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e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versión On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.1 no.1 Lisboa ene. 2014

 

DIREITO PÚBLICO

À descoberta do fundamento constitucional do Direito Administrativo Global

Discovering the constitutional principle of Global Administrative Law

 

Francisco de Abreu DuarteI

IFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: francisco.abreu.duarte@gmail.com

 

 

RESUMO

O debate teórico quanto ao conceito de Estado e as noções dogmáticas contrárias a um qualquer embrião de uma Jus-Fundamentalidade Internacional foram hoje manifestamente ultrapassadas pela realidade, realidade essa que dispensou as correntes metodológicas de visões unívocas do Estado-Nação. O escopo do nosso trabalho será o de lhe fornecer um concreto enquadramento teórico: O Direito Administrativo evoluiu no sentido da globalização e internacionalização, visando hoje um plano normativo muito além dos países tidos como unidades soberanas singulares, albergando realidades outrora prerrogativas iminentemente nacionais, para as congregar hoje numa realidade atípica, e ainda em construção, de uma ordenação jurídica supranacional. Para tal será feita uma análise do fenómeno constitucional que lhe subjaz, procurando uma concepção fundamental, um verdadeiro iter constituinte, fazendo para isso uso das várias concepções de Constitucionalismo Global existentes, com especial enfoque na do Diálogo Constitucional.

Palavras-Chave: Globalização; Diálogo Constitucional; Legitimidade Constituinte; Direito Administrativo Global;

 

ABSTRACT

The theoretical debate concerning the notion of State and the impossibility to conceive it in a global administrative juridical order context seems to have been overcome by the reality, which has, to a large extent, dismissed the former conceptions of the sovereign State. It will be provided the correct theoretical framework: Administrative Law has evolved into a new stage of both globalization and internationalization, seeking new normative frameworks beyond the State, considered as a singular unity of Sovereignty, now including new realities which were formerly attributed to the sovereign State, and so needing a new juridical-philosophical approach. To this atypical reality will match a fundamental conception of Law, a true constitutional iter, which may be found within the recent theories of Global Constitutionalism, specially the modern Constitutional Dialogue. The finding of this basis, in which the Global Administrative Law shall rest upon, will be the major target of the investigation.

Key Words: Globalization; Constitutional Dialogue; Constitutional Legitimacy; Global Administrative Law.

Sumário: 1. O Direito Administrativo Global como verdadeiro Direito Administrativo: a) Direito Administrativo em mutação, b) Sabino Cassese e as quatro grandes diferenças entre Direitos Administrativos; 2. Constitucionalismo e legitimidade constituinte do Direito Administrativo Global: a) As diferentes visões do Constitucionalismo Global, b) Direito Administrativo Global como Direito Constitucional Global concretizado? ; 3. Conclusões

 

 

DIREITO PÚBLICO

1. O Direito Administrativo Global como verdadeiro Direito Administrativo

a. Direito Administrativo em mutação

Quando falamos em Direito Administrativo Global é imediata a reacção do jurista: Se o Direito Administrativo se funda numa normatização da actuação da Administração Pública, tida esta como entidade Nacional, falar-se em Direito Administrativo Global é em si mesmo um paradoxo. Não haverá Direito Administrativo sem que haja pois uma Administração Pública. Nas palavras de Martin Shapiro fica a questão bem clara: Administrative law as it has historically been understood presupposes that there is something called administration1. No entanto, e como se deduz do pensamento de Shapiro, a realidade histórica de um Direito Administrativo como realidade jurídica de um fenómeno exclusivamente estatal de Administração Pública tem vindo progressivamente a alterar-se: a visão do Direito Administrativo como uma relação inquebrável entre a Constituição, o administrador e administrados parece hoje cada vez mais enevoada. Primeiro porque não é certo que não possa existir verdadeira Administração sem que exista uma Constituição, tida nos moldes históricos formais; segundo porque o Administrador não é hoje uma realidade unívoca a quem nos possamos endereçar, não é hoje um Rei, não é hoje uma entidade singular, nem sequer é hoje um coerente corpo orgânico nacional; terceiro porque o administrado reclama de uma Administração tida como infra-estrutural2 mais do que alguma vez reclamou, exigindo na sua legitimidade popular uma Administração ao seu serviço. Tais concepções de um Direito Administrativo totalmente ordenado e piramidal levam Schmidt-Assman a constatar a “insuficiência do modelo tradicional de Direito Administrativo”3 através de uma tripartição de clássicas presunções quanto à unidade, formalização das suas acções e a aplicação do Direito Administrativo.

Se esta evolução se fez sentir no Direito Administrativo como Direito Nacional, mais se fez sentir num emergente conceito de Direito Administrativo Global. Daqui que seja crucial distinguir muito bem os planos entre o que é o Direito Administrativo à escala nacional do que é o Direito Administrativo à escala mundial num verdadeiro Global Legal Space”4, como o define Sabino Cassese. Com o mesmo autor podemos sedimentar algumas diferenças de fundo entre as duas ordens jurídicas.

b. Sabino Cassese e as quatro grandes diferenças entre Direitos Administrativos

De acordo com o autor italiano5, a distinção entre um nível global e um nível nacional de Direito Administrativo fundar-se-ia em essencialmente quatro premissas:

· A ordem jurídica Internacional não se afigura unívoca, sendo na verdade uma interpenetração de aplicação de normatividades várias; já a ordem jurídica Estatal prima pela univocidade e coerência.

· O Direito Administrativo Global assenta num carácter iminentemente auto-regulador, num espaço de cooperação em que não se distingue com clareza o papel de Administrador do papel de Administrado; no plano interno a lógica assemelha-se mais à de subordinação e clareza na distinção de quem administra e de quem é administrado6

· No Direito Administrativo Global existe uma maior preponderância para a tomada de decisões baseadas em comités de especialistas, que carecem de legitimidade democrática; nos ordenamentos nacionais, a legitimidade democrática tende a ser uma constante, legitimando as decisões governamentais.

· Por fim, à escala global, o Direito Público distingue-se com mais dificuldade do âmbito de Direito Privado, na medida em que a profusão de inúmeras “normatividades” a isto obriga; no Direito Administrativo estatal, a fronteira é mais nítida num critério pelo menos delimitativo das funções do Estado (onde se distingue concretamente a função Administrativa)

Convém desenvolver algumas das afirmações feitas nestas quatro distinções essenciais.

Primeiro que tudo, é de facto verdadeira a concepção do Direito Administrativo Global como um Direito multifacetado, fruto da conjugação de várias ordens normativas distintas. Basta pensarmos no caso do Direito do Mar: Se estiver em causa a captura de uma determinada espécie, por exemplo a captura de bacalhau, esta será regulada por um regime especial relativo às pescas do bacalhau, mas também perante um regime mais abrangente relativo ao Direito do Mar Geral, mormente relativo às fronteiras e zonas económicas dos países em questão. Raramente uma questão administrativa internacional se vê solucionada com recurso a uma ordem jurídica unívoca e singular, como seria de esperar se estivermos a falar de um caso de Direito Administrativo Interno, regido exclusivamente pelo Direito Administrativo na sua unidade.

Segundo, parece também correcta a visão das relações horizontais que se estabelecem entre as entidades administrativas globais, numa lógica de cooperação e de auto-regulação. Quem legisla é muitas vezes o objecto da própria legislação, convidando terceiros a participar e a submeter-se à legislação aprovada. Ora tudo isto é distinto da lógica interna de um Direito Administrativo Clássico, onde predomina a ideia do acto administrativo como acto de subordinação.

Este terceiro ponto será por nós abordado mais à frente, pelo que adiantaremos apenas parte da questão. A verdade é que o Direito Administrativo numa perspectiva supranacional enfrentará sempre um problema severo de afastamento da legitimidade popular, na medida em que, quanto mais se alarga o âmbito da jurisdição bem como quanto mais técnicas se tornam as questões, a tendência natural é a de se eliminar o vínculo essencial entre o poder constituinte e o poder constituído, substituído pela opinião técnica mas não legitimada da Ciência ou da Economia. A troca da soberania popular por uma legitimidade comitológica é algo que deve ser tido em crescente atenção.

Por fim, as dificuldades de distinção entre a esfera privada do Direito e a sua esfera Pública que se fazem sentir hoje no plano nacional no Direito Administrativo, mais se acentuam no Direito Administrativo Global, dada a proliferação de normatividades: As decisões tomadas quanto à captura de determinada espécie de peixe serão tomadas muitas vezes por organismos supranacionais ( ONU, OMC etc) em conjugação com entidades privadas como sejam empresas piscatórias, pequenos comerciantes, ou entidades públicas regionais ou locais. A interpenetração de entidades e correlativos direitos aplicáveis densifica ainda mais a complexidade da distinção.

Para que se admita tudo o que aqui foi dito quanto à distinção entre estes dois níveis de Direito Administrativo, é preciso que se aceite a premissa de que o Direito Internacional não regulará apenas as relações entre Estados, tidos como unidades soberanas impassíveis de ordenação superior, mas que é em si mesmo uma ordem jurídica autónoma apta à produção de normas jurídicas. Esta afirmação é realidade evidente no denominado Direito da Regulação, em matérias como as pescas, a agricultura, a energia atómica, espaço aéreo, ambiente etc. Veja-se que a necessidade lógica da existência de um Direito supranacional que possa solucionar os problemas que advém destas matérias fica claro na frase de Cassese States are not able to control the fishing of migratory fish species, just as they are powerless to unilaterally limit the use of greenhouse-effect producing gases or to prevent the spread of financial crises 7. Mas é também ao nível das instituições e dos actos que delas emanam que se comprova hoje a existência de um Direito Administrativo verdadeiramente global8: Prova disso é de resto o recente caso Mumbai Transport9. Mas também, como bem aponta Fausto Quadros, a livre circulação de pessoas, serviços, capitais e mercadorias tem sido apontada como um dos pilares fundamentais da criação de um Direito Administrativo global, juntamente com os actos emanados da Organização Mundial do Comércio, as directivas do Banco Mundial, e a jurisprudência dos Tribunais Internacionais arbitrais. A existência destes actos é reconduzida pelo autor a um fundamento último de Ius Cogens, de garantia dos direitos fundamentais da Pessoa Humana, que constituiria o fundamento e o limite do Direito Administrativo dito global10; a este fundamento constituinte, ao iter que fundamenta o Direito Administrativo numa perspectiva verdadeiramente global, dedicaremos o nosso próximo ponto.

2. Constitucionalismo e Legitimidade Constituinte do Direito Administrativo Global

Uma vez assente a existência de um novo nível de Direito Administrativo contemporâneo, desta à escala global, a questão seguinte será tão simples quanto esta: Se existe, o que o fundamenta?

Veja-se que a questão sempre foi debatida em termos nacionais e soberanos: As teorias contratualistas primeiro de Hobbes, depois de Locke e de Rousseau assentaram sempre numa visão monista do Estado-Nação; o contratualismo surge pois bem na resposta teórica à questão do porquê o Estado e não outra entidade, ou nenhuma entidade, ou um vazio de poder. As respostas variadas assentes no papel mais agressivo do Estado na concepção do Homem como lobo do Homem de Hobbes, no papel de garante em Locke ou na demonstração de uma vontade colectiva mas individualmente consagrada em Rousseau, todas elas partiam de um Estado como entidade predominantemente nacional, na lógica vestefaliana de Estado-Nação. O Direito Administrativo Clássico não se conseguiria afastar desta noção de Administração Pública como entidade referente a um determinado espaço, povo e poder político; a soberania seria a pedra de toque à compreensão dos poderes exorbitantes da Administração Pública zeladora última da Segurança, Liberdade e da Propriedade. Esta concepção, quer se queira quer não, mantém algumas das suas raízes actualmente, o que dificulta muitas vezes a conceptualização de um novo tipo de delegação de poderes no Estado, na omissão de um verdadeiro Estado Mundial a quem possa ser delegado. O debate do constitucionalismo do Direito Internacional será em grande medida a chave da compreensão do fundamento do Direito Administrativo Global.

É comum reconduzir-se o universo de críticas ao constitucionalismo global, ou a um qualquer embrião de um documento fundamental ou de uma base axiológica comum, a uma repartição de quatro “I's”: O constitucionalismo Global seria respectivamente “improbable, irrelevant, inconceivable, and illegitimate” .11

Esta redução das críticas a estes quatro grandes grupos permite que os possamos analisar individualmente.

De acordo com o pensamento de Neil Walker, a primeira crítica prende-se com o nível baixo de probabilidade de virmos a ter um constitucionalismo verdadeiramente global, na medida em que faltam neste as “relações de autoridade12 que caracterizam o Direito Constitucional e em grande medida o Direito Administrativo que concretiza os princípios constitucionais. Seria portanto altamente improvável que de um estado de coisas sem uma autoridade unívoca pudesse emergir um enquadramento normativo-constitucional que se pudesse apelidar de movimento constituinte como teorizado classicamente. A nosso ver, tais críticas não procedem nem são tão pouco incisivas no seu ataque: Não nos parece que neste estágio de evolução do Direito Internacional, mas em especial do Direito Administrativo, a tónica possa ser colocada nas relações de autoridade entre órgãos de uma Administração Pública e Administrados. Parece que hoje a Administração quer nacional quer, a existir, global, terá o núcleo na ideia de prestação e não de autoridade/agressão, ultrapassando os traumas de uma infância difícil13, sendo uma Administração que repensa o conceito de administrado (tipicamente francês) e o substitui por um de contribuinte, de demandante. Tanto mais, a crítica da improbabilidade não exclui a possibilidade de vir a existir um verdadeiro fundamento constituinte global, no qual o Direito Administrativo Global se escude; descartamos pois esta crítica por nem de uma verdadeira impossibilidade se tratar, mas sobretudo mais de um juízo céptico de prognose.

O segundo reparo coloca o problema em termos de irrelevância. Seria errado falarmos em Constitucionalismo na medida em que simplesmente o Direito Internacional vive bem sem ele, prescindindo de um núcleo axiológico coerente e de uma esquadria normativa constitucional. Para esta visão, todos os grandes benefícios que o constitucionalismo traz prendem-se sobretudo com problemáticas iminentemente estatais como sejam a Separação de Poderes, como uma correcta distribuição das funções do Estado, ou com a independência do Poder Judicial; não havendo um Estado Mundial facilmente se prescindiria de uma necessidade absoluta de controlo funcional, ou de um qualquer desenho constitucional de independência orgânica. Duvidamos mais uma vez que assim seja, na medida em que a crítica falha em dois pontos essenciais: Primeiro porque não faz qualquer menção ao papel axiológico do documento constitucional, focando-se apenas em questões de desenho político e funcional; segundo porque não é certo que esse mesmo desenho político de garantia da independência não seja essencial ao bom funcionamento de um potencial governo Global. A Constituição deverá ser olhada primeiramente como documento fundador dos princípios que regem uma determinada comunidade e só depois como verdadeira esquadria política – Reconduzir o papel constituinte a mera ordenação de funções e delimitação de tarefas é passar ao lado do verdadeiro iter constitucional, aquele da positivação de uma moral social14, compartilhada pela comunidade no exercício de uma delegação do seu poder soberano numa entidade que é o Estado. Não se vê como é que uma qualquer entidade, ainda que não se assemelhe a um Estado na concepção de Vestefália possa prescindir de um corpo normativo ( ainda que não positivado) de valores, princípios e regras jurídicas comuns; só nestes moldes é admissível o diálogo, ainda que como bem aponta Habermas “ Such vision to the global level it would stand in tension with the social fragmentation os the global polity” 15. Mas uma vez tendo a esquadria axiológica montada, vemos grandes benefícios em que também no Direito Constitucional Global exista uma delimitação funcional e respeito pelo Princípio da Separação de Poderes. Parece essencial que, a haver uma ordem jurídica Administrativa Global, esta esteja correctamente delimitada das restantes funções como sejam a função legislativa (ainda não concretamente desenvolvida em termos globais, baseando-se ainda muito na horizontalidade dos Tratados Internacionais) e a função jurisdicional (esta cada vez mais emergente com os Tribunais arbitrais Internacionais, o Tribunal Penal Internacional etc.).

A terceira questão diz respeito à impossibilidade de conceber a ordem jurídica Internacional numa lógica Constitucional. Este reparo é talvez aquele que apresenta um maior corte com as concepções básicas do Direito Administrativo e do Direito Constitucional e merece portanto uma mais detalhada explicação teórica: As teorias que advogam esta impossibilidade conceptual de um Direito Constitucional Global, onde o Direito Administrativo se pudesse eventualmente fundar, apelidam a ideia de um category error” na medida em que verdadeiramente o Direito dito global implica um novo horizonte epistémico.16Os conceitos clássicos de Soberania, Nação, Território ou mesmo Estado são colocados numa nova perspectiva teórica, deixando de constituir elementos essenciais definitórios de um ambiente constituinte, para se evoluir no sentido de uma nova concepção de constitucionalismo. Mais do que uma crítica, esta visão apresenta-se como uma reformulação que deve ser ponderada para efeitos de análise, pois o que se encontra aqui em jogo não é tão pouco uma impossibilidade de conceber um ambiente constitucional global, como é antes a impossibilidade de conceber esse ambiente dentro dos moldes tradicionais em que se concebe o Estado de Direito. Parece acertada a ideia de que não é condição necessária à existência de um embrião de Constituição a existência de um conceito estrito de soberania, nem tão pouco precisará de ser definida uma parcela delimitada de território; basta que nos afastemos definitivamente de uma concepção de Direito indissociável do conceito de Estado para que tal se atinja. Assim, parece-nos, terá que existir isso sim um povo, um poder constituinte que delega a sua soberania, entendida como poder de autoconformação normativa, a determinada entidade verdadeiramente global, dado que este momento, o da manifestação da vontade constituinte, será condição necessária à evolução para um Sociedade Global, a qual ao Direito caberá o seu papel regulador da vida social. Estaremos neste sentido e nas palavras de Neil Walker in a Post-Constitucional State17

Mas é precisamente esta última afirmação que nos leva à crítica final que ponderamos aqui debater: Se se mantém neste novo tipo de constitucionalismo as mesmas exigências constituintes, concretizadas numa manifesta demonstração de uma vontade constituinte, onde é que se encontra esta manifestação nas instâncias actuais de Direito Administrativo Global? Com que legitimidade se arrogam certas entidades à prática de actos vinculativos aos diversos países que delas fazem parte? Existe um verdadeiro poder constituinte global ao qual possamos imputar a delegação normativa necessária à criação do Direito?

Encontramos nestas perguntas a derradeira barreira: O problema da falta de legitimidade constitucional do Direito Administrativo Global. A esta questão só poderemos responder analisando de que tipo de novo constitucionalismo falamos, para que compreendamos também qual o novo poder constituinte que este exige.

a. As diferentes visões do Constitucionalismo Global

Se é discutível, como vimos, que possamos hoje com propriedade falar numa tendência de constitucionalização do Direito Internacional, concretizado por um verdadeiro Direito Administrativo Global, é ainda mais polémica qual a concepção de ambiente constitucional que está em jogo, se uma concepção mais aproximada ao que conhecemos hoje, e por conseguinte, ligada à realidade nacional, se de um novo tipo de constitucionalismo, de pendor globalista, algo ainda a definir em novos moldes. Daqui retiram alguns autores que hoje o debate não se faz entre um modelo de constitucionalismo antes entre Constitucionalismos18, quer sejam fundados no respeito pelos Direitos Humanos 19, quer se fundem num documento de esquadria das várias entidades supranacionais 20.

Ainda antes de tecermos as devidas considerações sobre qual o verdadeiro tipo de Constitucionalismo que poderia servir de base à evolução de um Direito Administrativo Global, importa compreender qual a relação que existe entre o papel da Constituição e o papel da Administração Pública: Podemos através de Assman distinguir duas directrizes essenciais desta relação, como sendo as directrizes do Estado de Direito(i) e as Directrizes do Princípio Democrático.(ii)21 As primeiras (i) dirão respeito à função do Direito Administrativo de ordenação e delimitação da vida em sociedade (dimensão objectiva) e da protecção dos direitos subjectivos dos particulares (dimensão subjectiva); as segundas (ii) traduzirão a necessidade do Direito Administrativo deter um mandato de legitimação eficaz 22, traduzindo precisamente a necessidade de um poder constituinte que vimos sufragando até aqui no Direito Administrativo Global. Esta última directriz será por nós tratada mais à frente quando analisarmos a problemática da legitimidade do Direito Administrativo Global.

A nosso ver, no entanto, é possível ser feita uma bipartição das pretensões constitucionais em dois grandes blocos: As visões tradicionais de constitucionalismo, apelidadas por Kirsch de visões fundadoras23 ou holísticas, que dizem respeito a uma ideia da Constituição como de um documento fundador e legitimador de qualquer ordem jurídica e por isso mais aproximados de uma visão clássica do constitucionalismo; e as visões globalistas, que rejeitam a ideia clássica de Constituição, para a reformularem em moldes distintos e muitas vezes não unívocos.

i. Visões Fundadoras

As visões fundadoras24, ou ditas holísticas, do Constitucionalismo emanam directamente do pensamento liberal das Revoluções Francesa e Americana, traduzido na ideia de Constituição como documento fundador de uma ordem Jurídica, tipicamente positivada num documento escrito, documento delimitador do poder público e garante do respeito pelos Direitos Fundamentais de uma determinada comunidade em determinado tempo. Aqui a Constituição desempenha um papel de framework25, de esquadria delimitativa do poder político, onde fora desta o Poder não pode mais ser legitimamente exercido. De acordo com Kirsch, nesta visão, toda a actuação política terá que ser reconduzível ao Pouvoir Constituant originário, sob pena de se darem actuações que carecem do apoio popular constituinte.

Esta visão naturalmente traduz a ambição de, a partir de um modelo conhecido dentro do Estado-Nação, extrapolar essa realidade para o âmbito supranacional e para uma ordem jurídica global, o que consubstanciaria uma base ideológica sólida para estruturar um verdadeiro Direito Global. Tal visão parece ser de resto a prevista ao nível regional com a tentativa falhada de um Tratado Constitucional Europeu, e ao nível mundial com a Carta das Nações Unidas, recorrentemente interpretada como verdadeiro documento constitucional de uma ordem jurídica mundial em embrião. 26 Mas uma concepção que importe do modelo nacional as estruturas aplicáveis às estruturas internacionais terá sempre inevitavelmente que se debater com problemas diversos dos enfrentados no plano nacional, a começar desde logo pela reformulação massiva das estruturas orgânicas internacionais que não se encontram hoje num patamar coadunável com um constitucionalismo de tipo holístico. Mas os problemas ultrapassarão largamente aqueles do mero desenho constitucional e institucional: Não é certo que possa sequer existir uma Constituição tida nos termos clássicos que possa cabalmente regular a diversidade de povos, culturas e normatividades presentes no Mundo como um todo. Se o desafio é desde logo hercúleo no âmbito multicultural interno, ao nível global, a pretensão de exaustividade não parece ser mais do que uma ambição limitada27.

É portanto compreensível a atracção que uma visão totalmente compreensiva da realidade, através de um documento fundador único, possa exercer sobre os espíritos daqueles que anseiam por uma nova e derradeira ordem jurídica global, o próximo passo na integração cultural da Humanidade; mas teremos que discordar de Krisch quando o autor afirma que tal modelo seria o modelo a seguir no âmbito supranacional. Não se poderá nunca perder de vista a aplicabilidade prática da dogmática jurídica sob pena de cairmos na velha querela do Law in the books vs Law in action. Rejeitamos assim a ideia de que possa existir, de forma exequível, uma normatividade Constitucional do tipo fundamental, à semelhança do Liberalismo Nacional. As exigências supranacionais requerem mais do âmbito constitucional, e não será suficiente uma mera aplicação de modelos bem-sucedidos nos Estados-Nação ao universo de problemáticas distintas que o Direito Global acarreta.

ii. Visões globalistas: O método Discursivo Constitucional em especial

As visões constitucionais globalistas emergem precisamente da insuficiência dos modelos tradicionais em resolver as problemáticas mundiais acima referidas, com enfoque na heterogeneidade normativa e cultural que um Estado de Estados necessariamente traz consigo. Porque uma breve análise do fenómeno constituinte dito tradicional, como posto em prática no século XVIII em França e nos Estados Unidos da América, importará compreender que o contexto de emergência destes processos constituintes sempre foi a base revolucionária e o corte profundo com o que se encontrava estabelecido antes. Parece subjazer ao Constitucionalismo Fundador na sua génese clássica (na terminologia de Krisch) necessariamente o impacto revolucionário ou pelo menos o corte abrupto com o passado; as Constituições clássicas almejavam derrubar regimes, criar novas ordens de pensamento, fundar novas concepções de Governação e de Política. Em suma, simbolizavam “the emergence of a new order that did not allow remnants of the past”. 28

A evolução constitucional no século XX viria, no entanto, a afastar-se do exclusivo paradigma revolucionário. Permaneceram, ainda assim, traços clássicos de enfoque na Soberania e na Constituição como documento fundador institutivo de uma moral nova, de um novo estado de coisas. O Constitucionalismo Fundador Contemporâneo, ao não prescindir portanto dos traços clássicos que presidiram à sua criação, embate numa realidade não nacional para a qual não foi talhado e para o qual é manifestamente insuficiente. De resto, é esta manifesta insuficiência que leva a questionar se não existe hoje uma necessidade de repensar o conceito de Constituição, abandonando os dogmas do passado e embarcando numa viagem teórica nova de múltiplos centros constitucionais, de múltiplas legitimidades.

Uma das teorias globalistas que destacamos aqui prende-se com uma corrente que tem vindo a definir-se com maior pormenor a partir dos anos 90 do século XX e que justamente recupera a ideia de que o Direito Global deverá prescindir das concepções clássicas de Constituição e Soberania, para as substituir por um novo diálogo, um novo discurso constitucional – O Discurso Constitucional Plural. Esta nova corrente de abordagem ao Direito Constitucional é bem patente no artigo recentemente escrito por Neil Walker On the Idea of Constitutional Pluralism29, em que o autor defende que o debate quanto à constitucionalização da ordem jurídica global não se fará em termos de preto ou branco, mas antes em termos de gradação, ou seja, a discussão não deverá ser posta nos termos de se deve ou não existir uma Constituição Global, que veremos o próprio Direito Administrativo Global possa concretizar, mas antes a de existirem múltiplos centros constitucionais e múltiplos Direitos Administrativos concretizadores dessas ideias. Não podemos deixar de ver nesta ideia inovadora as concepções atinentes ao multilevel Constitutionalism30 de Ingolf Pernice, teorizado na sua génese para as relações entre os Estados e a União Europeia, mas que serve os mesmos propósitos quando aplicável ao panorama global. Esta teoria propugna uma visão não hierárquica mas cooperativa dos vários ambientes constitucionais, aplicado inicialmente às relações entre os Estados Membros e as estruturas da UE, mas que pode ser facilmente adaptável à relação entre os Estados Soberanos de todo o mundo e o poder político global. Mas se é certo que o multilevel Constitutionalism servirá como “an interactive process of establishing, dividing, organizing, and limiting powers, involving national constitutions and the supranational constitutional framework, considered as two interdependent components of a legal system governed by constitutional pluralism instead of hierarchies31,a verdade é que no panorama internacional a relação não será feita com vista a uma entidade única, a uma única ordem constitucional, antes a variados poderes políticos, a diferentes normatividades.

Denotamos uma conclusão prévia de monta: Parece-nos que o que existe hoje em dia no plano global são várias ordens Constitucionais que se interpenetram entre si, não tendo qualquer uma pretensões de exaustividade normativa. Cada entidade supranacional dotada de uma base axiológica coerente, quer seja em função da protecção dos Direitos Fundamentais quer sejam em termos de valores económicos ou de mercado, deve ser tida como uma verdadeira ordem jurídica constitucional, de onde se deva analisar o fenómeno constituinte em cada caso e não abordar a legitimidade de um poder político unitário supranacional. A conclusão pela existência de múltiplas Constituições, desta num sentido moderno de vários discursos constitucionais, vem sedimentar a ideia de que o constitucionalismo global se desliga da unidade que o caracterizou pela sua permanência no Estado-Nação para entrar numa panóplia de entidades, cada uma dotada de um poder político autónomo. Cremos que hoje o debate não se fará em termos de Constituição mas antes de Constituições, ou de um método discursivo Constitucional de interpenetração de todas estas ordens.

Esta conclusão, tem tanto de radical como de contínua, na medida em que não procura efectuar um corte com o passado, mas antes analisar a realidade como ela se encontra hoje espelhada no Mundo. Em vez de se procurar o que certos autores apelidam de Utopia Constitucional32, esta visão permite analisar os fenómenos constituintes um a um e indagar da sua legitimidade para a tomada de decisões naqueles âmbitos constitucionais e só naqueles. Assim, parece-nos que a ONU por exemplo, constituirá uma forma de constitucionalismo, dotada de uma base axiológica positivada na Carta das Nações Unidas, com uma legitimidade própria e Poder Político autónomo; mas não haverá já a mesma “Constituição” no caso da Organização Mundial do Comércio que se pautará por uma nova enumeração axiológica, que como tal traduzirá uma distinta ordem constitucional, com novas legitimidades e um novo poder político. O mesmo raciocínio poderá ser feito para o Banco Mundial ou outras magnas entidades do Direito Internacional. Retirando a tónica do constitucionalismo global como único e indivisível, característico do constitucionalismo fundador de Krisch, a questão torna-se muito mais clara na sua multiplicidade de fenómenos.

Permanece no entanto uma derradeira questão por responder: Qual o papel do Direito Administrativo neste contexto globalizante? Se for admitida uma teoria que visa os múltiplos centros constitucionais, qual será o papel do Direito Administrativo na concretização desta multiplicidade de normatividades?

A isto dedicaremos o nosso derradeiro ponto.

b) Direito Administrativo Global como Direito Constitucional Global concretizado?

Retomamos a questão central da nossa análise quanto ao lugar que o Direito Administrativo dito global possa ter na relação com a legitimidade constituinte.

Fritz Werner, há já meio século atrás, definia o Direito Administrativo como Direito Constitucional Concretizado33, numa fórmula que haveria de perdurar como definição básica da subordinação do Direito Administrativo à ordem jurídica Constitucional. A lógica do pensamento de Werner parece ainda hoje irrefutável do ponto de vista do Direito Administrativo Interno – A Administração Pública executa um mandato constitucional, estando naturalmente vinculada a um estrito princípio de Legalidade Democrática, presente desde logo na grande maioria das constituições dos estados de direito mundiais. É no entanto de repensar esta lógica se o nosso plano de discussão se alterar, se não estivermos mais perante uma concepção de Administração Pública como a Administração do Estado; a inexistência de um estado mundial levará a que necessariamente não possa haver uma Administração Pública ligada em estreita relação com o Estado no panorama internacional. Dito isto fica ainda mais evidente o problema que uma teorização de um Direito Administrativo Global pode trazer: o que é que afinal concretiza o Direito Administrativo Global se não há uma Constituição do estado mundial, ou sequer se não existe um verdadeiro estado mundial?

Responderemos em coerência com o que foi explanado acima a propósito do Constitucionalismo Global. De facto foi dito anteriormente que, no âmbito supranacional, vigora hoje um novo discurso constitucional, assente numa interpenetração de ambientes constitucionais, o que desde logo invalidaria a concepção unitária de Constituição. Mas na altura não relacionámos esta multiplicidade constituinte com o Direito Administrativo. Importa agora fazê-lo.

Logo à partida é necessário indagar-se da pertinência da concepção de Werner no Direito Administrativo Global, ou seja, se o papel do Direito Administrativo supranacional será também o de concretizar opções políticas através da sua execução prática. E nesta questão não vemos óbices à manutenção desta definição de Direito Administrativo como concretização do Direito Constitucional, conquanto se adapte o conceito à nova realidade global; porque enquanto no Direito Administrativo nacional as opções políticas estão na esmagadora maioria dos casos vertidas em documentos constitucionais, no Direito Administrativo Global, nem sempre é tao certo que assim aconteça, como não é necessário que assim seja. O que é realmente interessante para qualquer administrativista é denotar a existência de uma profusão de ordens jurídicas constitucionais (cada uma ligada à sua entidade exemplo da ONU, OMC, Banco Mundial) que levará necessariamente à existência de uma multiplicidade de Direitos Administrativos concretizadores. A ideia que propugnamos nesta análise é a de que para cada ordem constitucional existirá necessariamente um Direito Administrativo que a concretize.

Tal afirmação levaria a que o problema da legitimidade fosse ele também fraccionado nos diversos ambientes Constitucionais: Não seria possível assim apurar um único Poder Constituinte, mas diversos momentos Constituintes das diversas “Constituições”, cada uma a requerer uma análise democrática da sua criação. Onde alguns, como Krisch, poderão ver um obstáculo, parece-nos a nós que é precisamente nesta diversidade que se poderá exigir que cada entidade seja dotada dos mecanismos institucionais de legitimidade popular, o que manifestamente não acontece na ONU em matéria de Segurança, nem tão pouco no Banco Mundial ou outras Organizações Internacionais.

3. Conclusões

Temos consciência do que propomos aqui. Aceitar a premissa anterior é aceitar que os conceitos mais introdutórios de Estado, Administração e Constituição são abalados e redefinidos. Parece-nos, ainda assim, que a tal exigem as mudanças que se verificam hoje no mundo, e que a manutenção de conceitos aptos para uma situação nacional mas não necessariamente para uma lógica supranacional, poderão trazer problemas graves em termos de legitimidade constitucional. Parece, pelo menos com o que conhecemos actualmente, que a existência de um Constitucionalismo Global do tipo clássico, onde existiria um documento fundamental de todos os valores mundiais ( se é que tal coerência existe, o que duvidamos), manifestação da delegação de um poder constituinte de toda a Humanidade, seria manifestamente improvável dada a inúmera e desafiante profusão de culturas, valores, éticas, formas de governo, visões constitucionais. De qualquer modo, deixamos aqui algumas indagações sobre o que poderá vir a ser um Constitucionalismo de vários níveis, fundamentando relações jurídicas (em grande medida administrativas) atípicas, permitindo a reflexão sobre a existência de uma nova ordenação global além do Estado, com novos valores e novas normatividades.

Mais do que conclusões lançamos o repto: O Direito Administrativo Global, nas suas distintas e crescentes modalidades, nos domínios da Internet, da Aviação, da Jurisdição Desportiva, do Ambiente e de tantas outras áreas, merece um estudo aprofundado e a atenção da Ciência do Direito, para que se proporcionem os devidos enquadramentos teóricos e dogmáticos mas também práticos de uma realidade que parece construir-se independentemente da actuação jurídica e que portanto requer uma efectiva e capaz tutela normativa. A vir a provar-se que existe neste domínio algo de radicalmente novo, será pois uma porta aberta para toda uma nova geração de investigação jurídica, com novos desafios e desafiantes oportunidades.

 

1 martin shapiro, Administrative Law Unbounded: Reflection on Government and Governance, in Indiana Journal of Global Studies, vol. 8, iss. 2 ,article 6, p. 369
2 Seguimos aqui o pensamento de Vasco Pereira da Silva na tripartição dos momentos descritivos da evolução do Direito Administrativo: Nos seus primórdios pós-revolução Francesa seria correcto falar-se numa Administração Agressiva,         [ Links ] pelo que teria evoluído no debalde do século XX para uma Administração que se tinha como Prestadora baseada no modelo de Estado Social, para hoje nos encontrarmos numa nova etapa do Direito Administrativo que coincidiria com uma Administração Pública verdadeiramente Infra-estrutural compreensiva dos recentes desafios em matéria de Ambiente, Informática etc. Para um maior detalhe cf. Vasco Pereira da Silva, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina, 1998, Capítulo I.         [ Links ]
3 eberhard schmidt-assman, Cuestiones fundamentales sobre la reforma de la teoria general del Derecho administrativo, in Innovación y reforma en el Derecho Administrativo, Global Law Press, 2006, p. 28
4 sabino cassese,         [ Links ] Lo spazio giuridico globale, Bari, 2003, pp. 323 e ss
5 sabino cassese,         [ Links ] Global Administrative Law: An introduction, in Institute for International Law and Justice, New York University of Law, 2005, p. 9
6 Com isto não queremos dizer,         [ Links ] nem cremos que seja a intenção de Cassese, que a lógica interna é ainda hoje a de uma Administração Agressiva. Falamos em Administrador e Administrado no mero sentido de uma relação de supra e infra ordenação que não radicará numa subjugação do Administrado à vontade discricionária da Administração Pública.
7 sabino cassese, Global Administrative Law: An introduction, in Institute for International Law and Justice, New York University of Law, 2005, pp 11
8 Como bem aponta Cassese,         [ Links ] o termo carece de explicitação: O autor sugere duas concepções de Globale: Como caracterizador de relações horizontais entre Estados, na concepção clássica de Bentham, mais próxima do conceito de Internacional; ou como relação verdadeiramente multilateral, autónoma daquela da dos Estados individualmente considerados, mais próxima do conceito de globalização.
9 Nos termos de Sabino Cassese, este projecto é paradigmático da existência de uma nova ordem para lá do Estado: Os cidadãos da Cidade de Mumbai foram, tal qual qualquer ordenamento juridico Administrativo contemporâneo Nacional, ouvidos antes que a decisão de se avançar com o projecto pudesse ter sido tomada, havendo como que uma Audiência dos Interessados baseada em legislação aprovada pelo Banco Mundial, nomeadamente na Policy on Disclosure of Information, evidenciando a existência de uma das características essenciais à ordem Juridica – A existência de Legislação em sentido Material. Mas os restantes traços distintivos parecem também encontrar-se presentes neste caso se não vejamos: O Banco Mundial conta com um órgão chamado Painel de Inspecção que exerce funções de para-judicialidade na medida em que, caso o que fora proposto aos cidadãos alvo do projecto não tivesse sido cumprido, estes estariam aptos a dirigir-se ao Painel que emitiria recomendações directamente ao Banco Mundial, ou seja, que exerceria uma função sancionatória perante a actuação desconforme às normas, tornando desta forma evidente a existência de um Poder Judicial, de uma Jurisdição, para lá da do Estado; existe, à semelhança dos ordenamentos juridicos nacionais, uma relação tipicamente Administrativa entre o Estado de Maharashtra ( ao qual Mumbai pertence) que planeia o projecto, o Banco Mundial que o financia e a execução do Projecto através das autoridades Locais; por fim, a intervenção do Banco Mundial cria nos sujeitos de Direito ( neste caso os cidadãos de Mumbai afectados pelo Projecto) verdadeiros Direitos Subjectivos ( por exemplo o Dirieto de Audiência, ou o Direito de Petição perante o Painel de Inspecção) o que mais uma vez sedimenta a opinião de que estão patentes características típicas de um ordenamento jurídico no panorama Internacional. Para maior detalhe cf. Disponível online em http://www.worldbank.org/projects/P113028/mumbai-urban-transport project2a?lang=en&tab=overview
10 Fausto de quadros, Global Law, Plural constitutionalism and Global Administrative Law, in Global Administrative Law towards a Lex Administrativa edited by Javier Robalino-Orellana e Jaime Rodriguez--Arana Munõz, Cameron May, 2011
11 Neil walker,         [ Links ] Taking Constitutionalism Beyond the State, in Political Studies, 2008, disponível on-line em: http://www.reconproject.eu/main.php/RECON_wp_0705.pdf?fileitem=5456961 , pp 1-6
12 Neil walker,         [ Links ] Taking Constitutionalism Beyond the State, p.5
13 Na metáfora de Vasco Pereira da Silva, cf. Pereira da Silva, Em busca do acto administrativo perdido, Almedina, 1998, cap. I.         [ Links ]
14 Herbert l.a. hart, O conceito de Direito, 4ª edição, Gulbenkian, 2005, pp 104-109
15 jürgen habermas,         [ Links ] Der gespaltene Westen, apud nico krisch, Global Administrative Law, in LSE working papers, 2009, p. 8
16 neil walker,         [ Links ] Taking Constitutionalism Beyond the State, Political Studies, 2008, p. 2 , disponível on-line em: http://www.reconproject.eu/main.php/RECON_wp_0705.pdf?fileitem=5456961
17 Neil walker,         [ Links ] Taking Constitutionalism Beyond the State, pp 3 e ss
18 Nico krisch,         [ Links ] Global Administrative Law and the Constitutional Ambition, London School of Economics, Law School, 2009 p. 8
19 Fausto quadros,         [ Links ] Direito da União Europeia, Almedina, 3ª Edição, 2013,pp 722 e ss.         [ Links ] O Autor, a propósito do debate quanto à constitucionalização do Direito da União Europeia propõe a existência actualmente de uma Constituição Material assente nos valores jurídicos do ordenamento da UE, em especial nos Direito Humanos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
20 neil walker,. Taking Constitutionalism Beyond the State, p. 6 e ss: O Autor elabora uma teoria à volta de 5 tipos de “         [ Links ]frameworks” que constituiriam um plano constitucional delimitativo da actuação das entidades supranacionais.
21 eberhard schmidt-assm—an, Cuestiones fundamentales sobre la reforma de la teoria general del Derecho administrativo, in Innovación y reforma en el Derecho Administrativo, Global Law Press, 2006, p. 53
22 eberhard schmidt-assman,         [ Links ] Cuestiones fundamentales sobre la reforma de la teoria general del Derecho administrativo p.54 e ss
23 Nico krisch,         [ Links ] Global Administrative Law and the Constitutional Ambition, LSE, 2009 p. 8
24 Traduzimos como fundadoras a ideia de Krisch de “         [ Links ]Foundational Visions”
25 Neil walker, Taking Constitutionalism Beyond the State, Political Studies, 2008, pp 5
26 Bardo Fassenbender,         [ Links ] The United Nations Charter as Constitution of the International Community, in Columbia Journal of Transnational Law, 1998, pp.78-116
27 Nico krisch,         [ Links ] Global Administrative Law and the Constitutional Ambition, LSE, 2009 p. 10
28 Nico krisch,         [ Links ] Beyond Constitutionalism: The pluralist structure of Postnational Law,Oxford University Press, 2010, p. 22, disponível online em: http://cosmopolis.wzb.eu/content/programs/conkay_Krisch_Postnational-Constitutionalism.pdf
29 Neil walker,         [ Links ] On the Idea of Constitutional Pluralism, The Modern Law Review, volume 65, 2002, p. 25
30 ingolf pernice,         [ Links ] The Treaty of Lisbon: Multilevel Constitutionalism in Action, in The Columbia Journal of European Law Review, vol. 15, nº3, 2009, p. 3 e ss.         [ Links ]
31 ingolf pernice, The Treaty of Lisbon: Multilevel Constitutionalism in Action, in The Columbia Journal of European Law Review, vol. 15, nº3, 2009, p. 3
32 nico krisch,         [ Links ] Beyond Constitutionalism: The pluralist structure of Postnational Law, Oxford University Press, 2010, p.42 disponível on-line em: http://cosmopolis.wzb.eu/content/programs/conkay_Krisch_Postnational-Constitutionalism.pdf
33 Na versão original de 1950 alemã como: „         [ Links ]Verwaltungsrecht als konkretisiertes Verfassungsrecht“