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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.118 Coimbra maio 2019

 

RECENSÃO

Reis, José (2018), Economia portuguesa: formas de economia política numa periferia persistente (1960-2017)

 

Tânia Regina Krüger*, Edyvar de Mattos Guimarães**

* Departamento de Serviço Social, Universidade Federal de Santa Catarina Campus Reitor João David Ferreira Lima, s/n, Trindade, CEP 88040-900 Florianópolis, Santa Catarina, Brasil tania.kruger@ufsc.br

** Doutorando em Sociologia Política na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Av. Alberto Lamego, 2000, Parque California, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, CEP 28013-602, Brasil guimarvix@hotmail.com

 

Economia portuguesa: formas de economia política numa periferia persistente (1960-2017)

José Reis

Reis, José (2018), Economia portuguesa: formas de economia política numa periferia persistente (1960-2017). Coimbra: Edições Almedina, 274 pp.

 

Portugal: renovada condição de periferia

O livro de José Reis é uma densa e cuidadosa análise sobre a economia portuguesa do período entre 1960 e 2017, que reflete o acúmulo da sua trajetória de investigador científico e de gestor público. Para os leitores não familiarizados com temas sobre a organização e a evolução dos sistemas econômicos, as dinâmicas produtivas, o trabalho e os sistemas de emprego, as formas de relacionamento supranacional, a governação da economia em período autoritário, democrático e de economia da austeridade, o livro é um convite a uma leitura didática e esclarecedora, sem perder o rigor acadêmico-científico.

A obra está organizada em cinco capítulos. Apresenta – a partir do domínio da economia política – elementos conceituais, históricos e indicadores da economia portuguesa, de forma a compreender a sua condição de periferia, a economia política do empobrecimento, a sobredeterminação institucional da União Europeia (UE), a prolongada estagnação na sequência da adesão à União Económica e Monetária (UEM) e os problemas e possibilidades de uma economia política de recuperação a partir de 2015. Ou seja, o livro faz uma revisão dos ciclos econômicos após o longo período de Portugal enquanto país colonizador “anacrônico”, como caracteriza o autor.

Ao longo dos capítulos, Reis trata de evidenciar os fundamentos para situar Portugal como uma periferia na Europa. O período de industrialização (1960-1974) revelou a incapacidade de se modernizar, de qualificar o sistema produtivo e o mercado de trabalho. Para o autor, Portugal tem uma originalidade inescapável: instalou um setor industrial pesado e moderno, com elevados volumes de capital fixo enquanto fez do trabalho a sua principal mercadoria de exportação. O “regresso” à democracia (1975-1983) deu prioridade aos mecanismos de estruturação interna e à economia política da democracia. Depois da Revolução dos Cravos, a principal decisão foi a de democratizar e possibilitar que o acesso ao bem-estar se generalizasse por meio das políticas econômicas e de grandes transformações institucionais, com vista à redução das desigualdades e à reorganização da estrutura econômica. Deu-se prioridade a processos de modernização empresarial e adequou-se a esfera pública, cultivando um ambiente de europeização. O período de 1984-1992 foi, em parte, a continuidade da economia política da democracia, mas aliado à reorganização da economia e da sociedade até à integração monetária, destacando-se pelas reformas das instituições, com privatizações, proteção a grupos econômicos e liberalização do mercado de trabalho.

A preparação para a integração na UEM (1993-2003) se fez pelos mercados, instalando o “poder burocrático europeu, criador de regras e de instituições destinadas a condicionar e reduzir a esfera pública” (p. 6). A arquitetura institucional da UEM adotou o processo de financeirização construída no plano internacional. Os tratados e pactos foram “mostrando que estava desfeita a relação de redistribuição entre crescimento, pleno emprego e desenvolvimento dos sistemas de redistribuição com aumento dos salários” (p. 61). Em Portugal, a economia tornou-se profundamente dependente do exterior e sua posição de devedor foi acelerada, intensificou-se a fragilidade da sociedade e da economia e se renovou a condição de periferia. O novo quadro institucional da UEM (2003-2015) reduziu o espaço das políticas públicas e protegeu as relações de mercado, subjugando o financiamento público e a política monetária de cada país. Portugal entrou numa tendência de estagnação e, em 2011, adotou o programa de política econômica do Memorando de Entendimento assinado com a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial (troika), que o autor denominou de economia política da austeridade. Esta é “recessiva e deflacionária, dá primazia aos valores financeiros, contrai os rendimentos salariais, produz uma forte reconfiguração social e económica, com retrocesso de direitos e de formas de proteção social, hostiliza o Estado e a esfera pública, promove a conflitualidade, ‘naturaliza’ a arquitetura institucional que ela própria criou e enaltece o individualismo” (pp. 67-68). Ao proteger os setores onde estão os capitais mais poderosos, a economia portuguesa se desligou de si própria e da sociedade, tendo esta arcado com os custos. Tratou-se da “mais forte captura recessiva da economia (…) em favor de uma reversão das relações sociais, especialmente das laborais, e do papel do Estado” (p. 73).

A política de austeridade causou um choque violento à economia e à sociedade portuguesa, mas uma viragem política relevante ocorreu em 2015 – com a formação de um governo socialista com apoio parlamentar de outros partidos à esquerda –, na qual se ensaia uma reação da mudança da economia política por deliberação democrática. “Não se tendo alterado as condições institucionais, nem as restrições principais, seja no plano europeu, seja no plano internacional em geral, o que esta nova fase significa é que é possível agir politicamente dentro das capacidades que um país possui” (p. 70).

A defesa de algumas posições político-econômicas traduzem o pensamento e a preocupação do autor. Portugal escolheu um modelo de desenvolvimento que não gera empregos de qualidade e fica, portanto, sujeito a determinações da macroeconomia advindas do ingresso na UE, que redefiniu sua economia e sua sociedade. Estes são temas abordados ao longo dos cinco capítulos, a princípio historicamente e, em seguida, com análise de indicadores econômicos, clareando os motivos a respeito do não crescimento da economia portuguesa e a sua dependência significativa do contexto europeu. Para compreender outra determinante do empobrecimento português, o autor faz uma análise especial da arquitetura da UE, que estabelece a vitória liberal e conservadora do mercado sobre quaisquer outros interesses, deixando que economias diferentes sejam submetidas a critérios que desconsideram seu grau diferenciado de desenvolvimento. Por fim, sintetiza: a UEM é um verdadeiro “governo da Banca” (p. 187), que privilegia a financeirização da economia e é “uma insensata carta de condicionalidades e um mecanismo gerador de constrangimentos” (p. 185) para os países periféricos.

No conjunto, a avaliação do autor é que os ciclos da evolução econômica de Portugal são instáveis, com desequilíbrios sistemáticos, dependência persistente e onde o poder para controlar a evolução econômica e social é baixo. Estes ciclos foram apresentados e analisados de forma a compreender a industrialização, a desruralização e a terceirização nas dimensões da produção, do emprego, da geração e redistribuição de rendimento e da provisão de bem-estar. Esta leitura – que está longe de ser uma contabilidade do crescimento – evidencia a dimensão limitada desse crescimento em cada período, os escassos efeitos de uma economia que não tem repercussões essenciais no emprego e no mercado de trabalho, e por essas razões, incapaz de estruturar um processo de crescimento e forjar possibilidades de democracia política e de democracia econômica. Determinando o retrato de Portugal na segunda década dos anos 2000: um país que desenvolveu um turismo de massas, serviços generalistas e trabalho precário e mal remunerado, tendo-se tornado a terceirização excessiva com um uso extensivo de trabalho sem criação de valor.

O professor José Reis merece ser lido por todos, europeus – portugueses especialmente – mas também por leitores de outros países e, em particular, brasileiros, de modo a observar: primeiro, a importância da análise econômica através do prisma da economia política observando aspectos sociais e políticos, relevantes nas escolhas; segundo, a elaboração de uma metodologia de análise considerando os momentos históricos econômico-políticos, que ajudam a compreender o presente; e, por último, a ênfase na financeirização do capital e, por consequência, das atividades econômicas, com reflexos em todas as relações sociais.

Por fim, este é um livro perpassado pela emoção do autor e pelo desejo de que seu país cumpra as finalidades que ele entende como precípuas: os destinatários do desenvolvimento econômico serem as pessoas e a sociedade, a inserção pelo trabalho ser o mais poderoso mecanismo de inclusão na contemporaneidade, que a economia satisfaça as condições da democracia e que o Estado tenha centralidade na ação pública.

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