja através da sua inclusão no capítulo I, relativo ao “Objeto, fins e princípios gerais”, ou seja no capítulo II, respeitante aos direitos e deveres gerais.

Quanto ao conteúdo, os objetivos enunciados constituem, essencialmente, um combinado de preocupações de ordenamento do território por exemplo, alíneas a) a c) do artigo 37.º com outras de pendor mais urbanístico v.g. alíneas e), f) e h) a j) do artigo 37.º, sem que, no entanto, se depreenda um claro fundamento para a sua ordenação.

4. Uma das principais inovações trazidas pela Lei de Bases reside na distinção efetuada entre programas, definidos como os instrumentos “que estabelecem o quadro estratégico de desenvolvimento territorial e as suas diretrizes programáticas ou definem a incidência espacial de políticas nacionais a considerar em cada nível de planeamento”, e planos “que estabelecem opções e ações concretas em matéria de planeamento e organização do território bem como definem o uso do solo”.

A opção ora perfilhada nunca constou dos objetivos da Comissão que elaborou o Anteprojeto que veio a estar na base da atual lei e revela-se bastante discutível por diversas razões.

O conceito de programa tinha sido até agora reservado para o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, nunca tendo sido antes empregue para denominar outro instrumento de gestão territorial. Esse instrumento sempre foi entendido como a sede própria para a fixação das grandes opções de organização do território nacional e do quadro de referência a considerar na elaboração dos demais instrumentos de gestão territorial (artigo 26.º do RJIGT). O respetivo conteúdo material e documental consagrado nos artigos 28.º e 29.º do RJIGT, bem como a sua aprovação sob a forma de lei da Assembleia da República (artigo 34.º do RJIGT) confirmavam expressamente o acerto da qualificação como programa.

Ora, porventura imbuído da convicção de que o planeamento é incompatível com a formulação de diretrizes mais programáticas, apenas sendo realizável através de ações concretas e da definição do regime do uso do solo, o legislador aparta do conceito de plano realidades que anteriormente eram como tal qualificadas: os agora rebatizados programas setoriais, especiais e regionais (artigos 40.º, n.ºs 3 a 5, e 41.º). A escolha adotada revela-se duvidosa, pois sempre se admitiu, no seio das normas de planeamento territorial, a existência de normas de conteúdo mais programático e de outras com um figurino mais operativo e de execução. Aliás, o grau analítico das previsões dos planos constitui, tradicionalmente, um dos critérios de classificação dos tipos de planos11, não se afigurando nenhuma incompatibilidade entre a enunciação de diretivas ou de linhas gerais, normalmente de ordenamento do território, e o conceito de plano.

Deste modo, o legislador acaba por restringir praticamente o conceito de plano às realidades urbanísticas, pois, salvo em parte com o Plano Diretor Municipal, deixa de haver planos com o escopo de prossecução da política de ordenamento do território.

Acresce que a expressão programa pode revelar-se equívoca, dado que a Lei de Bases também utiliza as expressões programação da execução e programa de execução (artigo 56.º) para retratar realidades que já envolvem a materialização no território das opções de planeamento.

5. Outra das novidades reveladas na Lei de Bases traduz-se no aditamento de mais um nível aos três tradicionais âmbitos territoriais, nacional, regional e municipal, mediante a autonomização de um âmbito intermunicipal (artigo 42.º). Ou seja, de acordo com o legislador, a natureza e a incidência territorial dos interesses públicos prosseguidos justifica a criação de um nível intermédio entre o âmbito municipal e o âmbito regional.

Na verdade, trata-se de uma solução igualmente questionável, dado que, em bom rigor, visa admitir-se que os instrumentos de programação e de planeamento sejam adotados através de formas de cooperação intermunicipal e, portanto, não se antevê por que razão esses instrumentos de gestão territorial não se enquadram ainda no âmbito municipal, salvo se a solução agora adotada pretender constituir um embrião para modelos supralocais de organização administrativa e territorial que possam vir, no futuro, a substituir inclusive o âmbito regional ou a fundir-se com este.

Quanto às opções mais de fundo, parece adequada a possibilidade de serem adotados planos territoriais de âmbito intermunicipal que se espraiem pelo território de mais do que um município e que definam o regime de uso do solo, deixando a cooperação intermunicipal de se cingir a instrumentos mais programáticos ou de conteúdo mais diretivo, na linha, de resto, do que já encontrava plasmado no Anteprojeto da Comissão Legislativa. Todavia, suscita dúvidas a previsão no n.º 1 do artigo 42.º de que é imperiosa a intervenção do membro do Governo responsável pela área do ordenamento do território, sempre que se pretender que o programa intermunicipal abranja outras situações que não as dos dois ou mais municípios com territórios contíguos integrados na mesma comunidade intermunicipal. Não se encontra justificação para reconhecer ao Governo o poder de ingerência sobre uma decisão que deveria caber apenas aos órgãos municipais.

Coerentemente, o legislador previu que “a existência de um plano diretor, de um plano de urbanização ou de um plano de pormenor de âmbito intermunicipal exclui a possibilidade de existência, ao nível municipal, de planos territoriais do mesmo tipo, na área por eles abrangida” (artigo 44.º, n.º 5). Isto significa que se pretendeu criar condições para a intensificação dos laços intermunicipais, permitindo que, por exemplo, se ache cumprida a obrigação de elaboração de um plano diretor municipal por cada município (artigo 43.º, n.º 3) através da adoção de um único plano desse tipo abrangendo o território de dois ou mais municípios.

6. Também contrasta parcialmente com o regime anterior a noção ora apresentada dos programas especiais no n.º 4 do artigo 40.º: “constituem um meio de intervenção do Governo e visam a prossecução de objetivos considerados indispensáveis à tutela de interesses públicos e de recursos de relevância nacional com repercussão territorial, estabelecendo exclusivamente regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais, através de medidas que estabeleçam ações permitidas, condicionadas ou interditas em função dos objetivos de cada programa, prevalecendo sobre os planos territoriais de âmbito intermunicipal e municipal”.

Se, por um lado, se vislumbram linhas de continuidade na invocação de interesses públicos nacionais e na prevalência destes instrumentos face aos planos municipais, constitui, por outro lado, uma novidade a restrição do respetivo regime à salvaguarda de recursos e valores naturais, prevenindo-se que o conteúdo destes instrumentos exorbite a sua função no sistema de planeamento através de normas que fixam o regime do uso do solo. A referida restrição do conteúdo material dos agora redenominados programas especiais já fora proposta no Anteprojeto da Comissão Legislativa, como forma de evitar ingerências na liberdade de planeamento urbanístico municipal e de afastar o risco de coabitação, nem sempre pacífica, entre planos estaduais e municipais.

Fica, porém, por esclarecer como se logra a real efetividade das medidas de salvaguarda de recursos e valores naturais, que podem envolver o estabelecimento de ações permitidas, condicionadas ou interditas, com a limitação da sua vinculação às entidades públicas, obstando-se a que esses comandos vinculem também os particulares, mediante a conformação do direito de propriedade privada destes (artigos 40.º, n.º 4, e 46.º, n.º 1). A solução proposta no Anteprojeto da Comissão Legislativa afigurava-se mais equilibrada, pois, sem se preterir a necessidade de os valores naturais serem efetivamente tutelados através de uma conformação direta do direito de propriedade privada, superava-se a crítica normalmente apontada aos então planos especiais de serem também planos de ordenamento.

7. A Lei de Bases contém ainda uma solução inovadora ao nível da vinculação jurídica dos programas territoriais. Aparte a questão de ficar agora vedado aos programas especiais a vinculação direta e imediata dos particulares, que já tivemos ocasião de analisar supra, o legislador pretendeu sancionar a conduta das associações de municípios ou dos municípios que não tiverem procedido à atualização dos respetivos planos territoriais para os tornarem compatíveis com os programas territoriais que prosseguem objetivos de interesse nacional ou regional.

Com efeito, o n.º 5 do artigo 46.º estabelece que, decorrido o prazo para a atualização das normas dos planos territoriais sem que esta tenha sido efetuada, “suspendem-se as normas do plano territorial intermunicipal ou municipal que deveriam ter sido alteradas, não podendo, na área abrangida, haver lugar à prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a alteração do uso do solo, enquanto durar a suspensão”.

Conforme já defendemos anteriormente, um dos campos privilegiados para a aplicação da figura da suspensão dos planos municipais pelo Governo constituía o das omissões ilícitas dos órgãos das autarquias locais no cumprimento dos deveres de alteração dos respetivos planos. Na vigência da primitiva versão do RJIGT, afirmáramos que “se certo município não proceder à alteração do seu instrumento de planeamento para o adaptar à legislação, regulamentação ou planos hierarquicamente superiores supervenientes no prazo de 90 dias fixado no n.º 3 do artigo 97.º, pode o Governo suspender o plano municipal com fundamento na existência de um reconhecido interesse nacional ou regional” 12.

Sucede, porém, que a norma constante do n.º 5 do artigo 46.º da Lei de Bases vai muito mais além do que fora por nós sustentado. Com efeito, não só a suspensão do plano municipal opera automaticamente pelo simples decurso do prazo de atualização, sem dependência de um ato administrativo de aplicação, como também essa suspensão acaba por ser acompanhada pela medida preventiva de proibição de prática de quaisquer atos ou operações que impliquem a alteração do uso do solo.

Ora, a providência de suspensão do plano é inequivocamente lesiva dos interesses municipais, pelo que sempre se deveria oferecer ao município a possibilidade de intervenção num procedimento administrativo para apresentação das razões, eventualmente atendíveis, que justificaram a sua atuação relapsa. A perspetiva demasiado unilateral que se encontra subjacente a esta solução legal não se compagina bem com as regras sobre contratualização do planeamento vertidas no artigo 47.º, que parecem impulsionar a celebração de contratos entre o Estado e as autarquias locais para fixação das formas e dos prazos de adequação dos planos existentes em relação a programas supervenientes com os quais aqueles devessem ser compatíveis.

A circunstância de a suspensão governamental do plano municipal ser acompanhada de medidas preventivas suscita sérias dúvidas de constitucionalidade, pois implica reconhecer ao Governo a possibilidade de influenciar decisivamente a utilização do solo para fins urbanísticos, prerrogativa que apenas deveria estar cometida aos municípios.

Acresce que a admissibilidade de adoção desta medida preventiva gera um efeito colateral desfavorável para as posições jurídicas subjetivas dos particulares, visto que, por causas que não lhes são imputáveis, estes podem ser atingidos por uma decisão governamental que visa, fundamentalmente, penalizar a inércia municipal em atualizar os respetivos planos para os adaptar aos programas territoriais. Nesta medida, a norma constante do n.º 5 do artigo 46.º parece ofender o princípio da proporcionalidade, quer na vertente da necessidade, quer na do equilíbrio ou proporcionalidade em sentido estrito.

8. Igualmente suscita as maiores reservas a solução contemplada no n.º 6 do artigo 46.º de sancionar o incumprimento municipal com a “rejeição de candidaturas de projetos a benefícios ou subsídios outorgados por entidades ou serviços públicos nacionais ou comunitários, bem como a não celebração de contratos-programa, até à regularização da situação”. O estabelecimento de medidas desta natureza não é propriamente inédito no direito português 13, embora se afigure típico de um modelo de organização administrativa de pendor centralizado, no seio do qual a autonomia municipal se encontra fortemente limitada por constrangimentos de cariz financeiro impostos pelo Estado.

A solução legal ora descrita obnubila ainda que o Estado dispõe de meios judiciais para obrigar os municípios a atualizar os seus planos territoriais para os tornar compatíveis com a disciplina de programas territoriais. Desde logo, através da ação pública, nos termos dos artigos 9.º, n.º 2, e 77.º, n.º 1, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pode o Ministério Público requerer num tribunal administrativo a apreciação e a verificação de situações de ilegalidade por omissão das normas de alteração dos planos municipais, cuja adoção é necessária para dar exequibilidade às acima mencionadas disposições da Lei de Bases que impõem um dever de atualização desses instrumentos de planeamento.

Na verdade, a opção do legislador significa o regresso a um passado que se caraterizava por uma forte dependência dos municípios em relação ao Estado e também a marginalização das populações locais, que serão penalizadas pelas atuações dos titulares dos órgãos locais, sem que elas tenham contribuído para a situação ocorrida.

9. Embora a anterior Lei de Bases já previsse a contratualização entre os princípios gerais da política de ordenamento do território e do urbanismo 14, não lhe conferia a dignidade que ora resulta da nova Lei de Bases. No essencial, é reproduzida a proposta de articulado apresentada pela Comissão, fazendo-se ascender ao diploma de bases as principais normas relativas à contratualização do planeamento que já resultavam do artigos 6.º-A do RJIGT.

10. O capítulo II tem como epígrafe “Formação e dinâmica dos programas e planos territoriais”, albergando quatro artigos sobre os procedimentos administrativos relativos a essas realidades. Este foi um dos capítulos que mais emagreceu face à proposta apresentada pela Comissão ao Governo, tendo sido, por um lado, reduzida a regulação de certas matérias, designadamente das destinadas a assegurar a participação dos particulares nos procedimentos e a disciplinar as modalidades de dinâmica do planeamento (artigos 49.º e 50.º).

Mais questionável se afigura, no entanto, a opção de remeter em globo para a legislação complementar sobre instrumentos de gestão territorial o tratamento da avaliação ambiental, atentos os compromissos que o Estado português assumiu neste domínio junto da União Europeia, e a avaliação de planos, por causa da sua relevância como condição prévia da mutabilidade dos planos. Em ambas as situações, a sua consagração na Lei de Bases, conforme tinha sido sugerido pela Comissão responsável pelo Anteprojeto, teria permitido sinalizar o seu significado nos procedimentos de formação e de dinâmica dos planos.

Também não se vislumbra a razão que motivou o legislador a porfiar no artigo 51.º no conceito de ratificação de planos territoriais, uma vez que, conforme é consensual na doutrina, na realidade, não se pretende disciplinar situações enquadráveis nesse instituto mas sim consentir a derrogação de normas editados num âmbito supralocal pelas normas de planos municipais, designadamente pelo plano diretor municipal. Pena é que se tenha revelado neste campo um excessivo conservadorismo conceptual, em contramão com opções temerárias tomadas ao nível do abandono de outros conceitos que, além de serem rigorosos, já se tinham consolidado na doutrina e na praxis urbanísticas.

11. No capítulo III são reguladas apenas as medidas preventivas e as normas provisórias, em termos muito próximos àqueles que haviam sido propostos pela Comissão Legislativa que elaborou o Anteprojeto15.

Merece uma nota especial a consagração na Lei de Bases da figura das normas provisórias, que não constituem uma novidade no direito português, visto que já haviam constado do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de março16, diploma que estabelecia o regime da elaboração, aprovação e ratificação dos planos municipais antes da entrada em vigor do RJIGT.

A recuperação do mecanismo das medidas provisórias visa constituir uma antecipação, de forma positiva, de opções de planeamento que já se encontrem suficientemente densificadas e consolidadas, assim se agilizando a aplicação de novas orientações municipais que, se tal não fosse possível, apenas se poderiam aplicar com a entrada em vigor do novo plano. Naturalmente, o sucesso da figura irá depender do desenvolvimento do seu regime na legislação complementar e, sobretudo, da correta aplicação que dela vier a ser efetuada pela Administração municipal.

2-Execução dos programas e planos territoriais

Fernanda Paula Oliveira

No Capítulo IV do Titulo III, a presente Lei integra orientações já existentes nos domínios da programação e execução dos instrumentos de planeamento do território. Fá-lo de uma forma muito contida e sumária, indiciando que esta matéria será desenvolvida em momento posterior, concretamente na alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão territorial.

Sem inovar17, a lei prevê o princípio da programação pública (pela Administração) da execução dos planos e programas18, se bem que, ao contrário do que parece dar a entender o n.º 1 do artigo 54.º, a programação e coordenação públicas da execução dos programas e planos não deve confundir-se que a sua promoção pública: nada impede, muito pelo contrário, que a iniciativa (promoção) seja privada (e sê-lo-á na maior parte das vezes); fundamental é que, quando tal suceda, isto é, quando a iniciativa privada decida avançar promovendo operações de ocupação urbanística do território, existam mecanismos que garantam a sua adequação aos objetivos e prioridades definidos pela Administração (n.º 2 do artigo 54.º).

A propósito da execução, distingue a presente lei entre execução sistemática — que é realizada mediante programação municipal e que corresponde a operações urbanísticas integradas com vista à transformação, reabilitação ou regeneração ordenada do território (n.º 1 do artigo 55.º) — e execução não sistemática — que é levada a cabo sem necessidade de prévia delimitação de unidades de execução, por intermédio de operações urbanísticas a realizar nos termos da lei (n.º 2 do artigo 55.º).

Trata-se de uma classificação dos modelos de execução que apela para um conceito que não vem definido (nem explicitado) nesta lei: o conceito de sistemas de execução. Neste sentido, consideramos que era mais clara a versão inicial da Lei de Bases, onde a execução sistemática correspondia à realização, mediante programação municipal, de operações urbanísticas integradas (diferente de isoladas e casuísticas, portanto, não sistemática), com dimensão e localização adequadas a uma transformação ordenada do território e que se concretizavam mediante um de três sistemas: osistema de execução privada (atualmente designada de sistema de compensação), o sistema de execução por cooperação entre proprietários e o município (atualmente apelidada de sistema de cooperação) e o sistema de execução pela Administração (atualmente sistema de imposição) – artigo 76.º da proposta inicial. É por a execução se encontrar ou não inserida no âmbito de um destes sistemas a mesma é designada, respetivamente, de execução sistemática e de execução não sistemática.

Realce-se ainda o princípio, que constava do artigo 77.º, n.º 2 da versão inicial desta lei: de que a realização de operações urbanísticas isoladas (a execução não sistemática) deveria ser excecional, só podendo ser admitida em solo urbano quando já existissem infraestruturas adequadas para a edificação pretendida ou, quando fosse caso disso, tivesse sido realizada operação de loteamento ou de reparcelamento. Princípio que, na nossa ótica, deveria manter-se na versão agora aprovada, dado o relevo que o mesmo assume, em especial por realçar a necessidade de uma nova lógica na ocupação do território e um novo papel da Administração: uma lógica e um papel em que a Administração faz acontecer o que verdadeiramente interessa à estruturação do território e ao desenvolvimento urbano, orientando a ocupação urbanística privada de forma a evitar a dispersão e de forma a condicionar as intervenções privadas a atuações de conjunto (globais e integradas). O que traz também novas exigências aos técnicos municipais, obrigando que estes deixem a sua tarefa de mera apreciação, “controlo” e fiscalização” das pretensões privadas, para passarem a assumir uma intervenção ativa, convencendo os privados a intervir no momento que convém à Administração, com operações que, satisfazendo os seus interesses privados, sirvam simultaneamente o interesse público. 19

Refira-se também que, se bem que a lei não preveja agora a categoria operativa dos solos urbanizáveis — precisamente aqueles onde a execução programada (sistemática) mais se justificaria —, este tipo de execução continua a fazer sentido, designadamente quando estejam em causa solos urbanizados a consolidar, renovar ou reestruturar que exigem intervenções suportadas por soluções integradas e de conjunto, em regra com prévia associação entre os proprietários e eventualmente outros interessados.

Notamos, também, na presente lei, uma visão demasiado limitada dos instrumentos de programação, que parecem ser reconduzidos apenas às unidades de execução: para o legislador o que distingue a execução sistemática (de programação púbica) da execução não sistemática (de execução casuística e feita caso a caso), é o facto de a mesma ser antecedida ou não, respetivamente, de uma unidade de execução.

Sucede, porém, que os instrumentos de programação vão muito para além das unidades de execução, abrangendo todos os instrumentos que, do ponto de vista estrutural, envolvem a execução de atuações conjuntas circunscritas a áreas delimitadas, que visam conjugar o interesse público com a participação dos particulares, incluindo o direito de iniciativa destes. A estes requisitos, acresce a exigência funcional (e material) de que os instrumentos de programação integrem: a) os objetivos a alcançar com a intervenção ou intervenções projetadas; b) o âmbito subjetivo da programação (quem fica por ela abrangida e em que moldes, designadamente do ponto de vista dos mecanismos de associação); c) o âmbito objetivo ou objeto da programação (que inclui a área delimitada a programar e a caraterização essencial da mesma, uma vez que a programação difere consoante se programa, por exemplo, para urbanizar ou para reabilitar); d) as operações de execução a levar a cabo (reparcelamentos, loteamentos, “condomínios” urbanísticos); e) o tempo de execução (a programação temporal das ações previstas); e f) o seu financiamento (que deve, quando for caso disso, compatibilizar-se com o programa plurianual de intervenções do município e respetivo orçamento).20

Estas características não deixam de encontrar plasmação na lei (cfr. artigo 56.º que se refere, precisamente, ao conteúdo dos instrumentos de programação), devendo com ele ser articulado o disposto no artigo 55.º de forma a afastar a ideia de que a programação se processa necessariamente (ou exclusivamente) por via da delimitação de unidades de execução.

Faria, porém, sentido que se tivessem mantido os princípios gerais em matéria de execução que constavam da versão inicial da proposta desta Lei, princípios esses aplicáveis quer à execução sistemática quer à execução não sistemática, a saber:

«a) as operações urbanísticas contribuem, em todos os casos, para a melhoria funcional, formal e ambiental do espaço onde se inserem;

b) as operações urbanísticas em solo urbano estabelecem a articulação espacial e temporal entre a execução de infraestruturas e de equipamentos e a execução das edificações, tendo em vista uma ocupação harmoniosa do território e o equilíbrio económico-financeiro de cada operação;

c) a construção de infraestruturas, equipamentos e zonas verdes por iniciativa municipal articula-se, sempre que possível, com a urbanização envolvente, com recurso a unidades de execução e

d) as operações urbanísticas realizam-se preferencialmente mediante execução sistemática.»

Mais, teria feito sentido manter a referência às unidades e subunidades operativas de planeamento e gestão, importantes mecanismos de programação por corresponderem a áreas de intervenção prioritárias, estratégicas ou estruturantes para as quais os planos devem estabelecer os objetivos de interesse público a alcançar, os processos executórios a adotar e os meios financeiros a mobilizar, sendo nessas áreas que deveriam preferencialmente enquadra-se os investimentos e empreendimentos públicos.

V

Operações urbanísticas

Cláudio Monteiro

André Salgado de Matos21

1. O Título IV da Lei n.º 31/2014, relativo às operações urbanísticas, peca claramente por omissão, limitando-se a estabelecer algumas escassas bases gerais sobre o seu controlo administrativo e a sua regularização, e ainda sobre a utilização e a conservação do edificado, incluindo a reabilitação e a regeneração urbanas.

O texto final aprovado pela Assembleia contraria assim a lógica que havia sido adotada no Anteprojeto da Comissão Legislativa, de incluir no articulado da lei as bases gerais da urbanização e da edificação, incluindo não apenas a regulamentação dos seus aspetos procedimentais como também substantivos.

Na base desta opção do legislador terá estado a ideia – do nosso ponto de vista errada – de que a matéria seria tratada no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), quando objetivo da sua inclusão era, precisamente, o de estabilizar as bases gerais desse regime, salvaguardando-a das constantes alterações legislativas a que o mesmo tem sido sujeito nos últimos anos.

De entre os diversos artigos do Anteprojeto que foram suprimidos na versão final aprovada, merece uma especial referência o artigo 87º respeitante aos loteamentos urbanos, que, por um lado, esclarecia que o licenciamento da operação de loteamento urbano consolida o direito de construir as edificações nela previstas, que assim ficam imunes à alteração superveniente dos planos aplicáveis na mesma área, mas, por outro, afastava o direito do titular da licença a uma indemnização por alterações às condições da mesma para dar execução a esses planos supervenientes, quando essa alteração fosse feita para além de um prazo de cinco anos contados da sua emissão.

Desta forma se procurava estabelecer um equilíbrio entre a garantia dos direitos adquiridos pelo particular através do licenciamento da operação de loteamento urbano e a flexibilidade que, para além de determinado período de estabilidade, a Administração necessita para adequar o planeamento à dinâmica da realidade.

2. O artigo 58.º da Lei nº 31/2014 disciplina o controlo administrativo das operações urbanísticas em termos que não são inovadores em relação ao direito anterior. O n.º 1 deste artigo estabelece os fins do controlo administrativo das operações urbanísticas. O n.º 2 estabelece a regra da sujeição das operações urbanísticas a controlo prévio «vinculado à salvaguarda dos interesses públicos em presença e à definição estável e inequívoca da situação jurídica dos interessados» e o n.º 3 permite que, quando a salvaguarda dos interesses públicos em causa seja compatível com a existência de um mero controlo sucessivo, a lei possa isentar de controlo prévio a realização de determinadas operações urbanísticas, desde que as condições de realização sejam suficientemente definidas em plano municipal.

Estas formulações, embora baseadas nas do Anteprojeto, esvaziaram em grande medida o seu alcance. Com efeito, aquilo que se dispunha no artigo 83.º, n.º 1 do Anteprojeto era que «a realização de operações urbanísticas depende, em regra, de controlo prévio mediante atos administrativos que assegurem a salvaguarda dos interesses públicos em presença e definam de forma expressa e estável a situação jurídica dos interessados». O n.º 2 do mesmo artigo permitia que a isenção legal de controlo prévio em termos próximos dos consagrados na Lei n.º 31/2014 e o n.º 3 determinava que, nestes casos, a lei poderia «estabelecer a obrigatoriedade da comunicação prévia da operação urbanística sob reserva de proibição». A intenção era clara: tratava-se de exigir em regra a definição das pretensões urbanísticas dos particulares mediante ato administrativo, na medida em que só este, em virtude da sua função e do seu efeito estabilizador, pode operá-la «de forma expressa e estável», admitindo-se, todavia, a sua isenção legal, com ou sem obrigatoriedade de comunicação prévia, que seria, a existir, uma verdadeira e própria comunicação prévia (e não um ato administrativo ou um ato tácito disfarçados, como sucede no atual RJUE) sob reserva de proibição (sendo que esta proibição envolveria já o exercício de um controlo sucessivo).

O n.º 3 do artigo 58.º sujeita todas as operações urbanísticas a controlo sucessivo, o que constava do artigo 85.º do Anteprojeto, prevendo o n.º 6 a possibilidade de adoção de medidas de tutela da legalidade urbanística, de modo tão genérico que se afigura praticamente inútil (cfr. a redação mais densa do artigo 86.º do Anteprojeto). O n.º 5 refere-se aos mecanismos de responsabilização dos diversos intervenientes nos processos de urbanização e de construção e de garantia da qualidade, matéria que era disciplinada em termos algo diversos e mais abrangentes no artigo 90.º do Anteprojeto.

3. O artigo 59.º estabelece as bases do regime de regularização de operações urbanísticas, o que, sendo uma inovação positiva, peca no entanto por defeito, por se referir exclusivamente à «legalização» singular de operações urbanísticas, não estabelecendo igual base para a criação de um direito excecional para a regularização de áreas urbanas de génese ilegal.

4. O artigo 61.º introduz um novo conceito de regeneração urbana, como uma operação urbanística distinta da operação de reabilitação urbana. Sem prejuízo da valia científica que essa distinção possa ter, a novidade não revela, para já, maior utilidade, tendo em conta, nomeadamente, que o conceito legal de reabilitação urbana constante do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana abrange igualmente as operações urbanísticas de regeneração urbana agora autonomizadas.

A distinção conceptual obrigará, assim, a uma revisão do regime atualmente em vigor, sendo certo que essa matéria não vem identificada no artigo 81º como devendo ser objeto de desenvolvimento subsequente.

VI

Uma omissão notável: a disciplina da invalidade

André Salgado de Matos22

A Lei n.º 31/2014 não acolheu o conteúdo da Parte VI do Anteprojeto, que incluía disposições relativas à validade dos regulamentos, planos, atos administrativos e contratos relativos ao solo, ao ordenamento do território e do urbanismo (artigo 105.º), à sua invalidade (artigo 106.º), à responsabilidade administrativa (artigo 107.º) e às garantias administrativas (artigo 108.º) e processuais dos particulares e da legalidade objetiva (artigo 109.º). A opção é dificilmente justificável, uma vez que estas matérias, pelo seu alcance transversal ao direito dos solos, ao direito do ordenamento do território e ao direito do urbanismo, deveriam ter um enquadramento geral, cuja sede apropriada era a presente Lei de Bases.

De entre as disposições do Anteprojeto não acolhidas pelo legislador, a mais significativa era sem dúvida a do artigo 106.º, 3, respeitante à forma invalidade, nos termos da qual a invalidade dos regulamentos, planos, contratos, atos administrativos e outros atos jurídicos por violação de parâmetros de validade específicos em matéria de solo, ordenamento do território e urbanismo poderia «ser efetivada a todo o tempo e por iniciativa de qualquer pessoa ou entidade que disponha de legitimidade procedimental ou processual para tal, salvo quando exista uma confiança legítima na manutenção das situações entretanto constituídas, que, tendo em conta o tempo decorrido sobre a sua constituição, deva sobrepor-se ao interesse público na reintegração da legalidade». Com esta redação, procurava-se acolher as críticas formuladas por parte da doutrina à inadequação axiológica da atual regra setorial da nulidade, que manifestamente não atende a interesses relevantes de estabilização das situações jurídicas, ao mesmo tempo reconhecendo-se que a solução da mera anulabilidade poderia privar de tutela interesses públicos e privados não menos importantes. A solução proposta visava, assim, uma solução flexível, que permitiria ultrapassar as consequências no domínio ordenamental e urbanístico da excessiva rigidez do sistema dualista de desvalores do ato administrativo.

VII

O Novo Modelo de Regulação Económica do Solo, do Ordenamento do Território e do Urbanismo

Carlos Baptista Lobo23

A Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio), constitui um ponto de viragem no enquadramento jurídico-económico da regulação do solo e das políticas de ordenamento do território.

O Estado assume de forma clara e inequivoca a dimensão económica das políticas públicas, passando a exercer, de forma estruturada, funções reguladoras no sector. Assim, e em termos de políticas económicas, à função de desenvolvimento24 e de coesão 25 veio juntar-se uma dimensão, que em termos de funções públicas é prévia, e que era quase ausente no antigo tecido legislativo, que é a função reguladora de mercado.

Essa nova dimensão é omnipresente no novo regime jurídico. Na alínea b) do artigo 2.º refere-se explicitamente que constitui fim da política pública, “ a organização eficiente do mercado fundiário, tendo em vista evitar a especulação imobiliária e as práticas lesivas do interesse geral”. No mesmo sentido refira-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º onde se assume que um dos princípios gerais da nova lei é o princípio da “economia e da eficiência, assegurando a utilização racional e eficiente dos recursos naturais e culturais, bem como a sustentabilidade ambiental e financeira das opções adotadas pelos programas e planos territoriais”.

Neste quadro de regulação económica, que parte de um pressuposto prévio de aceitação unânime na doutrina económica que é o da existência de falhas de mercado significativas no mercado fundiário26, foram adoptadas na Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio, algumas posições relevantes:

i) Eliminação da criação da renda monopolista por via autoritária através da erradicação do conceito de solo urbanizável

Um dos problemas estruturais do anterior regime consistia na limitação excessiva dos modelos de desenvolvimento urbano por via da nomeação autoritária de uma área de desenvolvimento urbano que concentrava no seu âmbito toda a capacidade edificatória disponível. Essa definição era muitas vezes de forma reactiva, limitando-se a acomodar as pretensões edificatórias existentes no momento anterior à elaboração do PDM o que se traduzia numa concentração excessiva de benefícios edificatórios, em prejuízo dos restantes proprietários que se viam limitados nas suas pretensões urbanísticas. Por vezes, para reagir a esta excessiva limitação, os munícipios aprovavam áreas de expansão de maior dimensão de forma a eliminar esta excessiva concentração de benefícios urbanísticos. Porém, também essa opção era ineficiente uma vez que legitimava pretensões de desenvolvimento excessivamente dispersas o que se revela como financeiramente desastroso devido à insustentabilidade do custo das infraestruturas.

A Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio vem adoptar um puro conceito dicotómico, distinguindo o solo rústico do solo urbano 27. Este último será unicamente aquele que está “total ou parcialmente urbanizado ou edificado e, como tal, afeto em plano territorial à urbanização ou edificação”. Tal significa que todo o solo que não seja urbano será rústico até que seja viabilizada a sua edificação ou urbanização. Essa decisão caberá aos decisores municipais, salvaguardas devidas condições, maxime, a inexistência de restrições de interesse público e a respectiva sustentabilidade financeira e justificação económica.

Essa reclassificação dependerá da aprovação de plano de pormenor ou de urbanização, condiciondada ao desenvolvimento de um programa estrito de execução.

Poderá dizer-se que o novo regime é mais permissivo e, simultaneamente, mais exigente. É mais permissivo pois não existirá uma limitação definida previamente à urbanização e que era traduzida no conceito de àrea urbanizável pelo que se poderá dizer que toda a área de solo rústico não sujeita a restrição de utilidade pública é passível de reclassificação. É mais restritivo pois essa reclassificação dependerá de opção municipal tendo em consideração a sua política urbanística, da demonstração de viabilidade económica (com apresentação de garantias para o desenvolvimento e demonstração de inexistência de alternativas de desenvolvimento mais económicas, nomeadamente opções de reabilitação), da demonstração da viabilidade financeira com interiorização da integralidade dos encargos com as infraestruturas de suporte e da apresentação de plano de pormenor ou plano de urbanização com programa de desenvolvimento exigente e cronologicamente definido.

Porém, o principal mérito deste modelo traduz-se na não concessão prévia de uma renda monopolista traduzida na outorga exclusiva de direito potencial de edificação ou urbanização a um proprietário que nada investiu para o obter. No novo regime será necessário desenvolver todo um processo produtivo complexo para obter o direito urbanístico pretendido.

Para o futuro verificamos uma “devolução” do poder de definição da política urbanística para o município, que a deverá exercer plenamente numa óptica de avaliação do interesse municipal. O modelo futuro é simultaneamente mais exigente, uma vez que novas urbanizações deverão ser bem fundamentadas em toda a gama de variáveis relevantes e mais flexível, uma vez que com a redução das condicionantes, nomeadamente a reestruturação da REN, existirá uma maior disponibilidade para a transformação fundiária.

Espera-se que, desta forma, e simultaneamente com uma política de aumento de transparência na divulgação do preço do solo, ocorra uma redução do preço dos terrenos para urbanização uma vez que a renda monopolista é tendencialmente eliminada uma vez que deixará de haver base para uma qualquer expectativa fundada de “mais-valia caída do céu” (windfall gain) resultante da simples classificação do solo como área urbanizável.

ii) Eliminação do incentivo ao ócio por via do mecanismo da aquisição gradual das faculdades urbanísticas e da programação urbanística

Reforçando-se o que se disse no parágrafo anterior, também o mecanismo de aquisição gradual das faculdades urbanísticas 28 reveste uma enorme importância em sede de regulação económica do mercado fundiário. Relembre-se que o que se pretende eliminar, ou pelo menor atenuar, com a presente Lei, é a formação de mais-valias fundiárias sem a realização de investimento produtivo (a denominada “especulação imobiliária”). Esse ganho infundado é minimizado pelo desaparecimento do “campeão nacional” solo urbanizável e pela redução das condicionantes. Porém, para que o modelo fique completo, é essencial que a autorização de urbanização não revista um carácter ad eternun após a sua concessão. Ao invés, o seu estatuto dependerá da realização atempada de um investimento que permita a sua urbanização. Se esse investimento não se realizar, então não existirá fundamento público para a manutenção dessa autorização.

A autorização para a urbanização depende da realização de uma acção positiva de investimento e de criação de benfeitorias de suporte que fundamente a transição efectiva de qualificação de um solo rústico para um solo urbano. Se tal não acontecer, não existirá razão para a manutenção desse título habilitativo, de onde não se poderá retirar qualquer valor em si próprio. Assim, para além do incentivo ao desenvolvimento que este mecanismo corporiza, também se pretende alcançar com esta formulação uma efectiva redução de formação de valor fundiário por via do estabelecimento de simples expectativas jurídicas.

É por todas estas razões que a programação urbanística adquire uma importância fundamental. O mecanismo de criação de valor de base fundiária deve aproximar-se dos modelos normais de criação de valor em todas as actividades produtivas. Sendo uma actividade complexa é essencial que todas as etapas estejam precisamente calculadas e formuladas. O respeito por uma programação eficiente e eficaz constituirá, nos termos da nova legislação, a única forma de garantir a manutenção dos direitos obtidos. Se tal não se verificar, ocorrerá uma degradação do estatuto jurídico do solo e um respectivo reposicionamento da sua qualificação.

iii) Estabelecimento de um princípio de auto-sustentabilidade financeira do desenvolvimento urbanístico

Num quadro de restrição financeira significativa, o paradigma de financiamento à infraestruturação urbana tinha de ser alterado. No passado, os fundos comunitários permitiram uma convergência real no campo da infraestruturação urbana. Poderá, mesmo discutir-se se, em alguns casos, esse financiamento não foi excessivo uma vez que permitiu uma expansão desmesurada dos perímetros urbanos dado que os promotores, por via do financiamento público das infraestruturas, não repercutiram o seu custo no preço de venda final dos imóveis. Ora, este financiamento “encapotado” conjugado com as falhas administrativas que se verificavam no mercado do arrendamento e como a excessiva burocracia na aprovação dos projectos de reabilitação urbana originaram uma verdadeira “fuga do centro”, com o abandono dos centros históricos, e a criação de um verdadeiro risco de implosão das nossas cidades.

Por estas e outras razões, maxime, de eficiência económica e de alteração dos paradigmas do financiamento comunitário, a nova lei veio estabelecer um princípio de auto-sustentabilidade do desenvolvimento urbano.

O artigo 62.º é inovador a este respeito. Estabelecendo claramente no seu n.º 1 que “a execução de infraestruturas urbanísticas e de equipamentos de utilização coletiva pelo Estado, pelas regiões autónomas e pelas autarquias locais obedecem a critérios de eficiência e sustentabilidade financeira, sem prejuízo da coesão territorial”. A referência à coesão territorial é fundamental, uma vez que à eficiência produtiva deveremos sempre conjugar a o mecanismo da redistribuição e, nesse quadro, seria injusto exigir aos municípios do interior, de mais reduzida dimensão, ou mais dispersos, os mesmos critérios que são exigidos aos centros urbanos de maior dimensão. De facto, se tal não fosse efectuado, no espaço de algumas décadas toda a população nacional estaria concentrada em dois ou três pólos urbanos de enorme dimensão perante a estrutura de custos de manutenção e amortização das infraestruturas existentes. Porém, tal não significa que se devam manter infraestruturas ineficientes sem mais. Tal ineficiência deve ser analisada, justificada e quantificada de forma que se possam realizar decisões financeiras de redistribuição fundamentadas e legítimas. Tal traduz-se na realização de transferências financeiras de coesão, por via das estruturas de finanças locais e não na realização de endividamento por via de défices anuais sistemáticos (o que aliás está limitado nos termos da legislação financeira em vigor). Assim, ao juízo de eficiência, eficácia e economicidade deverá ser adicionada uma ponderação redistributiva que, aplicando-se, deverá ser justificada, ponderada e localizada.

Tal significa que a decisão de investimento na criação de infraestruturas urbanísticas deve ser precedida da demonstração do seu interesse económico e da sustentabilidade financeira da respectiva operação. Tal significa que se deverá analisar todos os impactos positivos da sua criação, nomeadamente ao nível da qualidade de serviço – na maioria dos casos estaremos a falar de serviços de interesse geral – mas igualmente de dimensão óptima. E, neste enquadramento, haverá que se analisar qual o espaço eficiente para a localização espacial dessa infraestrutura ou serviço (espaço municipal, multimunicipal, regional, nacional ou mesmo transfronteiriço?) bem como a lógica de inserção das actuais infraestruturas municipais em redes regionais ou nacionais de maior dimensão.

Não nos poderemos esquecer que a quase totalidade das infraestruturas urbanas se enquadram no conceito de sectores em rede 29, pelo que terão de ser analisadas toda uma série de realidades económicas tendo em consideração a sua lógica própria, quer do lado da oferta (eg. economias de escala, de gama, etc.) quer no lado da procura (maxime, as externalidades de rede). Só assim se conseguirão formular juízos ponderados de eficiência e eficácia das mesmas. E, note-se, não existe opção quanto a esta realidade. O financiamento público no futuro será muito mais exigente e rigoroso. Actividades de subsidiação generalizada serão insustentáveis, só sendo toleradas subvenções localizadas, socialmente justificadas e concretamente quantificadas.

Este modelo mais complexo de arquitectura tributária tem igualmente manifestações ao nível da modulação dos instrumentos tributários uma vez que nos termos do n.º 5 do artigo 62.º, “ os instrumentos tributários podem ter taxas de tributação diferenciadas em função dos custos das infraestruturas territoriais disponibilizadas, da respetiva utilização e de opções de incentivo ou desincentivo justificadas por objetivos de ambiente e ordenamento do território ”.

Este modelo obriga a uma maior complexidade nos modelos de juízo financeiro, destacando-se a necessidade de uma decisão “fina” em termos territoriais, tomando em consideração as prioridades políticas definidas pelos órgãos municipais

 

iv) Definição do princípio da equivalência ou do benefício enquanto elemento estruturante da tributação do património imobiliário urbano

 

O n.º 1 do artigo 63.º vem esclarecer, finalmente, uma questão essencial no ordenamento tributário, clarificando que “ a tributação do património imobiliário urbano respeita o princípio da equivalência ou do benefício”. Esta opção vem clarificar a natureza do IMI urbano, atribuindo-lhe, por esta via, a natureza de contribuição especial. Neste quadro, a tributação em IMI urbano dependerá intrinsecamente de contraprestações reflexas de utilidades urbanísticas prestadas pelos municípios em benefício dos proprietários, o que o afasta do paradigma do impostos sobre o património de âmbito essencialmente redistributivo. Assim, e pela primeira vez, os modelos de definição de taxas por acto municipal passam a fazer sentido numa óptica de acto financeiro uma vez que visam precisamente modular o encargo do imposto ao nível prestacional atribuído.

Esta concepção é mais exigente que a anterior, uma vez que a legitimidade do imposto passa a depender da actividade prestacional pública da qual o “grupo” beneficia. É por essa razão que a segunda parte do n.º 1 do artigo 63.º refere que se deve atender ” ao investimento realizado em habitação com fins sociais, infraestruturas territoriais, equipamentos de utilização coletiva, ações de regeneração e reabilitação urbana, preservação e qualificação ambientais, que beneficiem o desenvolvimento socioeconómico das populações 30.

O Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) na sua vertente urbana deverá, portanto, assentar numa lógica de equivalência ampla, constituindo-se como um “Imposto de Condomínio”31, tendo em vista a repartição dos custos sustentados com utilidades indivisíveis a beneficiários indeterminados, mas determináveis na óptica do grupo, in casu, o município. De facto, e nestas situações o benefício da actividade prestacional pública incide sobre a “benfeitoria” que assenta no solo. Deve, assim, efectuar-se uma distinção entre a base fundiária e a construção. Nestes termos, a base fundiária deverá ser tributada nos termos que definiremos infra relativamente à tributação da propriedade rústica. Porém, a vertente da edificação, ou seja, a benfeitoria urbana depende intrinsecamente, no que respeita ao seu valor intrínseco, da acção urbanizadora da entidade pública, maxime, da existências de infraestruturas urbanas de sustentação. Neste quadro, os proprietários dos imóveis constituem-se como sujeitos passivos, sustentando a este título todos os custos com a manutenção e amortização de infra-estruturas existentes ou com a criação de novas utilidades indivisíveis mas com destinatário na lógica de benefício reflexo grupal 32. Esta estrutura é fundamental para a eficiência e legitimidade do tributo.

Assim, e em termos de estrutura tributária, a nova lei obriga a uma reestruturação integral das práticas actuais, devendo identificar-se precisamente quais os custos que deverão beneficiar de concretas fontes de financiamento. Assim, se a infraestrutura em causa tiver um alcance geral (escola ou hospital), deverá ser financiada por via dos impostos redistributivos, maxime, por via das transferências do OE. Por sua vez, as infraestruturas que beneficiarem essencialmente o “grupo de munícipes”, tais como estradas municipais, equipamentos culturais e desportivos, jardins, onde os beneficiários não são individualmente identificados, mas identificáveis na óptica do grupo, deverão ser financiadas pelo IMI. Finalmente, as utilidades prestadas a sujeitos individualmente identificáveis, então o tipo de instrumento a utilizar deverá ser bilateral, taxa ou tarifa.

A base para o estabelecimento deste modelo consta precisamente do n.º 3 do artigo 63.º onde se estabelece que “ os municípios elaboram obrigatoriamente um programa de financiamento urbanístico que integra o programa plurianual de investimentos municipais na execução, na manutenção e no reforço das infraestruturas e a previsão de custos de gestão urbana e identifica, de forma explícita, as fontes de financiamento para cada um dos compromissos previstos ”.

Esta formulação programática é essencial uma vez que os fundos comunitários para o financiamento da construção de infraestruturas urbanas se encontram em fase terminal, não havendo novos programas no futuro para a substituição das mesmas. Neste quadro exigente, a que se junta as limitações de endividamento, é crucial um dimensionamento eficiente dos equipamentos, clarificando-se os custos efectivos com a sua manutenção e garantindo-se as reservas suficientes para a sua amortização.

Assim, e em síntese, o princípio da equivalência ou do benefício deverá aplicar-se forma directa às taxas municipais de urbanização e edificação e às tarifas urbanísticas, de forma a que exista uma integral sustentabilidade dos custos com as infra-estruturas que directamente beneficiem sujeitos individualmente identificáveis, e, de forma reflexa, ao IMI, tendo em vista garantir a sustentabilidade das infraestruturas municipais de benefício grupal, quer na sua operação quer na sua amortização.

 

v) Estabelecimento de um princípio geral de redistribuição de benefícios e encargos – perequação - com três níveis, e de alcance municipal e intermunicipal

Um outro traço inovador importante do novo regime é o estabelecimento de um princípio geral de perequação urbanística, estendendo-se o seu alcance para o âmbito municipal, ou mesmo intermunicipal. Assim, ao contrário do regime anterior, que só contemplava a perequação em plano de pormenor ou plano de urbanização, limitada ao conjunto dos promotores/proprietários envolvidos, o novo sistema adopta uma terceira formulação, mais ampla, estabelecendo que essa perequação deverá igualmente ser efectuada tomando em consideração os sujeitos não integrantes desses planos, mas que estejam estabelecidos na circunscrição municipal.

O n.º 2 do artigo 64.º é límpido a esse respeito: “os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal contêm instrumentos de redistribuição equitativa de benefícios e encargos deles resultantes”. Esta referência não é mais do que uma concretização do princípio constitucional da igualdade. De forma a tornar esta perequação global operacional, prevê-se, no n.º 3 desse artigo que “a redistribuição de benefícios e encargos a efectivar no âmbito dos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal toma por referência unidades operativas de planeamento e gestão, bem como unidades de execução, considerando a globalidade de território por eles abrangida”.

Passam, portanto, a existir três níveis de perequação:

- A Afectação Social de Mais-Valias, de âmbito municipal (inovadora); cfr. alínea a) do artigo 66.º “afetação social de mais -valias gerais atribuídas pelo plano territorial de âmbito intermunicipal ou municipal”;

- A Perequação Intra-Plano (semelhante ao anterior sistema); cfr. alínea b) do artigo 66.º “Distribuição dos benefícios e encargos decorrentes do plano territorial de âmbito intermunicipal ou municipal entre os proprietários fundiários”

- O Mecanismos das Cedências Urbanísticas (semelhante ao anterior sistema, mas clarificado); cfr. alínea c) do artigo 66.º “contribuição com áreas para a implementação, instalação e renovação de infraestruturas, equipamentos, espaços verdes e outros espaços de utilização colectiva”.

Centremos a nossa atenção na afectação social de mais-valias considerando a inovação na sua previsão.

A afectação social de mais-valias concretiza a perequação à escala municipal e é devida pela reclassificação do solo como urbano e pela outorga de direitos de edificação e é destinada à compensação ambiental da transformação do solo e do aumento da carga edificatória nos termos dos artigos seguintes.

No caso de preexistências edificadas ou de edificabilidade concreta já atribuída por plano territorial anterior, a afectação social de mais-valias só incide sobre a edificabilidade adicional outorgada pelo novo instrumento ou acto.

Nesta óptica, opta-se por cumprir o mandato constitucional do princípio da igualdade nas decisões urbanísticas numa escala municipal (a outra opção seria a escala nacional, como fizeram em tempo os franceses, porém, ainda não existe informação disponível para a afinação desse modelo).

Esta perequação geral é inovadora e visa a captura de mais-valias fundiárias resultantes de simples actos administrativos. É, assim, uma perequação de benefícios, colmatando uma falha no nosso ordenamento jurídico que, desde a década de 60 do século passado, é omisso (ou inconclusivo) a este respeito (veja-se o caso dos encargos de mais-valias).

Esta perequação não tem natureza tributária, mas sim uma simples função de compensação. O produto da sua angariação é alocado a finalidades estritamente relacionadas com a compensação de áreas de escassa ou reduzida capacidade edificatória, por constrangimento legal (reservas ambientais ou áreas de centros históricos, com significativas limitações de cércea). Tem assim uma função compensatória de sujeitos com constrangimentos edificatórios. Porém, a sua utilização dependerá de uma acção positiva (acção de serviços ambientais ou acção de reabilitação), não se premiando comportamentos passivos (distingue-se, assim, da compensação cega de agentes que não conduzem acções activas).

Estão previstos dois eventos distintos potencialmente geradores de vantagens patrimoniais: a reclassificação do solo por plano urbanístico (mais-valias fundiária típica) e o aumento de carga edificatória que ocorra mesmo sem reclassificação do uso do solo (outorga de direitos de edificação por via de acção administrativa).

Esta quantificação diferencial da vantagem patrimonial: visa unicamente a compensação pelo ganho extraordinário. Esse ganho extraordinário corresponde à diferença entre a situação normal (a média municipal traduzida no índice médio municipal) e o ganho concreto (o índice concreto atribuído ao sujeito). Sendo uma compensação perequativa, só incidirá sobre a diferença entre os dois referenciais, ou seja:

Num modelo de descentralização, competirá à Assembleia Municipal, a determinação da percentagem de afectação social de mais-valia a aplicar justificada pela orientação de política urbanística adoptada, podendo ser definidas taxas diferenciadas em função das áreas territoriais de incidência, abrangidas pelo plano diretor municipal.

É neste enquadramento que devem ser interpretados os n.º 6 e 7 do artigo 64.º onde se refere que “ os planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipal fundamentam o processo de formação das mais–valias fundiárias e definem os critérios para a sua parametrização e redistribuição; a lei pode ainda estabelecer mecanismos de distribuição de encargos e benefícios destinados a compensar os custos decorrentes da proteção de interesses gerais, nomeadamente, a salvaguarda do património cultural, a valorização da biodiversidade ou da proteção de ecossistemas”.

O n.º 4 do artigo 62.º prevê o mecanismo que opera a compensação geral: “os municípios devem constituir um fundo municipal de sustentabilidade ambiental e urbanística, ao qual são afetas receitas resultantes da redistribuição de mais -valias, com vista a promover a reabilitação urbana, a sustentabilidade dos ecossistemas e a prestação de serviços ambientais, sem prejuízo do município poder afetar outras receitas urbanísticas a este fundo, com vista a promover a criação, manutenção e reforço de infraestruturas, equipamentos ou áreas de uso público”.

VIII

Considerações diversas em razão do direito privado

Henrique Sousa Antunes33

1. A tutela constitucional da propriedade conforma o legislador à garantia da existência, aproveitamento e transmissão dos direitos patrimoniais, interpretados segundo a tradição do nosso sistema jurídico, deixando à lei ordinária, com esses limites, a concretização do conteúdo, positivo e negativo, daqueles direitos e respetivas vicissitudes. No plano infraconstitucional, os princípios e as regras dos direitos sobre as coisas, desde logo na sua dimensão privatística, recebem amparo no lastro histórico e nas escolhas que, em cada momento, a lei, a doutrina e a jurisprudência fazem, no contexto económico-social considerado. Já o número 2 do artigo 62.º da Constituição portuguesa constitui uma regra de vinculação concreta da lei, estabelecendo que a «requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização».

2. Na elaboração de uma proposta de lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e do urbanismo, porque não se tratava de uma revisão do direito privado sobre as coisas, prosseguimos dois objetivos fundamentais. Assim, deveria o legislador respeitar o quadro enformador da legislação civilística dos direitos reais, se outra não fosse a escolha determinada pela função social do direito de propriedade. Depois, a passagem do tempo permitiu reconhecer alguns consensos na doutrina e na jurisprudência nacionais, encontrando o legislador, agora, a oportunidade para o seu reconhecimento legal. Tão-só alguns apontamentos sobre estas duas opções essenciais:

a) carateriza o regime dos direitos reais a tipicidade (artigo 1306.º do Código Civil português). Os argumentos que a fundamentam encontraram e encontram fundadas objeções, permitindo questionar a sua razão e a sua atualidade. Os constrangimentos que a previsão de um catálogo fechado de direitos reais causa aos particulares e, também às pessoas coletivas públicas, justificam repensar o lugar do princípio ou, pelo menos, o seu alcance. Alguns exemplos de direito comparado, ou de referências da doutrina estrangeira, vêm evidenciando a oportunidade da abertura legal, nomeadamente nas relações económicas entre particulares ou no contexto de operações urbanísticas. De igual modo, oportuna seria a revisão dos regimes da usucapião e da acessão industrial imobiliária, naquele caso até para responder à eventual inconstitucionalidade da privação forçada da propriedade, pela conduta de terceiro de má fé, sem o pagamento de uma justa indemnização. Os temas mencionados, e outros relevantes, necessitam, porém, de uma reflexão específica no quadro de uma reforma geral do direito privado sobre as coisas e da correspondente articulação com as normas que disciplinam a publicidade, em especial as normas do registo predial. Este não era o momento adequado para o efeito.

b) diversamente, o legislador teve a oportunidade de consagrar soluções que a doutrina e a jurisprudência vêm, em geral, reconhecendo, e com interesse atual. São disso exemplo, a renúncia ao direito de propriedade sobre bens imóveis e a articulação do registo com as relações jurídicas de ordenamento do território e do urbanismo:

i- nos artigos 39.º, n.º 1, alínea b), e 113.º, n.º 1, alínea h), do Anteprojeto da Comissão, a renúncia ao direito de propriedade sobre bens imóveis foi inequivocamente consagrada como uma faculdade do titular desse direito. A proposta foi acolhida no artigo 24.º, n.º 2, alínea d), da Lei de Bases;

ii - outro tanto não sucedeu com a indicação exaustiva dos factos sujeitos a registo. Propunha-se (artigo 113.º): «1. Estão sujeitos a registo: a) A alteração à descrição do prédio motivada pela aplicação de instrumentos de planeamento territorial; b) Os atos administrativos e as atuações materiais constitutivos, modificativos ou extintivos de faculdades urbanísticas, c) Os factos jurídicos referentes à transferência de edificabilidade; d) Os factos jurídicos, e suas vicissitudes, que restrinjam ou extingam o direito de propriedade em benefício do interesse público; e) As ações de declaração de nulidade ou de anulação dos atos administrativos referidos na alínea b); f) As sentenças que anulem e declarem a nulidade ou a inexistência dos atos administrativos referidos na alínea b); g) As providências cautelares administrativas que respeitem à situação jurídica dos prédios; h) A renúncia ao direito de propriedade; 2. O extrato da descrição registal dos prédios inclui uma referência geodésica». O legislador optou por uma remissão de competência (artigo 76.º - Registo predial, inscrição matricial e cadastral - «Estão sujeitos a registo predial, a inscrição matricial, bem como a georreferenciação e a inscrição no cadastro predial, os factos que afetem direitos reais relativos a um determinado imóvel ou lhe imponham um ónus, nos termos da lei» (curiosamente, no artigo 21.º, n.º 3, especificou que «a transferência da edificabilidade deve ser objeto de inscrição no registo predial do lote ou parcela de terreno a que essa edificabilidade estava atribuída, nos termos a definir em legislação específica»). Embora outra fosse a nossa opção, respeita-se a reserva de regulamentação posterior, enumeração exigida pelo princípio da tipicidade dos factos sujeitos a registo. Criticável é, no entanto, a técnica utilizada: a lei parece esquecer a articulação com o desenvolvimento de um sistema de informação predial única e obscurece que a função da matriz das finanças e do cadastro predial corresponde à identificação e descrição do prédio e não à inscrição de factos jurídicos a ele relativos. Entretanto, o legislador não acolheu a proposta do registo de bens do domínio público (artigo 114.º), publicidade que permitiria ter uma visão completa da propriedade em Portugal.

3. Algumas notas finais para esclarecer que, sem prejuízo das diferentes abordagens a que as perspetivas da summa divisio entre direito público e direito privado podem conduzir, é, também, nossa orientação que, em razão da função social do direito e, por isso, da ponderação e conformação que a tutela de outros direitos constitucionalmente consagrados exige, as faculdades urbanísticas são adquiridas gradualmente, em conformidade com as regras de planeamento territorial, e são legítimos os instrumentos de venda e arrendamento forçados, embora na exata medida em que tal seja necessário, adequado e proporcional, considerando os interesses públicos e privados em presença. Enfim, elogia-se o acolhimento na lei artigo 3.º, n.º 1, alínea h) do princípio da concertação e da contratualização entre interesses públicos e privados, constante da proposta.

Discordamos, porém, da solução prevista no artigo 14.º, n.º 2, alínea a), da Lei de Bases, que subverte o acquis do direito privado e o faz sem uma integração coerente com os demais regimes que a própria Lei estabelece. Segundo aquela norma, os proprietários têm o dever de «utilizar (…) imóveis, designadamente, o edificado existente». O direito português e os instrumentos jurídicos internacionais aplicáveis à tutela da propriedade reconhecem-lhe uma dimensão essencial de liberdade, que limita as atribuições sociais do seu exercício. O titular é decisor único da utilização das faculdades que integram o seu direito, designadamente da renúncia ao uso desses poderes. O não uso não constitui uma forma de extinção do direito de propriedade, conferindo este ao seu beneficiário o gozo «pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas» (artigo 1305.º do Código Civil).

As razões que fundamentam as limitações de interesse público ou de interesse particular ao exercício do direito de propriedade, ou a função social da propriedade, são valorativamente comprometidas com o sistema jurídico em que se integram. O não uso integra o núcleo intangível do direito, que tão-só a opção histórica por um outro modelo de apropriação dos bens excluiria. Se um proprietário conserva e reabilita o edificado, porque deve usá-lo ou arrendá-lo? Em face da matriz, constitucional e infraconstitucional, do nosso direito, é injustificada a imposição do dever de utilizar se da escolha alternativa não resulta a externalização de efeitos que o artigo 4.º, n.º 2, da Lei de bases previne: «O direito de propriedade privada e os demais direitos relativos ao solo são ponderados e conformados no quadro das relações jurídicas de ordenamento do território e de urbanismo, com princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios da defesa nacional, do ambiente, da cultura e do património cultural, da paisagem, da saúde pública, da educação, da habitação, da qualidade de vida e do desenvolvimento económico e social».

É certo que os meios de produção em abandono podem ser expropriados, com justa indemnização (artigo 88.º da Constituição). Tem alcance diferente o não uso no direito civil. Neste caso, a extinção do direito dá-se em benefício do direito real maior, permitindo o melhor aproveitamento económico do bem, sem compensação do titular do direito menor. É este efeito que se pretende evitar com a crítica ao dever de utilizar que a lei prevê, pois aquele não é um caminho que deva aproveitar, nos termos referidos, ao Estado (diversamente, claro, da renúncia ao direito de propriedade ou da expropriação).

Em sentido diverso, aceita-se que a utilização limite a intervenção do Estado. Expressão desta ideia encontra-se no artigo 36.º, n.º 2, da Lei de bases: «Os prédios rústicos e os prédios mistos sem dono conhecido e que não estejam a ser utilizados para fins agrícolas, florestais, silvo-pastoris ou de conservação da natureza, podem ser disponibilizados na bolsa nacional de terras, nos termos da lei».

Lisboa, 9 de junho de 2014.


1 Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor Catedrático-Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.
2 Nessa primeira fase, também acompanharam os trabalhos da Comissão, três representantes indicados pela Direção-geral (as Dras. Ana Catita, Anabela Duarte e Elisa Vilares) e um representante indicado pelo Ministério do Ambiente (o Dr. José Luís Cunha).
3 Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
4 Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
5 Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.
6 Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
7 Cfr. artigos 7.º e ss.
8 Alterada pela Lei n.º 54/2007, de 31 de agosto.
9 Alterada pelos Decretos-Leis n.º 53/2000, de 7 de abril, n.º 310/2003, de 10 de dezembro, n.º 316/2007, de 19 de setembro, n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, e n.º 181/2009, de 7 de agosto, e pela Lei n.º 56/2007, de 31 de agosto.
10 Cfr. artigos 23.º e ss.
11 Cfr. ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, I, 4.ª edição, 2008, pp. 380 e ss.         [ Links ]
12 Cfr. JOÃO MIRANDA, A dinâmica jurídica do planeamento territorial. A alteração, a revisão e a suspensão dos planos, Coimbra, 2002, pp. 276-277.         [ Links ]
13 Com efeito, anteriormente, os Decretos-Leis n.º 384/87, de 24 de dezembro, n.º 363/88, de 14 de outubro, e n.º 69/90, de 2 de março, subordinaram, respetivamente, a celebração de contratos-programa com os municípios, a concessão de auxílios financeiros e a declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação, à adoção de planos diretores municipais.
14 Cfr. artigo 5.º, alínea h), da Lei n.º 48/98, de 11 de agosto.
15 A única diferença relevante que se pode apontar é de caráter terminológico, uma vez que o legislador preferiu utilizar o conceito de normas provisórias e não o de medidas provisórias, conforme foi preconizado pela Comissão.
16 Cfr. o respetivo artigo 8.º.
17 Uma vez que o conceito de execução programada e de programação pública da execução dos planos vem já da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, aprovada pela Lei n.º 48/98, de 11 de agosto.
18 Refira-se que o facto de se ter adotado o termo programas para designar os instrumentos de gestão territorial não vinculativos dos particulares leva a confundi-los com os programas de execução que são tratados nesta parte da Lei. Confusão gerada por expressões como “ A programação da execução dos programas e planos territoriais” (cfr. n.º 3 do artigo 56.º, no início).
19 Neste sentido cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “A Reabilitação Urbana e a Gestão Urbanística Programada (e Negociada): Dois Tópicos Incontornáveis na Concretização das Políticas Urbanas”, Estudos em Homenagem a António Barbosa de Melo, Almedina, 2013, p. 191-207
20 Sobre os instrumentos de programação, suas caraterísticas estruturais, funcionais e materiais cfr. Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes, Execução programada de planos municipais. As unidades de execução como instrumento de programação urbanística e o reparcelamento urbano como figura pluriforme), Coimbra, Almedina, 2013
21 Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.
22 Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa
23 Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
24 Cfr. eg. alínea a) do artigo 2.º onde se refere que constituem fins da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo: “valorizar as potencialidades do solo, salvaguardando a sua qualidade e a realização das suas funções ambientais, económicas e culturais (…)”.
25 Cfr. eg. alínea c) do artigo 2.º onde se refere que constituem fins da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo: “reforçar a coesão nacional (…)”.
26 Cfr. Carlos Baptista Lobo, “Lei do Solo, Enquadramento Jurídico-Financeiro”, in DGOTDU, 2011.
27 Cfr. n.º 2 do artigo 10.º
28 Cfr. artigo 15.º: “ a aquisição das faculdades urbanísticas que integram o conteúdo do aproveitamento do solo urbano é efetuada de forma sucessiva e gradual e está sujeita ao cumprimento dos ónus e deveres urbanísticos estabelecidos na lei e nos planos territoriais de âmbito intermunicipal ou municipais aplicáveis ”.
29 Cfr Carlos Baptista Lobo, Sectores em Rede, Regulação para a Concorrência, Almedina, 2009.
30 Por sua vez, e nos termos do n.º 2 do artigo 63.º. “ a tributação do património imobiliário rústico respeita o princípio da capacidade contributiva, tomando em consideração o rendimento fundiário decorrente de uma utilização eficiente do solo e promovendo o efectivo aproveitamento do mesmo ”. De facto, o proprietário fundiário deve ser tributado numa intrínseca lógica patrimonial e não segundo eventuais contraprestações reflexas de que beneficie. Assim, o modelo de tributação do IMI rústico deverá assentar no sistema de capitalização de um rendimento fundiário, já que o valor do solo depende do que se produz sobre este. Esta é, aliás, o modelo que está no modelo actual do IMI quando refere que no artigo 24.º do CIMI que a Tarifa é o resultando do Rendimento Bruto deduzido dos Encargos de Exploração. Neste quadro, o IMI rústico deverá ser configurado num modelo assente no Valor de Base Territorial. Esse valor de base territorial deverá ser definido em função da localização, da apetência produtiva. Num modelo perfeito, quem pagar este IMI rústico poderá deduzi-lo no imposto sobre o rendimento relativo à produção, eliminando-se a dupla tributação económica. Tendo em vista a promoção de solo para exploração, o agente que é proprietário mas não explora a terra também deverá ficar isento de pagamento se disponibilizar o solo respectivo para arrendamento ou para Bolsa de Terras. Isso servirá de prova que o sujeito passivo tomou as medidas necessárias para uma exploração eficiente do seu terreno.
31 Só assim se justificam os poderes de determinação das taxas do imposto pelas Assembleias Municipais. Um município que pretenda fornecer e manter infra-estruturas gerais de boa qualidade deverá aplicar uma taxa superior. Pelo contrário, um município que pretenda manter a taxa mais reduzida não poderá prestar o mesmo tipo de utilidades. Esta é a prova de que o actual sistema do IMI engloba no seu âmbito a aceitação do princípio da equivalência ou do benefício.
32 Por sua vez, os Impostos sobre o Rendimento (IRS e IRC) tributarão as mais-valias imobiliárias realizadas e os rendimentos prediais, de acordo com o princípio da capacidade contributiva.
33 Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa.