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Revista Crítica de Ciências Sociais

On-line version ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.118 Coimbra May 2019

 

RECENSÃO

Ferro, Lígia; Smagacz-Poziemska, Marta; Gómez, M. Victoria; Kurtenbach, Sebastian; Pereira, Patrícia; Villalón, Juan José (orgs.) (2018), Moving Cities – Contested Views on Urban Life*

 

Pedro Saraiva

Doutorando na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra | Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Av. Dr. Dias da Silva, 165, 3004-512 Coimbra, Portugal pdgs@outlook.pt

 

Moving Cities – Contested Views on Urban Life

Lígia Ferro, Marta Smagacz-Poziemska, M. Victoria Gómez, Sebastian Kurtenbach, Patrícia Pereira, Juan José Villalón (orgs.)

Ferro, Lígia; Smagacz-Poziemska, Marta; Gómez, M. Victoria; Kurtenbach, Sebastian; Pereira, Patrícia; Villalón, Juan José (orgs.) (2018), Moving Cities – Contested Views on Urban Life. Wiesbaden: Springer VS, 223 pp.

 

É impossível pensar o mundo contemporâneo sem pensar nas nossas cidades e nas várias questões que as caraterizam. Nomeadamente as várias visões contestadas e contraditórias que compõem a Sociologia Urbana. Esse é o grande objetivo do livro Moving Cities – Contested Views on Urban Life de 2018, organizado por Lígia Ferro, Marta Smagacz-Poziemska, M. Victoria Gómez, Sebastian Kurtenbach, Patrícia Pereira e Juan José Villalón. Com este livro, os autores (a maioria investigadores na European Sociological Association Research Network 37 – Urban Sociology) e os organizadores pretendem trazer novas e diferentes visões sobre as cidades e a vida urbana, usando exemplos de várias cidades da Europa, mas também dos Estados Unidos da América e do Brasil. Ao longo de 12 capítulos, são dadas a conhecer diversas visões sobre as questões urbanas mais relevantes dos nossos tempos, acabando estas por terem, muitas vezes, pontos em comum, embora retratando questões diferentes.

As cidades, apesar de globais, tornaram-se locais de conflitos e contradições, mas igualmente locais de reivindicação de direitos, seja por parte de integrantes das classes baixas ou do poder financeiro global. Assim sendo, não é possível pensar numa única forma de cidadania, mas sim em várias (capítulo 1, de Saskia Sassen).

Além da reivindicação de direitos, também não estamos estáveis num único local, mas em constante mobilidade no interior das cidades, obrigando a uma nova reconfiguração da ideia de “comunidade”, passando-se a falar em “comunidades”, formadas por pessoas das mais diversas origens sociais (capítulo 2, de Talja Blokland). Se estamos em mobilidade, também sentimos que o “direito à cidade” (conceito de Henri Lefebvre) passou a ser relido como o “direito à acessibilidade e à mobilidade” (p. 43). Uma vez que passamos a ser móveis nas cidades, novos espaços urbanos também se tornam familiares e novas representações sobre esses mesmos espaços emergem (capítulo 3, de Joan J. Pujadas e Gaspar Maza).

Por outro lado, poderemos ver os espaços urbanos nos quais nos movemos como o resultado das relações sociais numa dada sociedade. Dessa forma, conflitos entre quem exige visibilidade e quem permite essa visibilidade (por exemplo, entre trabalhadores da classe operária e o Estado, através da polícia) emergem nos espaços urbanos, com estes mesmos a serem influenciados por quem consegue impor a sua vontade (capítulo 4, de Ray Hutchison).

Como os espaços urbanos são o resultado das interações sociais entre diferentes grupos, cada grupo social tenta demonstrar o seu “direito à cidade”, nomeadamente nos espaços urbanos que são públicos. No entanto, quando vários grupos sociais tentam impor a sua vontade nos usos desses espaços, surgem conflitos, dos quais são exemplo os que ocorreram em 2014, no Brasil, entre moradores, comerciantes e adeptos de futebol em dias de jogo do Campeonato do Mundo de Futebol (capítulo 5, Heitor Frúgoli Jr.).

Voltando ao conceito de “direito à cidade”, os responsáveis pelos estabelecimentos comerciais que encontramos nas ruas podem também criar conflitos com potenciais clientes ou com moradores dessas ruas, devido à incompatibilidade de interesses entre quem tenta fazer negócio num determinado setor e quem frequenta/vive na zona e preferiria deparar-se com outro tipo de estabelecimento (capítulo 6, de Maxime Felder e Loïc Pignolo).

Por outro lado, as cidades são também marcadas pela insegurança e pela criminalidade, que influenciam as representações que temos delas bem como as nossas deslocações. Tentar perceber que áreas são as mais problemáticas torna-se importante para delimitar estratégias específicas de combate (capítulo 7, de Riccardo Valente).

Noutro aspeto relacionado com as cidades, discute-se muito sobre políticas culturais como forma de regeneração urbana. Se estas parecem ser vantajosas na competição entre cidades, fica a dúvida sobre até que ponto promovem a coesão social dos seus habitantes (capítulo 8, de Nunzia Borrelli e Kathleen M. Adams).

Além da mobilidade e da questão do uso do espaço urbano, são ainda abordadas no livro as questões da habitação urbana. Num estudo realizado na Finlândia, tentou perceber-se se existe uma certa perceção de desordem social em bairros construídos após a Segunda Guerra Mundial (capítulo 9, de Teemu Kemppainen). Num outro estudo, realizado na Bósnia-Herzegovina, procurou-se acompanhar o fenómeno das práticas informais de privatização de apartamentos sociais, nomeadamente a sua modificação bem como a apropriação de espaços comuns em vários condomínios (capítulo 10, de Sonja Lakic).

Voltando à luta pelo espaço urbano, é dado o exemplo de um conflito emergente nas cidades alemãs: a luta entre projetos de jardinagem em espaços urbanos vazios e grupos sociais que pretendem usar esses espaços para proveito económico (capitulo 11, de Jennifer Morstein). Por fim, usando o caso de Detroit, sobretudo após a declaração de falência da cidade, relata-se o surgimento de projetos de ocupação de espaços livres na cidade que vieram trazer conflitos entre quem pretende colmatar as necessidades das pessoas mais carenciadas e quem defende interesses financeiros emergentes (capítulo 12, de Eve Avdoulos).

Com esta breve síntese é possível verificar que, embora sejam abordadas na obra questões que não são muito recentes (como os capítulos que se baseiam no conceito do “direito à cidade” de Lefebrve), existem outras que são importantes discutir mesmo que não pareçam muito relevantes à primeira vista, como as questões da mobilidade ou da habitação. Estas duas questões, a par da do uso do espaço urbano, oferecem outras perspetivas de entendimento das nossas cidades. Porque, para além de ocuparmos o espaço urbano, também temos necessidade de nos movermos nas cidades e termos os nossos espaços privados, nomeadamente a nossa habitação.

Os autores de vários capítulos do livro oferecem, por isso, outras alternativas e visões de olhar as cidades. Regressando ao conceito de “direito à cidade”, muito usado e subentendido em alguns dos capítulos aqui referidos, não existe propriamente uma repetição do conceito cunhado por Lefebvre sobre a utilização do espaço urbano pelas classes operárias tendo em vista a reivindicação de direitos. Existe, sim, uma renovação deste conceito à luz dos nossos tempos, ou seja, verifica-se o uso do conceito criado em 1968 em exemplos mais recentes. Poderemos, assim, perceber este conceito, não só aplicado à luta pelos direitos sociais, mas também como forma de reivindicar espaço urbano, que pode ser usado para além dos interesses financeiros de alguns grupos sociais.

Em conclusão, é possível olhar para este livro como sendo um manual atualizado, não só na aplicação do conceito do “direito à cidade”, mas igualmente na chamada de atenção para outras questões urbanas tão relevantes como esta, como a mobilidade e a habitação urbana contemporânea. Podemos entender este livro como um esforço de um grupo de investigadores, que com formações diferentes, mas com interesses de investigação convergentes, apresentam as suas visões sobre as questões urbanas contemporâneas, discutindo-as e apresentando linhas de investigação futuras, uma vez que as cidades não são elementos estáticos e apresentam-se sempre em constante mudança.

 

NOTAS

* Este texto foi realizado no âmbito de uma Bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ref.ª SFRH/BD/137480/2018), financiada pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do Ministério de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal.

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