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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.119 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.4000/rccs.8937 

ARTIGO

Negro drama. Racismo, segregação e violência policial nas periferias de Lisboa*

Negro Drama. Racism, Segregation and Police Violence on the Outskirts of Lisbon

Negro Drama. Racisme, ségrégation et violence policière dans les banlieues de Lisbonne

 

Otávio Raposo*, Ana Rita Alves,** Pedro Varela,*** Cristina Roldão****

* Centro de Investigação e Estudos de Sociologia – CIES-IUL | Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE-IUL. Avenida das Forças Armadas, Edifício ISCTE, 1649-026 Lisboa, Portugal otavio_raposo@iscte-iul.pt

** Investigadora Júnior no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal ritaalves@ces.uc.pt

*** Investigador Júnior do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal pedromfvarela@gmail.com

**** Centro de Investigação e Estudos de Sociologia – CIES-IUL | Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE-IUL Avenida das Forças Armadas, Edifício ISCTE, 1649-026 Lisboa, Portugal cristina.roldao@iscte-iul.pt

 

RESUMO

Em Portugal, um olhar mais atento denuncia a violência policial perpetrada nos territórios racializados e periféricos da cidade de Lisboa. Mais do que episódicos, estes representam processos quotidianos de controlo dos espaços e das pessoas que os habitam. A 5 de fevereiro de 2015, um caso de brutalidade policial contra um grupo de jovens negros da Cova da Moura teve ampla repercussão mediática e social, abrindo uma discussão pública sobre racismo institucional na sociedade portuguesa. Através de trabalho etnográfico e de análise estatística, de análise de imprensa e de legislação pretende-se discutir a relação entre processos mais amplos de racialização e criminalização do território, brutalidade policial e racismo institucional, ampliando uma discussão tão necessária quanto silenciada no Portugal contemporâneo.

Palavras-chave: Cova da Moura - Lisboa (Portugal), periferia urbana, racismo, violência policial

 

ABSTRACT

A closer look into police violence in the racialized and peripheral territories in the city of Lisbon (Portugal) shows that what is represented is not merely isolated episodes, but rather a daily process of controlling spaces and the people who inhabit them. In 2015, a case of police brutality against a group of black youth from Cova da Moura received wide social and media coverage whose repercussions opened up a public debate on institutional racism in Portuguese society. Through field-work and statistical analysis, and inquiry into the media and legislation, we aim to examine the relationship between the broader processes of racialization and criminalization of space, police brutality, and institutional racism, thus enhancing the present debate, as necessary as it is silenced, in contemporary Portugal.

Keywords: Cova da Moura - Lisbon (Portugal), peripheral urbanisation, police violence, racism

 

RÉSUMÉ

Au Portugal, il suffit de jeter un regard plus attentif pour dénoncer la violence policière perpétrée dans les territoires racialisés et banlieusards de la ville de Lisbonne. Plus que des phénomènes épisodiques, ces violences représentent des procédés quotidiens de contrôle des espaces et des gens qui y vivent. Le 5 février 2015, un cas de brutalité policière contre un groupe de jeunes noirs du quartier de Cova da Moura eut une ample répercussion médiatique et sociale en ouvrant un débat public sur le racisme institutionnel dans la société portugaise. Par le truchement d’un travail ethnographique et d’analyse statistique, de l’analyse de la presse et de la législation, nous avons pour but de lancer un plus vaste débat portant sur le rapport entre les procédés élargis de racialisation et de criminalisation du territoire, la brutalité policière et le racisme institutionnel, en élargissant ce débat aussi nécessaire que bâillonné dans le Portugal contemporain.

Mots-clés: Cova da Moura - Lisbonne (Portugal), périphérie urbaine, racisme, violence policière

 

Introdução

Este artigo pretende discutir a relação entre processos de racialização e criminalização do território, brutalidade policial e racismo institucional. Argumentamos que esta violência extralegal se alimenta do estado de exceção que caracteriza a relação ontológica entre Estado-nação, territórios e corpos racializados, naturalizando socialmente formas de regulação de cariz repressor e coercivo. Como tal, partimos do modo como a ‘raça’ tem sido um instrumento fundamental na construção do Estado-nação para debater as consequências do racismo institucional na vida das pessoas racializadas, em particular dos jovens negros1 na sociedade portuguesa. Sublinhamos os acontecimentos do dia 5 de fevereiro de 2015, na Cova da Moura e na esquadra de Alfragide (Amadora), por considerar que estes são paradigmáticos da violência policial que recai sobre jovens negros e afrodescendentes dos bairros periferizados.

Articulando as investigações dos diferentes autores do artigo sobre racismo institucional, segregação e juventude, procurámos reunir uma diversidade de perspetivas analíticas e abordagens metodológicas, fazendo convergir, aqui, trabalho etnográfico, monitorização e análise de imprensa, legislação e estatísticas. A pesquisa etnográfica realizada nos bairros periféricos da Amadora, entre dezembro de 2014 e junho de 2015, no âmbito do projeto “O trabalho da arte e arte do trabalho” (Ferro e Raposo, 2016), foi o ponto de partida para o presente artigo. Esta imersão no terreno permitiu-nos um entendimento “de perto e de dentro” (Magnani, 2002) sobre os processos de estigmatização e as práticas de controlo social, com enfoque nos média e nas instituições do Estado. Enquadrámos historicamente a emergência de um debate público sobre a periferia de Lisboa para abordar a segregação residencial e os processos de racialização dos bairros quando analisámos o Programa Especial de Realojamento (PER) – uma das mais significativas políticas públicas de habitação social (Alves, 2013). A análise estatística de dados oficiais como os do Instituto Nacional de Estatística (INE), da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e da Direção-Geral da Política de Justiça, por outro lado, cumpriu um papel decisivo para dimensionar a profunda desigualdade racial em Portugal (Abrantes e Roldão, 2016; Roldão, 2016; Seabra et al., 2016). Assim, este artigo é uma tentativa de ampliar a discussão sobre o racismo na sociedade portuguesa, em particular no espaço académico, um debate dificultado pela inexistência de recolhas estatísticas com base na pertença étnico-racial.

 

Racismo institucional à portuguesa

O Estado-nação é um projeto político ontologicamente racializado, já que racialmente configurado em termos filosóficos, conceptuais e simbólicos e porque historicamente implicado na reprodução de exclusões racistas (Goldberg, 2002). Ao ocupar um papel central no projeto moderno de edificação do Estado-nação, a ideia de ‘raça’ tem servido como matriz no estabelecimento de critérios para designar aqueles que pertencem ao corpo da nação e quais são os seus estrangeiros (ibidem). A ascensão do nacionalismo (séculos xix-xx) foi, por isso mesmo, fundamental, dado que é nesse período que o termo ‘raça’ se torna sinónimo de ‘nação’ – uma coletividade fundada na ideia de partilha de traços físicos e culturais que seriam transmitidos de geração em geração (Bethencourt, 2015). É neste sentido que a ideia de ‘raça’ se revelou essencial no processo de construção da nação enquanto comunidade histórica, cultural e racialmente imaginada, empregue para estabelecer critérios de inclusão e exclusão que determinam o (não) acesso a um conjunto de direitos e recursos (Anderson, 1983; Goldberg, 2002; Alves, 2013). Exemplo disso mesmo é a atual Lei da Nacionalidade em vigor em Portugal. Fundamentada na prevalência do princípio de jus sanguinis sobre o princípio de jus soli, a presente lei determina que não basta nascer em Portugal para ser português. Somente se um dos progenitores possuir nacionalidade portuguesa ou se os pais residirem legalmente há mais de dois anos em Portugal pode, o seu filho, aceder automaticamente à mesma.2 Argumenta-se que a não-atribuição imediata da nacionalidade portuguesa a um conjunto de pessoas nascidas em território nacional tem contribuído para redesenhar constantemente as fronteiras imaginárias de uma suposta homogeneidade nacional, perpetuando uma distinção entre a ideia de imigrante e sociedade de acolhimento (Sayyid, 2004; Alves, 2013). É deste modo que a operacionalização da ‘raça’ enquanto código fundacional tem servido para perpetuar e legitimar relações assimétricas de poder (Vale de Almeida, 1997; Goldberg, 2009). Não obstante, com algumas exceções, a relação entre a formação do Estado-nação e a definição de categorias raciais tem sido sobejamente descurada pela bibliografia académica, exceto no que toca a situações de segregação formal ou de emergência de Estados totalitários, como aconteceu no caso do nacional-socialismo alemão (1933-1945), do apartheid sul-africano (1948-1991) ou do regime de Jim Crow nos Estados Unidos da América (1890-1965) (ibidem). Tal espelha, de modo paradigmático, a forma como o racismo tem vindo a ser predominantemente enquadrado enquanto fenómeno episódico e excecional no seio das sociedades contemporâneas (Hesse, 2004b; Araújo e Maeso, 2016), dificultando a abertura do debate sobre racismo institucional e as suas implicações na vida das pessoas.

É exatamente neste sentido que Kwame Ture e Charles Hamilton (1992 (1967)) argumentam que o racismo se relaciona com um conjunto de decisões e políticas – cujo objetivo é subordinar determinado grupo racializado para manter o controlo sobre o mesmo –, sublinhando o seu carácter institucional (e colonial) e menos o seu carácter individual ou quotidiano.3 Abrir uma discussão sobre racismo institucional implica, por isso mesmo, que se tracem continuidades históricas a partir das quais o racismo seja entendido na ontologia política das democracias liberais e não somente enquanto desvio ao iluminismo ocidental, um mal a-histórico que prolifera a partir de assunções preconceituosas fomentadas pela ignorância ou por ideologias extremistas (Hesse, 2004a). Também Francisco Bethencourt (2015) realça a importância das conjunturas históricas para a compreensão das diferentes configurações do racismo, associando-o a projetos políticos que visam a monopolização dos recursos económicos, políticos e sociais. Parte constitutiva da colonialidade e da modernidade, o racismo institucional é hoje menos aberto e por isso mesmo mais difícil de identificar, mas não menos destrutivo (Ture e Hamilton, 1992 (1967)), uma vez que se expressa através das práticas das instituições sociais e políticas – que podem ou não estar explicitadas na lei –, e se reflete nas desigualdades no acesso à justiça, educação, habitação, saúde e na maior violência na relação com as populações racializadas.

Em Portugal, o debate sobre o racismo tem sido amplamente ofuscado pela construção de uma narrativa de excecionalidade nacional, cultural e colonial (ver Vala et al., 1999; Vale de Almeida, 2000), bem como pela proliferação de análises que têm enquadrado o racismo como fenómeno individual e excecional – tal como sublinhado pelo trabalho de Marta Araújo e Silvia Maeso (2016). A suposta especificidade do colonialismo português, legitimada pela teoria lusotropicalista de Gilberto Freyre (2003 (1933)) e pela adoção de ideias de interculturalidade, tem sido utilizada no discurso institucional para exaltar o contributo civilizacional, higienizando os processos de violência que o constituíram e justificando a existência de uma sociedade ontologicamente democrática e tolerante (Araújo e Maeso, 2010; Araújo, 2013). Deste modo, o lusotropicalismo, hoje parte integrante das representações sobre o passado da nação (Castelo, 1998; Vale de Almeida, 2006), é um dos maiores obstáculos à abertura de um debate público sobre racismo em Portugal. Na esteira deste debate (im)possível, a relação entre violência de Estado e racismo institucional tem sido constantemente negligenciada. Não obstante, diversas têm sido as organizações antirracistas portuguesas que, há muito, têm denunciado as desigualdades étnico-raciais que persistem no acesso a direitos, bem como a necessidade de recolha de dados étnico-raciais e a persistência de violência policial racista (ver Rodrigues et al., 2017; Henriques, 2018). Denote-se que também múltiplas organizações e instituições internacionais de monitorização e defesa dos direitos humanos – como o Working Group of Experts on People of African Descent das Nações Unidas (OHCHR, 2012), a European Commission against Racism and Intolerance (ECRI, 2013, 2018), a European Network Against Racism (ENAR, 2015) e a Amnesty International (2018) – têm alertado, nos seus relatórios, para problemas de racismo em Portugal. Recentemente, o relatório do Commitee for the Prevention of Torture do Conselho da Europa concluiu que Portugal é um dos países da União Europeia com mais violência policial e que são os afrodescendentes e os imigrantes os que correm mais riscos (Council of Europe, 2017). Posteriormente, em setembro de 2018, seria a vez da ECRI denunciar a persistência de casos de brutalidade policial racista, com especial atenção aos acontecimentos do dia 5 de fevereiro de 2015, recomendando ao governo português a abertura de investigações independentes que permitissem apurar os diversos casos de brutalidade policial dados a conhecer durante a sua visita a Portugal:

A ECRI considera que um órgão independente da polícia deveria reunir todas estas alegacões de abuso e racismo e levar a cabo uma investigação independente a todas elas (§ 9 da RPG n.º 11 da ECRI). (…) A investigação completa deste tipo será indispensável como base para a reconstrução de um clima de confiança entre as pessoas negras, os ciganos e a polícia. (ECRI, 2018: 27-28)

Um olhar mais atento deixa perceber que a violência policial, mais recorrente do que excecional, se relaciona com processos mais amplos de racialização, vigilância e criminalização dos espaços periféricos e dos corpos que neles habitam (Raposo, 2007; Alves, 2016).

 

A descoberta da periferia: segregação e racialização do crime

Pensar o racismo institucional e a precarização da vida urbana a partir da noção de margem proposta por Veena Das e Deborah Poole (2004) poderá ser aqui interessante para compreendermos o modo como se processa a criminalização do território e a subalternização das populações racializadas. Diferente do paradigma da ausência do Estado,4 estas autoras identificam os territórios à margem (bairros autoconstruídos e de realojamento, favelas e periferias urbanas) como produções também estatais. Isto é, territórios constrangidos por práticas de regulação e disciplina impostas pelos aparatos do Estado que se traduzem, para os que lá vivem, em leis especiais, em formas específicas de governação e num tratamento abusivo das forças da ordem (Das e Poole, 2004). De acordo com Michel Agier (2015), três lógicas parecem prevalecer nesses territórios: a exceção, a extraterritorialidade e a exclusão. Se a exceção justifica modos específicos de gerir a pobreza e a desigualdade, mas também a recusa do Estado em tratar dignamente certas populações, a extraterritorialidade das margens é pensada através do conceito foucaultiano de “heterotopia”, entendida como “fora de lugar, no sentido em que se constituem em exteriores, colocados nas bordas ou nos limites da ordem normal das coisas” (ibidem: 45). Nesta ótica, pesam sobre os habitantes das margens dois dispositivos urbanos – segregação e confinamento –, que fazem deles “presos do lado de fora” (Birman et al., 2015: 17).

Intimamente ligados às lógicas anteriores, os processos de exclusão remetem para desigualdades estruturais que criam espaços sociais marginalizados, cujos ocupantes são apresentados como uma nova categoria de párias destituídos da igualdade política e de acesso ao poder. Um dos mecanismos de legitimação dessa desigualdade são as barreiras impostas na incorporação nacional dos imigrantes e seus descendentes, fazendo da origem étnico-racial (jus sanguinis) um fator determinante no acesso aos direitos de cidadania. No caso da população afrodescendente, a subalternização é agravada pelo racismo e por um imaginário eurocêntrico de construção do Estado-nação, que invisibiliza a sua presença histórica no país ao mesmo tempo que reforça relações de poder desiguais estruturadas por formas renovadas de colonialidade.

Em Portugal, os territórios à margem são denominados bairros “problemáticos”, “críticos” ou de “intervenção prioritária” nos discursos mediáticos e das instituições políticas. Tais discursos são corresponsáveis por criar um imaginário de transgressão, incivilidade e anomia sobre determinados territórios, que acabam, muitas vezes, por legitimar publicamente ações estatais de cunho repressivo, tais como incursões policiais volumosas e truculentas. Racialmente conotados, muitos bairros periféricos são enunciados como corpos urbanos poluídos (Alves, 2016), áreas de degradação ecológica e moral, onde jovens negros ou afrodescendentes (mas também ciganos) – tantas vezes associados ao fenómeno dos chamados gangues – são entendidos como responsáveis pelos atos de violência urbana (Raposo, 2007).

O modo como o discurso público criminaliza parte significativa dos moradores da periferia está patente na reportagem elaborada pelo Diário de Notícias (DN) cujo título aponta os “Principais bairros problemáticos de Lisboa e do Porto” (DN, 2010),5 concebendo-os como “verdadeiros barris de pólvora”. Esta notícia, que tem como propósito elaborar uma cartografia da violência urbana, indica como “principais focos de tensão” da Área Metropolitana de Lisboa (AML) os bairros (autoconstruídos e de realojamento) conhecidos por terem uma forte presença negra e africana: Cova da Moura, Quinta do Mocho, Quinta da Fonte, Quinta da Princesa ou Bela Vista. Os termos que sustentam a estereotipia sobre estes bairros povoam toda a notícia e associam os moradores aos problemas da delinquência e do tráfico de droga, num caso flagrante de racialização do crime e da periferia (Raposo, 2010; Alves, 2016).

Estes discursos têm contribuído para legitimar publicamente medidas extraordinárias de intervenção policial, um “cerco aos bairros” (Alves, 2016) em que a vigilância constante e a violência das forças de segurança pública contrastam em face de outros territórios da cidade. A centralidade dos bairros problemáticos no trabalho da polícia foi identificada na pesquisa de Susana Durão (2008), que realça a importância destes territórios no imaginário e na performance policial: a socialização seria, em grande medida, construída através de representações de bravura em relação a estas “zonas criminais”, onde, supostamente, é preciso acionar respostas pouco convencionais a situações de perigo, e que podem variar do uso da autoridade à violência física. Na teia classificatória do triângulo policiamento - repressão - bairros problemáticos, destacam-se os estereótipos do mitra e dos pretos (ibidem). Ambos ocupam um lugar central no imaginário policial, encarnando a imagem dos delinquentes que se deve combater. Em nome da ordem social e da higiene moral, são conduzidas perseguições rotineiras a estes potenciais desviantes no quadro das ações policiais:

Muitos agentes, em serviço de carro-patrulha e piquete, assumem que a maior parte do seu trabalho é andar “à caça dos mitras” e, em determinadas áreas suburbanas, “à caça aos pretos”. Os pretos representam para os polícias um certo tipo de mitra, mas amplamente desqualificados enquanto categoria mais genérica. (Durão, 2008: 308)

Os preconceitos raciais atuam como ferramentas básicas de “suspeição” no quotidiano das forças de segurança pública, enquanto os bairros problemáticos integram um “mapa moral e judicial” que serve de guia para a repressão policial (ibidem: 305). Tais estereótipos compõem os sentidos sociais e culturais do saber da polícia, influenciando as formas de controlo social no meio urbano (Reiner, 1985). Nessa perspetiva, os jovens negros dos chamados bairros problemáticos, mais do que outros, são submetidos a identificações e revistas (stop-and-frisk), numa lógica de perfilamento racial (racial profiling) que associam os corpos negros à ilegalidade e ao crime. É importante notar que o uso abusivo da força pela polícia resultou em espancamentos, agressões e na morte de mais de uma dezena de jovens negros nos últimos 15 anos, não tendo nenhum destes crimes desembocado em condenações efetivas (Fumaça, 2018; Plataforma Gueto, 2015).

É na década de 1990 que se inaugurou um olhar sobre a periferia, designadamente na AML, onde a existência de bairros de autoconstrução expressava a grave crise habitacional que se sentia à altura, bem como a incapacidade do poder (central e local) de responder às carências habitacionais da população mais desfavorecida (Cachado, 2013). Deste modo, os bairros de autoconstrução tornaram-se a solução de moradia possível para milhares de famílias, constituindo-se enquanto parte integrante da urbanização portuguesa,6 mas imaginados como “espaços de (outras) etnicidades: chãos exteriores ao espaço urbano (e nacional)” (Alves, 2013: 38). É também neste ano que o PER é promulgado pelo Decreto-Lei n.º 163/93 de 7 de maio, pondo as discussões sobre o direito à habitação na ordem do dia. Ao mesmo tempo que uma hipervisibilidade mediática reconhecia os bairros periféricos de Lisboa enquanto espaços de precariedade habitacional marcadamente racializados (ibidem), recaíam sobre os seus moradores estigmas de incivilidade. A representação desses territórios como espaços de tensão e desordem consolidou-se a partir da mediatização da sua juventude, quando as agendas políticas e mediáticas se aliaram na responsabilização dos jovens negros pelo suposto aumento da violência urbana.7 Tudo isto concorreu para a proliferação do imaginário que equacionava bairros-negritude-pobreza-delinquência (Raposo, 2007), produzindo uma narrativa segundo a qual estes territórios seriam ocupações à margem da lei e ordem públicas, constituídos por “barracas” que albergavam imigrantes, maioritariamente negros e pobres, traficantes e criminosos – sem jamais questionar as conjunturas racistas e socioeconómicas que levaram à sua edificação (Alves, 2013). O resultado desse enquadramento, tanto oficial como mediático, foi a transformação desses bairros racializados em espaços de exceção, onde a restrição de direitos de cidadania se manifestava em equipamentos públicos precários, desalojamentos arbitrários e operações truculentas da polícia.

A implementação do PER teve um forte impacto no modo como a periferia de Lisboa foi redesenhada, quando os bairros autoconstruídos foram demolidos e os bairros de realojamento edificados. Mesmo entendendo o PER como uma tentativa robusta para dirimir as carências habitacionais, este programa contribuiu para uma alteração radical do desenho das periferias das cidades de Lisboa e Porto, contribuindo para uma higienização da imagem das cidades (Alves, 2013). Deste modo, a construção dos bairros sociais foi a solução encontrada para deslocar (e afastar) dos centros urbanos as populações indesejadas, aqueles que o Estado português considera ser o “outro” por excelência: negros, imigrantes e ciganos. Neste sentido, embora o realojamento tenha significado para muitas famílias uma melhoria nas suas condições de habitação (EUMC, 2003), parece não ter representado uma alteração no modo como elas e os seus territórios são retratados. Ao empurrar as populações indesejadas para urbanizações segregadas, onde escasseiam redes de transporte e acesso a bens e serviços, um dos resultados do PER foi aprofundar as lógicas de segregação urbana de cariz étnico-racial e a precarização do direito à cidade, marginalizando, tanto espacialmente como no acesso ao poder, as populações pobres e racializadas.

 

Abuso num bairro black: o caso da Cova da Moura

É rusga na madruga / Os homens fecharam a rua com cães e carros de patrulha / É fuga no beco. Buga! / Caçadeiras zuumm / É uma noite que não acaba nunca / É o abuso num bairro black. (Música Bairro black, de Allen Halloween ft. General D e Buts Mc)8

Símbolo (i)material da presença africana na Lisboa pós-colonial, a Cova da Moura é um dos bairros mais estigmatizados de Portugal, associado a um imaginário de tráfico de drogas, crime e delinquência. Com uma população estimada entre 6 a 10 mil habitantes (Horta, 2008), é um bairro de autoconstrução, cujos processos de precarização e urbanização de baixos padrões assemelham-se aos de outras localidades pobres do Concelho da Amadora, como a Reboleira, Bairro 6 de Maio, e os já quase extintos Santa Filomena e Bairro Estrela D’África. São bairros habitados maioritariamente por população negra, em particular de origem cabo-verdiana, intensamente afetada pela segregação residencial, precariedade laboral e discriminação racial. A Cova da Moura distingue-se dos demais pela sua maior dimensão, comércio e tecido associativo, bem como pelas infraestruturas e equipamentos sociais (Varela et al., 2018). Tal centralidade também se repercute nos noticiários e reportagens sensacionalistas de teor criminalizador. Uma breve busca pelos média portugueses dá conta dos estereótipos e preconceitos racistas associados ao bairro e aos seus moradores, considerados como detentores de um modo de vida incivilizado e desviante.

Em 2001, por exemplo, uma reportagem da RTP intitulada “Violência na Cova da Moura” (RTP, 2001) realçava os confrontos entre polícia e jovens do bairro, dando pouco relevo ao que desencadeou essa situação: a morte de um jovem pela polícia. Mais recentemente, uma notícia da revista Sábado (Malhado, 2016) exibia o título “O violento ritual de iniciação a um gang”, enquanto o jornal Correio da Manhã (2018) publicava a notícia “Gang espanca para roubar na Cova da Moura”. Para ilustrar a amplitude desse processo, criou-se uma word cloud com notícias associadas ao bairro. Ao colocar o nome “Cova da Moura” no motor de busca Google, selecionaram-se as palavras associadas às primeiras 70 notícias de modo a obter os termos mais frequentemente utilizados, estes são: “bairro”, “PSP”, “polícia”, “droga”, “assalto”, “jovens”, “suspeito”, “tiro”, “detido”, “violência”, “morto”, “madrugada” (ver Figura 1).

 

 

A partir desta word cloud é possível visualizar como se dissemina socialmente o pânico moral associado a este território, “silenciando” uma outra Cova da Moura um bairro com um movimento associativo de referência internacional, um espaço central para a fruição do movimento hip-hop em Portugal, palco de eventos como o Kova M Festival e o Kola San Jon (Raposo e Castellano, 2018).

A criação pela agenda política e mediática de “lugares-problema” sob um referencial racial reforça o processo de desumanização dos moradores, principalmente dos jovens, vistos como bodes expiatórios dos problemas da cidade. Por outro lado, o estigma sobre certos territórios serve a manutenção das relações desiguais de poder, ao desqualificar as reivindicações das populações vulnerabilizadas por melhores condições de vida, legitimando práticas de regulação estatal de cariz autoritário. O papel das políticas públicas é reduzido à gestão das populações, num “continuum de violência” (Sheper-Hughes e Bourgois, 2004) em que prevalecem formas de regulação distintas no que se refere, por exemplo, à aplicação da lei e à atuação das forças da ordem. Este estado de exceção que caracteriza a relação do Estado com determinados territórios e sujeitos racializados será aqui analisado através dos episódios de violência policial racista ocorridos com moradores da Cova da Moura em 5 de fevereiro de 2015.

De acordo com os relatos de várias testemunhas, tudo começou com uma rusga nesse bairro, com a polícia a revistar aleatoriamente os moradores. Um jovem, sem que nada o justificasse, foi detido por agentes da equipa de intervenção rápida da Polícia de Segurança Pública (PSP). O grau de violência utilizado na detenção levou a que alguns moradores que assistiam ao episódio, na sua maioria mulheres, protestassem. Constrangida, a polícia dispersou quem estava na rua com tiros de balas de borracha. As pessoas correram pela rua e refugiaram-se onde podiam enquanto a PSP algemava o jovem detido, transportando-o para a esquadra numa carrinha onde ele diz ter sido agredido. A polícia alegaria mais tarde que a detenção se deveu a uma pedra lançada à viatura pelo detido. Uma moradora que estava na varanda de sua casa foi atingida por balas de borracha e contou o sucedido:

Logo que peguei no balde para lavar a varanda deparei com os polícias a mandar as pessoas parar para revistar. Tudo bem, isso é normal, é o trabalho deles. Mas naquela hora apareceu o “jovem”,9 e ele não tinha feito nada, mas um polícia mandou-lhe ir para a parede. Foi aí que o polícia lhe deu um chute na perna e começou a falar com ele. (…) no momento que o polícia lhe deu chapadas, logo foram mais três para cima dele e começaram a lhe bater. Havia umas miúdas, começaram a gritar: “Ah, isso não se faz, isso é abuso de autoridade”. (…) eu não me meto nessas coisas, estou sempre no meu canto. E ele disparou-me aqui no peito. Comecei a gritar para tentar que o meu miúdo (filho) não saísse para a varanda. Ele mesmo assim carregou outra vez, deu-me na perna. O polícia deu-me tiros. (Entrevista 1, 23 de maio de 2016)10

Ao saber dos acontecimentos, cinco jovens (alguns deles dirigentes da Associação Cultural Moinho da Juventude) decidiram ir à esquadra de Alfragide onde o jovem estava detido. Este era um procedimento normal para obter informação e prevenir que existam maus tratos aos detidos, sobretudo por ser a esquadra de Alfragide, conhecida entre os moradores pela brutalidade dos seus agentes. Enquanto tentavam falar com a polícia à porta da esquadra, os cinco jovens foram agredidos na rua, com pontapés, murros, cassetetes e balas de borracha. Levados para o interior da esquadra, foram novamente agredidos e sofreram inúmeras ameaças e humilhações de teor racista.11 Mais tarde soube-se que um deles foi atingido na perna duas vezes com balas de borracha, dois tiveram dentes partidos e os cinco sofreram hematomas e feridas no corpo e na face.

Ainda pouco se sabia sobre o ocorrido, e já as manchetes dos meios de comunicação, baseados apenas em fontes policiais, anunciavam: “Tentaram invadir esquadra da PSP de Alfragide”, Correio da Manhã (Tavares, 2015); “Jovens tentam invadir esquadra de Alfragide”, TVI24 (TVI24, 2015); e “Segurança reforçada na PSP de Alfragide após tentativa de invasão de esquadra”, Jornal de Notícias (JN, 2015b). Após 48 horas detidos, os jovens saíram em liberdade. O Ministério Público pediu a prisão preventiva por resistência e coação, mas o tribunal libertou-os com termo de identidade e residência. Abalados e feridos falaram diretamente à imprensa, um deles referindo: “Fomos espancados, literalmente. Eu fui baleado duas vezes e ameaçado de morte várias vezes”. Outro jovem recordaria, mais tarde, ao jornal Público (Henriques, 2015) alguns dos momentos traumáticos vividos no interior da esquadra:

Consegui ver a expressão de um dos polícias, quando disse com uma convicção que eu não consigo reproduzir: “Se eu mandasse, vocês seriam todos exterminados. Não sabem o quanto eu odeio vocês, raça do caralho, pretos de merda”. Nunca tinha visto um ódio em estado bruto daquela forma. Nunca tinha visto e já vi muita coisa. A expressão dele era um ódio completamente cego e aquilo assustou-me: como é que uma sociedade anda a produzir indivíduos deste tipo?

Nos dias seguintes, os títulos dos média começaram a mudar: “Jovens da Cova da Moura acusam PSP de tortura e racismo” (Sábado, 2015); “Habitantes da Cova da Moura acusam polícia de força excessiva e tortura”, RTP (Subtil et al., 2015); e “Os polícias disseram que nós, africanos, temos de morrer” (Henriques, 2015). Cinco dias depois, seria a vez do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM) emitir um comunicado onde afirmava que os acontecimentos indiciavam uma “eventual prática de atos de violência racial” e que seria instaurado um processo para averiguar os factos.12 Após a libertação de todos os jovens detidos, dezenas de moradores da Cova da Moura, associações locais e ativistas solidários organizaram, na semana seguinte, uma significativa e inédita concentração em frente à Assembleia da República contra a violência policial racista. Posteriormente, em julho de 2015, um processo disciplinar contra nove elementos da PSP envolvidos nos incidentes foi instaurado pela Ministra da Administração Interna, com base num relatório da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI). Esse processo resultou na suspensão de três dos agentes por um período de 90 dias (JN, 2015a). Nessa mesma altura, quando o Ministério Público abria um processo contra 18 polícias da esquadra de Alfragide, foi retirada a acusação de invasão dessa esquadra imputada a cinco dos jovens. Seguiu-se então um julgamento inédito, no qual o Ministério Público acusou 17 agentes da Polícia de Segurança Pública de denúncia caluniosa, injúria, sequestro, ofensas à integridade física qualificada, tortura, falso testemunho e falsificação de documentos, todos agravados por ódio racial. Mais de quatro anos depois, a 20 de maio de 2019, o coletivo de juízes absolveu nove polícias, condenou sete a penas suspensas (de dois meses a cinco anos) e um a pena efetiva de um ano e seis meses por reincidência. Deve notar-se, no entanto, que nas suas alegações finais o Ministério Público havia já retirado as acusações de tortura e racismo.13

 

Lisboa negra: um retrato das desigualdades étnico-raciais

A forma como o Estado olha, gere e disciplina os corpos das populações negras e pobres pode ser traduzida num conjunto de operações rotineiras das forças de segurança pública que vão da vigilância, rusgas e intimidação verbal à violência física, com espancamentos, tortura e até mesmo homicídios (Alves e Ba, 2015). Pesquisas e estatísticas oficiais em Portugal oferecem indícios de discriminação noutros setores do Estado, como veremos adiante. No entanto, estamos longe de conseguir fazer um retrato nítido desta realidade, dada a ausência de estatísticas de base étnico-racial.14

Na esfera do trabalho, a população de nacionalidade cabo-verdiana, comparativamente com a de nacionalidade portuguesa, por exemplo, tinha, em 2011, mais do dobro da taxa de desemprego (28% vs. 13%) e estava empregada em profissões pouco qualificadas quase quatro vezes mais15 (37% vs. 13%), onde recebia, em média, 124 euros mensais a menos (479 euros vs. 603, em 2009) em relação aos seus pares profissionais de nacionalidade portuguesa (Roldão, 2016). Nas profissões de topo,16 a desigualdade é ainda mais flagrante, pois os cabo-verdianos ocupavam essas profissões nove vezes menos do que os portugueses (2,6% vs. 23%) em 2011. Os poucos que desempenhavam profissões intelectuais e científicas recebiam, em média, menos 564 euros mensais que os seus pares profissionais de nacionalidade portuguesa (1290 euros em comparação com 1854 euros, em 2009).

Segundo a nossa análise, a partir de dados do INE e das Estatísticas da Justiça, a desigualdade nas taxas de encarceramento tem vindo a alargar-se e, em 2015, os nacionais de países africanos apresentavam taxas 12 vezes superiores aos de nacionalidade portuguesa (14,2 em mil vs. 1,2). Como mostra Sílvia Gomes (2013), entre 1994 e 2011, a nacionalidade estrangeira mais representada na população reclusa foi, em cada um desses anos, a cabo-verdiana. Para compreender esta disparidade é preciso ter em conta a hipervigilância e a força policial que recai sobre os corpos e os territórios habitados por esta população. Não sendo fenómenos excecionais, o racismo e a segregação integram um conjunto de práticas institucionais que bloqueiam o acesso dos afrodescendentes às estruturas de oportunidades, em Portugal, desde tenra idade. A escola é paradigmática desses processos de estratificação. As crianças de nacionalidade dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), por exemplo, sofrem três vezes mais reprovações no 1.º ciclo do que aquelas que têm nacionalidade portuguesa (16% vs. 5% em 2013/2014) (Abrantes e Roldão, 2016). Nos 2.º e 3.º ciclos as taxas de reprovação são sistematicamente o dobro daquelas dos seus pares de nacionalidade portuguesa. Se a reprovação marca a forma como as crianças e jovens se relacionam com a escola, esta condiciona também o modo como a escola se relaciona com estes alunos. Pesando como um “cadastro”, a reprovação funciona como (mais) um marcador social do estatuto depreciado dos alunos nas hierarquias escolares, contribuindo para a sua marginalização progressiva quanto ao tipo de ofertas que a instituição escolar terá para lhes oferecer (turmas, horários, currículos, escolas, etc.).

Dos alunos de nacionalidade dos PALOP que chegam ao ensino secundário são poucos os matriculados em cursos científico-humanísticos, vias privilegiadas de preparação do acesso ao ensino superior. A esmagadora maioria encontra-se em cursos profissionalizantes (80% vs. 43% em 2013/2014). Apesar de nessas vias existirem experiências interessantes de inovação pedagógica e de relação com os territórios de vivência dos jovens, são entendidas (e geridas) muitas vezes como vias de segunda categoria. Mais do que as vontades e consciências individuais de alunos, famílias ou professores, a sobrerrepresentação dos alunos nacionais dos PALOP nas vias profissionalizantes deve ser entendida na sua relação com a segregação territorial. Ao residirem em territórios periferizados, estes jovens estão praticamente condenados a frequentar escolas profundamente marginalizadas. Esta imbricação entre fenómenos de segregação territorial e racismo institucional é central para a perpetuação do baixo estatuto social da população negra na hierarquia da cidade.

Com este percurso, não é coincidência o facto de os jovens afrodescendentes estarem fortemente sub-representados no ensino superior (16% vs. 34% dos portugueses, em 2011) (Seabra et al., 2016; Roldão, 2015). Segurança, trabalho, justiça e educação são eixos dos direitos fundamentais que, como se viu, estão longe de ser acedidos, em condições de igualdade, pela população negra. Pesando aqui os aspetos socioeconómicos, de classe, é cada vez mais necessário entender o retrato de profunda desigualdade aqui esboçado também como resultado do racismo institucional e da sua relação com territórios segregados.

 

Considerações finais

Entendidos a partir do sentido de alteridade radical, os bairros racializados da periferia constituem um locus privilegiado para entender o modo como o Estado produz e gere as suas margens. Disciplinar e controlar aqueles que lá vivem, muitas vezes produzindo a própria desordem, é uma das funções do poder soberano nas sociedades capitalistas. Quando se trata de territórios entendidos como regiões “imorais” habitadas por populações de origem imigrante, negras ou ciganas, fundamentos legais dos direitos dos cidadãos podem ser suspensos e transgredidos, como fica evidente na práxis da polícia na Cova da Moura, dada a lógica de exceção prevalecer nesses territórios. Isso permite à polícia acionar a violência extralegal com a justificativa de estarem a controlar uma determinada infração sob a cobertura da autoridade que o Estado soberano lhe confere. Discernir a ordem da desordem, o legal do ilegal, reprimindo uns (e não outros) é uma atribuição da polícia na “gestão e regulação da ordem urbana” (Telles, 2015: 66). Contudo, a dimensão de arbitrariedade que subjaz a essa gestão não é aleatória, mas tensionada por normas morais, jogos de poder e ideologias, em que o racismo institucional desempenha um papel central.

Nos bairros socialmente precarizados da periferia de Lisboa, o racismo e a criminalização da pobreza entrelaçam-se para criar “uma expectativa negativa sobre indivíduos e grupos, fazendo-os crer que essa expectativa é não só verdadeira como constitui parte integrante de sua subjetividade” (Misse, 2015: 80). É assim que se reverbera uma das faces mais terríveis do racismo institucional, quando jovens afrodescendentes são transformados em criminosos potenciais, naquilo que Michel Misse (2015) nomeia como “sujeição criminal”, podendo ser revistados, agredidos e até mortos pela polícia. Confundidos com o crime, os jovens negros das margens de Lisboa encarnariam a transgressão, na certeza de que os comportamentos desviantes seriam parte constitutiva da sua natureza. Assim, eles passam a ser detentores de uma moralidade questionável que os priva do pleno acesso à justiça e os culpabiliza pelos problemas da cidade, tornando as medidas repressivas (e abusivas) da polícia um recurso legítimo aos olhos da opinião pública. Esta criminalização prévia retira-lhes o “poder da palavra” e condena-os ao isolamento, num processo de segregação extrema alicerçado pela precariedade económica, discriminação racial e estigma territorial. É a partir dessa teia de opressões que os jovens de bairros periféricos são desumanizados e têm os seus direitos de cidadania constantemente violados. A violência extralegal das ações da polícia seria, então, a versão “musculada” de uma “tecnologia de poder” (Foucault, 1977: 116) que cumpre o objetivo de afastar, disciplinar e punir os corpos racialmente marginalizados, entendidos como párias urbanos pelo facto de serem negros, pobres e habitantes de bairros mal-afamados.

 

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Artigo recebido a 30.05.2017 Aprovado para publicação a 22.02.2019

 

NOTAS

* O título Negro drama baseou-se na música de mesmo nome do grupo de rap brasileiro Racionais MC’s. Este artigo teve um primeiro desenvolvimento em working paper (Raposo e Varela, 2017), resultando da pesquisa de pós-doutoramento em Antropologia de Otávio Raposo, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e desenvolvida no quadro institucional do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-IUL). Este artigo resulta ainda da pesquisa realizada por Ana Rita Alves, cofinanciada pelo Fundo Social Europeu, através do Programa de Potencial Humano, e por fundos nacionais, através da FCT, no âmbito da Bolsa de Doutoramento PD/BD/114056/2015, bem como da pesquisa levada a cabo por Pedro Varela no âmbito do projeto COMBAT, com apoio financeiro da FCT, através de fundos nacionais, e cofinanciamento do FEDER, atraves do Programa Operacional Competitividade e Inovação COMPETE 2020, no âmbito do projeto PTDC/IVC-SOC/1209/2014– POCI-01-0145-FEDER-016806.

1 Os termos “negro/a” e “afrodescendente” são utilizados ao longo do texto para denominar as pessoas da diáspora africana em Portugal, imigrantes africanos e respetivos descendentes nascidos e/ou socializados em Portugal.

2 Posteriores alterações à Lei, em 2006 e 2018, apesar de trazerem importantes avanços, não consagraram inequivocamente o princípio de jus soli.

3 Sobre a noção de racismo quotidiano ver Essed (2002).

4 Neste paradigma os territórios periféricos seriam caracterizados pelo progressivo enfraquecimento das leis e práticas de regulação do Estado, entendido como garante do progresso e bem-estar das populações.

5 Conferir notícia em http://www.dn.pt/DNMultimedia/DOCS+PDFS/BAIRROS_PROBLEMATICOS.pdf. Consultada a 15.03.2016.

6 A urbanização tardia de Portugal em relação a outras capitais do centro e norte da Europa explica, em parte, a invisibilidade das periferias de Lisboa no debate público até a década de 1990. O processo de periferização da sua população só se intensificou a partir dos anos 1960, quando a população da cidade ainda representava mais da metade do total da área metropolitana (52,6%), um número que decresce para 26,1% em 1991 (Soares e Domingues, 2007).

7 A estigmatização da juventude negra ganhou um pretenso estatuto científico nos discursos institucionais e mediáticos através do termo “segunda geração de imigrantes”, que se serve das referências culturais dos seus progenitores para legitimar a sua suposta não integração na sociedade portuguesa e delimitar um conjunto de problemas sociais (Raposo, 2005).

8 Música disponível em https://www.youtube.com/watch?v=tzLdy07ubcg. Consultada a 03.07.2016.

9 Embora os factos relatados sejam de conhecimento público, optou-se por salvaguardar o anonimato dos interlocutores.

10 Entrevista realizada por Pedro Varela para o working paper “Faces do racismo nas periferias de Lisboa. Uma reflexão sobre a segregação e a violência policial na Cova da Moura” (Raposo e Varela, 2017).

11 Alguns dos autores deste artigo presenciaram a entrada dos jovens em ambulâncias, com marcas evidentes de maus-tratos e violência física para serem assistidos no Hospital Amadora-Sintra.

12 Ver em https://www.cicdr.pt/documents/57891/98773/Comunicado_bairro_cova_moura.pdf%20/bd1fd193-32f2-4eb1-8f05-51fe5c608dbc. Consultado a 05.07.2016.

13 Este artigo foi escrito no decurso do julgamento e, por isso, antes de ser proferida a sentença. Assim, embora tenhamos acrescentado aposteriori o resultado da sentença, não nos foi possível uma reflexão sobre os mesmos.

14 São inúmeras as recomendações internacionais para se recolher dados étnico-raciais em Portugal, desde logo da ECRI (2013); e do Comité para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD/UN, 2016). Esta reivindicação ficou patente numa Carta Aberta enviada ao CERD/UN por 22 coletivos e associações que têm combatido o racismo em Portugal, em dezembro de 2016 (cf. notícia do Público, consultada a 16.05.2019, em https://www.publico.pt/2016/12/05/sociedade/noticia/xxxx-associacoes-de-afrodescendentes-enviam-carta-a-onu-a-criticar-estado-1753485).

15 Categoria 9 – Trabalhadores não Qualificados, da Classificação Nacional de Profissões, 1994.

16 Consideraram-se nas profissões de “topo”, as Categorias 1 e 2 da Classificação Nacional de Profissões.

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