SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número1Fundamentos à proposta de Lei que estabelece mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança socialContratos públicos, caução e Tribunais Administrativos: breve apontamento sobre a jurisdição competente índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


e-Pública: Revista Eletrónica de Direito Público

versão On-line ISSN 2183-184X

e-Pública vol.1 no.1 Lisboa jan. 2014

 

DIREITO PÚBLICO

Anotação aos acórdãos n.º 480/2013 e n.º 494/2013 do tribunal constitucional. A dimensão jurídica do problema da limitação de mandatos

Case note on judgments 480/2013 and 494/2013 of the Portuguese Constitutional Court. The legal dimension of the limitation of mandates

 

Alessandro AzevedoI

IFaculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Alameda da Universidade - Cidade Universitária 1649-014 Lisboa - Portugal. e-mail: alessandro.c.azevedo@gmail.com

 

 

RESUMO

A entrada em vigor da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, – que prevê a limitação de mandatos de Presidentes de Câmara Municipal e de Junta de Freguesia – ditou o fim do exercício daquelas funções a muitos autarcas portugueses.

A temática é, desde há muito, espaço de acesso debate atendendo, desde logo, ao princípio republicano da renovação.

Todavia a problemática da aplicação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, prendeu-se na sua mais larga medida, com a sua interpretação e consequente estabelecimento do alcance da limitação imposta. A questão em cima da mesa era a de saber se um autarca que exerceu o cargo durante três mandatos consecutivos numa determinada autarquia o podia vir a fazer numa diferente.

Perante uma lei de difícil interpretação e a inércia da Assembleia da República o Tribunal Constitucional foi chamado a intervir. São as decisões que daí resultam que aqui analisamos.

Palavras-chave: Limitação de mandatos; Princípio da renovação; Autarquias; Interpretação; Tribunal Constitucional.

 

ABSTRACT

The 46/2005 Law, dated from the 29th of August, entry into force – which predicted the limitation concerning the Mayors and the Juntas de Freguesia – dictated the end of exercise of many of the current Mayors in functions.

This theme has been, from a long time to this period, subject to an intense debate concerning, since the very beginning, the Republican Renovation Principle.

Nevertheless, the problematic concerning this Law application has been configured, to a large extent, as considering its interpretation e consequent imposed limitation range effect. What rests on the table is to know if one Mayor that had exercised his duties during three consecutive mandates on a specific autarquia could entail new functions on a different one.

Before a difficult legislation and the Assembleia da Republica‘s inertia, the Constitutional Court was called to intervene. These are the decisions which our work will analyze.

Keywords: Mandate's limitation; Renovation Principle; Autarquias; Interpretation; Constitutional Court.

 

Sumário: I. Introdução; II. O contexto constitucional; III. Autarquias: criação, elementos constitutivos e sistemas de governo; IV. A interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto; V. Conclusões

 

DIREITO PÚBLICO

I. Introdução

As eleições autárquicas de 2013 ocuparão inevitavelmente um lugar da maior importância na história do poder político autárquico em Portugal. A entrada em vigor da Lei 46/2005, de 29 de Agosto1, ditou a saída de cena de um número significativo de autarcas – Presidentes de Câmara Municipal e de Junta de Freguesia – que até então exerciam o cargo sem qualquer limite temporal imposto pela lei. Exemplos há, de resto, de autarcas que exerceram o mesmo cargo de forma ininterrupta desde as primeiras eleições autárquicas livres posteriores à entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa de 1976.

Uma primeira dimensão do problema coloca-se, evidentemente, em torno do princípio da renovação, palco de animados debates desde Antiguidade Clássica até aos nossos dias.

O alcance necessariamente limitado deste trabalho não nos permite fazer uma análise histórica detalhada dos entendimentos desenvolvidos em torno do princípio da renovação e da sua concretização. Esse também não é o propósito deste trabalho. Deixamos contudo sucintas referências a elementos dessa análise, remetendo para os trabalhos de Pedro Delgados Alves2 e Ricardo Leite Pinto 3 aqueles cujo interesse vá no sentido de a aprofundar.

É em Aristóteles que focamos em primeiro lugar as nossas atenções, merecendo referência o livro III da “Política”. Ricardo Leite Pinto considera, contudo e não obstante o princípio da renovação estar presente nas Repúblicas da Antiguidade Clássica4, estar no Renascimento italiano – mais concretamente na experiência da República de Veneza – a motivação para a influência que o princípio da renovação exerceu no constitucionalismo moderno (não descuidando o papel dos pensadores republicanos ingleses do séc. XVII, com Harrington à cabeça).

Essa influência é sobretudo visível no ambiente intelectual pós-revolução americana5; o constitucionalismo francês vem a incorporar o princípio da renovação nas Constituições de 1791 e 1793.6

Quanto à realidade portuguesa, assinalamos a timidez com que as Constituições, desde 1822, encararam o princípio da renovação 7.

Assim, a dimensão jurídica da temática prende-se, desde logo e como bem se vê, no Direito Constitucional. Em Portugal a discussão doutrinária intensificou-se, por razões evidentes, após Abril de 1974. Analisaremos, no ponto subsequente, aspectos dessa discussão que tomamos por relevantes para a análise do contexto constitucional actual, contexto esse que concretizará, como não poderá deixar de ser, o primeiro elemento para a análise dos acórdãos que nos propomos anotar; não fosse esse um elemento central em todos os argumentos esgrimidos!

Seria contudo pouco. Os problemas jurídicos do tema ganharam uma nova dimensão na hora de aplicar a Lei 46/2005, de 29 de Agosto. Os termos do debate são por demais conhecidos. Perante as dúvidas que a interpretação da Lei suscitou, colocou-se em causa o alcance da limitação imposta: se se revestia de natureza funcional – o mesmo é dizer que um autarca que tivesse atingido o limite de três mandatos no exercício do cargo não se poderia candidatar a nenhum outro Município ou Freguesia – ou de natureza territorial – o mesmo é dizer que um autarca que tivesse atingido o limite de três mandatos no exercício do cargo se poderia candidatar a um Município ou Freguesia diferentes daqueles em que esse exercício se tinha verificado 8.

Juristas e políticos desdobraram-se em tomadas de posição sobre a questão, analisando-a dos mais diversos prismas. A Assembleia da República manteve a Lei inalterada e o Tribunal Constitucional foi chamado a intervir, produzindo os acórdãos que aqui anotamos.

Não sendo já pequeno, o problema veio ainda a ser engrossado com a reorganização administrativa operada pela Lei 22/2012, de 30 de Maio 9, que ditou a criação, extinção e agregação de Freguesias. O segundo acórdão é, de resto, a análise do problema da limitação de mandatos, atendendo à questão de saber se um Presidente de Junta de Freguesia que estaria impedido de se candidatar à Junta de Freguesia onde havia exercido três mandatos, se pode candidatar a uma agregação de Freguesias que inclua a primeira.

Eis a segundo elemento de análise: a realidade das autarquias em Portugal, atendendo à sua criação, aos elementos que as constituem e aos seus sistemas de governos. Daqui retiraremos conclusões que não podemos deixar de considerar na análise global do problema.

O terceiro – e último – elemento prende-se, como não pode deixar de ser, com a análise da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, pelo prisma dos critérios de interpretação previstos no ordenamento jurídico português, tendo sempre em atenção a Doutrina relevante nesta matéria.

Relembramos o carácter necessariamente limitado de um trabalho desta natureza e lamentamos não podermos ir mais longe. As questões em torno do princípio da renovação estão muito longe de estarem encerradas (se é que o estarão algum dia) e terá sempre o maior interesse voltar a elas para analisar, por exemplo, o papel dos partidos políticos e das elites políticas locais na configuração dos sistemas de governo e na definição das escolhas dos eleitores.

Vamos contudo cingir-nos ao problema na sua dimensão mais actual, trabalhando com aquilo que no imediato temos em mãos: a Constituição, a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, e as decisões do Tribunal Constitucional. Mereceram aplausos e críticas, quer consideradas individualmente, quer consideradas no seu conjunto. Sobre elas aqui deixamos, também, a nossa modesta opinião.

II. O contexto constitucional

A análise do contexto constitucional relevante nesta matéria prende-se com dois aspectos fundamentais que parecem criar um ponto de tensão, permanentemente considerado nas argumentações das partes e nas decisões do Tribunal Constitucional.

Por um lado temos o “direito de sufrágio passivo”10 e a sua configuração no quadro constitucional português; por outro temos o princípio republicano da renovação. Fazemos aqui a análise de ambos, isolada e individualmente, remetendo para sede de conclusões a ponderação necessária11 numa consideração conjunta.

Sendo a participação política um elemento estrutural do regime democrático importa de sobremaneira atender àquilo que o Tribunal Constitucional veio definir como um “direito de sufrágio passivo”12 e a que acima se fez referência. Em causa está a possibilidade de alguém se candidatar ao exercício de um cargo público, manifestando a pretensão de se ocupar dos assuntos da colectividade 13. A centralidade dessa disponibilidade em Democracia é indiscutível: sem cidadãos disponíveis para serem candidatos, aqueles que exercem o ser direito à participação política pelo lado activo (considerando aqui somente o exercício do direito de voto) – indispensável num quadro democrático – veriam o seu direito inutilizado. Significa isto que se é bem verdade que a consagração do direito à participação política na sua dimensão activa é imprescindível para podermos afirmar que estamos no quadro de um regime democrático, também não deixa de o ser que o direito à participação política na sua dimensão passiva também o é. Como bem observa Paulo Otero, “não se podem fazer escolhas de pessoas, se não existem pessoas para serem escolhidas”14.

É assim no âmbito nacional (onde está em causa a apresentação de candidaturas a Presidente da República e a Deputados da Assembleia da República) mas também no âmbito local (onde está em causa a apresentação de candidaturas à Câmara Municipal, à Assembleia Municipal e à Assembleia de Freguesia).

A Democracia local é imprescindível para a afirmação da autonomia das autarquias locais. É no quadro de um exercício democrático que obtemos o seu governo próprio; é também central para afirmação de Portugal como um Estado de Direito Democrático, uma vez que a autonomia das autarquias locais leva a uma limitação vertical de poderes. Retomaremos o assunto adiante em maior detalhe. Para o momento importa reter o seguinte: não há autonomia das autarquias locais sem governo próprio, não há governo próprio sem Democracia local, e não há Estado de Direito Democrático sem autarquias locais com a sua autonomia convenientemente consagrada e respeitada. Tanto assim é que a circunstância de o estatuto dos eleitos locais não estar mormente definido na Constituição (como acontece com os detentores de cargos políticos de âmbito nacional) não significa (não pode significar) que o direito de participação política, na sua vertente passiva, no âmbito local mereça menor protecção enquanto direito do que se for exercido no âmbito nacional.

É com todos estes aspectos em consideração que a titularidade de uma capacidade eleitoral passiva merece, à luz da Constituição da República Portuguesa e de declarações internacionais, o estatuto de direito fundamental15.

No quadro constitucional português importa, para o que aqui nos interessa tomar e atenção três artigos fundamentais: o artigo 48.º – que confere o direito a participação na vida pública –, o artigo 49.º – que confere o direito de sufrágio (aqui considerado na sua dimensão negativa) – e o artigo 50.º – que garante o direito de acesso a cargos públicos16. Estes artigos, significando a transposição para o plano subjectivo de princípios objectivamente considerados no texto constitucional17, são os elementos essências a ter em consideração quando estudamos o enquadramento constitucional do direito de sufrágio passivo. Quando restringimos o direito fundamental ao sufrágio passivo são estes direitos em concreto que ficam afectados. Mais tarde, veremos a forma desdobrada como essa restrição de manifesta 18.

Devemos contudo clarificar o conceito de restrição de direitos a que acaba de se fazer referência e que neste trabalho terá certamente lugar de destaque.

Podemos falar em restrição de direitos quando “há uma efectiva limitação do âmbito de protecção desses direitos” 19 Impõe-se descobrir quais são os bens jurídicos que as normas visam proteger e a extensão dessa protecção. É isso de que se fala quando se faz referência ao âmbito de protecção da norma. Ficam daqui afastadas as questões de saber se essa restrição, no caso em apreço, está constitucionalmente autorizada e se essa restrição resulta da necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses que mereçam protecção constitucional. Veremos adiante que assim é, reservando para este local a constatação de que a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, opera uma limitação da acção garantida pelas normas que atribuem o direito de sufrágio passivo: está restringido o direito fundamental.

O que acaba de ser exposto é hoje consensual na Doutrina e foi verdadeiramente central na tomada de decisão do Tribunal Constitucional. Mas não basta. A análise do acórdão propriamente dito fica remetida para sede de conclusões.

Neste capítulo cabe ainda analisar o princípio da renovação:

O princípio da renovação vem previsto no artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa e a sua configuração foi tema de acesas discussões desde a primeira hora. Já em 1975 Jorge Miranda defendia que o princípio da renovação deveria estar configurado com um regime de limitação de mandatos que se enformasse (i) numa proibição de renovação sucessiva indefinida de todos os cargos políticos, (ii) na possibilidade de apenas uma reeleição consecutiva do Presidente da República, (iii) na impossibilidade de renovação dos mandatos dos Deputados da Assembleia da República depois de cinco reeleições e na imposição de uma interrupção de quatro anos àqueles que exercem funções no Governo por 12 anos consecutivos ou 16 anos intercalados 20.

Compreende-se bem a centralidade que a questão tem no momento da elaboração de uma nova Constituição. A ligação entre o princípio da renovação e a forma republicana de governo é estreita21, havendo até quem entenda ser este princípio verdadeiramente imprescindível na definição dessa forma de Governo, ao ponto de caber ainda no limite expresso de revisão constitucional constante da alínea b) do artigo 288.º da Constituição da República Portuguesa22.

O legislador constituinte veio, contudo, a ser tímido, na consagração do princípio da renovação, definindo somente que “ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional ou local”23; estabeleceu, além disso, a proibição de reeleição do Presidente da República para um terceiro mandato consecutivo, nos termos do artigo 123.º da Constituição da República Portuguesa.

Podemos hoje afirmar que não foi a solução mais feliz e, não estando em causa a concordância ou discordância face à solução preconizada por Jorge Miranda, bem melhor teria sido que o legislador constituinte fosse mais arrojado. Veja-se que alguma Doutrina24, com base nesta configuração contida do preceito, entendeu dever reconduzir o princípio de renovação a uma mera exigência periodicidade de sufrágio. Todavia a periocidade do sufrágio vem também, de forma expressa e autónoma, prevista na Constituição da República Portuguesa 25. Quer isto significar que o estabelecimento desta conexão representa certamente um esvaziamento do princípio da renovação, justificável pela circunstância de a letra do preceito não permitir ir muito mais longe, mas pouco desejável à luz da defesa dos princípios republicanos26.

No seguimento destas posições doutrinárias, em 1991 o Tribunal Constitucional pronuncia-se pela inconstitucionalidade de uma norma de um decreto da Assembleia da República que determinava, daí em diante, estar o exercício do cargo de Presidente de Câmara Municipal limitado a três mandatos consecutivos. A decisão acompanhou a Doutrina coimbrã, mas não deixou de se alvo de merecidas críticas27.

Essa decisão representa um momento central na discussão em torno daquilo que era, ou deveria ser, o princípio da renovação. Em boa hora, as reservas levantadas pelo Tribunal Constitucional mereceram a atenção do legislador na revisão constitucional de 2004.

Hoje, dispõe o artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa:

(Princípio da renovação)

1. Ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional ou local.

2. A lei pode determinar limites à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos políticos executivos.

Não se pode ignorar que foi dado um passo significativo no sentido da afirmação de um verdadeiro e próprio princípio da renovação, que já não fica reduzido a uma mera exigência de periodicidade do sufrágio, mas que significa a imposição de restrições que levem à necessária alteração do indivíduo que exerce um determinado cargo político durante um determinado período de tempo que a lei considere ser obstativo à salvaguarda de outros valores republicanos. Não poderia ser de outra maneira. Repise-se que impor como objectivo da limitação de mandatos a mera garantia de periodicidade do sufrágio mais não era do que reduzir o princípio republicano da renovação a um princípio de direito eleitoral, esvaziando-o e inutilizando-o.

No âmbito do poder local a experiência portuguesa demonstra à exaustão que a mera garantia da periodicidade do sufrágio pouco representava sob o ponto de vista da garantia da renovação. A perpetuação de um elevado número de autarcas no exercício das suas funções ao longo de um número significativo de mandatos demonstrava o quão recorrente era a personalização do poder. Várias são as circunstâncias que promovem este fenómeno. Desde logo os sistemas de governo das autarquias levam a que muitas vezes a oposição tenha dificuldades significativas no exercício dos seus mandatos. Os vereadores da oposição tendem a exercer o mandato afastados da gestão diária do Município, participando somente em reuniões quinzenais da Câmara Municipal, e as Assembleias Municipais não funcionam, sequer, em sessão contínua. No campo das Freguesias, a Assembleia de Freguesia (único órgão com representação da oposição), reúne também um número reduzido de vezes ao longo do mandato. Não parece necessário tecer mais considerações para demonstrar aquilo que é por demais evidente: em Portugal, a inexistência de uma verdadeira limitação de mandatos (corporizada na definição de regras que determinassem a substituição do indivíduo que exerce um determinado cargo político autárquico) levou a uma personalização do poder verdadeiramente atentatória da garantia da igualdade no acesso aos cargos políticos. Gomes Canotilho e Vital Moreira acabaram por assumir que assim era, após a revisão constitucional de 2004 28.

O Direito não pode ser indiferente a considerações de natureza política. O fenómeno de personalização do poder traz consigo efeitos nocivos – como a susceptibilidade de exercício do cargo de forma pouco transparente e responsável – que o Direito deve, a todo o custo, evitar.

Assim, é hoje inequívoco que a Constituição não fecha a porta à possibilidade de a lei poder impor limites à renovação sucessiva de mandatos. Pelo contrário, há até quem admita tratar-se de um imperativo constitucional29. Para o que aqui nos interessa, a existência ou inexistência de um dever constitucional de limitação de mandatos não é de todo relevante. Relevante é afirmar inequivocamente que a Constituição, ainda que podendo não impor a limitação de mandatos, pelo menos consente-a.

Assumindo as dúvidas que o Tribunal Constitucional exprimia em 1991 como sendo legítimas, não pode deixar de se considerar como extremamente positiva a inserção do n.º 2 no artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa. A redacção não está, contudo, isenta de críticas 30. Em causa está uma possível diminuição do entendimento do princípio da renovação ao consagrar-se uma pera possibilidade (“pode”), deixando ao bom entendimento do legislador ordinário, o estabelecimento dos termos dessa limitação. São críticas compreensíveis. Revista a Constituição, certamente teria sido possível, quiçá até mesmo desejável, ter ido mais longe na afirmação insofismável de um imperativo constitucional de limitação de mandatos. Os valores republicanos teriam, pela certa, a sua defesa mais bem assegurada. Não foi esse o caminho. É o suficiente, contudo, para que não se gerem, em torno da Lei 46/2005, de 29 de Agosto dúvidas relativamente à sua admissibilidade face à Constituição.

A remissão para o legislador ordinário responde à inquietação expressa pelo Tribunal Constitucional em 1991 em torno da possibilidade de ser a lei 31 a definir essas limitações, ao invés de ser a Constituição. Para efeitos de limitação de mandatos autárquicos a questão não se revelava, aos nossos olhos, problemática. Acompanhamos o entendimento de Jorge Miranda segundo o qual, estando o estatuto dos eleitos locais definido em sede de lei ordinária, também as limitações ao exercício de mandatos autárquicos o poderiam estar 32.

O artigo aqui em análise serve, naturalmente, para órgãos de âmbito nacional, regional ou local33, restringindo somente aos órgãos executivos essa possibilidade. Outra coisa não seria de esperar: a diferenciação dos órgãos em função de critérios de natureza territorial dificilmente poderia ter explicação à luz da necessidade de defesa do princípio constitucional da renovação; o princípio é tão útil para a afirmação da forma republicana de governo e de todos os seus méritos tanto em órgãos de governo central, como regional e local.

É hoje criticada na Doutrina a denominação de “órgãos executivos”, sendo o aspecto mais sensível às críticas a circunstância de a Constituição não utilizar, no quadro dos órgãos do Estado, o termo “executivo”. Também esta questão não se revela problemática: se a Constituição não o faz no quadro dos órgãos do Estado, fá-lo no quadro dos órgãos das autarquias locais. É indiscutível que, à luz da Constituição a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia são órgãos executivos. Respondemos de antemão que o Presidente da Câmara e o Presidente da Junta também o são, remetendo para mais tarde a conveniente fundamentação.

Retomando a problemática de delimitação do conceito de restrição de direitos, ficam resolvidas todas as questões pertinentes a ter em conta. Em primeiro lugar constatamos que a autorização constitucional para o estabelecimento da restrição existe. Em segundo lugar, estamos diante de necessidade de salvaguarda de outros valores que a Constituição pretende proteger.

Problema diferente, e que se analisará ao longo do trabalho é o de saber se a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, obedece aos requisitos estabelecidos na Constituição para que se possa restringir um direito fundamental. A importância desta questão faz com que não nos seja permitido adiantar aqui uma resposta.

Em resumo:

A consagração do princípio constitucional da renovação remonta à Constituição da República Portuguesa na sua versão originária (de 1976). Todavia, os termos em que tal princípio constitucional se encontrava consagrado levou a que uma parte significativa da Doutrina o reconduzisse à mera necessidade de sufrágio periódico. Neste quadro, a não vitaliciedade do exercício dos cargos públicos – que a Constituição prescrevia e a forma Republicana de governo impunha – significaria só que o exercício do cargo estava sujeito a legitimação periódica; assim, o cargo não vitalício poderia, na prática, ser exercido até ao fim da vida (conquanto a legitimidade fosse periodicamente renovada).

Esta leitura merecia contestação daqueles que, através da epígrafe do actual artigo 118.º interpretavam a disposição no sentido de estarmos perante a possibilidade de imposição de cláusulas de inelegibilidade a cidadãos que se encontrassem no exercício do cargo durante um determinado número de mandatos.

Este entendimento não colheu opinião favorável por parte do Tribunal Constitucional na decisão proferida a respeito desta matéria em 1991.

Sabe-se hoje, empiricamente, que a desconsideração de um verdadeiro e próprio princípio da renovação, corporizado na possibilidade de imposição de restrições temporárias à elegibilidade de um determinado indivíduo, atentou de sobremaneira contra valores de charneira na forma republicana de governo: desde logo, a liberdade de escolha dos cidadãos eleitores, a igualdade de acesso a cargos políticos, a ausência de personalização do poder e o exercício responsável e transparente dos cargos políticos.

Em 2004 a revisão constitucional garantiu que hoje, nos termos definidos na lei, possa haver lugar à imposição de limites à renovação sucessiva e ilimitada dos mandatos. Fica assim, e bem, salvaguardada a imposição de substituição do indivíduo que exerce determinado cargo.

Neste quadro, ainda que críticas sejam possíveis à actual redacção do artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa, dúvidas não há em torno da aceitação Constitucional da Lei 46/2005, de 29 de Agosto.

A conformidade da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, à Constituição da República Portuguesa não significa de todo que a limitação de mandatos possa ser estabelecida em termos tais que se atentem contra outros princípios e direitos constitucionais. Impõe-se, assim que a limitação opere no sentido da defesa dos interesses a que acima fizemos referência – como a igualdade de acesso aos cargos públicos e a liberdade dos eleitores –, não estando, por isso mesmo, o legislador isento de respeitar o princípio da proporcionalidade estabelecido no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, assim como de argumentar quanto à necessidade e adequação da restrição imposta na defesa desses interesses. Estas exigências serão analisadas adiante. Quer isto significar que no estabelecimento de limitações de mandatos em nome do princípio da renovação, nunca pode ficar de fora da equação o previsto no n.º 3 do artigo 50.º da Constituição da República Portuguesa.

Não descuidemos nunca que é um direito fundamental que se restringe!

Contudo, sendo de ponderação que se fala, causa igualmente estranheza a facilidade com que o Tribunal Constitucional e alguma Doutrina 34 caminham no sentido oposto: o de definir uma solução para os problemas que a interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, levanta através do recurso à fórmula in dubio pro libertate, para decretar categoricamente que a limitação que a Lei impõe é meramente territorial.

Pretere-se a discussão em torno da proporcionalidade das limitações impostas em cada um dos quadros – uma limitação de natureza funcional ou uma limitação de natureza territorial – em nome da adopção de uma solução meramente formal.

A matéria relevante para a anotação ao acórdão 494/2013 surgirá no ponto seguinte: na realidade, sob o ponto de vista do direito fundamental em questão e do princípio da renovação, a análise não pode deixar de ser a mesma. O problema prende-se somente com a circunstância de estarmos perante uma nova autarquia (pelo menos sob o ponto de vista formal, como se verá).

Ficamos por aqui no debate do quadro constitucional, prometendo retomá-lo em sede de conclusões.

Antes disso falta cumprir com dois objectivos propostos: analisar os elementos constitutivos das autarquias locais e os seus sistemas de governo (relevante, de sobremaneira para a análise acórdão n.º 494/2013) e analisar a Lei 46/2005, de 29 de Agosto sob ponto de vista dos critérios da interpretação da lei.

Prossigamos.

III. Autarquias: criação, elementos constitutivos e sistemas de governo

As temáticas que se possam desenvolver em torno das autarquias locais tendem a merecer alguma consideração da nossa parte. Todavia, este trabalho tem o seu objecto bem definido: analisar os acórdãos n.ºs 480/2013 e 494/2013 do Tribunal Constitucional. A grande parte dos problemas que em torno dos mesmos se coloca tem que ver, no essencial, com problemas suscitados nos campos do Direito Constitucional e da interpretação da lei. Contudo, um pequeno périplo por alguns aspectos em torno dos quais gravita o poder local permitirá analisar (e quiçá contestar) com maior propriedade as decisões do Tribunal Constitucional (sendo que este capítulo terá interesse sobretudo para o último acórdão).

Além disso, houve quem viesse a terreiro anunciar que pretendia contornar a Lei através de um aproveitamento das características dos sistemas de governo das autárquicas em apreço (Município e Freguesia)35. Não queremos deixar de demonstrar que tal não é, manifestamente, possível.

Posto isto, analisaremos com brevidade os aspectos mencionados na epígrafe do presente capítulo, restringindo ao necessário para o cumprimento do objectivo proposto e admitindo a incompletude da análise dentro da vastidão do tema.

A autonomia do poder local está, na Constituição da República Portuguesa, verdadeiramente promovido a princípio fundamental, atendendo à sua previsão na parte final do n.º 1 do artigo 6.º.36

Não podia ser de outra maneira. Veja-se que a concepção da autonomia do poder local surge na Constituição num capítulo que tem a soberania popular como elemento central, contribuindo aquela para a caracterização do Estado Português como um Estado de Direito Democrático 37. A ligação estabelecida é evidente e relevante.

Daqui decorre, também, a compreensão do estabelecimento da autonomia do poder local como limitação vertical dos poderes 38.

Neste quadro, nada obsta à criação de novas autarquias, conquanto se não atente contra a unidade do Estado e se observem todas as exigências do âmbito constitucional nesta matéria.

Grande parte dos argumentos que foram avançados pelo Tribunal Constitucional para fundamentar a decisão tomada no acórdão 494/2013 prendem-se com a circunstância de estarmos perante uma nova autarquia local.

É uma verdade insofismável, pelo menos sob o ponto de vista formal. Dúvidas houvesse e a Lei 22/2012, de 30 de Maio, seria clarificadora, dispondo no n.º 2 do seu artigo 9.º que a freguesia criada por agregação “constitui uma nova pessoa colectiva territorial”. O Tribunal Constitucional vem reforçar este ponto de vista demonstrando que a constituição da nova Freguesia opera por extinção das Freguesias anteriores e criação de uma nova.

A decisão baseia-se, na mais larga medida, na constatação de que, sendo uma nova autarquia local uma nova pessoa colectiva, estamos perante interesses distintos daqueles que eram prosseguidos pela Freguesia que lhe antecedeu e que foi alvo de agregação.

Não contestamos o argumento. Mas não se pode descuidar que os interesses próprios39, não obstante serem elemento fulcral da autonomia do poder local – estando salvaguardados, de resto, no n.º 2 do artigo 239.º da Constituição da República Portuguesa – não podem ser desligados de outros elementos. Por bons caminhos anda o Tribunal Constitucional quando constata que o território da nova Freguesia abrange o da freguesia agregada e que o seu substrato humano é integrado também pelos cidadãos residentes naquela que até agora foi a freguesia onde o candidato exerceu o cargo de presidente da junta, por três mandatos consecutivos. Por maus caminhos anda quando decide apesar deste aspecto.

Freitas do Amaral densifica o conceito de autarquia local, definindo-as como “pessoas colectivas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em certas circunscrições do território nacional, e que asseguram os interesses comuns resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios representativos dos respectivos habitantes”40.

Da definição, que não merece reparos, retiram-se, pelo menos, dois elementos desconsiderados pelo Tribunal Constitucional, sendo um dos quais importantíssimo para a tomada de posição quanto à questão que lhe foi colocada: a comunidade de residentes 41. Bem observa o Tribunal Constitucional que os interesses próprios são prosseguidos através dos órgãos de governo próprio (elemento central da autonomia do poder local) e que esses interesses correspondem agora a uma nova realidade social e, consequentemente, a outros interesses.

Mas como afirma Maria de Fátima Mata-Mouros na sua declaração de voto, o exercício do direito de voto não é um fenómeno corporativo. O direito ao voto é de exercício individual!42

Aplaudimos a afirmação contida no Acórdão 494/2013, segundo a qual “a ideia de governo próprio, por meio de órgãos próprios, representativos, escolhidos pela comunidade de base (Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, 1997, p. 173), é fundamental à noção de autarquia local”. Já não podemos aplaudir quando o Tribunal Constitucional retira daí um argumento no sentido de afirmar a inconfundibilidade entre a autarquia extinta e a autarquia criada por agregação.

Reduzir a análise da questão à verificação de que formalmente se trata de uma nova autarquia local, uma nova realidade social e consequentemente de novos interesses, deixa para trás uma questão fundamental: o substrato humano que sustenta essa nova realidade, é em parte, o substrato humano subjacente à autarquia anterior. Citando a declaração de voto de Maria de Fátima Mata-Mouros, “ignorar este elemento é ignorar a realidade”.

A decisão torna-se ainda mais grave quando o Tribunal Constitucional afirma que o resultado da aplicação elemento teleológico na interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, que veremos adiante, não merece dúvidas a ninguém. De facto não merece (ou não se vê como possa merecer). E não merecendo, era de esperar que o Tribunal Constitucional não o desconsiderasse na hora de tomar a sua decisão.

Em sede de conclusões, depois de ultrapassados os problemas que a interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, sustentaremos de forma mais clara a nossa oposição à decisão tomada.

Duas notas breves quanto aos sistemas de governo das autarquias locais para demonstrar que os órgãos “Presidente de Câmara” e “Presidente de Junta” cabem ainda no âmbito do conceito de órgãos executivos e para demonstrar não ser possível contornar a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, através do aproveitamento das características desses órgãos.

Prevê a Constituição que são órgãos da Freguesia a Assembleia de Freguesia (definido como órgão deliberativo) e a Junta de Freguesia (definido como órgão executivo colegial)43.

O mesmo vem previsto para a o Município: são órgãos do Município a Assembleia Municipal (definido como órgão deliberativo) e a Câmara Municipal (definido como órgão executivo colegial)44.

Referência alguma há aos Presidentes dos órgãos. Quererá isso dizer que não são órgãos da autarquia? Certamente que não. A opção constitucional deve-se à preferência dos órgãos colegiais sobre os individuais e à vontade de definição de um determinado sistema de governo 45.

Vejam-se as importantes competências que lhes são atribuídas no quadro da Lei 75/2013, de 12 de Setembro 46, para se concluir que estamos, de facto, diante verdadeiros e próprios órgãos da autarquia. São órgãos das autarquias e são órgãos executivos.

Será eleito Presidente da Câmara Municipal o primeiro nome da lista mais votada; já quanto ao Presidente da Junta, nas Freguesias com mais de 150 eleitores, será o cidadão que encabeçar a lista mais votada na eleição para a Assembleia de Freguesia47.

Em caso de afastamento, por algum motivo, do primeiro cidadão da lista mais votada, assumirá funções o segundo.

Esta circunstância criou em alguns indivíduos a convicção de que poderiam ser candidatos em segundo lugar e beneficiar da renúncia do primeiro. Certamente que assim não é.

Fomos aqui tratando da restrição imposta pela lei sem dissecar aquilo que está em causa. A restrição imposta opera, sob pena de subversão da finalidade da lei, sobre os seguintes direitos: (i) o direito poder ser candidato – considerado em abstracto –; (ii) o direito a apresentação de candidatura – considerado numa manifestação de uma concreta vontade –; (iii) o direito a ser investido no cargo – depois de, eventualmente, eleito –; (iv) o direito a conservar o cargo durante o mandato48.

Não são necessários mais esclarecimentos. Os autarcas em questão, ainda que podendo ser candidatos noutro lugar da lista, salvaguardando os dois primeiros direitos, não podem ser investidos, nem tão-pouco conservar o cargo.

IV. A interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto

Aquilo que até agora se disse, não obstante a sua importância indiscutível, esteve longe de constituir o ponto central do debate mais recente que se estabeleceu em torno da questão da limitação de mandatos.

Aquilo que verdadeiramente esteve em debate nos meses que antecederam a decisão do Tribunal Constitucional foi a interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto.

A invocação desta questão prendeu-se, em primeiro lugar, com a proximidade das eleições autárquicas em que a limitação foi, pela primeira vez, imposta e, em segundo lugar com o facto de alguns autarcas terem manifestado a sua intenção de se candidatarem a municípios diferentes daqueles em que haviam até então exercido funções e onde, por força da Lei, estavam impedidos se de candidatar. Imediatamente se colocou a questão: será tal possível? O mesmo é perguntar: a proibição que a lei prescreve prende-se com o Município em que o autarca já vinha exercendo funções (territorial) ou, por outro lado, prende-se com todo e qualquer Município (funcional)?

As tentativas de resposta surgiram quer da parte dos representantes das forças político-partidárias, quer da parte de alguma Doutrina 49.

Deixamos o nosso modesto contributo, tentando também dar resposta à questão através da aplicação dos critérios de interpretação previstos no artigo 9.º do Código Civil, tendo naturalmente em atenção tudo o que acima dissemos.

Parece pertinente fazer um esclarecimento prévio e cuja necessidade surge da forma como a questão foi, de forma reiterada, exposta incorrectamente: muitas vezes surgiu no debate público a questão de saber qual seria a intenção do legislador subjacente à Lei 46/2005, de 29 de Agosto; esta questão foi adensada com a constatação de João Amaral e Almeida de uma diferença entre o texto publicado e o texto promulgado pelo Presidente da República 50. Julgava-se que a “intenção do legislador” poderia ter sido subvertida pela alteração introduzida. Demonstraremos adiante que a diferença entre o texto publicado e o texto promulgado em nada releva para o problema que aqui se coloca. A preocupação agora é outra: a de mostrar que aquilo que deveria estar em cima não deveria ser a busca pela “intenção do legislador”.

No âmbito da finalidade da interpretação há duas correntes possíveis51:

A primeira das quais é subjectivista: predominante durante os períodos absolutistas e no séc. XIX, a posição foi defendida, entre outros, por Savigny, para quem os intérpretes se deveriam colocar “em pensamento na posição do legislador e repetirem em si, de forma artificial, a actividade daquele” 52. Daqui se retira que a finalidade prosseguida pela interpretação é a da reconstituição do pensamento do legislador – voluntas legislatoris.

A segunda orientação é objectivista; encontra em Alexy53 um autor da maior importância e apresenta como finalidade a obtenção do sentido objectivo da lei, qualquer que tenha sido a intenção do legislador – já não a voluntas legislatoris, mas sim a voluntas legis.

É a segunda destas orientações que merece, quase pacificamente54, acolhimento na Doutrina nos dias de hoje. Ainda que haja quem constate uma certa ambiguidade no Direito português quanto a esta matéria55, os critérios de interpretação tal como nos são apresentados pelo Código Civil, dificilmente poderão levar à afirmação de que estamos ante uma opção subjectivista. Pelo contrário. Como observa Teixeira de Sousa, “a interpretação é correcta, não se ela estiver de acordo com a vontade do legislador, mas antes se ela observar as regras do artigo 9.º CC”56.

Por conseguinte, quando nos propomos a interpretar a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, aquilo a que aspiramos é à definição do seu significado objectivo e, jamais, à reconstituição do pensamento do legislador.

Importa ainda ter em atenção que aquando da elaboração e entrada em vigor da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, a questão subjacente ao acórdão 494/2013 não poderia ainda ser tida em consideração, uma vez que a reforma administrativa que suscita o problema só teve lugar em 2012. Este aspecto remete para uma outra querela doutrinária que contrapõe o historicismo ao actualismo.

Em questão está saber se para efeitos de interpretação releva o significado actual da lei ou o significado que a lei tinha aquando da sua criação. Tomando posição, e já tendo afirmado a orientação objectivista, não se pode deixar de assumir também a posição actualista. É um seguimento lógico; o contrário imporia a busca do sentido objectivo da lei no momento da sua criação. Para além de ser difícil de determinar, não traria qualquer proveito 57.

Claro está que sendo o hiato temporal tão curto (2005 a 2012) não se espera que o sentido objectivo da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, tenha sofrido uma grande transformação (se é que sofreu, sequer). Contudo a ressalva não podia deixar de ser feita.

Dispõe o artigo 9.º do Código Civil:

Interpretação da lei

1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 – Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 – Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Temos, pois, como elementos de interpretação58:

(i) Elemento literal – “a letra da lei”;

(ii) Elemento sistemático – “tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico”;

(iii) Elemento histórico – “as circunstâncias em que a lei foi elaborada”;

(iv) Elemento teleológico (respeitante à finalidade da lei) – “e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

É pois com base na análise tão detalhada quanto possível de cada um destes elementos59 – e da sua conjugação – que poderemos obter uma resposta razoável para o problema que está subjacente a toda a análise que fazemos: permite a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, a reeleição de um autarca a um quarto mandato consecutivo, conquanto seja a uma autarquia diferente daquela em que exerceu os três mandatos anteriores ou não?

Dispõe a Lei 46/2005, de 29 de Agosto no seu artigo 1.º:

Limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais

1 – O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3º. mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo.

2 – O presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia, depois de concluídos os mandatos referidos no número anterior, não podem assumir aquelas funções durante o quadriénio imediatamente subsequente ao último mandato consecutivo permitido.

3 – No caso de renúncia ao mandato, os titulares dos órgãos referidos nos números anteriores não podem candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que se realizem no quadriénio imediatamente subsequente à renúncia.

Não faremos a análise de cada um dos critérios pela ordem apresentada. Optamos por deixar para último lugar os dois critérios que parecem, à partida, mais relevantes para a obtenção da resposta à questão que colocamos: o elemento sistemático e o elemento teleológico.

Começando pelo elemento literal, afastem-se desde logo as considerações em torno da felicidade ou infelicidade da redacção do diploma.

Alexy apresenta com mestria aquilo que está em causa quando recorremos a um argumento semântico60: o recurso ao elemento semântico ocorre para justificar, criticar ou demonstrar que determinada interpretação é, ao menos, semanticamente possível à luz de um determinado costume linguístico (que pode ser de ordem técnica, jurídica ou de linguagem comum)61.

Neste último caso, que veremos ser manifestamente o nosso, fica de todo arredada a possibilidade de obter o resultado último da interpretação através deste elemento. É com base nisto que sustentamos a convicção de que o contributo do elemento literal não será de monta 62.

Analisamos a célebre questão, que tanta tinta fez correr na imprensa, relativamente à utilização da preposição “de”, em detrimento da preposição “da”, nas expressões “Presidente de Câmara” e “Presidente de Junta”.

Já dissemos que de nada nos importa a “intenção do legislador”. Verdadeiramente relevante é saber se a alteração introduzida modificou o sentido objectivo da lei, ou seja, se a introdução de uma proposição genérica (“de”)63 implica a definição de uma limitação de natureza funcional, quando antes poderia estar em causa uma limitação de natureza territorial. Facilmente se concluirá, como bem conclui o Tribunal Constitucional, de que assim não é64. Pelo recurso ao costume linguístico é difícil contestar que ambas as soluções são possíveis. Tanto assim é que outros diplomas legais usam ambas as proposições de forma pouco rigorosa e nunca nenhum problema se levantou quanto a eles. O Tribunal Constitucional vem ainda fazer um apelo à generalidade e abstracção da formulação normativa para sustentar a admissibilidade de ambas as soluções.

Em segundo lugar, paira a dúvida em torno das expressões: “aquelas funções”65 (n.º 2).

Mais uma vez é difícil conceber que a solução seja outra que não a da aceitação de ambas as soluções. A aplicação do costume linguístico facilmente caminha nesse sentido: “aquelas” pode bem ser referente às funções de Presidente de Câmara Municipal ou de Presidente de uma determinada Câmara.

É inútil prosseguir neste elemento. Nada mais há para explorar que possa dar um contributo, sequer, útil. O Tribunal Constitucional vem reconhecer expressamente a impossibilidade de, da consideração isolada do elemento literal, retirar qualquer contributo decisivo para a resolução desta questão interpretativa. Com os olhos postos na letra da lei, como não pode deixar de ser, avançamos na esperança de encontrar nos demais elementos da interpretação contributos mais decisivos.

Quanto ao elemento histórico há que levar em conta tudo o que se disse em sede de análise do contexto Constitucional para percebermos os aspectos objectivos66 que estavam em causa: em primeiro lugar, a permanência – unanimemente entre as forças políticas considerada excessiva – no poder de forma ininterrupta de muitos autarcas que que não estavam sujeitos a nenhuma limitação da natureza das que aqui analisamos; em segundo lugar, tinha havido, no ano anterior à elaboração da lei, a revisão constitucional que aditava o n.º 2 ao artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa, revisão essa que resultava da necessidade sentida de afastar o princípio da renovação de uma mera exigência de periodicidade de sufrágio e de o fazer afirmar-se no seu sentido próprio.

A análise é necessariamente mais complexa quanto aos elementos subjectivos do elemento histórico. É necessariamente assim quando em causa está a decisão de um órgão colegial67.

Ainda assim, há que atentar aos projectos de lei e à proposta de lei apresentados, assim como ao teor do debate parlamentar que teve lugar na Assembleia da República.

Há quatro iniciativas importantes nesta matéria: o Projecto de Lei 5/X, de 16 de Março de 2005 (do PSD)68 ; o Projecto de Lei 28/X, de 12 de Abril de 2005 (do PS)69; Projecto de Lei 34/X, de 13 de Abril de 2005 (BE)70; Proposta de Lei 4/X71.

A Doutrina72 tende a atribuir maior importância às duas últimas uma vez que as duas primeiras representavam uma alteração mais profunda na Lei Eleitoral para os Órgãos das Autarquias Locais73, com impacto, nomeadamente no referente ao sistema de governo municipal.

Atentemos, pois, também, nas duas últimas iniciativas legislativas, uma vez que da análise das duas primeiras, à excepção da possibilidade de invocação de um argumento de natureza formal de importância duvidosa74, nada se poderia tirar de relevante.

Em primeiro lugar importa atentar à redacção do Projecto de Lei apresentado pelo Bloco de Esquerda e que continha uma disposição substancialmente diferente daquela que veio a ser adoptada, em virtude do consenso obtido para a obtenção da maioria necessária, muito mais próxima da redacção da Proposta de Lei.

Dispunha o Projecto de Lei do Bloco de Esquerda “não são elegíveis, durante um quadriénio, para os cargos de carácter executivo dos órgãos autárquicos (…) ”.

É difícil não admitir que a restrição que aqui se imponha caminhava, senão de forma inequívoca, pelo menos de forma mais clara no sentido do estabelecimento de uma limitação de natureza funcional!

Ora, o Projecto de Lei que acaba de se analisar foi rejeitado!

Das muitas intervenções que tiveram lugar no debate, importa reter duas que parecem mais relevantes para o ponto em análise.

A primeira das quais é do então Ministro da Presidência (Pedro Silva Pereira) que afirmava que o objectivo da Proposta de Lei apresentada visava “limitar o tempo de permanência dos respectivos titulares nessas funções executivas”75. É certo que a referência à ideia de “mesmas funções executivas” pode fazer pairar a suspeição de que o pretendido nesta intervenção era uma limitação de natureza funcional 76. Mas em coerência com o que acima está dito sobre o elemento literal, dificilmente se pode admitir que é inequívoco ou determinante. Seguindo o exemplo acima utilizado, diga-se que “as mesmas” pode ser referente às funções de Presidente de Câmara ou às funções de Presidente de Câmara de um determinado Município.

A segunda intervenção a considerar, debruça-se sobre a questão que nos toma77 e pertence ao Deputado Abílio Fernandes do PCP. Afirmava: “a limitação de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos num determinado Município em nada impede que estes venham a assumir tal responsabilidade no Município vizinho”78. É, de resto, a única intervenção que aborda a questão. É clara e inequívoca e não mereceu contradição de nenhum interveniente no debate!

O argumento histórico não vale só por si, é certo. A questão jamais poderá ficar resolvida com estas simples considerações. Todavia parece de aceitar que, atendendo à rejeição da iniciativa do Bloco de Esquerda, à intervenção do Deputado Abílio Fernandes e à inexistência de elementos em significativos em sentido contrário, que o argumento histórico dá um contributo de monta no sentido de a limitação ser apenas de âmbito territorial.

O elemento sistemático permite perceber a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, considerada no seu contexto; o mesmo é afirmar “considerada no conjunto de regulamentação dentro da qual realiza uma determinada função”79.

Deixe-se imediatamente de parte o contexto horizontal80 do elemento: não há qualquer disposição de hierarquia semelhante à Lei 46/2005, de 29 de Agosto, nem nenhum aspecto intratextual que leve a uma necessária consideração deste contexto.

O contexto que aqui verdadeiramente releva é o contexto vertical.

A Lei 46/2005, de 29 de Agosto, surge da necessidade de concretização do princípio republicano da renovação que resulta da forma republicana de governo estabelecida pela Constituição e do artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa.

Em causa estão valores que a Constituição consagra, desde logo, no seu artigo 50.º como o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade aos cargos públicos, a liberdade de escolha dos eleitores, a isenção e independência no exercício desses cargos.

Há duas disposições verdadeiramente centrais na determinação do alcance da limitação que aqui se impõe: os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

Interpretar a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, sob ponto de vista do elemento sistemático, importa assim a consideração deste quadro constitucional.

Não se compreende como se possa pretender que pode ficar de fora desta equação um artigo verdadeiramente central para a matéria de restrição de um direito fundamental, como é o caso em que nos encontramos. E não se argumente que o artigo em questão vincula o legislador mas já não o intérprete 81. Uma afirmação desta natureza subverte por completo a concretização do elemento sistemático (no contexto vertical), nomeadamente no que diz respeito à interpretação conforme à Constituição82, que, dúvidas houvesse quanto à sua admissibilidade, está expressamente aceite no n.º 3 do artigo 80.º da Lei do Tribunal Constitucional 83.

Não se pode fazer uma análise profunda do interessante tema que é a interpretação conforme à Constituição. Não o permitem o tem nem o espaço. Nem seria pertinente.

Mas para que não restem dúvidas quanto à sua admissibilidade (e imprescindibilidade!), discorremos brevemente sobre o seu fundamento e a sua concretização, tomando em mãos o labor de Rui de Medeiros84.

Para o Autor, o fundamento da interpretação conforme à constituição resulta da simples concretização do elemento sistemático-teleológico 85 da interpretação86.

Assim, a preocupação demonstrada por João Amaral e Almeida na integração da norma “no conjunto normativo como parte dele, permitindo o seu funcionamento lógico, evitando que aquela se torne um corpo estranho que o conjunto repudia por contradição ou por inutilidade”87, deve ser também atendida na dimensão constitucional 88. Não pode ser de outra maneira! “Baseie-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento”89. Para a assegurar “todo o Direito é chamado a depor” 90.

A interpretação conforme à Constituição opera, assim, na consideração da Constituição em sede de interpretação da lei, devendo optar-se necessariamente por “aquela que torna a lei compatível com a Constituição”, ou, na eventualidade nenhuma demonstrar incompatibilidade, através daquela que “melhor corresponda às decisões do legislador constitucional”. Fala-se aqui de “interpretação orientada para a Constituição” 91.

Apelamos ao que consta da nota 87 do presente trabalho para justificar uma opção no que diz respeito à exposição do mesmo: para a análise do elemento sistemático abordaremos somente as disposições dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa. A análise dos artigos 118.º e 50.º caberá muito melhor na abordagem ao elemento teleológico.

Dispõe o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa:

(Força jurídica)

1 – Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

2 – A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

3 – As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

A necessidade de recurso ao artigo 18.º da Constituição resulta do facto de estramos no âmbito da restrição de um direito fundamental. Nem as considerações tecidas por Jorge Miranda sobre o carácter funcional do direito fundamental ao sufrágio passivo92 parecem afastar este dado insofismável que é a dimensão fundamental daquele direito.

Assim sendo há que assegurar que a limitação imposta pela Lei 46/2005, de 29 de Agosto, cumpre com os critérios que o artigo prevê.

Esses critérios vêm previstos nos n.ºs 2 e 3, e merecem atenção aqueles que possam ser úteis para a chegada a uma solução definitiva em torno do problema que nos ocupa.

Os critérios são de apreciação cumulativa e estão, na generalidade verificados no que diz respeito à vigência da Lei 46/2005, de 29 de Agosto. Já tal se demonstrou.

Hesitações podem esperar-se quando se prevê que a restrição deve “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Da disposição citada retira-se o princípio da proporcionalidade (também denominado princípio da proibição do excesso) e que implica a verificação de três subprincípios: (i) princípio da adequação: o mesmo é dizer que a restrição revista representa o meio adequado para a obtenção do fim em apreço; (ii) princípio da exigibilidade: que impõe que as medidas restritivas se revelem necessárias porque o fim atingido não poderia ser obtido através do recurso a outro meio menos oneroso para o direito ou liberdade restringido; (iii) princípio da proporcionalidade em sentido estrito: impondo que a restrição opere na justa medida do fim que se pretende obter, não podendo ser excessiva ou desproporcionada93.

O que acaba de ser exposto esgota a análise dos aspectos relevantes dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, para a obtenção da delimitação do âmbito da restrição do direito fundamental ao sufrágio universal. A aplicação do conteúdo da análise à decisão do Tribunal Constitucional terá lugar em sede de conclusões.

Não se deverá avançar sem constatar a atenção que o Tribunal Constitucional dá a esta questão. A proibição do excesso e a necessidade de adequação estão previstos na argumentação do primeiro acórdão proferido e é também matéria de análise no segundo. Veremos adiante o quão lamentável é que não tenham sido retiradas daí todas as conclusões. Ter-se-ia obtido uma decisão bem fundamentada.

Importa agora concluir o capítulo com o elemento teleológico.

Este último elemento é de importância indiscutível e o contributo para a obtenção da resposta à pergunta que foi formulada é tremendo.

O que está em causa quando se aborda o elemento teleológico é perceber a finalidade da lei – a ratio legis –, sendo que haverá factores justificativos da vigência dessa mesma lei. São esses factores que aqui procuramos.

É por isso que a desconsideração deste elemento levada a cabo por João Amaral e Almeida94 só pode causa estranheza. Sobretudo quando estamos num exercício que envolve em larga medida matéria de princípios! Como observa Teixeira de Sousa: “a relevância do elemento teleológico manifesta-se principalmente na interpretação conforme aos princípios”95.

Sendo precisamente no campo dos princípios que nos movemos, reafirmamos a centralidade do elemento teleológico.

Se a questão que o elemento teleológico visa responder é, “para que serve a lei?”, não são necessários grandes considerações mais para fazer valer aquilo que aqui vimos afirmando desde o início deste trabalho.

A realidade do poder autárquico em Portugal estava pejada de situações de autarcas que exerciam os seus mandatos há períodos muito consideráveis de tempo (autarcas havia que ocupavam esses lugares desde as primeiras eleições livres da Terceira República). É hoje unanimemente aceite que esta circunstância era perversa, potenciadora do surgimento de elementos que se querem estranhos ao exercício de um cargo público, restritiva da igualdade no acesso a cargos públicos, da independência e liberdade de escolha dos eleitores; em suma, contrária aos princípios republicanos que a Constituição prescreve. Estando ultrapassados os problemas quanto ao princípio da renovação, surge a necessidade de a lei estabelecer uma limitação de mandatos que o concretizasse.

É neste quadro que surge a Lei 46/2005, de 29 de Agosto!

A garantia da isenção e independência no exercício destes cargos era já uma preocupação demonstrada pelo Tribunal Constitucional no acórdão de 1991. Agora, no acórdão 480/2013, retomam-se excertos da decisão anterior num novo apelo a essa necessidade que é, de resto unânime. Como já se disse, não há qualquer dúvida quanto aos propósitos que a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, visava satisfazer. O Tribunal não o ignora. Pelo contrário: afirma-o sem hesitações no acórdão 494/2013.

A resposta à pergunta desponta evidente: a finalidade da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, é a de garantir a efectividade do dos direitos constitucionalmente previstos de que falámos, dos princípios republicanos e, sobretudo, do princípio da renovação.

Certamente que surgirão argumentos no sentido de se defender que, assim sendo, a limitação é de âmbito funcional ou que, assim sendo, basta uma limitação de âmbito territorial.

Terão de ser ponderados todos estes argumentos. Sê-lo-ão em sede de conclusões. Nunca perdendo de vista que estamos no âmbito da restrição de um direito fundamental.

 

V. Conclusões

Na sua decisão, o Tribunal Constitucional percorreu um percurso que não pode deixar de se considerar sério. São observados argumentos relevantes que deveriam ter constituído o cerne da decisão. Não constituíram.

Perante as dificuldades que também aqui foram expostas quanto à aplicação dos elementos de interpretação, o Tribunal Constitucional decidiu-se pela aplicação do critério in dubio por libertate – que assegura a máxima efectividade do direito fundamental que a Lei 46/2005, de 29 de Agosto visa restringir96 - apoiando-se na Doutrina que faz a defesa deste critério 97.

Ainda que podendo concordar com a decisão, a fundamentação peca por ser simplista, senão mesmo por não estar inteiramente correcta.

O problema está na aplicação do critério in dubio pro libertate, que atribui, sem mais, prevalência e preferência aplicativa à norma constitucional atributiva de um direito fundamental.

O critério aplicado não pode deixar de ser objecto de críticas98. Num quadro em que os fins do Estado, em primeira linha definidos na Constituição, são os da garantia da liberdade da pessoa humana e a defesa dos direitos fundamentais, a aplicação do critério in dubio pro libertate pode revelar-se (e revela-se) contraproducente.

Recorde-se que se disse que a finalidade da limitação de mandatos é, em larguíssima medida, a defesa da liberdade dos cidadãos eleitores. A aplicação, sem mais, deste critério tem aqui uma crítica inultrapassável: a defesa da liberdade daqueles que querem exercer o seu direito de sufrágio passivo, pode colidir (e colide) contra a liberdade de que os indivíduos no seu conjunto devem dispor (no caso, a liberdade de escolha previsto no n.º 3 do artigo 50 da Constituição). A solução mais correcta pode estar longe, assim sendo, de ser aquela que melhor somente salvaguarda a liberdade do indivíduo que vê o seu direito restringido. Isso significaria dar prevalência a um interesse pontual em detrimento de bens de outra natureza previstos na Constituição. Assim, a “interpretação «amiga da liberdade»”, citando palavras constantes do acórdão 480/2013, pode não ser aquela que resulta da aplicação do critério in dubio por libertate.

Não quer isto significar que a defesa da liberdade daquele que vê o seu direito fundamental restringido não mereça ser tida em conta na procura da decisão correcta. Merece. Só não podemos assumir o critério in dubio pro libertate como citério a ser aplicado abstractamente e à partida.

Aplicando ao caso da Lei 46/2005, de 29 de Agosto:

Supondo que houvesse factores empíricos que demonstrassem que uma limitação meramente territorial era insuficiente para a salvaguarda da liberdade dos eleitores, da igualdade no acesso aos cargos públicas e da isenção e independência no exercício do cargo, então a aplicação do critério in dubio por libertate representava a preterição de todos esses valores constitucionalmente consagrados, em nome do interesse pontual dos indivíduos que pretendem candidatar-se. Ou seja: a solução in dubio por libertate poderia, na suposição com que avançámos, deixar totalmente de fora da equação o princípio republicano da renovação.

Será esta solução aceitável? Claramente não será, aos nossos olhos.

Desde logo porque aquilo que a disposição restritiva do direito de sufrágio passivo pretende salvaguardar é, também, a liberdade: a liberdade de toda a comunidade dos eleitores. Recorde-se que as constituições do mundo ocidental seguem hoje, precisamente, o caminho de defesa da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais, acima de quaisquer outros interesses.

Atendendo ao exposto, é de afastar a fundamentação do Tribunal Constitucional.

As considerações de aplicação ao caso que analisamos começavam com uma suposição: a de que haveria factores empíricos que demonstrariam que a imposição de uma solução meramente territorial se figuraria insuficiente para a salvaguarda dos valores em apreço.

Dir-se-á sem esperar grande contestação que essa demonstração não existe. Mas também não está demonstrado o seu contrário.

Este é o enquadramento que permite chegar à solução para o problema que ao longo das últimas páginas se analisou, tendo presente a análise do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

No fundo, a solução para o problema reside em saber se a imposição de uma restrição de tipo funcional é proporcional face aos fins que se propõe atingir.

Recordemos quais são os principais e apliquemos a opção pela limitação funcional:

Garantir a liberdade de escolha dos eleitores – sendo necessariamente outros eleitores que estão em causa, a liberdade de escolha destes fica assegurada na mesma medida quer um, ou vários, dos candidatos tenham sido já autarcas noutras autarquias ou não. Os fenómenos de captura psicológica do eleitorado não extravasam as fronteiras da autarquia, porque estando numa autarquia diferente temos, evidentemente eleitores diferentes.

É assim no caso levado a consideração e que serve de base ao Tribunal Constitucional para o acórdão 480/2013, mas já assim não é no caso de agregação de Freguesias (caso que é tido em consideração no caso do acórdão 494/2013). Neste último caso, uma parte do eleitorado não vê a sua liberdade de escolha assegurada na mesma medida em que a vêem os demais. A solução preconizada pelo Tribunal Constitucional introduz uma desigualdade inaceitável e é profundamente contrária à finalidade prosseguida pela Lei 46/2005, de 29 de Agosto.

Não é preciso ir muito mais longe para tomarmos conta da quão errada foi a decisão do Tribunal Constitucional no que a este último acórdão diz respeito. Peca, mais uma vez, por excesso de formalismo. Considerando ser uma nova pessoa colectiva, desvaloriza a interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, e inutiliza o seu alcance no caso das candidaturas às Freguesias agregadas.

Em causa não está a alteração dos interesses como alteração das motivações das escolhas dos eleitores, como pretende o Tribunal Constitucional. Em causa estão os fenómenos de captura psicológica que advêm do relacionamento estabelecido entre o eleito e os eleitores (no caso da nova Freguesia, uma parte dos eleitores) ao longo de 12 anos. Ignorar este ponto é ignorar o essencial. Foi o que o Tribunal Constitucional fez, infelizmente, tomando uma má decisão.

Reforço da igualdade no acesso aos cargos públicos – mais uma vez se vê que a imposição de uma restrição de tipo territorial é bastante para a garantia desta finalidade. O candidato que vem de uma autarquia distinta, onde anteriormente exerceu funções, não tem uma vantagem significativa face a qualquer outro candidato. Uma eventual vantagem poderia advir da consideração do eleitorado pela experiência do autarca e pela obra apresentada numa outra autarquia. É verdade que podem ser aspectos a ter em conta. Mas não se pode justificar uma restrição ao exercício de um direito fundamental com qualidades que o eleitorado reconhece a determinado indivíduo.

Mais uma vez, este fim não está assegurado na solução que o Tribunal Constitucional deu no acórdão 494/2013. Num exemplo em que a comunidade de eleitores da nova Freguesia é, na sua maior parte, constituída por eleitores da Freguesia que foi alvo de agregação e onde o candidato exerceu funções, não está assegurada a igualdade face a outros candidatos que ainda não tenham tido essa possibilidade.

Antes de prosseguirmos, importa referir que estes dois fins são, para Jorge Miranda99, e muitíssimo bem, aqueles que a Lei 46/2005, de 29 de Agosto, é susceptível de assegurar com mais vigor. O Tribunal Constitucional vem a referir este aspecto, de resto, no acórdão 494/2013! Nem a consideração de boa Doutrina foi suficiente para evitar uma má decisão.

Segue-se a garantia de isenção e independência no exercício do cargo público – será, porventura, o ponto de abordagem mais complexa. A questão da isenção e independência no exercício do cargo prende-se com as clientelas políticas e compadrios que se podem desenvolver em torno do poder político. Quanto a este elemento é forçoso admitir que a razão está com aqueles que consideram que, na sociedade actual, os perigos não conhecem as fronteiras das autarquias e extravasam-nas. Mas mesmo assim, não parece líquido que se possa admitir sem mais a opção por uma solução de restrição funcional. Há um aspecto a considerar no artigo 18.º da Constituição: o princípio da proporcionalidade tem uma dimensão de exigibilidade que impõe que as medidas restritivas se revelem necessárias porque o fim atingido não poderia ser obtido através do recurso a outro meio menos oneroso para o direito ou liberdade restringido. Temos as maiores dúvidas de que assim seja no caso em análise. Veja-se que os autarcas estão, e muitíssimo bem, sujeitos a um conjunto de constrangimentos prescritos pelo ordenamento jurídico que são (ou podem ser) instrumentos eficazes de combate à instalação de clientelas e compadrios. São eles, desde logo, a responsabilidade financeira, a tutela do Estado e o controlo dos órgãos fiscalizadores. Bem se vê que não ficam integralmente preenchidas as exigências do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição.

E acrescentamos: ainda que aquilo que se afirma nesta parte final possa ser contestado, o seu contrário teria de estar demonstrado de forma inequívoca para que se pudesse justificar uma restrição de natureza funcional. Até porque, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, a regra é a de que os eleitores podem ser eleitos. Logo, as excepções têm de ser justificadas100.

Não estão. E o ónus de argumentação cabe, naturalmente, ao Estado-legislador que restringe o direito fundamental. Aquilo que temos é, pois, atendendo ao facto de estarmos ante uma restrição de um direito fundamental, um reforço das exigências na argumentação. Se para a restrição de natureza territorial é inequívoco que a demonstração está feita, já assim não é quanto a uma restrição de natureza funcional. Só pode merecer contestação e estranheza, neste caso, o facto de o Tribunal Constitucional afirmar que é possível alegar que não está demonstrado que a defesa dos interesses em consideração se basta com uma limitação de natureza territorial, tentando encontrar aí um argumento para defender uma restrição de natureza funcional! Segue no mesmo sentido Maria João Antunes na sua declaração de voto. O que se impunha, repise-se, era a demonstração de que esses interesses só poderiam estar salvaguardados com uma restrição de natureza funcional.

Logo, uma interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto, que seguisse (neste quadro) no sentido de estabelecimento de uma limitação de natureza funcional seria inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade. O Tribunal Constitucional refere-o expressamente: o alcance é determinante para a aferição da constitucionalidade. Bem se vê a importância que a interpretação conforme à Constituição teve na resolução deste problema.

Sem mais delongas, porque é tempo de terminar, assumir de forma definitiva a discordância face ao acórdão 494/2013 e a concordância com a decisão proferida no acórdão 480/2013, não obstante a argumentação errada desenvolvida.

1 Disponível em http://dre.pt/pdf1s/2005/08/165A00/50685069.pdf.
2 Pedro Delgado Alves, O Princípio Republicano in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2007, pp. 165 a 270.         [ Links ]
3 Ricardo Leite Pinto, Tradição Republicana e estatuto dos políticos: o princípio da renovação (breve anotação ao artigo 118.º da Constituição da República Portuguesa in Liber Amicorum Francisco Salgado Zenha, Coimbra, 2003, pp. 597 a 610.         [ Links ]
4 Pedro Delgado Alves, op. cit., p. 232.
5 Não obstante ser desfavorável à imposição de restrições: James Madison, O Federalista, n.ºs 71 e 72, Lisboa, 2011, pp. 631 a 645.         [ Links ] Ainda sobre o assunto: Ricardo Leite Pinto, op. cit., pp. 602 e 603.
6 Ricardo Leite Pinto, op. cit., p. 603.
7 Para uma análise da memória constitucional vide Pedro Lomba, Comentário à Constituição Portuguesa, Vol. II, Tomo I, Coimbra, 2008, p. 498.
8 João Amaral e Almeida considera ainda combinações intermédias que têm que ver com a possibilidade de determinado autarca ter exercido três mandatos em autarquias diferentes. Contudo, a solução que se encontre para as possibilidade-base acaba por servir também para aquelas. Daí, não as considerarmos aqui. Vide A interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto: uma questão exclusivamente jurídica , in, Direito Regional e Local, nº 21 (Jan.-Mar. 2013), 2013, p. 23.
9 Disponível em http://dre.pt/pdfgratis/2012/05/10500.pdf.
10 Acórdão do TC 364/91, disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910364.html
11 Merece aqui referência Gomes Canotilho que alerta para a necessidade de obtenção de uma “concordância prática entre os vários bens ou direitos protegidos a nível jurídico-constitucional”, através da devida “ponderação”. Vide Direito Constitucional, Coimbra, 1991, p. 613 (Itálico do Autor).
12 Acórdão do TC 364/91.
13 Estes entendimentos remontam à Grécia Antiga! Para mais desenvolvimentos, vide, Paulo Otero, Instituições Políticas e Constitucionais , I, Coimbra, 2007, pp. 70 e ss.
14 Paulo Otero, Da limitação à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos autárquicos in Direito & Política, n.º 4, 2013, p. 95.
15 Para maiores desenvolvimentos, vide, Paulo Otero, Da limitação à renovação sucessiva de mandatos, p. 95.
16 Esclareça-se que a utilização do conceito de “cargo público” ou de “cargo político” é aqui feita, significando a mesma coisa, remetendo, naturalmente para os cargos políticos. Veja-se que a própria Constituição se refere a “cargo público” no artigo 50.º, estando aí, naturalmente, em consideração os cargos políticos.
17 No mesmo sentido, Jorge Miranda / Rui de Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Vol. I, Coimbra, 2005, pp. 486 e ss.         [ Links ]
18 Infra , p.17.
19 Gomes Canotilho, op. cit., p 613.
20 Jorge Miranda, Um projecto de Constituição, Braga, 1975, pp. 121-122.         [ Links ]
21 Não nos parece necessário analisar aqui as relações estabelecidas (ou não) entre o princípio da renovação e o princípio democrático. O Tribunal Constitucional faz-lhe referência e Pedro Delgado Alves e Pedro Lomba, nas obras aqui já várias vezes citadas também. Remetemos para aí aqueles cujo interesse vá no sentido de analisar a questão.
22 Pedro Lomba, op. cit., p. 483.
23 Esta disposição constava primitivamente do artigo 121.º, tendo sido renumerado na revisão constitucional de 1997, ganhando a posição que tem agora.
24 Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pp. 545 e ss.         [ Links ]
25 N.º 1 do artigo 113.º da Constituição da República Portuguesa.
26 No mesmo sentido, Pedro Delgado Alves, op. cit., pp. 234 e ss.
27 Como a que foi feita por Jorge Miranda, Princípio republicano e poder local in O Direito, A. 124, nº 3 (Jul.-Set.), Lisboa, 1992, pp. 451-467.         [ Links ]
28 Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. II, 4ª edição, Coimbra, 2007, pp. 125 e ss.         [ Links ]
29 Nesse sentido, Pedro Lomba, op. cit., p. 484.
30 Nesse sentido, Jorge Miranda / Rui de Medeiros, Constituição portuguesa anotada, Vol. III, Coimbra, 2005, p. 326.         [ Links ]
31 Terá de ser, contudo uma lei de valore reforçado, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º, por exigência da alínea b) do n.º 6 do artigo 168.º da Constituição
32 Jorge Miranda, Princípio republicano e poder local, p. 466.         [ Links ]
33 Nesse sentido, Jorge Miranda / Rui de Medeiros, Constituição portuguesa anotada, Vol. III, Coimbra, 2005, p. 326
Links ] Arial, Helvetica, sans-serif">34 Paulo Otero, Da limitação à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos autárquicos in Direito & Política, n.º 4, 2013, pp. 92 a 105.         [ Links ]
35 V.g . http://www.publico.pt/politica/noticia/autarca-contorna-limitacao-dos-mandatos-com-vitoria-da-mulher-1607763
36 Não obstante ser este o preceito nuclear, não se olhe para a temática sem ter em atenção toda a matéria correspondente à organização do poder político e ao poder local! Neste sentido, António Cândido de Oliveira, Direito das Autarquias Locais, 1.ª edição, Coimbra, 1993, p. 223.
37 António Cândido Oliveira, op. cit., p. 226 e ss.
38 António Cândido Oliveira, op. cit., p.230.
39 A definição dos interesses das autarquias é uma questão de complexidade considerável e tem sido palco de controvérsia, sobretudo se considerado na sua relação com o interesse nacional. Não é pertinente aprofundar aqui a questão. Não deixe de se consultar, todavia, e a título de exemplo:
António Cândido Oliveira, op. cit, pp. 125 e ss.; André Folque, A tutela administrativa nas relações entre o Estado e os municípios: condicionalismos constitucionais, 1.ª edição, Coimbra, 2007;         [ Links ] José de Melo Alexandrino, Tratado de direito administrativo especial, Vol. IV, Coimbra, 2010.         [ Links ]
40 Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3.ª edição (6.ª reimpressão), Lisboa, 2006, p. 480.         [ Links ]
41 O outro será, naturalmente, o território.
42 Assim o prevê o n.º 2 do artigo 49 da Constituição da República Portuguesa.
43 Artigos 244.º, 245.º e 246.º da Constituição da República Portuguesa.
44 Artigos 250.º, 251.º e 252 da Constituição da República Portuguesa.
45 Os sistemas de governo de cada uma das autarquias apresentam configurações distintas. O sistema de governo dos Municípios tem clara influência do sistema directorial, não obstante a crescente presidencialização a que a prática tem levado; o sistema de governo das Freguesias é mais próximo de um sistema de governo parlamentar. A questão é, contudo, muito controvertida na Doutrina.
46 Disponível em: http://dre.pt/pdf1sdip/2013/09/17600/0568805724.pdf
47 Caso contrário o Presidente da Junta de Freguesia deverá ser escolhido pelo Plenário de cidadãos eleitores, órgão que substitui a Assembleia de Freguesia em freguesias com menos de 150 eleitores. Esta excepção tende a perder relevância, atendendo às reformas administrativas que vão no sentido de agregar as freguesias com baixo número de habitantes.
48 Giuseppe Ferrari, Elezione (teoria generale) in Enciclopedia del Diritto, XIV, Milano, 1965, pp. 640 e ss.         [ Links ]
49 Entre outros, João Amaral e Almeida, A interpretação da Lei 46/2005, de 29 de Agosto: uma questão exclusivamente jurídica , in, Direito Regional e Local, nº 21 (Jan.-Mar. 2013), 2013, pp. 21-31;         [ Links ] Paulo Otero, Da limitação à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos autárquicos in Direito & Política, n.º 4, 2013, pp. 92 a 105;         [ Links ] António Cândido Oliveira, O exercício consecutivo e ilimitado de cargos políticos electivos na Constituição da República portuguesa: o direito fundamental dos cidadãos e o princípio da renovação in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. I, Coimbra, 2012, p. 361-372;         [ Links ] Marco Caldeira / Tiago Serrão, Limitação de Mandatos: uma limitação absoluta in Direito & Política, n.º 4, 2013, pp 80 a 91.         [ Links ]
50 Como refere João Amaral e Almeida, op. cit., p. 26, o texto publicado usa a preposição genérica “de” em vez da preposição “da” nas expressões “Presidente de Câmara” e “Presidente de Junta”. A diferença deveu-se a alterações introduzidas pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda, como veio mais tarde a ser confirmado. O Tribunal Constitucional refere inclusive esta circunstância no acórdão 480/2013, em análise.
51 Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 1.ª edição, Lisboa, 2012, pp. 338 e segs.         [ Links ]
52 Savigny, System des heutigen Römischen Rechts, I, Berlin, 1840, p. 213.         [ Links ]
53 Cf. Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., p. 340.
54 A excepção mais expressiva aos nossos dias prende-se com o originalism norte-americano, promovido por autores que pretendem interpretar a Constituição com recurso à intenção dos Founding Fathers.
55 Antunes Varela, Do projecto do Código Civil, Lisboa, 1966, p. 25 (n.º 6), cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 19.º Reimpressão, Coimbra, 2011, p. 188.
56 Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., p. 347.
57 Além disso, não se descuide que o próprio artigo 9.º do Código Civil prevê que na interpretação deve ser tido em conta “o tempo em que é aplicada”. Para desenvolvimentos sobre a querela actualismo vs. historicismo, vide Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., pp. 345 e ss.
58 Os elementos que aqui se apresentam surgem hoje na Doutrina com recurso às considerações de Savigny sobre a matéria. Para o Autor os elementos seriam: o elemento gramatical, o elemento lógico, o elemento sistemático e o elemento histórico. Para mais desenvolvimentos, vide Savigny, op. cit., pp. 212 a 245.
59 Em causa está a aplicação dos princípios da exaustividade e da exclusividade na interpretação. Quer isto significar que a interpretação correcta deve surgir da consideração de todos os elementos da interpretação, mas só destes. Nesse sentido, vide Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., p. 351.
60 A consideração do elemento literal aponta em dois sentidos: por um lado uma dimensão sintáctica, que tem que ver com a construção gramatical da oração; por outro, uma dimensão semântica, que se prende com as palavras usadas no contexto da sua estrutura. A primeira fica, neste trabalho, deixada de parte porque nada acrescentaria.
61 Alexy, Teoria da argumentação jurídica : a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica, São Paulo, 2001, p. 228.         [ Links ]
62 Não obstante a centralidade do elemento no ordenamento jurídico português. Não desconsideramos que o Código Civil impõe a letra da lei como limita de interpretação.
63 Por razões de segurança jurídica teria de se considerar este, evidentemente. No mesmo sentido, Marco Caldeira / Tiago Serrão, op. cit., p. 81.
64 No mesmo sentido, Paulo Otero, op. cit., p. 101; João Amaral e Almeida, op. cit., p. 31; Marco Caldeira / Tiago Serrão, op. cit., p. 82.
65 A dúvida é suscitada por João Amaral e Almeida in op. cit., p. 22.
66 Quando consideramos os aspectos objectivos olhamos para a realidade social e jurídica existente no momento da elaboração da lei. Estes aspectos são complementados com os aspectos subjectivos, que se prendem com a intenção do legislador.
67 Para mais desenvolvimentos sobre esta matéria, vide, Richard Ekins, The Nature of Legislative Intent, Oxford.
68 Disponível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=20704
69 Disponível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=20760
70 Disponível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=20774
71 Disponível em: http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=20787
72 Essa orientação é tomada, nomeadamente, por Pedro Delgado Alves, op. cit., pp. 242 e ss. e António Cândido Oliveira , O exercício consecutivo e ilimitado de cargos políticos, p. 366 e ss.
73 Lei Orgânica nº 1/2001, 14 de Agosto.
74 João Amaral e Almeida, op. cit., p. 24, constata que a proposta apresentada pelo PSD propunha o aditamento de um número ao artigo 7.º da Lei Orgânica nº 1/2001, 14 de Agosto, ao invés de uma alínea no n.º 2 do mesmo artigo. Retira daí um argumento que aponta no sentido de estarmos perante uma opção por uma limitação de natureza funcional. Não compreendemos nem acompanhamos este ponto de vista.
75 Intervenção disponível na p. 670, DAR, 1.ª série, nº 016.
76 Nesse sentido segue João Amaral e Almeida, op. cit., p. 16.
77 Contrariamente ao que afirmam Marco Caldeira / Tiago Serrão, op. cit. p. 86, onde pode ler-se: “na Assembleia da República, nenhum Deputado procedeu à interpretação menos exigente, no sentido de a inelegibilidade aí estabelecida valer unicamente para uma determinada área territorial”.
78 Intervenção disponível na p. 684, DAR, 1.ª série, nº 016.
79 Savigny, op. cit., p. 10.
80 A consideração do contexto horizontal tem que ver com a aplicação do elemento sistemático face a disposições de valor hierárquico semelhante e intratexto. Por outro lado, a consideração do elemento vertical tem que ver com a aplicação do elemento sistemático face a disposições de hierarquia superior. Para o caso em análise será relevante a interpretação conforme à Constituição.
81 Como parece fazer João Amaral e Almeida, op. cit., p. 31.
82 Relativamente à interpretação conforme à Constituição, vide, por todos, Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 10.ª edição, Lisboa, pp. 114 e 120.
83 Lei 28/82, de 15 de Novembro, disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/legislacao0101.html
84 Rui de Medeiros, A decisão de inconstitucionalidade : os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Lisboa, 1999.         [ Links ]
85 Considerados aqui, para efeitos de exposição, o argumento sistemático e o argumento teleológico separadamente. Todavia, há Autores que defendem uma ligação estreita entre ambos que não podemos de deixar de considerar. Ver-se-á que assim é durante a exposição. Seguimos as orientações de Canaris, que refere que “a argumentação baseada no sistema interno, exprime o prolongamento da interpretação teleológica”. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito, 5ª edição, Lisboa. p. 159. No mesmo sentido segue Alexy, Interpretação teleológica e vinculação à lei, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. 51, n.ºs 1-2 (2010), p. 12 e ss.         [ Links ]
86 Rui de Medeiros, op. cit., p. 296.
87 João Amaral e Almeida, op. cit., p. 27
88 Contrariamente à opção assumida pelo Autor!
89 Baptista Machado, op. cit., p. 183.
90 Menezes Cordeiro, Introdução à edição portuguesa – Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito (de Claus-Wilhelm Canaris), Lisboa, 1989, p. CXI.
91 Cf. Rui de Medeiros, op. cit.
92 Jorge Miranda, República e limitação de mandatos, in Constituição e cidadania, Coimbra, 2003, p. 437.         [ Links ]
93 Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pp. 144 a 154.         [ Links ]
94 João Amaral e Almeida, op. cit., p. 23.
95 Miguel Teixeira de Sousa, op. cit., p. 369.
96 Também alguma Doutrina seguiu esta orientação, nomeadamente Paulo Otero, Da limitação, pp. 103 e ss.         [ Links ]
97 Nomeadamente Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, 5ª edição, Coimbra, 2012, p. 421.         [ Links ] Sobre o princípio da máxima efectividade interpretativa das normas que envolvem Direitos Fundamentais, segundo o qual, em caso de dúvida sobre o âmbito de aplicação o intérprete e o aplicador estão vinculados à necessidade de garantia de máxima efectividade interpretativa, vide Gomes Canotilho , Direito Constitucional e Teoria da constituição, 7ª edição, 2003, Coimbra, p. 1224.         [ Links ]
98 No mesmo sentido Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, 2003, pp. 708 e ss.         [ Links ]
99 Jorge Miranda, Constituição e cidadania, Coimbra, 2003, p. 439.         [ Links ]
100 Gomes Canotilho /Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. I, 4ª edição, Coimbra, 2007, pp. 677-678.         [ Links ]