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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.1 no.2 Lisboa jun. 2014

 

DESTAQUE

O novo estatuto do ensino particular e cooperativo - um novo paradigma de autonomia e regulação

The new statute of private schools - a new paradigm in autonomy and regulation

 

Rodrigo Queiroz e MeloI

IFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: rqmelo@aeep.pt

 

 

RESUMO

O presente artigo analisa o novo regime de autonomia e o novo modo de regulação do ensino particular e cooperativo consagrados no decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro (novo estatuto do ensino particular e cooperativo).

O novo estatuto é aprovado num contexto educativo substancialmente diferente do existente aquando da aprovação do estatuto ora revogado. A autonomia das escolas é hoje uma ideia força e os modos de regulação em educação estão em profunda transformação. Os mecanismos de comando e controlo, típicos dos sistemas centralizados como o nosso, são substituídos por mecanismos mais qualitativos; a conformidade com a norma perde importância perante aspetos de qualidade e eficiência educativos.

Os estabelecimentos de ensino particular passam a poder decidir, com base no seu projeto educativo, como se organizam e atuam pedagogicamente, e a definir uma parte relevante do currículo que oferecem. Em contraponto, adquirem novas obrigações de transparência e informação e os exames nacionais passam a ser um instrumento central de regulação do sistema.

Palavras-chave: Estatuto / ensino privado / regulação educação / autonomia escola

 

ABSTRACT

This article analyzes the new regime of autonomy and the new mode of regulation of private education following Decree-Law n. º 152/2013, of November 4 (new statute of private education).

The new statute was adopted in a substantially different educational context then that existing at the time of the repealed statute. Nowadays, school autonomy is mainframe concept and modes of regulation in education are in profound transformation. Command and control mechanisms, typical of centralized school systems like ours, are replaced by more qualitative mechanisms; compliance with the norm looses place before considerations of quality and efficiency.

Private schools are now able to decide, based on their educational project, how they organize and act pedagogically, and define a significant part of the curriculum they offer. In contrast, they acquire new obligations of transparency and information and national tests become a central tool for regulating the system.

Keywords: statute / private school / regulation education / school autonomy

 

Sumário: O presente artigo descreve e analisa a autonomia pedagógica e o novo contexto regulatório consagrados para o ensino particular e cooperativo pelo novo estatuto do ensino particular e cooperativo - decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro. Embora o novo estatuto contenha outras importantes alterações de regime. Nomeadamente, ao nível dos regimes contratuais celebrado entre o Estado, pelo Ministério da Educação e Ciência, e os estabelecimentos de ensino, nas matérias objeto do presente artigo houve uma revolução coperniciana. Por isto o foco nas questões da autonomia e regulação.

Apos a introdução, no ponto dois, é apresentada e discutida a temática da autonomia das escolas, a sua crescente importância e a sua relação com o projeto educativo de escola, sendo argumentado que o projeto educativo de escola é uma componente essencial da liberdade de ensinar.

No ponto seguinte, é descrito o regime da autonomia das escolas e a sua evolução nas últimas décadas. Apresenta-se quer o caso das escolas do ensino público, quer o caos das escolas do ensino particular e cooperativo.

No ponto quatro, analisa-se o conceito de regulação em educação, algumas das suas características mais relevantes para a temática do artigo – a educação como credence good e a teoria da captura – e a articulação ente hetero-regulação pelos resultados e auto-regulação privada. No ponto cinco resumem-se os conceitos e questões apresentadas para preparar a apresentação e análise do novo regime objeto do artigo.

Seguidamente, nos pontos seis a dez, apresentamos os novos regimes. Nos pontos seis e sete considerando os primeiros quatro estatutos do ensino particular e cooperativo e no ponto oito considerando apenas o estatuto agora revogado. No ponto nove é tratado no novo regime de autonomia dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e no ponto dez o regime de regulação do setor.

Terminamos com uma conclusão em que se procura apresentar uma síntese fundamentada do título artigo e da tese que enuncia: O novo estatuto do ensino particular e cooperativo - um novo paradigma de autonomia e regulação.

 

 

1. Introdução

O novo estatuto do ensino particular e cooperativo, o Decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, doravante “novo EEPC”, é o sétimo estatuto regulamentar do sector 2. Veio substituir o estatuto de maior duração até à data, o Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de novembro, doravante “DL 553/80”.

Entre 1980 e 2013, o DL 553/80 foi objeto de seis alterações 3, todas de pequena monta na medida em que corresponderam a atualizações ou adaptações a alterações legislativas noutros diplomas legais. Foi o estatuto com maior duração temporal dos seus 5 antecessores, tendo estado em vigor 33 anos. Nesse espaço de tempo, houve diversas tentativas de alteração global do DL 553/80. Quer no âmbito do extinto Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo 4, quer por ação direta da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (doravante, AEEP) 5 junto dos sucessivos governos. Estas tentativas de alteração do DL 553/80 tinham dois objetivos fundamentais: (i) maior autonomia pedagógica para os estabelecimentos de ensino e (ii) melhoria dos apoios financeiros às famílias em nome da liberdade de escolha da escola.

Contudo, mercê vicissitudes diversas - da ausência de vontade governamental para dar seguimento aos trabalhos de revisão global realizados no âmbito do Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo à queda do governo – o DL 553/80 ficou essencialmente intocado de 1980 a 2013.

Neste tempo, o sistema educativo português, tal como o país, sofreu alterações substanciais. No campo educativo, todos os indicadores relevantes tiveram uma evolução substancial. A taxa de escolarização de crianças e jovens, a taxa de pré-escolarização, o investimento público em educação medido em percentagem do PIB, os resultados de Portugal nos testes internacionais, foram 30 anos de crescimento e de expansão 6. Esta evolução, associada à informatização do ministério da educação e das escolas, criou um contexto inteiramente novo para as políticas educativas em Portugal. Primeiro, todas as crianças e jovens em idade escolar estão na escola. O desafio, agora, é que todos tenham um percurso escolar bem-sucedido. Em segundo lugar, as novas tecnologias de informação e comunicação, que permitiram ganhos de eficiência importantes na administração pública em geral, são um fenómeno recente no ministério da educação mas que permitem, hoje, uma alteração fundamental na relação entre os serviços centrais do ministério da educação e as escolas 7. Em terceiro lugar, fruto da melhoria das qualificações da população em geral, os docentes portugueses, como grupo profissional, são hoje um corpo mais qualificado que no início dos anos 80, o que coloca dúvidas e desafios às lógicas normativas de gestão pedagógica do sistema educativo a partir do centro do sistema 8.

Deste modo, quando em outubro de 2011, o governo iniciou audiências formais para recolha de contributos com vista à alteração do DL 553/80, há todo um contexto mais amplo de mudança dos princípios de regulação do sistema educativo em geral que constituem substrato para a alteração de paradigma regulatório do ensino particular e cooperativo que se veio a verificar com o novo EEPC.

A compreensão desse processo mais amplo é importante para a análise das soluções regulatórias adotadas no novo EEPC. Iremos de seguida apresentar esse processo que tem como princípios orientadores a autonomia e avaliação das escolas. De seguida, exploramos algumas taxonomias de regulação e, em terceiro lugar, apresentamos e discutimos a soluções do Decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro.

2. Autonomia da escola e novos modos de regulação

A escola moderna nasceu e desenvolveu-se num contexto humano e político favorável a um modelo de regulação baseado na definição, por um centro “iluminado”, de procedimentos operativos detalhados, cujo cumprimento é depois verificado por um corpo inspetivo 9. O não cumprimento é sancionado e, deste modo, o sistema é regulado pelo poder central. Neste sistema, o poder legislativo define quem pode ensinar (habilitações para o ensino), o que deve ensinar, como deve ensinar e a quem. Depois, o poder executivo central – governo a administração educativa – define as operações diárias ao mais ínfimo detalhe 10.

Nas décadas finais do século XX, este modo de regulação é contestado por movimentos de promoção de school based management. Estes movimentos ganharam relevância nas políticas educativas quer com base em argumentos de supletividade do Estado central, quer com base em argumentos de melhoria da qualidade do serviço educativo. Em Portugal, este movimento concentrou-se em torno do conceito de autonomia da escola, que se tornou presente no discurso dos três partidos políticos do “arco da governação” e tem sido invocada como princípio fundador de diversos diplomas e opções dos governos. Ainda que, segundo alguns, a autonomia da escola seja um conceito meramente político, utilizado apenas como escapatória para a crise de legitimidade do Estado 11, a autonomia da escola ganhou centralidade nas políticas educativas. Tal facto, mesmo que a carecer de materialização (alguns, defendem que, apesar da retórica autonómica, nunca o ministério da educação esteve tão centralizado 12), implica a reformulação do modo de regulação da educação. Num contexto de autonomia escolar, a tradicional função de comando e controlo Administrativo, estribada num órgão inspetivo encarregue de verificar os desvios à norma e de os punir, é substituída por uma função de apoio e regulação em que a verificação normativa perde a sua centralidade para a monitorização do prosseguimento de fins e a verificação do atingir de metas. Sintomático deste movimento de reposicionamento da Administração Educativa perante a escola é a tendência das inspeções educativas europeias para recentrarem o foco da sua atividade, fugindo do controlo da legalidade para a avaliação da atividade 13.

Trata-se de uma mudança de paradigma e modos de regulação, em fase de transição, com os avanços e retrocesso próprios dos processos políticos. Usando a taxonomia de Barroso 14, caminhamos de um modo de regulação burocrático-profissional para um modo mais próximo da regulação pelo mercado ou da regulação sociocomunitária 15.

Do ponto de vista da posição relativa dos atores no terreno, não existem só duas situações: ou uma Administração Educativa omnipotente e omnipresente quase prestadora direta do serviço educativo, ou uma constelação de escolas autónomas numa situação de quase mercado 16. Há geometrias intermédias em que a Administração se pode colocar, não intervindo na prestação concreta do serviço educativo, mas também não se remetendo a mera protetora do contexto em que se desenvolve a atividade de ensino. A responsabilidade pública de garantia é esse novo degrau: a Administração Educativa constitui-se como garante de que as escolas se ordenam para a realização de certos fins de interesse público 17. Neste contexto, competiria à Administração Educativa velar pelo cumprimento, por parte das escolas, dos fins de interesse público inerentes à sua condição. A primeira função da Administração Educativa passaria então a ser a monitorização e acompanhamento da realização desses fins e já não a determinação do modo de proceder tal como lhe compete no paradigma burocrático-profissional.

Mas para que esta deslocação da função reguladora da Administração do comando e controlo para a monitorização e acompanhamento possa ocorrer é condição necessária que o sistema possua os instrumentos de avaliação e infraestruturas de informação que permitam que esta nova função reguladora seja de facto exercida. A existência de instrumentos fiáveis de avaliação externa de alunos e de escolas faz parte do núcleo essencial de condições para que este novo modo de regulação seja eficaz.

2.1. Autonomia da escola e projeto educativo

A questão da autonomia da escola surge frequentemente associada a um argumento de eficiência educativa. Segundo os defensores desta autonomia, sendo conferidos aos profissionais que constituem a escola maiores poderes de tomar decisões próprias em matérias pedagógicas, estes, por terem um conhecimento mais próximo dos alunos concretos que servem e dos recursos disponíveis, tomarão decisões mais adequadas do que a administração educativa que tem de decidir para todo o sistema.

Contudo, no contexto do ensino particular e cooperativo, a questão coloca-se, antes de mais, em termos axiológicos 18. A liberdade fundamental de ensinar não tem como fundamento a eficiência educativa mas antes o direito a oferecer educação axiologicamente diferenciada. Isto é, a oferecer uma educação impregnada por valores próprios. Não se trata da liberdade de oferecer escola mas de oferecer uma ideia de escola 19. Esta ideia da escola, tenha ela origem no seu ideário fundador ou na comunidade que nela se constrói, materializa-se no projeto educativo e no currículo da escola. Assim, o projeto educativo é o elemento estrutural fundamental da prática de cada escola.

Daqui resultam duas consequências para o objeto do presente artigo.

Em primeiro lugar, não há autonomia da escola propriamente dita sem haver um largo espaço de conformação curricular; a construção do currículo é a derradeira fase da concretização da ideia educacional subjacente ao projeto educativo 20. O poder de determinar o currículo é uma questão escolar essencial (e fundamento da liberdade). Não basta poder elaborar o projeto educativo; é pela via curricular que se define que educação se deseja para as crianças, jovens ou adultos 21. E é porque o currículo é ideário em ação que surgem reações ao currículo único, ao livro único e a outras unicidades educacionais mais ou menos assumidas por quem tem poder de controlo sobre o sistema. Como nota Varela de Freitas 22, a teoria crítica, a teoria da resistência e os esforços de Paulo Freire são claros esforços de reação contra uma propagada reprodução social resultante do currículo único.

Em segundo lugar, o respeito pela autonomia de escola assim entendida implica que o papel regulador do Estado seja delimitado e os seus instrumentos desenhados em conformidade. Como veremos infra, os modos de regulação em educação prevalentes em Portugal, mesmo no caso dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, não têm em conta esta questão axiológica, sendo os estabelecimentos de ensino particular e cooperativos uma mera “especialidade” no sistema educativo. Como concluiremos, o Decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, alterou substancialmente este estado de coisas, dando nova centralidade ao projeto educativo destes estabelecimentos de ensino e instaurando um novo paradigma regulatório.

3. A autonomia das escolas em Portugal

3.1 O caso dos estabelecimentos do ensino público

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio, a autonomia da escola básica e secundária retorna pela terceira vez ao léxico legal do sistema educacional português 23. Nas suas aparições anteriores – 1914 a 1927 e 1987 a 1991 – a autonomia da escola foi um processo que terminou sem consequências de maior para o sistema 24 e, como veremos, também a declaração de 1998 foi largamente inconsequente.

Até 1998, a própria Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 48/86, de 14 de Outubro), considerava a escola básica ou secundária como uma extensão da atividade administrativa do Estado, sendo a discussão sobre a sua autonomia desprovida de sentido útil para além de saber quais os limites à liberdade interpretativa da lei conferida aos agentes administrativos que tinham a seu cargo a educação das crianças. A questão da autonomia da escola era colocada no campo das relações do ensino privado com o Estado e tratava-se de saber em que medida aquele estava ou não sujeito às disposições do Ministério da Educação a cuja tutela estava submetido (cfr. artigos 54.º a 58.º da Lei de Bases do Sistema Educativo). Em 1989, o Decreto-lei n.º 43/89, de 3 de Fevereiro, que vem regulamentar a Lei de Bases, institui uma noção de autonomia gradual em que “(…) a transferência de competências e poderes para a escola deve ser progressiva, iniciando-se pela atribuição imediata a todas as escolas das áreas de exercício de autonomia que não impliquem risco de rupturas (…)” (preâmbulo do Decreto-lei n.º 43/89, de 3 de Fevereiro).

Mas em que consiste essa autonomia?

Nos termos do Decreto-lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro, a autonomia da escola é “(…) a capacidade de elaboração e realização de um projecto educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo (…)” (n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro).

Em 1998, a autonomia da escola passou a ser “(…) o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados. (…)” (n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio).

Em ambos os casos, trata-se de um conceito indeterminado, de amplitude generosa, mas absolutamente dependente da forma como a administração educativa se organiza e o concretiza em cada momento. Se no regime de 1989 a autonomia da escola resulta da lei e apenas depende da maior ou menor amplitude que o legislador lhe configurar quando cria normas para o sistema educativo, a partir de 1998 a autonomia da escola é concretizada num contrato negociado entre a administração educativa e cada escola.

No terreno, a situação que encontramos é que, até 2006, nenhum contrato de autonomia foi celebrado. Seja por ausência de escolas candidatas, seja por falta de promoção dessa hipótese, seja, eventualmente, por desajustamento entre o que a lei oferece ao abrigo da autonomia e o que as escolas entendem ser necessário 25. Não se pode deixar de voltar a citar aqui o preâmbulo do Decreto-lei n.º 43/89 que, com um forte juízo de probabilidade, traduz a maior dificuldade na concessão de autonomia às escolas: a existência de “(…) risco de rupturas (…)”; ou, na expressão de Barroso, de pulverização do sistema de ensino 2627.

Assim, desde a sua criação legal, em 1986, até 2007, a autonomia da escola foi um conceito indeterminado, apresentado como instrumento salvífico do sistema educativo; instrumento promotor da qualidade escolar e da igualdade de oportunidades, mas nunca aplicado – foi um processo falhado 28.

Em 2007, é publicada a Portaria n.º 1260/2007, de 26 de Setembro, que regulamenta a celebração dos contratos de autonomia tal como previstos no Decreto-lei n.º 115-A/98.

Adianta-se que este diploma surge já o Governo da altura havia tornado público o objetivo de celebrar contratos de autonomia com escolas. É portanto um diploma instrumental para o desígnio político de celebrar contratos de autonomia.

Contudo, mesmo em 2007, a Ministra da Educação aparenta temer o “risco de rupturas”. No preâmbulo da Portaria n.º 1260/2007, de 26 de Setembro, reafirma-se “(…) o reconhecimento pelo Estado da capacidade das escolas em melhor gerirem os recursos educativos de forma consistente com o seu projecto educativo (…)”, reconhece que o aprofundamento da autonomia é um “(…) instrumento de melhor prestação do serviço público de Educação (…)” mas determina que o contrato de autonomia é estabelecido “ (…) em regime de experiência pedagógica, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 47 587, de 10 de Março de 1967 (…)”.

Porém, o legislador adiantou-se, procurando soluções para superar esse risco de rupturas que, ao longo dos anos, foi provavelmente uma das causas que evitaram a celebração de contratos de autonomia 29. Assim, o artigo 3.º da Portaria enuncia os requisitos necessários para que uma escola possa candidatar-se a celebrar um contrato de autonomia. São eles: (i) a adopção pela escola de dispositivos e práticas de auto-avaliação, (ii) a avaliação externa da escola pelo Programa de Avaliação Externa das Escolas a cargo da Inspecção-Geral da Educação e (iii) a aprovação pela assembleia de escola de um plano de desenvolvimento da autonomia validado pela Direcção Regional de Educação respectiva.

No seguimento da publicação desta Portaria, foram celebrados 22 contratos de autonomia com escolas e agrupamentos de escolas. O processo de celebração de contratos ficou assim aparentemente sedimentado: escolas com práticas de auto-avaliação, que se sujeitam a uma avaliação externa e que obtêm uma classificação boa, podem submeter um projecto de autonomia.

Em 2008, o Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, veio criar uma nova definição legal de autonomia: “A autonomia é a faculdade reconhecida ao agrupamento de escolas ou à escola não agrupada pela lei e pela administração educativa de tomar decisões nos domínios da organização pedagógica, da organização curricular, da gestão dos recursos humanos, da acção social escolar e da gestão estratégica, patrimonial, administrativa e financeira, no quadro das funções, competências e recursos que lhe estão atribuídos” (n.º 1 do artigo 8.º). Salienta-se a referência no n.º 3 do mesmo artigo aos princípios do gradualismo e da sustentabilidade na transferência de competências da administração educativa para as escolas.

De 1989 a 2007 decorreram 18 anos até à celebração dos primeiros 22 contratos de autonomia, apenas interrompidos pelo isolado contrato da Escola da Ponte. Atendendo à aparente unanimidade quanto ao avanço, ainda que por vezes meramente conceptual, da autonomia da escola como instrumento de desenvolvimento da qualidade educativa, expressas na letra da lei e na doutrina 30, fica a questão: por que razão foram necessários tantos anos para se avançar decisivamente nessa atribuição de autonomia31? Na legislatura que terminou em Outubro de 2009, o número de contratos celebrados ficou aquém do objectivo inicial de 100 contratos.

Em 2012, o novo governo anuncia novo aprofundamento da autonomia das escolas e, em alteração ao Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, que tem como principal motivação a alteração da estrutura de governance das escolas públicas, afina o regime dos contratos de autonomia. O aprofundamento anunciado corresponde ao acantonamento definitivo da autonomia das escolas à celebração de um contrato-programa 32. No final de 2013, 209 unidades orgânicas públicas tinham celebrado contrato de autonomia com o ministério da educação e ciência.

Atente-se, a terminar, no facto de que o conceito de autonomia da escola é indeterminado legal 33, política e socialmente. A sua densificação e operacionalização são suscetíveis de se fazer por múltiplos modos, recorrendo a diferentes meios e atingindo diferentes níveis.

Concluindo, a autonomia da escola teve um percurso longo desde a sua conceptualização até à sua implementação formal. Foi um percurso marcado pelo medo dos riscos de rutura, apenas ultrapassado quando à autonomia foi acoplada a avaliação da escola (auto-avaliação e avaliação externa). Esta complementaridade entre autonomia e avaliação resulta da necessidade de manter um nível de intervenção pública externa na escola que controle a qualidade do serviço de ensino prestado 34.

3.2 O caso dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo

No preâmbulo do primeiro estatuto do ensino particular (Decreto n.º 19.244, de 16 de janeiro de 1931) reconhece-se que “(…) Às atividades privadas em matéria de educação e de ensino tem o Estado apenas deixado o campo que permite imitá-lo (…)”. Porém, logo a partir de 1949, ano da promulgação do quarto estatuto do ensino particular (Decreto n.º 37.545, de 8 de setembro de 1949), fica estabelecido que “(…) Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 2.º estabelecimentos de estados estrangeiros, os estabelecimentos de ensino particular devem adoptar os planos e programas do ensino oficial, bem como os compêndios nele aprovados, e não podem dedicar às aulas ou sessões menos tempo do que o previsto para aquele ensino (…)” (no n.º 1 do artigo 12.º do Decreto n.º 37.545, de 8 de setembro de 1949).

Desde então, a autonomia do ensino particular fica restringida às atividades extra-curriculares e regras de admissão na medida em que, quanto aos processos pedagógicos curriculares, tem de seguir o disposto para os estabelecimentos de ensino de propriedade do Estado. Como se verá adiante 35, esta diferença na igualdade é de tal forma a matriz do sistema que o quinto estatuto do ensino particular e cooperativo, Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de novembro, que vigorou até 2013, estabelece como critério distintivo entre estabelecimentos de ensino particular com autonomia pedagógica e estabelecimentos de ensino particular com paralelismo pedagógico a existência ou não de dependência da escola privada de uma escola estatal em algumas matérias 36.

Consequentemente, o contexto regulatório dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo era, na sua essência, igual aos dos estabelecimentos de ensino propriedade do Estado.

As maiores diferenças existem ao nível das relações jus-laborais com os docentes na medida em que, no ensino particular estas se regem pelas leis gerais do trabalho e os instrumentos de regulação coletiva de trabalho aplicáveis ao setor e, no ensino estatal, é aplicável o Estatuto da Carreira Docente e um relevante acervo de normas e diplomas infra-legais emitidos, quer pelos membros do governo responsáveis pela Educação e pela Administração Pública, quer pela administração educativa.

Ainda hoje, e sem prejuízo de uma imagem de qualidade de que goza um número importante de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo dos níveis básico e secundário, a especificidade destes estabelecimentos de ensino nem sempre é clara e a afirmação da sua diferença em relação aos estabelecimentos públicos tem sido feita sempre com esforço 37.

Mas, no caso dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo, e como vimos em 2.1 sura, a questão da autonomia coloca-se de modo ligeiramente distinto do dos estabelecimentos de ensino públicos. A natureza privada da titularidade destes estabelecimentos de ensino coloca-os fora da órbita do Estado, sem prejuízo da sua sujeição a especial regulação atenta a natureza do serviço que prestam – educação.

4. Regulação em educação

Na sua expressão mais simples, “(…) regular é estabelecer regras (…)” 38. Porém, dependendo do contexto em que é utilizado o conceito, este ato de estabelecer regras e de as cumprir ou fazer cumprir é densificado de forma distinta. Mas a verdade é que o conceito de regulação ocupa, desde o final do século XX, um papel primordial no léxico público, causa ou efeito da reconceptualização do papel do Estado moderno e da sua relação com os indivíduos e a sociedade civil.

Dificilmente haverá consenso sobre o que é a regulação, mas a verdade é que “(…) a regulação cria confiança no público. Pode não ser eficaz no negócio mas é desejada pelo público (…)” 39. No campo das políticas públicas, esta função de criação de confiança junto do público é uma função essencial da regulação setorial. No campo da educação escolar, esta função da regulação é especialmente relevante. Nela reside, provavelmente, um dos nós gódios do difícil avanço da autonomia pedagógica das escolas. Um resultado do fenómeno de agorafobia cultural que é a aversão do género humano ao espaço aberto - openness 40. Por força desta aversão, apesar da retórica autonómica, o Estado mantem, com o apoio popular, um controlo apertado do currículo e do funcionamento das escolas apesar de mitigadas as razões políticas e de luta intelectual que lhe deram origem a este controlo.

À semelhança do conceito de autonomia, o conceito de regulação em educação cumpre, na atualidade, um papel simbólico e operativo de refundação do papel do Estado na educação 41. Assim teria de ser na medida em que “(…) não é possível conceber-se uma escola completamente autónoma ou independente (…)”42. A questão está em saber quais os níveis de autonomia que a escola deverá ter e quais os modos de regulação adequados.

A função inalienável do Estado na educação, sofre uma deslocação da prestação dos serviços educativos para a garantia de que os serviços educativos são prestados com qualidade e equidade. Com o crescimento da importância relativa desta função do Estado, o Estado Educador 43 ou Prestador evolui para Estado Regulador 44. Este fenómeno opera a nível supra-estadual e corresponde a uma contaminação política transnacional em que um conjunto de normas, discursos e instrumentos que são produzidos em fóruns e organizações internacionais fundam/legitimam a criação de regras nacionais pelos decisores políticos e administrativos 45.

4.1. Credence goods e teoria da captura

Pressupondo algum acordo social quanto à existência de uma componente de intervenção estatal na educação que deriva da própria natureza de bem público da educação, é no entanto relevante procurar compreender o porquê da extensão dessa intervenção no ensino escolar. Isto porque, apesar da retórica autonomista, a presença reguladora do Estado não se desvanece, sendo até visível um aumento desta regulação nas escolas privadas 46. Mesmo fundamentando a intervenção do Estado na educação em questões histórico-políticas, devemos procurar outros motivos para a situação dilemática atual: sendo a moderna evolução das relações entre o Estado e a sociedade no sentido de uma recentração do Estado nas questões da regulação, afastando-se da função produtora 47, com consequências evidentes em sectores como o financeiro, o dos transportes e até o da saúde, em que a iniciativa privada, lucrativa ou não lucrativa, tem crescido na proporção inversa ao decréscimo da gestão direta do Estado, o que leva a que no sector da educação o Estado mantenha uma presença tão interventiva? Pensamos que dois tipos de questões fundamentam esta presença.

Em primeiro lugar, a dificuldade dos encarregados de educação em, por si só, avaliar a qualidade do serviço educativo (a educação é um credence good ). Em segundo lugar, o facto de o sistema de ensino ser um caso paradigmático de aplicação da teoria da captura.

4.1.1 A educação como credence good

A atividade da escola, tal como a do hospital ou do tribunal, é dificilmente avaliada pelo seu beneficiário (utilizador, ou consumidor). Na verdade, só um especialista em saúde poderá avaliar plenamente da bondade do tratamento que recebeu no hospital; só um especialista em direito poderá avaliar plenamente da bondade do desfecho do julgamento; só um especialista em educação poderá avaliar plenamente da bondade da ação da escola 48. Esta característica do serviço educativo coloca a educação no grupo do que a teoria económica denomina credence goods, isto é, bens ou serviços cujos atributos relevantes não são apreensíveis pelo consumidor na altura da escolha, sendo irrelevante a sua apreensão futura. A dificuldade sentida pela população de conhecer o que se passa nas escolas e a resultante necessidade de mediação estatal para garantia de qualidade resulta da própria natureza do serviço educativo prestado pelas escolas.

Ao contrário dos bens que são caracterizados maioritariamente por atributos percecionáveis antes da compra, logo passíveis de “busca” por parte do consumidor (search goods), ou dos bens cujos atributos são percecionados por experiência (por exemplo bens alimentares e grande parte dos serviços) (experience goods), no caso dos credence goods os atributos não percecionáveis diretamente e o seu consumo é irrepetível (o 2º ciclo de ensino só é frequentado uma vez por cada criança) pelo que o consumidor toma as suas decisões apenas com base na credibilidade de indicadores indiretos dos atributos relevantes, sendo esse mecanismo de credibilidade essencial para a boa performance do mercado. Trata-se, simultaneamente, de fazer à necessidade de segurança dos cidadãos e à necessidade de informação para uma escolha informada49 por parte das famílias.

Para tanto, o Estado intervém no sistema educativo certificando a competência dos profissionais, licenciando estabelecimentos, estabelecendo o currículo, avaliando escolas ou promovendo exames nacionais e divulgando os resultados dos alunos.

4.1.2 A teoria da captura

Quanto à captura do sistema por alguns dos seus agentes, este fenómeno corresponde à capacidade dos regulados em influenciar a regulação em seu favor, isto é, por força da sua capacidade de influenciar o regulador, os regulados conseguem que aquele crie normas que lhes são favoráveis independentemente do seu valor para os beneficiários da regulação. No caso da educação em Portugal, a capacidade de influência dos regulados encontra especial respaldo legal, na medida em que o Estado se encontra obrigado a negociar com os sindicatos da educação as condições de trabalho no sector. Passar das condições de trabalho para a regulação do sector em geral foi só questão de influência 50. Daqui resulta uma forte tensão para a manutenção de um poder central forte e microregulador pois, na sua ausência, também a captura do sistema se torna mais difícil por força de dispersão dos pontos de poder.

4.2 Regulação de controlo e regulação autónoma

Por fim, para explicar o status quo situacional de microregulação estatal na educação, é útil distinguir entre regulação de controlo e regulação autónoma. Trata-se de distinguir entre o predomínio da ação do Estado central e da sua administração educativa – regulação de controlo – e o predomínio da ação dos atores concretos – regulação autónoma 51.

A regulação de controlo corresponde ao conjunto de decisões e acções de uma entidade para orientar a acção de outros sobre os quais detém autoridade 52 e a regulação autónoma “(…) exprime os mecanismos de auto-organização e mobilização dos actores sociais de uma dada comunidade e de todas as dinâmicas comunitárias na promoção do bem comum (…)” 53.

No sistema educativo nacional, a regulação de controlo corresponde ao primado da intervenção da administração educativa na escola, ao passo que a regulação autónoma corresponde à reinterpretação das normas da administração por um grupo profissional, os docentes. A tensão entre estas duas formas de regulação, que se alimenta do medo da liberdade que tem imperado nas políticas educativas 54, tem como corolário a insipiência do movimento autonómico das escolas e uma sensação de dependência forçada que os profissionais do ensino sentem e agem em relação ao ministério da educação.

A regulação burocrático-profissional corresponde, na experiência portuguesa, a um caso prototípico da teoria da captura, isto é, uma intervenção legislativa microscópica 55 do Estado na vida das escolas resultante de equilíbrios negociados com as associações representativas dos docentes, seguida de um ajustamento ou reinterpretação local por parte dos profissionais. Com o emergir da crise actual da escola 56, também o modelo ou modo de regulação entrou em crise: “(…) o que está em causa na transformação actual dos modos de regulação é a perda da legitimidade e da coerência estrutural deste modelo o burocrático-profissional (…)” 57. Por conseguinte, em paralelo com o apelo a mais autonomia para as escolas apela-se para menos Estado na educação e mais poder dos pais na escola (com a consequente perda de peso relativo dos docentes). Este movimento teve consagração jurídica na alteração da constituição e dos poderes do órgão de cúpula das escolas estatais resultante do Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de Abril. Logo no preâmbulo, o legislador torna claro que se trata “(…) de reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino (…)” (preâmbulo do Decreto-lei n.º 75/2008). Para tanto, “(…) torna -se necessário assegurar não apenas os direitos de participação dos agentes do processo educativo, designadamente do pessoal docente, mas também a efectiva capacidade de intervenção de todos os que mantêm um interesse legítimo na actividade e na vida de cada escola. Uma tal intervenção constitui também um primeiro nível, mais directo e imediato, de prestação de contas da escola relativamente àqueles que serve. Este objectivo é concretizado, no presente decreto-lei, através da instituição de um órgão de direcção estratégica em que têm representação o pessoal docente e não docente, os pais e encarregados de educação (e também os alunos, no caso dos adultos e do ensino secundário), as autarquias e a comunidade local, nomeadamente representantes de instituições, organizações e actividades económicas, sociais, culturais e científicas. A este órgão colegial de direcção — designado conselho geral — cabe a aprovação das regras fundamentais de funcionamento da escola (regulamento interno), as decisões estratégicas e de planeamento (projecto educativo, plano de actividades) e o acompanhamento da sua concretização (relatório anual de actividades). Além disso, confia-se a este órgão a capacidade de eleger e destituir o director, que por conseguinte lhe tem de prestar contas (…)”(preâmbulo do Decreto-lei n.º 75/2008).

Desta forma, procurou-se um reequilíbrio na distribuição do poder formal dentro da escola, sendo concentrado num órgão de cúpula em que docentes, funcionários, pais e a comunidade local estão em igualdade de situação com os poderes de eleição do diretor (ele próprio um órgão com poderes reforçados na lei em prejuízo dos docentes enquanto grupo profissional) e de aprovação dos documentos estruturantes da ação da escola. Saliente-se que também a possibilidade agora existente de o diretor eleito não ser docente do quadro da escola e poder vir de outra escola estatal, agrupamento de escolas ou estabelecimento de ensino particular ou cooperativo (n.º 3 do artigo 21.º do Decreto-lei n.º 75/2008), representa uma tentativa de afastar o ponto de equilíbrio para a zona dos pais.

Esta alteração legal procura diminuir a captura do sistema pelos seus profissionais e criar condições para uma maior autonomia das escolas. Mas a eficácia da medida depende de uma outra condição: um novo equilíbrio regulador – entre a tradicional hétero-regulação e modos de regulação autónoma - que exige uma reconfiguração dos modos e instrumentos de regulação existentes.

4.3 Articulação ente hétero-regulação pelos resultados e auto-regulação privada

Ao nível operacional, ao Estado Regulador cabe avaliar a eficiência e a eficácia dos resultados e já não definir regulamentarmente e a priori os procedimentos. Esta alteração de foco na atividade reguladora estadual não evita a necessidade de o Estado, como qualquer regulador, ter de estabelecer regras, implementá-las e sancionar as infrações cometidas 58. A avaliação da eficiência e eficácia não substitui, no quadro atual, a verificação da conformidade legal. Aliás, a verificação da conformidade normativa é o objeto central das atividades de controlo 59, auditoria 60, provedoria e ação disciplinar 61 a cargo da Inspeção-geral da Educação e Ciência.

A novidade numa reconfiguração do papel regulador do Estado está em substituir o seu tradicional modo de regulação de controlo – criação normativa de finalidades/objetivos e os resultados da ação 62 e pelo controlo da existência de mecanismos de auto-regulação 63. Nesta conceção, compete ao Estado (i) promover a auto-regulação organizacional com vista à promoção da aprendizagem e melhoria contínuas e (ii) instituir mecanismos de prestação de contas pelas organizações.

Neste contexto, sem prejuízo da obrigação do Estado de tutelar o sector da educação e promover o seu desenvolvimento, emerge hoje um movimento de responsabilização da escola pela sua ação, mediante a criação de instrumentos de avaliação das escolas e informação aos pais sobre essa avaliação, que é indiscutível e imparável 64. Este movimento aponta a importância de desenvolvimento de mecanismos de auto-regulação privada enquanto forma voluntária de regulação. A própria entidade regulada deverá criar normas que determinam a sua conduta com vista à proteção de interesses de terceiros ou à melhoria da sua ação.

No caso das organizações escolares, a priorização dos seus múltiplos objetivos exige um especial cuidado na tomada de posições quanto a objetivos conflituantes, ou potencialmente conflituantes (e.g., no momento da constituição de turmas o objetivo da promoção do sucesso institucional – que aponta para critérios de homogeneidade capacitária dos alunos a incluir numa mesma turma – e o objetivo da coesão social – que aponta para critérios de heterogeneidade social dos alunos a incluir numa mesma turma).

4.4 Os exames externos

Um instrumento habitualmente utilizado para monitorização, avaliação e regulação dos sistemas educativos são as provas externas de avaliação de conhecimentos e competências dos alunos 65. Este instrumento, popularizado entre nós por força dos “rankings” das escolas 66, tem porém importantes limitações.

Por um lado, está ainda por resolver a dúvida quanto à comparabilidade e fiabilidade dos resultados. Não é só a questão dos contextos em que os testes são elaborados e realizados, mas também a forma como, culturalmente, diferentes populações reagem aos mesmos testes 67.

Por outro lado, e talvez esta seja a dificuldade mais importante, este instrumento tem como pressuposto que o sistema educativo se organiza para obter o melhor resultado em pauta possível o que, em muitos contextos, não é verdade. Efetivamente, se o objetivo da escola for simplesmente obter alunos com as melhores classificações possíveis, então o melhor indicador de resultado do sistema são as classificações em pauta. Todavia, se o objetivo da escola for outro ou se for um conjunto de objetivos do qual as classificações dos alunos são apenas uma parte, então as classificações em pauta, por serem unidimensionais, não podem ser utilizadas como indicador único de resultado. Sem questionar a necessidade de o sistema ajudar os alunos a obter boas classificações, para muitas escolas este não é o objetivo principal. Desde o fornecimento de uma refeição quente diária à indução de comportamentos socialmente aceites, ou, na linha de Freire 68 e dos estudos críticos, o combate à perpetuação do status quo social, há um número importante de objetivos da atividade da escola que não são reconduzíeis a classificações em pauta.

Por fim, e do ponto de vista da análise do sistema, se a classificação em pauta é o reflexo da eficácia do sistema, não serve como informação para discutir o próprio sistema 69.

Em qualquer caso, a discussão sobre a escola precisa de informação de outra natureza. Consequentemente, medir a eficiência dos sistemas escolares e das escolas apenas ou principalmente por classificações em pauta é redutor e metodologicamente questionável.

Daqui não resulta a irrelevância das provas externas de avaliação de conhecimentos e competências dos alunos. As limitações referidas permitem questionar a interpretação unidimensional dos exames, mas não reduzem o seu valor como instrumento de regulação do sistema educativo. Pelo contrário, do ponto de vista da regulação do sistema, estas provas são um instrumento fundamental.

Um instrumento fundamental de: (i) monitorização do sistema, (ii) deteção de situações de não aprendizagem, (iii) disponibilização de informação aos pais, e (iv) criação de um ambiente de concorrência saudável entre escolas e alunos.

Atualmente, o sistema educativo português tem exames nacionais obrigatórios, de português e matemática, no final de cada um dos três primeiros ciclos de ensino e, de diversas disciplinas, no final do ensino secundário 70.

5. Enquadramento conceptual

A autonomia da escola ou, de modo mais lato, os movimentos de school based management, é um conceito presente há décadas no discurso e nas políticas educativas internacionais. Em Portugal, com maior ou menor integração nas práticas e processos escolares, encontra respaldo na legislação e é apresentado, formalmente, como fundamentado de decisões e soluções legislativas.

Concomitantemente, os modos de regulação dos sistemas educativos, tradicionalmente ancorados em processo de comando legislativo e controlo por parte de corpos inspetivos específicos para a área da educação, têm evoluído para uma regulação baseada no acompanhamento e promoção da melhoria, sendo a avaliação das escolas e dos alunos novos importantes instrumentos destes novos modos de regulação.

Em Portugal, as problemáticas da autonomia e regulação do ensino particular e cooperativo não são essencialmente distintas das dos estabelecimentos de ensino público, sendo o seu contexto regulatório idêntico “com as devidas adaptações”. Daqui resulta, em nossa opinião e com os fundamentos elencados supra, que o ensino particular e cooperativo, enquanto expressão da liberdade fundamental de ensinar, teria de ter um contexto regulatório distinto, baseado numa ampla liberdade apenas limitada naquilo que sejam interesses conflituantes com igual assento constitucional 71. Esta especial situação do ensino particular e cooperativo, sendo reconhecida, exige a introdução de um novo modo e instrumentos de regulação estatal, respeitadores desta liberdade e, potencial, diversidade.

De seguida, analisamos a sucessão de estatutos do ensino particular e cooperativo, analisando de modo mais detalhado as questões da autonomia e regulação no DL 553/80 e no novo EEPC.

6. Os três primeiros Estatutos do Ensino Particular e Cooperativo 72

O primeiro estatuto do ensino particular é aprovado em 1931. Trata-se do Decreto n.º 19244, de 16 de janeiro de 1931, e tem como principal objetivo dotar o Estado dos mecanismos e instrumentos necessários a uma efetiva inspeção da educação e ensino realizados fora dos estabelecimentos oficiais. No seu preambulo, refere-se que “(…) Regulador e coordenador supremo das atividades e das iniciativas privadas, não pode contestar-se a legitimidade com que o Estado intervém quanto às que se ocupam do ensino” (preâmbulo do Decreto n.º 19244, de 16 de janeiro de 1931).

Apenas alguns meses depois, em dezembro, surge o segundo estatuto do ensino particular – decreto 20.613, de 31 de dezembro – que colige mais legislação avulsa aplicável ao ensino particular.

O terceiro estatuto do ensino particular – Decreto-lei n.º 23.447, de 5 de janeiro de 1934 – é motivado pelo desenvolvimento do ensino particular e a necessidade sentida pelo Estado de regular novas formas de ensino e situações que não puderam ser previstas em 1931.

Nestes diplomas prevê-se que o ensino privado possa ter planos e programas de ensino próprios, iguais aos adotados em estabelecimentos oficiais ou mistos (artigo 13º do decreto 19.244, artigo 65º do decreto 20.613 e artigo 73.º do decreto 23.447); por esta ordem 73.

7. A autonomia pedagógica no quarto estatuto do ensino particular e cooperativo

O quarto estatuto do ensino particular, decreto 37.545, de 8 de setembro de 1949, contem, no que importa para o presente artigo, duas disposições relevantíssimas. Por um lado, prevê, no seu artigo 3.º, uma profunda intervenção da inspeção geral do ensino particular no funcionamento destes estabelecimentos de ensino de que se destaca: (i) assistência a aulas; (ii) velar pelo “irrepreensível comportamento moral e cívico dos agentes de ensino dentro e fora das aulas”; (iii) fiscalizar “o modo como são educados os alunos do sexo feminino, exigindo que a educação seja orientada no sentido da conservação e defesa das virtudes tradicionais da mulher portuguesa e da exaltação da dignidade moral dos lares”; e (iv) receber cópia de todas as circulares, anúncios e publicações que os estabelecimentos de ensino elaborem.

Em linha com este aumento substancial do controlo estatal sobre os estabelecimentos de ensino particular, o artigo 12.º do quarto estatuto do ensino particular estabelece que “(…) os estabelecimentos de ensino particular devem adoptar os planos e programas do ensino oficial, bem como os compêndios nele aprovados, e não podem dedicar às aulas ou sessões menos tempo do que o previsto para aquele ensino (…)”.

Este estatuto vigorou durante 31 anos, sobrevivendo à revolução de 1974. É apenas em 1980, após a aprovação das bases do ensino particular e cooperativo –Lei n.º 9/79, de 19 de março – que é revogado e substituído pelo Decreto-Lei n.º 553/80, de 22 de novembro. Curiosamente, todo este edifício legislativo é aprovado dois anos antes da Lei de Bases do Sistema de Ensino (Lei n.º 48/86, de 14 de outubro), doravante LBSE, facto que indicia a pouca diferenciação que se esperava entre o modo de agir nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e o modo de agir nos estabelecimentos de ensino estatais.

8. A autonomia pedagógica do ensino particular e cooperativo na Lei de Bases do Sistema de Ensino e no DL 553/80.

O legislador, na lei de bases, inicia por reafirmar o ditame constitucional do direito fundamental de criação de estabelecimentos de ensino particular e cooperativo (alínea c), do número 3, do artigo 2.º) mas dedica apenas 5 artigos, no penúltimo capítulo da lei, às especificidades do ensino particular e cooperativo: (i) o ensino particular e cooperativo rege-se por estatuto próprio (n.º 2 do artigo 54.º); (ii) a rede escolar deverá considerar a oferta dos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo (artigo 55.º); (iii) o ensino particular e cooperativo poderá seguir os planos curriculares e programas do ensino a cargo do Estado ou planos e programas próprios (artigo 56º); (iv) o pessoal docente está sujeito aos mesmo requisitos habilitacionais que o pessoal docente nos estabelecimentos públicos (artigo 57.º); e (v) o Estrado fiscaliza e apoia técnica e pedagogicamente, e poderá financiar, o ensino particular e cooperativo (artigo 58º).

Destas normas, e para efeitos do objeto do presente artigo, salienta-se o modo como o legislador coloca a questão do currículo e programas e seguir pelo ensino particular e cooperativo: “(…) As instituições do ensino particular e cooperativo podem, no exercício da liberdade de ensinar e aprender, seguir os planos curriculares e conteúdos programáticos do ensino a cargo do Estado ou adotar planos e programas próprios (…)” (n.º 1 do artigo 56.º da LBSE, initio). No caso da opção pelo uso de planos e programas próprios, há necessidade de um processo de reconhecimento oficial, caso a caso (n.º 2 do artigo 56.º da LBSE).

Daqui resultam apenas dois caminhos para os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo: ou são curricularmente iguais às escolas do Estado ou são completamente distintos. De outro modo, o legislador reconhece o direito à diferença mas só se esta for uma diferença radical. De modo previsível, a adoção de planos próprios pelo ensino particular e cooperativo foi até hoje residual. Existe um pequeno grupo de escolas que seguem planos de estudo estrangeiros (aprovados como planos próprios)74 e seis colégios com planos próprios 75.

Esta relativa indiferenciação entre o ensino particular e cooperativo e o ensino estatal resulta clara da exegese do capítulo dedicado à autonomia e paralelismo pedagógico do DL 553/80 (capítulo II, artigos 34.º a 40º).

8.1 Requisitos da autonomia e do paralelismo no DL 553/80

O artigo 34.º do DL 553/80 estabelece que os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo podem funcionar em um de dois regimes: autonomia ou paralelismo pedagógico. As condições para poder funcionar em regime de autonomia são estabelecidas no artigo 37.º do mesmo diploma:

“a) Instalações, equipamento e material didático adequados;

b) Direção pedagógica, constituída nos termos dos artigos 42.º e seguintes;

c) Cumprimento do presente decreto-lei no respeitante aos alunos e pessoal docente;

d) Existência de serviços administrativos organizados;

e) Funcionamento, em regime de paralelismo pedagógico, durante cinco anos escolares consecutivos.”

Deste elenco de requisitos para funcionamento em regime de autonomia, apenas o requisito da alínea e) é dispensado para funcionar em regime de paralelismo (n.º 3 do artigo 37.º do DL 553/80). Daqui resulta que, ao nível dos requisitos legais, a única diferença entre a autonomia e o paralelismo é que, para ter autonomia, o estabelecimento de ensino tem de ter funcionado 76 durante mais de cinco anos escolares consecutivos.

8.2 Regimes da autonomia e do paralelismo no DL 553/80

No quinto estatuto do ensino particular e cooperativo, a definição legal de autonomia pedagógica constava do artigo 35.º. O texto legal era o seguinte:

“1 - A autonomia pedagógica consiste na não dependência de escolas públicas quanto a:

a) Orientação metodológica e adoção de instrumentos escolares;

b) Planos de estudo e conteúdos programáticos;

c) Avaliação de conhecimentos, incluindo a dispensa de exame e a sua realização;

d) Matrícula, emissão de diplomas e certificados de matrícula, de aproveitamento e de habilitações.” (n.º 1 do artigo 35º do DL 553/80)

Já o paralelismo pedagógico consistia “na não dependência de escolas públicas quanto ao disposto nas alíneas a) e c) do número anterior” (n.º 2 do artigo 35º do DL 553/80).

O que nos importa realçar é a redação da parte inicial do número 1 deste artigo: “A autonomia pedagógica consiste na não dependência de escolas públicas” o sublinhado é nosso. A autonomia pedagógica do ensino particular e cooperativo não é consubstanciada num corpo específico de direitos e obrigações próprios mas como uma independência técnica destes estabelecimentos de ensino em relação aos estabelecimentos de ensino estatal. Daqui resulta que, no ordenamento jurídico e para efeitos pedagógicos, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com autonomia pedagógica estão “ao mesmo nível técnico pedagógico” que os estabelecimentos de ensino estatal. Por outro lado, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que funcionavam em regime de paralelismo pedagógico dependiam técnico-pedagogicamente de um estabelecimento de ensino estatal exceto quanto a (i) orientação metodológica e adoção de instrumentos escolares e (ii) avaliação de conhecimentos, incluindo a dispensa de exame e a sua realização (n.º 2 do artigo 35º do DL 553/80) 77.

Deste regime resulta que, até ao final da vigência do DL 553/80, o modo e instrumentos de regulação Estatal do ensino particular e cooperativo eram em tudo semelhantes ao modo e instrumentos de regulação do ensino oferecido nos estabelecimentos do ensino público. Uma regulação de controlo, baseada em processos de trabalho normativamente definidos pelo Estado central e pela administração educativa, sendo o cumprimento do corpo normativo verificado por um corpo inspetivo (hoje, inspeção geral da educação e ciência).

Este regime foi seguido pelos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e, publicamente, não foi objeto de especial contestação. Contudo, para um grupo importante de estabelecimentos de ensino, representados pela AEEP, era um regime insuficiente para promover a inovação pedagógica e a melhoria do ensino. Em junho de 1998, esta insatisfação teve um curioso desenvolvimento que foi a celebração de um protocolo entre o ministério da educação, representado pelo Ministro Eduardo Marçal Grilo, e a AEEP 78, representada pelo seu presidente Nuno Burguete, s.j., cuja clausula primeira estabelecia no seu número 1 que:

“Compete aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, no exercício da autonomia científica e pedagógica:

b) Proceder à organização dos seus currículos formais, no respeito pelas orientações relativas a aprendizagens essenciais por nível, ciclo e ano de escolaridade:

c) Gerir o currículo de forma flexível, selecionando os respetivos conteúdos disciplinares, tempos letivos e espaços de realização;

…”.

O conteúdo desta cláusula, claramente contrária ao disposto na lei de bases e no estatuto do ensino particular e cooperativo, representa contudo o reconhecimento, pelo Ministro da Educação, de que o regime legal de autonomia do ensino particular e cooperativo era um regime datado e que, na prática, deixava pouca margem de autonomia pedagógica efetiva.

Logo de seguida, na clausula 2ª deste protocolo, as partes estabeleceram que:

“1. O Ministério da Educação definirá, em articulação com a AEEP, os indicadores essenciais susceptíveis de funcionar como referenciais de qualidade no funcionamento dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.

2. A partir dos indicadores referidos no número anterior, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo poderão ser sujeitos e um processo de avaliação qualitativa, cujo modelo será definido contratualmente entre o Ministério da Educação e a AEEP, com base em instrumentos previamente consensualizados. …”

Apontava-se assim, já em 1998, para a necessidade de haver uma evolução no modo de regulação do setor pelo Estado. Previa-se, em linha com as tendências referidas supra de evolução das funções das inspeções de educação, que a regulação do ensino particular e cooperativo passa-se a ter uma componente de avaliação qualitativa para além da componente de mera verificação normativa.

9. Autonomia pedagógica dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo no Decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro

9.1 Trabalhos preparatórios

No final de 2011, o Ministério da Educação iniciou auscultações com vista à revisão do DL 553/80. No âmbito destas consultas, a AEEP, no seguimento dos princípios que vinha defendendo desde o protocolo de 1998, estabeleceu como prioridades para a revisão do estatuto os seguintes princípios 79:

“(…) (i) Autonomia

Matriz curricular – as matrizes curriculares nacionais, quer na sua configuração actual, quer na que resultar de futuras alterações, devem ter de ser seguidas pelo EPC em apenas uma percentagem (70% - percentagem indicativa), mas com autonomia suficiente e liberdade indispensável à concretização dos respectivos projectos educativos. Isto significa que, sem prejuízo de o EPC ter de oferecer serviços educativos em quantidade não inferior ao ensino estatal, a composição desses serviços deve ser decidida, em 30% (percentagem indicativa), livremente pela escola.

Daqui não resultará qualquer regime de excepção dos alunos do EPC quanto à prestação de provas de avaliação de conhecimentos nacionais nem a dispensa dos objectivos educacionais nacionais para cada ciclo de escolaridade. Apenas se pretende que o EPC possa levar os seus alunos a atingir esses objectivos por outras vias e, além desses, a atingir outros definidos pela escola.

Docentes – o corpo docente de uma escola é o seu recurso mais valioso e importante. A forma como se ensina tem impactos directos na aprendizagem. A melhor forma de melhorar a aprendizagem é melhorar o ensino. Consequentemente, um dos pontos centrais na gestão de uma escola é a escolha dos seus recursos humanos. As escolas do EPC podem contratar livremente os seus docentes. Contudo, desde que este detenham uma formação inicial específica: um curso que confira habilitação profissional para a docência. Se como regra geral este requisito faz sentido, a experiência nacional e internacional mostra-nos que em muitos casos pode ser limitador do recrutamento de talento. Em algumas áreas, e em especial no ensino secundário, há candidatos a docentes que, tendo sólida formação científica, não têm formação profissional. Contudo, são pessoas com as necessárias competências para leccionar. Assim, propõe-se que, em determinadas condições, as escolas do EPC possam contratar docentes sem formação profissional para a docência mas com sólida formação científica.

Planos de estudo – ainda que tenha sido pouco utilizada, a possibilidade de apresentação de planos próprios pelas escolas do EPC deve ser mantida. Contudo, deve o mecanismo da sua aprovação ser alterado fazendo-se uma inversão do ónus da prova. Quando uma escola apresente planos próprios, estes devem ser autorizados desde que (i) a escola celebre protocolo com uma entidade credível para acompanhamento da sua implementação durante os primeiros três anos e (ii) não existam fortes impedimentos pedagógicos á sua implementação.

(ii) Liberdade

Os diferentes mecanismos contratuais existentes entre o Estado e o EPC devem ser mantidos na sua diversidade sem prejuízo de cada modalidade dever ser melhorada.

A generalização dos contratos simples e dos contratos de desenvolvimento deve ser um processo calendarizado.

Os contratos de associação devem ser claramente posicionados como uma modalidade de opção educativa e não uma forma de suprir a carência de oferta estatal.

(iii) Simplicidade

Toda a panóplia de instrumentos de regulação estatal da actividade do EPC deve ser revista. Por um lado, acabando com as burocracias inúteis e os procedimentos espúrios. Por outro lado, focando a atenção do Estado naquilo que de facto deve verificar e libertando os dirigentes das escolas do EPC para aquilo que verdadeiramente importa: a gestão pedagógica da escola. E.g., salvo casos excepcionais, os processos de pedido autorização devem passar a ser processo de informação; a comunicação e informação devem ser integralmente digitais; a informação disponível noutros organismos do Estado não deve ser pedida às escolas; deve-se acabar a duplicação dos organismos de verificação de conformidade. (…)” (AEEP, 2011).

Em resposta, o Ministério da Educação e Ciência aceitou os seguintes princípios enquadradores da revisão do estatuto do ensino particular e cooperativo 80:

“(…) 1.º - Atribuição de maior autonomia às escolas na vertente de gestão do currículo.

Será permitida a gestão em cada escola, de acordo com o respectivo projeto educativo, de uma percentagem das horas definidas nas matrizes curriculares nacionais.

2.º - Consideração do funcionamento de cursos com planos próprios.

Será objecto de análise e consequente autorização o funcionamento de cursos com planos próprios, de carácter inovador e no respeito pelos objectivos do sistema nacional de educação.

3.º - Consideração de diferentes mecanismos de apoio financeiro ao EPC.

Considerar os contratos simples, os contratos de desenvolvimento e os contratos de associação numa lógica de promoção da liberdade de escolha.

4.º - Compromisso, por parte do MEC, de não construção de novas escolas nos locais em que existam escolas com contrato de associação.

Neste âmbito, serão criadas condições para que estas escolas, por sua opção, possam integrar a rede de oferta pública de educação. (…)” (SEEAE, 2012).

Destes documentos o que resulta de essencial para a matéria objeto do presente artigo é o acordo da ambos os interlocutores quanto à criação, com a revisão do estatuto do ensino particular e cooperativo, de um espaço de autonomia curricular para os estabelecimentos de ensino correspondente a uma parte do tempo curricular estabelecido nas matrizes curriculares nacionais.

Este modo de materialização do conceito de autonomia pedagógica, que veio a ser consagrado no novo EEPC, é novo no ordenamento jurídico português. Em diversos momentos, o legislador criou, na matriz curricular nacional, tempos de oferta de escola. Isto corresponde a um espaço de autonomia de que beneficiam todas as escolas. Porém, aqui, o que se tratava, e veio a suceder, é ir mais longe e estabelecer um tempo próprio da escola, que reduz o currículo nacional prescrito, aproximando este de um “currículo mínimo”.

9.2 A autonomia escolar no novo EEPC – os artigos 36.º e 37.º do Decreto-lei n.º 152/20133, de 4 de novembro

O regime de autonomia dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo está vertido nos artigos 36º e 37º do novo EEPC. O regime estabelecido nestes dois artigos constitui uma mudança de paradigma no âmbito de atuação do ensino particular e cooperativo em Portugal, em rutura com os estatutos anteriores e retomando, ainda que com maior audácia, o espírito libertário do primeiro estatuto de 1931 81.

Em primeiro lugar, atente-se que o regime de paralelismo pedagógico, previsto no anterior estatuto, deixou de existir. Quando alguém, com os requisitos de idoneidade elencados no artigo 26.º do novo EEPC, requeira a autorização de funcionamento de um estabelecimento de ensino particular e cooperativo que reúna os requisitos previstos no artigo 26.º do novo EEPC, este é autorizado e funciona no único regime existente: o regime dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo que, por definição, é um regime com a autonomia que se descreve de seguida.

Esta é uma alteração relevante em relação ao regime anterior. Os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo deixam de ter regimes de funcionamento definidos em função da sua maior ou menor dependência funcional de estabelecimentos do ensino público. Aliás, como veremos infra, em matéria de gestão curricular, o ensino particular e cooperativo passa a ter um regime próprio equivalente a um regime especial de que apenas algumas escolas do ensino público podem beneficiar 82.

Em segundo lugar, no artigo 36.º, o legislador estabeleceu com magnitude o âmbito e os limites desta autonomia: “No âmbito do seu projeto educativo, as escolas do ensino particular e cooperativo gozam de autonomia pedagógica, administrativa e financeira.”. Trata-se de um amplo espaço de autonomia na medida em que cobre todas as áreas de atuação de um estabelecimento de ensino. Mas logo aqui se inova, colocando como limite e, simultaneamente, fundamento dessa autonomia o projeto educativo da escola. O projeto educativo ganha assim um papel de destaque na organização da escola, sendo o fundamento e o limite da autonomia pedagógica 83. Com este regime, o projeto educativo dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo ganha uma importância fundamental na sua ação.

Em terceiro lugar, no artigo 37º do novo EEPC, o legislador oferece uma definição legal de autonomia pedagógica 84 e materializa-a num elenco detalhado, mas exemplificativo, de competências que o Estado reconhece como sendo próprias destes estabelecimentos de ensino (n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º do novo EEPC).

“1 - A autonomia pedagógica consiste no direito reconhecido às escolas de tomar decisões próprias nos domínios da organização e funcionamento pedagógicos, designadamente da oferta formativa, da gestão de currículos, programas e atividades educativas, da avaliação, orientação e acompanhamento dos alunos, constituição de turmas, gestão dos espaços e tempos escolares e da gestão do pessoal docente.

2 - A autonomia pedagógica reconhecida às escolas particulares e cooperativas inclui, nos termos e com os limites previstos no presente Estatuto e nos contratos celebrados com o Estado, representado pelo Ministério da Educação e Ciência, a competência para decidir quanto a:

a) Aprovação de projeto educativo e regulamento interno próprios;

b) Organização interna, nomeadamente ao nível dos órgãos de direção e gestão pedagógica, sem prejuízo das regras imperativas previstas no presente Estatuto;

c) Organização e funcionamento pedagógico, quanto a projeto curricular, planos de estudo e conteúdos programáticos;

d) Avaliação de conhecimentos, no respeito pelas regras definidas a nível nacional quanto à avaliação externa e avaliação final de cursos, graus, níveis e modalidades de educação, ensino e formação;

e) Orientação metodológica e adoção de instrumentos escolares;

f) Matrícula, emissão de diplomas e certificados de matrícula, de aproveitamento e de habilitações;

g) Calendário escolar e organização dos tempos e horário escolar.

(…)”(n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º do novo EEPC).

Atente-se que o elenco de competências das alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 37.º do novo EEPC inclui todo o conteúdo das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 35.º do DL 153/80. Contudo, enquanto no DL 553/80 se tratava de matérias nas quais os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com autonomia não dependiam de escolas públicas, no novo EEPC trata-se de matérias nas quais todos os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo têm competências próprias.

Por fim, no n.º 3 do artigo 37.º do novo EEPC, o legislador estabelece um regime novo de gestão flexível do currículo, em linha com o que fora aprovado, em sede de trabalhos preparatórios, como princípios orientadores da revisão do anterior estatuto do ensino particular e cooperativo (Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de novembro).

“3 — No âmbito da respetiva autonomia, e sem prejuízo do cumprimento integral das cargas letivas totais definidas na lei para cada ano, ciclo, nível e modalidade de educação e formação, é permitido às escolas do ensino particular e cooperativo, em condições idênticas às escolas públicas com contrato de autonomia, a gestão flexível do currículo, nos termos a fixar em portaria do membro do Governo responsável pela área da educação. (…)” (n.º 3 do artigo 37.º do novo EEPC).

O regime resultante do disposto neste número e na portaria de regulamentação - Portaria n.º 59/2014, de 7 de março – corresponde a uma compressão do currículo nacional imposto a 75% do seu volume, competindo à escola a determinação dos conteúdos dos restantes 25%. De não menor importância é a possibilidade de os estabelecimentos de ensino gerirem a carga horaria total de cada disciplina ao longo de cada ano de escolaridade e ciclo de ensino. Trata-se, também aqui, de uma inovação no sistema de ensino português.

Este regime de autonomia pedagógica efetiva encontra fundamento nas questões axiológicas referidas em 2.1 supra. Isto resulta expressamente do disposto no artigo 4.º do novo EEPC:

“1 - O Estado reconhece a liberdade de aprender e de ensinar, incluindo o direito dos pais à escolha e à orientação do processo educativo dos filhos.

2 - O exercício da liberdade de ensino só pode ser restringido com fundamento em interesses públicos constitucionalmente protegidos e regulados por lei, concretizados em finalidades gerais da ação educativa.

(…)” (artigo 4.º do novo EEPC).

Por um lado, o legislador menciona expressamente o direito à escolha da “orientação” do processos educativo e, por outro, explicita que esta liberdade de ensino só pode ser restringida quando estejam em causa interesses públicos constitucionalmente protegidos. Se este regime já decorreria da proteção constitucional prevista no artigo 43.º da Constituição de República Portuguesa, a sua explicitação pelo legislador ordinário, no contexto do estatuto do ensino particular e cooperativo, é um relevantíssimo elemento de interpretação do alcance das normas do estatuto. Em especial as normas respeitantes à autonomia pedagógica e à regulação da ação destes estabelecimentos de ensino pelo Estado.

Concluindo, o novo EEPC confere aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo uma ampla margem de autonomia pedagógica, organizativa e curricular. Autonomia que encontra fundamento no projeto educativo de cada estabelecimento de ensino. Este facto só por si sempre determinaria a necessidade de uma revisão profunda dos instrumentos de regulação do setor pela Estado. Contudo, o próprio legislador foi mais longe e também inovou ao nível do modo de regulação do ensino particular e cooperativo.

10. Regulação do ensino particular e cooperativo no novo EPC – os artigos 7.º, 27.º, 37.º, 38.º e 39.º do Decreto-lei n.º 152/20133, de 4 de novembro

Como referido supra, na vigência do DL 553/80, o ensino particular e cooperativo foi sujeito a uma regulação de controlo, exercida pelo Estado por meio da Inspeção-geral da Educação e Ciência. Este era (é) o modo de regulação a que estão sujeitos os estabelecimentos do ensino público e o que melhor se adequava ao enquadramento legislativo do setor particular e cooperativo. Consequentemente, as atividades de auditoria e controlo da inspeção eram desenvolvidas no ensino particular e cooperativo com recurso a guiões de intervenção adaptados mas com a mesma lógica estrutural: uma checklist detalhada de pontos de verificação quanto à conformidade normativa da realidade do estabelecimento de ensino.

O regime de autonomia estabelecido pelo novo EEPC veio alterar este estado de coisas. Na verdade, o amplo espaço de autonomia organizativa e pedagógica concedida pelo novo EEPC aos estabelecimentos de ensino criou um potencial de diferenciação que torna impraticável a elaboração de uma checklist de verificação.

Por outro lado, o papel central do projeto educativo na economia do novo EEPC confere a este documento uma importância fundamental na auto-regulação do estabelecimento de ensino e, consequentemente, parece-nos que deverá também ser central na hétero-regulação.

10.1. O papel da Inspeção-Geral da Educação e Ciência no novo EEPC

O artigo 7.º do novo EEPC estabelece o regime de fiscalização dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo:

“1 - As escolas particulares e cooperativas estão sujeitas à fiscalização do Ministério da Educação e Ciência (MEC).

2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 9 do artigo 10.º, a Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) procede regularmente a ações de fiscalização às escolas particulares e cooperativas.

3 - Para efeitos das ações de fiscalização referidas no número anterior, a IGEC exerce, com as necessárias adaptações, as mesmas competências que lhe estão cometidas em relação às escolas públicas.” (artigo 7.º do novo EEPC).

Esta fiscalização corresponde à atividade de controlo a cargo da Inspeção-geral da Educação e Ciência e materializa-se na verificação do cumprimento da legalidade. Quanto a esta matéria, esclareça-se apenas que a referência do número 3 às adaptações necessárias às competências que estão cometidas à inspeção em relação às escolas públicas remete para todo o clausulado do estatuto, de que resulta uma limitação importante da abrangência da ação inspetiva na medida em que (i) o estatuto consagra ampla autonomia aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em nome da liberdade de ensinar e (ii) esta liberdade apenas pode ser limitada em situações de interesse público com consagração constitucional (n.º 2 do artigo 4.º do novo EEPC). Consequentemente, trata-se neste número 3 mais de estabelecer, por remissão, o regime operacional da fiscalização a cargo deste corpo inspetivo do que conferir-lhe competência mais amplas que as que resultam da fiscalização do cumprimento normativo.

Salienta-se que esta fiscalização é especialmente relevante e importante em quatro matérias específicas.

Em primeiro lugar, no cumprimento, pelos estabelecimentos de ensino, das obrigações que assumem quando celebram com o Ministério da Educação algum dos contratos previstos nos artigos 12º e 13.º (contratos simples de apoio às famílias), 14.º e 15.º (contratos de desenvolvimento de apoio a família), 16.º a 18.º (contratos de associação), 19.º a 21.º (contratos de patrocínio) e 22.º a 24.º (contratos de cooperação), todos do novo EEPC.

Em segundo lugar, no cumprimento, pelos estabelecimentos de ensino, das obrigações de comunicação e transparência quanto às obrigações de informação impostas pelo novo EEPC (n.º 2 do artigo 27.º, n.º 6 do artigo 37º, alínea h) do n.º 1 do artigo 38.º, artigo 39.º, todos do novo EEPC)

Em terceiro lugar, no cumprimento, pelos estabelecimentos de ensino, das opções pedagógicas e organizativas por si tomadas no âmbito da sua autonomia. Aqui, a obrigação de envio do projeto educativo, do regulamento interno e as suas alterações pelo estabelecimento de ensino ao Ministério da Educação e Ciência não tem apenas uma função de “dar conhecimento” (cfr. n.º 4 do artigo 37.º novo EEPC), mas também uma função de permitir a fiscalização, pela inspeção de educação, de que o estabelecimento de ensino presta os serviços educativos no tempo e modo que se compromete a fazer 85. Não se trata de, com o até aqui, verificar da regularidade desses documentos 86, mas de verificar se, na sua ação, o estabelecimento de ensino age em conformidade com o que, ele próprio, estabeleceu nesses documentos. Esta fiscalização tem assim como fim imediato assegurar às famílias que, tendo feito a sua “escolha informada”, os serviços prestados são os serviços anunciados.

Por fim, na verificação das habilitações dos docentes ao serviço nestes estabelecimentos de ensino (artigo 45.º do novo EEPC) 87.

Assim sendo, na economia do novo EEPC a inspeção da educação mantém um importante papel fiscalizador através do qual controla o cumprimento normativo e contratual. A novidade do novo EEPC não está aqui mas sim nos novos modos de regulação que o estatuto institui e que passam a desempenhar um papel igualmente importante.

10.2 Os exames nacionais como instrumento de hétero-regulação

Existe hoje alguma evidência empírica de que os sistemas educativos que articulam uma ampla autonomia das escolas com exames externos de conhecimentos têm desempenhos melhores que os outros 88. Mas mesmo do ponto de vista conceptual, considerando o que supra foi apresentado quanto à centralidade do projeto educativo de uma escola e à diversidade organizativa e curricular que daí deriva, as provas de avaliação de conhecimentos externas devem ser um importante instrumento de regulação do sistema educativo.

Após avanços e recuos ao longo da história, há hoje em Portugal provas externas de conhecimentos, de realização obrigatória para todos os alunos, em cada final de ciclo (exames nacionais).

Este facto ganha especial importância, no âmbito do novo EEPC, sendo estes exames uma das poucas limitações expressas à autonomia pedagógica dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo. Dispõe a alínea d) do n.º 2 do artigo 37.º do novo EEPC que:

“(…) 2 - A autonomia pedagógica reconhecida às escolas particulares e cooperativas inclui, nos termos e com os limites previstos no presente Estatuto e nos contratos celebrados com o Estado, representado pelo Ministério da Educação e Ciência, a competência para decidir quanto a:

(...)

d) Avaliação de conhecimentos, no respeito pelas regras definidas a nível nacional quanto à avaliação externa e avaliação final de cursos, graus, níveis e modalidades de educação, ensino e formação;

(…) o sublinhado é nosso” (al. d) do n.º 2 do artigo 37.º do novo EEPC).

Daqui resulta que os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, na sua gestão pedagógica e curricular, terão sempre de garantir que os seus alunos, no final de cada ciclo de ensino, estão preparados para e têm sucesso nos exames nacionais. Deste modo, a liberdade de ensino é ordenada, em nome dos interesses dos alunos, à obtenção de conhecimentos e desenvolvimento de competências adequados a cada ciclo escolar.

Este modo de regulação estabelece objetivos claros e conhecidos que permitem aos estabelecimentos de ensino agir em liberdade, mas que também permitem aos encarregados de educação (e à sociedade em geral que também tem um interesse coletivo na educação dos cidadãos) conhecer e acompanhar os resultados do serviço educativo prestado.

Este conhecimento dos resultados é uma componente indispensável da utilização dos exames nacionais como instrumentos de regulação do sistema. A existência de exames obrigatórios, só por si, nada regula ou garante. O poder regulatório do exame resulta do conhecimento público do resultado que permite aos encarregados de educação decidir permanecer ou sair, e permite à sociedade em geral formar um juízo de valor sobre o estabelecimento de ensino em causa. Não de menor importância, o conhecimento futuro destes resultados induz o estabelecimento de ensino a uma ação ponderada e cuidada em vista a resultados de qualidade.

Esta publicitação dos resultados resulta do disposto na aliena h), do n.º 1 do artigo 38º do novo EEPC:

“1 — Às entidades titulares de autorização de funcionamento de escolas do ensino particular e cooperativo compete:

(…)

h ) Assegurar a divulgação pública do projeto educativo, das condições de ensino e os resultados académicos obtidos pela escola, nomeadamente nas provas e exames nacionais, e tornar públicas as demais informações necessárias a uma escolha informada a ser feita pelas famílias e pelos alunos;

(…) o sublinhado é nosso”.

A novidade do novo EEPC não é a obrigação de os alunos dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo terem de ir realizar os exames nacionais (já o eram), nem o facto de os resultados serem disponibilizados ao público (já o eram), mas sim a consagração destes exames e sua publicitação como modo de regulação do setor.

10.3 A informação e a transparência como modos de regulação (“hetero-regulação difusa”)

Um terceiro instrumento de regulação do setor, que ganha expressão no novo EEPC, é a disponibilização de informação sobre o estabelecimento de ensino, a sua ação e os seus resultados (este último fator já analisado em 6.4.2).

Na verdade, o novo EEPC estabelece novas obrigações de informação por parte dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, tendo até um artigo com a epígrafe “transparência” que obriga à disponibilização de alguma informação no sítio na internet da escola 89:

“2 — As escolas do ensino particular e cooperativo devem disponibilizar no seu sítio na Internet ou por outro meio que permita a divulgação pública informação rigorosa e suficiente sobre os seguintes aspetos:

a ) Autorização de funcionamento;

b ) Projeto educativo da escola e o respetivo regulamento interno;

c ) Modalidades e níveis de ensino ministrados e oferta formativa;

d ) Órgãos de direção da escola;

e ) Corpo docente;

f ) Direitos e deveres dos alunos, incluindo as mensalidades e demais encargos devidos pelos alunos.” (n.º 2 do artigo 39.º do novo EEPC).

Na mesma linha, o n.º 2 do artigo 27.º do novo EEPC estabelece que:

“2 — O projeto educativo, o regulamento interno e suas alterações devem estar acessíveis publicamente e ser devidamente informados aos encarregados de educação e aos alunos, quando maiores de idade, em especial, no momento da matrícula ou da sua renovação, devendo ainda ser enviados, para conhecimento, aos serviços competentes do Ministério da Educação e Ciência.” (n.º 2 do artigo 27.º do novo EEPC).

E o n.º 4 do artigo 37.º do mesmo diploma que “As escolas do ensino particular e cooperativo devem assegurar a informação prévia anual dos encarregados de educação sobre as opções gestão flexível do currículo tomadas nos termos do número anterior”.

Esta divulgação de informação tem como destinatários primeiros as famílias e os alunos para que estes possam realizar uma “escolha informada”:

“1 — Às entidades titulares de autorização de funcionamento de escolas do ensino particular e cooperativo compete:

(…)

h ) Assegurar a divulgação pública do projeto educativo, das condições de ensino e os resultados académicos obtidos pela escola, nomeadamente nas provas e exames nacionais, e tornar públicas as demais informações necessárias a uma escolha informada a ser feita pelas famílias e pelos alunos;

(…)” (alínea h) do n.º 1 do artigo 38.º do novo EEPC)

Deste regime resulta a proposta de denominação deste modo de regulação do setor do ensino particular e cooperativo estatuído pelo novo EEPC como “hétero-regulação difusa”. Trata-se de um compromisso na ação assumido pelo estabelecimento de ensino, que é publicitado e, por essa via, possível de ser avaliado por um conjunto amplo de atores sociais – famílias, alunos, estudiosos, políticos, cidadãos comuns - que, cada um no seu papel, agirá essa informação, criando desse modo tensões sociais que condicionam a ação dos estabelecimentos. Trata-se, no final, um instrumento de regulação socio-comunitária da educação 90.

11. Conclusão

Embora o novo EEPC - decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro - contenha outras importantes alterações de regime - nomeadamente, ao nível dos regimes contratuais celebrado entre o Estado e os estabelecimentos de ensino – nas matérias de autonomia e regulação verifica-se uma verdadeira revolução coperniciana e, consequentemente, uma mudança de paradigma.

Em matéria de autonomia pedagógica e curricular, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo passam a deter o direito de decidir como se organizam e atuam pedagogicamente, e a definir uma parte relevante do currículo que oferecem. Esta ampla autonomia tem como fundamento e limite o projeto educativo de cada estabelecimento de ensino que, deste modo, passa a ocupar um papel determinante na ação das escolas.

Por contraponto, o decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro, estabelece novas obrigações de transparência e informação e torna claro que o principal modo de regulação do setor são os exames nacionais a que todos os alunos são sujeitos e cujos resultados têm de ser publicitados. Assim se materializa um conceito que obteve agora consagração legal - a escolha esclarecida da escola por parte das famílias – e se funda parte da regulação do setor num modelo de hétero-regulação difusa, mais próximo das correntes socio-comunitárias.

Esta é a revolução Coperniciana porque os mecanismos de comando e controlo em vigor até agora têm como centro a norma criada pelo governo ou pela administração educativa e em torno deste centro gravitam os estabelecimentos de ensino. No novo modelo, o Estado é substituído nesta centralidade pelo estabelecimento de ensino e seu projeto educativo. E na esfera gravitacional passam a estar as famílias cuja “escolha esclarecida” é garantida (apoiada) pelo Estado.

        [ Links ]
9 FREDERICK HESS, op. cit. e JOÃO FORMOSINHO / JOAQUIM MACHADO, Democratic Governance of Public Mass Schools in Portugal, in Globalisms and Power: Iberian education and curriculum policies, 2012, New York: Peter Lang Publishing, pp. 25 – 41.         [ Links ]
10 Como exemplo e ilustração da situação portuguesa no tocante à micro gestão da educação pelo governo e administração educativa, veja-se uma circular sobre o modo de cuidar da poda das árvores no inverno emitida pela direção regional de educação do norte e o despacho ministerial sobre o modo de convocar e organizar reuniões nas escolas ambos descritos em RODRIGO MELO, Financiamento do Serviço Público de Educação, in Financiamento do Serviço Público de Educação, 2013, Lisboa: Conselho Nacional de Educação, pp. 177-198.
11 JOÃO BARROSO, A Autonomia das Escolas: Retórica, Instrumento e modo de Regulação da Acção Política, in A Autonomia das Escolas, 2006, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 23 - 48.         [ Links ]
12 JOAQUIM AZEVEDO / RODRIGO MELO, Propostas para um novo modelo de regulação da educação, Revista Brotéria, volume 173, n.º 2/3, Agosto/setembro 2011, Braga, pp. 161 - 176.         [ Links ]
13 NATÉRCIO AFONSO, A avaliação do serviço público de educação: direito do cidadão e dever do estado, in Qualidade e Avaliação da Educação, 2002, Lisboa: conselho Nacional de Educação, p. 100;         [ Links ] JOHAN BRUGGEN, Inspectorates of Education in Europe; some comparative remarks about their tasks and work, 2010, SICI, p. 14
Links ] Arial, Helvetica, sans-serif">14 JOÃO BARROSO, Políticas educativas e organização escolar, 2005, Lisboa: Universidade Aberta, p. 73.         [ Links ]
15 JOAQUIM AZEVEDO, A educação de todos e ao longo da vida e a regulação sociocomunitária da educação, 2008, Comunicação aos 2ºs Encontros de Pedagogia Social. Porto: Universidade Católica Portuguesa.
16 JOÃO BARROSO, op. cit. 2005, p. 107.
17 PEDRO GONÇALVES, Regulação, Electricidade e Telecomunicações, in Estudos de Direito Administrativo da Regulação, 2008, Coimbra: Coimbra Editora, p. 8
Links ] Arial, Helvetica, sans-serif">18 Para uma discussão cuidada e fundamentada desta questão a propósito das escolas públicas ver MÁRIO PINTO, Sobre os direitos fundamentais de educação – crítica ao monopólio estatal na rede escolar, 2008, Lisboa: Universidade Católica Editora.
19 RODRIGO MELO, A avaliação da escola, 2005, Tese de mestrado não publicada, Lisboa: Instituto de Educação da Universidade Católica Portuguesa.         [ Links ]
20 MIGUEL ZABALZA, Do Currículo ao Projecto de Escola, in Inovação e Projecto Educativo de Escola, 1992, Educa - Organizações.         [ Links ]
21 CÂNDIDO VARELA DE FREITAS, O Currículo em Debate: Positivismo - Pós-Modernismo. Teoria – Prática, Revista de Educação IX (1), 2000, Departamento de Educação da F.C.U.L.         [ Links ]
22 CÂNDIDO VARELA DE FREITAS, op. cit.
23 “(…) A autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos fundamentais de uma nova organização da educação, com o objectivo de concretizar na vida da escola a democratização, a igualdade de oportunidades (…)” (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio).
24 JOÃO BARROSO, A autonomia das escolas – uma ficção necessária, Revista Portuguesa de Educação, 2004, ano 17, n.º 2. Braga: Universidade do Minho.         [ Links ]
25 A este propósito salienta-se que um dos pontos importantes para a escola é o crédito de horas de que pode beneficiar e que, mais tarde, passou a ser atribuído a todas as escolas pelo que deixou de ser um incentivo à celebração de contratos de autonomia.
26 JOÃO BARROSO, op. cit., 2005, p. 111.
27 Ressalva-se apenas o contrato de autonomia da Escola da Ponte (Escola Básica de São Tomé de Negrelos - Vila das Aves) que, embora com este nomen iuris, é uma experiência pedagógica autorizada nos termos do Decreto 47587, de 10 de Março de 1967, que confere poderes ao Ministro da Educação para, por despacho, autorizar experiências pedagógicas.
28 JOÃO BARROSO, op. cit., 2005, p. 115.
29 Mesmo no caso da Escola da Ponte, só após uma avaliação externa do projecto e uma mudança de governo foi possível celebrar o contrato de autonomia que, juridicamente, não é mais do que uma experiência pedagógica.
30 JUDITH CHAPMAN, A New Agenda for a New Society, in International Handbook of Educational Leadership and Administration, 1996, Oxford: Kluwer Academic Publishers, pp. 27 - 59.         [ Links ] JAPP SCHEERENS, Melhorar a eficácia das escolas, 2004, Porto: Edições ASA, p. 36.         [ Links ] MARIA DO CARMO CLÍMACO, Avaliação de Sistemas em Educação, 2005, Universidade Aberta.         [ Links ] NATÉRCIO AFONSO, op. cit., p. 101.         [ Links ] JOÃO BARROSO, op. cit, 2005, p. 113.
31 Para uma abordagem ao problema ver Barroso, 2006.
32 Os contratos de autonomia correspondem a uma delegação de competências e alocação de recursos adicionais por contrapartida do compromisso em atingir objetivos educacionais contratualizados.
33 Com a importante exceção, explorada no presente artigo, do novo EEPC. Ver infra.
34 LUDGER WOEßMANN, The complementarity of central exams and school autonomy: Economic theory and international evidence, 2004, Bruxelas: Comunicação apresentada no 1º Simpósio Europeu em Economia da Educação.
35 Ver 5. infra
36 Vide artigo 35.º do Decreto-lei n.º 553/80, de 21 de novembro.
37 JORGE COTOVIO, O ensino privado nas décadas de 50, 60 e 70 do século XX – o contributo das escolas católicas, 2012, Coimbra: Gráfica de Coimbra.         [ Links ]
38 JOÃO CONFRARIA, Regulação e concorrência – desafios do Século XXI, 2005, Lisboa: Universidade Católica Editora, p. 15.         [ Links ]
39 JAN DALHUISEN, Financial risk and financial stability – an overlook at the present financial crisis, 2008, Conferência proferida na Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da universidade Católica Portuguesa.         [ Links ]
40 JAMES BOYLE, The public domain – enclosing the commons of the mind, 2008, Yale University Press.         [ Links ] O conceito é apresentado por James Boyle para demonstrar um argumento semelhante – a dificuldade intrínseca ao género humano em aceitar situar-se em contextos sem regras e limites perfeitamente definidos – no campo da regulamentação da propriedade intelectual.
41 JOÃO BARROSO, op. cit., 2005, p. 63.
42 JUDITH CHAPMAN, op. cit., p. 37.
43 FERNANDO ADÃO FONSECA, Liberdade de educação ou estado educador? o rei vai nu!, Revista Nova Cidadania, Ano IV, Número 15, Janeiro/Março 2003, pp. 16 - 20.
44 MÁRIO PINTO, Sobre os direitos fundamentais de educação – crítica ao monopólio estatal na rede escolar, 2008, Lisboa: Universidade Católica Editora, p. 25.
45 JOAQUIM AZEVEDO, Sistema educativo mundial, Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão. JOÃO BARROSO, op. cit., 2005.
46 JOÃO BARROSO, Regulação e desregulação nas políticas educativas – tendências emergentes em estudos de educação comparada, in A escola pública – regulação, desregulação, privatização, 2003, Lisboa: Edições ASA, pp. 19 - 48.         [ Links ]
47 JOÃO BARROSO, op. cit, 2006, p. 28.
48 RODRIGO MELO, op. cit, 2005, p. 72.
49 Conceito que encontra consagração legal no novo EEPC (alínea h) do n.º 1 do artigo 38.º). Ver 6.4 infra.
50 TERRY MOE, Teachers Unions and America's Public Schools, 2011, Brookings Institution Press, reimp.
51 JOAQUIM AZEVEDO, op. cit, 2008, p. 6.
52 JOÃO BARROSO, Introdução, in A regulação das políticas públicas de educação – espaços dinâmicas e autores, 2006a, Lisboa: Educa – Unidade de I & D de Ciências da Educação, p. 13.
53 JOAQUIM AZEVEDO, op. cit, 2008, p. 6.
54 JOAQUIM AZEVEDO, op. cit, 2008, p. 8.
55 Microscópica quer no sentido em que (i) a regulamentação cobre toda a atuação da escola e (ii) a regulamentação chega a estatuir sobre a ação do professor na sala de aula. Para exemplos, ver nota 8 supra.
56 JOÃO BARROSO, op. cit., 2005, p. 81.
57 JOÃO BARROSO, op. cit., 2006a, p. 28.
58 RUI CUNHA MARQUES, Regulação de serviços públicos, 2005, Edições Sílabo, p. 30. VITAL MOREIRA / FERNANDA MAÇÃS, Autoridades reguladoras independentes - estudo e projecto de lei-quadro, 2003, Coimbra Editora. p. 14.
59 “(…) As actividades de Controlo têm por finalidade verificar a conformidade legal do funcionamento das unidades organizacionais ou de segmentos do sistema educativo e identificar factores condicionantes da sua eficiência e da sua eficácia, considerando os meios disponíveis e os serviços prestados (…)” (http://www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.ige.min-edu.pt/).
60 “(…) Através das actividades de Auditoria, a IGE procede à análise dos actos de gestão praticados pelas escolas e pelos estabelecimentos de ensino num determinado lapso temporal, tendo como referência a legislação em vigor, as normas ou regulamentos das organizações e os contratos celebrados com entidades públicas, segundo critérios de conformidade, eficácia, eficiência, pertinência e coerência (…)” (http://www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.ige.min-edu.pt/).
61 “(…) A provedoria visa a salvaguarda, a defesa e a promoção dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos e a equidade e justiça do Sistema Educativo. Traduz-se no atendimento às queixas dos utentes e dos actores da educação, bem como, se for caso disso, na organização da consequente acção disciplinar, a qual pode também resultar de uma qualquer acção inspectiva. A acção disciplinar pode assumir as características de uma averiguação, de um inquérito ou de um processo disciplinar (…)” (http://www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.ige.min-edu.pt/).
62 WALO HUTMACHER, A escola em todos os seus estados: das políticas de sistema às estratégias de estabelecimento, in As organizações escolares em análise, 1995, Lisboa: Publicações D. Quixote, pp. 47-76.         [ Links ]
63 Afloramento disto é o facto de um dos cinco domínios-chave do quadro de referência do modelo de avaliação externa das escolas em Portugal continental ser a capacidade de auto-regulação e progresso da escola.
64 CLIVE BELFIELD / HENRY LEVIN, Education privatisation: Causes, consequences and planning implications, 2002, Paris: UNESCO. / M. ANDRE LAFOND, A avaliação dos estabelecimentos de ensino: novas práticas, novos desafios para as escolas e para a administração, in Autonomia, gestão e avaliação das escolas, 1999, Porto: Edições ASA, p. 11. OFSTED, Improvement through inspection: An evaluation of the impact of Ofsted`s work, 2004, document reference number: HMI 2244, p. 125.
65 Os resultados dos alunos em provas externas são aliás o indicador de qualidade mais utilizados nos estudos em educação.
66 Um exemplo desta problemática de consistência entre fins da escola e medição da qualidade pelos resultados dos alunos em exames, são os popularmente denominados “rankings das escolas” construídos anualmente em Portugal pela imprensa a partir dos resultados dos alunos nos exames nacionais de 6.º, 9.º e 12.º anos de escolaridade. Sendo publicada uma lista ordenada de escolas em função das médias obtidas pelos alunos, é inquestionável a intenção de, com estes dados, avaliar cada escola. Contudo, a classificação de um aluno num exame, só por si, apenas permite avaliar a qualidade desse aluno. O facto de se tratar de um grupo de alunos; todos os alunos de uma escola, não altera este dado. A demonstração da relação entre as classificações dos alunos e as práticas da escola exige um conjunto alargado de informação adicional sobre os alunos e a escola e um tratamento estatístico cuidado desse conjunto de informação. Esta é a maior falha dos “rankings” tal como os temos: não têm sido capazes de determinar quais as escolas que criam mais valor para os seus alunos; isto é, que potenciam o desenvolvimento do aluno para além do que seria o seu resultado esperado.
67 GLÓRIA RAMALHO, As aprendizagens no sistema educativo português: principais resultados de estudos realizados, in Avaliação dos Resultados Escolares, 2003, Porto: Edições ASA.
68 PAULO FREIRE, Pedagogia do Oprimido, 1970, Paz e Terra.
69 FERNANDO MACHADO / MARIA AUGUSTA GONÇALVES, Currículo e Desenvolvimento Curricular - Problemas e Perspectivas, 1991, Porto: Edições ASA.         [ Links ]
70 No caso do ensino secundário, os exames são realizados no final das disciplinas que têm uma duração plurianual. Consequentemente, há disciplinas que são objeto de exame nacional no final do 11.º ano de escolaridade e outras no final do 12.º ano de escolaridade.
71 Esta foi, e parece-nos que bem, a opção do legislador no novo EEPC (n.º 2 do artigo 4.º). Ver infra.
72 Para uma descrição e análise cuidada dos diferentes estatutos do ensino particular e cooperativo, do contexto em que cada um surgiu e dos debates que provocou, ver Cotovio, ob. cit.
73 Realça-se que a ordenação legal, começando pela adoção de planos próprios é indicativa do reconhecimento de uma diferente situação jurídica do ensino privado em comparação com o ensino em estabelecimentos oficiais. Esta situação inverte-se no quarto estatuto do ensino particular; inversão que se mantem no quinto estatuto – DL 553/80.
74 Inclui-se neste grupo as escolas que seguem o International Baccalaureate (IB).
75 Colégios que se situam no norte do país e que requereram a aprovação de planos curriculares de ensino secundário que correspondem a uma fusão do currículo dos cursos cientifico-humanísticos com o currículo dos entretanto extintos cursos tecnológicos.
76 Estabelece a lei que este funcionamento é “em regime de paralelismo pedagógico”, mas nem outra hipótese haveria dado que não Há um terceiro regime de funcionamento.
77 Este regime era regulamentado pelo despacho 39/SERE/88, de 12 de setembro, que não releva para efeitos da matéria em análise.
78 Protocolo entre o Ministério da Educação e a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, celebrado em Lisboa, a 2 de junho de 1998.
79 Ofício da AEEP para a Secretaria de Estado do Ensino e da Administração Escolar, de 16 de novembro de 2011.
80 Ofício da Secretaria de Estado do Ensino e da Administração Escolar para a AEEP, de 25 de janeiro de 2012.
81 O legislador reconhece este facto quando, no preâmbulo do novo EEPC, refere que “(…) O referido Decreto -Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, assentou num modelo de estrutura pedagógica muito dependente do sistema público de ensino. Corolário dessa realidade foi a consagração da figura do paralelismo pedagógico (…)”.
82 Regime previsto para o ensino particular e cooperativo no n.º 3 do artigo 37.º do novo EEPC, regulamentado pela Portaria n.º 59/2014, de 7 de março e, para as escolas públicas com contrato de autonomia, na Portaria n.º 44/2014, de 20 de fevereiro.
83 Ver 2.1 supra para uma discussão da definição e papel do projeto educativo.
84 Como se viu supra em 3.1, o artigo 8.º do Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de abril, também estabelece uma definição legal para a autonomia das escolas públicas. Contudo, por força de um conjunto de outras normas (e.g., o Estatuto da Carreira Docente, as regras e matrizes curriculares e os despachos ministeriais), esta definição generosa não tem conteúdo efetivo sendo muito reduzido o campo de efetiva liberdade decisória destes estabelecimentos de ensino quanto a questões curriculares, de organização e de gestão de recursos.
85 Consequentemente, os guiões de inspeção a ser construídos terão de incorporar as especificidades de ação de cada estabelecimento de ensino.
86 Exceção a isto será o caso de as regras estabelecidas pelo estabelecimento de ensino nestes documentos violarem expressamente o estatuto. E.g., estabelecendo um regime de assiduidade em desconformidade com os limites do n.º 1 do artigo 59.º do novo EEPC ou apresentando uma matriz curricular que viole os limites do n.º 3 do artigo 37.º do novo EEPC.
87 Como nota histórica refira-se que a matéria das habilitações para o ensino foi a única matéria relevante em que o novo EEPC manteve o regime em vigor até então, exigindo-se para lecionar neste setor que as pessoas possuam as habilitações exigidas para o ensino em estabelecimentos do ensino público.
88 LUDGER WOEßMANN, op. cit.
89 Tornando-se assim obrigatório que todos os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo tenham um sítio na internet.
90 JOÃO BARROSO, op. cit., 2004. JOAQUIM AZEVEDO, Repensar a política para a educação, retirado em 09 de Setembro de http://www.joaquimazevedo.com/Repensar_a_Politica_para_a_Educacao_2009_V1.pdf