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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.115 Coimbra maio 2018

https://doi.org/10.4000/rccs.6954 

ARTIGO

Descolonizar a fantasmagoria. Uma reflexão a partir do “Massacre de 1953” em São Tomé e Príncipe*

Decolonizing Phantasmagoria. Reflections on the “Massacre of 1953” in São Tomé and Príncipe

Décoloniser la fantasmagorie. Une réflexion à partir du “Massacre de 1953” à São Tomé et Príncipe

 

Inês Nascimento Rodrigues

Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal inesrodrigues@ces.uc.pt

 

RESUMO

Assumindo o papel insubstituível dos espetros no questionamento do passado, em particular no que toca a momentos que representaram cesuras potencialmente traumáticas, proponho, no presente artigo, testar o valor de um conceito de origem marcadamente ocidental, como a fantasmagoria, na construção de políticas e práticas pós-coloniais da memória. Pretendo, deste modo, demonstrar as possibilidades sociológicas, políticas e literárias da figura do fantasma quando aplicada a um acontecimento com as especificidades histórico-culturais do “Massacre de 1953”, em São Tomé e Príncipe.

Palavras-chave: fantasmagoria, Massacre de 1953, memória, pós-colonialismo, São Tomé e Príncipe, trauma psicológico

 

ABSTRACT

Assuming the irreplaceable role of specters in questioning the past, in particular with respect to those moments which constitute potentially traumatic ruptures, in this article I propose to test the value of a concept with markedly western origins – the haunting – in the construction of postcolonial policies and practices of memory. I intend, therefore, to demonstrate the sociological, political and literary possibilities of the ghost figure when applied to an event with historical and cultural specificities, namely the “Massacre of 1953” in São Tomé and Príncipe.

Keywords : Massacre of 1953, memory, fantasmagoria, postcolonialism, psychological trauma, São Tomé and Príncipe

 

RÉSUMÉ

En assumant le rôle irremplaçable des spectres dans le questionnement du passé, en particulier pour ce qui a trait à des moments qui représentent des césures potentiellement traumatiques, je propose, dans le présent article, de tester la valeur d’un concept d’origine nettement occidentale, tel que la fantasmagorie, dans la construction de politiques et de pratiques post-coloniales de la mémoire. De la sorte, mon but est de démontrer les possibilités sociologiques, politiques et littéraires de la figure du fantôme lorsqu’appliquée à un évènement aux spécificités historico-culturelles du “Massacre de 1953”, à São Tomé e Príncipe.

Mots-clés: fantasmagorie, Massacre de 1953, mémoire, post-colonialisme, São Tomé et Príncipe, traumatisme psychologique

 

Introdução

A fantasmagoria, enquanto modo de narrar e imaginar a nação pós-colonial, provou ser, nas últimas décadas, uma ferramenta social e conceptual muito forte para desvendar histórias e vozes omissas e questionar relações entre passado, presente e futuro. As funções e significados da presença dos fantasmas em contextos coloniais e pós-coloniais têm sido, de facto, utilizados para teorizar um conjunto de questões éticas, políticas, culturais e sociais relevantes.1 Para Mélanie Joseph-Vilain e Judith Misrahi-Barak, o estatuto ambíguo e impossível de fixar dos espetros, torna-os, precisamente, ferramenta indispensável para interrogar contextos pós-coloniais:

Mais do que, talvez, em qualquer outro lugar, no mundo pós-colonial os fantasmas colocam a questão fundamental da herança: como são a história, a cultura, a identidade, transmitidas – ou não transmitidas –, em culturas nascidas da conquista, do conflito, e algumas vezes da obliteração? O que é que é, exatamente, transmitido, e o que é que é reprimido? A figura do fantasma, usada consciente ou inconscientemente, pode ser lida como uma manifestação da complexidade destes assuntos no mundo pós-colonial. (Joseph-Vilain e Misrahi-Barak, 2009: 18)2

É por concordar com a sobredita reflexão que, no presente artigo, argumento a favor do recurso à fantasmagoria para se pensar sobre as políticas identitárias e da memória nas representações daquele que ficou conhecido como “Massacre de Batepá”, em São Tomé e Príncipe.3 Os acontecimentos que tiveram início a 3 de fevereiro de 1953, hoje feriado nacional no arquipélago, vitimaram um número indeterminado de forros4 – o grupo etnocultural dominante nas ilhas – a mando do governador português Carlos de Sousa Gorgulho (Mata, 1998; Pacheco, 1999; Cervelló, 1999; Seibert, 2002a).5

O massacre, que permanece praticamente desconhecido em Portugal, onde se recusa a discussão de um acontecimento que perturba a grande narrativa nacional pós-imperial de um colonialismo português mais pacífico, é, em contrapartida, mitificado em São Tomé e Príncipe e transformado num símbolo legitimador e fundador da nação, que permite a reivindicação de uma consciência política anterior à independência. Durante a luta de libertação no arquipélago, o massacre foi, assim, codificado como o episódio fundador do nacionalismo são-tomense e as suas vítimas transformadas em heróis pela liberdade da pátria.6 Esta narrativa acaba por se tornar o significante primordial da identidade nacional, marcando o massacre como o momento do despertar político do seu povo, onde todos aqueles que não são forros são diluídos nessa identidade coletiva.7

Os discursos nacionalistas que emergem durante a luta de libertação e no pós-independência acabam, assim, por reproduzir uma conceção homogénea da nação levando a que os cidadãos e as cidadãs que se encontram fora dessa cultura e identidade normativa sejam marginalizados ou forçados a encontrar pontos de contacto nas narrativas nacionais, que podem não se articular com as suas crenças e/ou reivindicações.8 Esta linha de narração dominante, muito evidente, por exemplo, nos discursos políticos e na literatura de testemunho são-tomense produzidos sobretudo nos anos 1970, comporta, naturalmente, diversos silêncios e ausências que, neste caso, se vão manifestar simbólica ou literalmente através da figura do espetro.

Tendo isto em conta, o que venho propor neste texto é que pensemos na fantasmagoria como uma metodologia pós-colonial da memória que, em contextos específicos, pode permitir contar uma história mais plural do passado. No caso do “Massacre de 1953”, o idioma fantasmático9 reflete a heterogeneidade das memórias e das experiências vividas por quem com ele se relaciona, seja por ter presenciado o evento na pele, seja porque dele herdou memórias, permitindo refletir sobre as distintas configurações identitárias que definem espaços de pertença e/ou exclusão alternativos na sociedade colonial e pós-colonial10 do arquipélago.

Contudo, porque os processos de reinscrição e idealização do passado são contextuais, o exercício de imaginação do “Massacre de 1953” vai exigir que se recorra à fantasmagoria não segundo um modelo universal, que examina as assombrações como sendo todas idênticas, mas pensando cuidadosamente no lugar e relevância dos assuntos espetrais no domínio das teorias pós-coloniais.

 

A fantasmagoria como proposta de imaginação do “Massacre de 1953”: pós-colonialismos, espetros e ausências

Histórias violentas como o massacre de Matabeleland, no Zimbabwe, a brutal partição da Índia ou os genocídios dos Herero pelos alemães, dos argelinos pela França e dos Tutsi e alguns Hutu moderados, no Ruanda, geram assombrações que possibilitam renovadas formas de contar a nação enquanto entidade política imaginada.11

A história dos acontecimentos de 1953 vai seguir este percurso, assumindo-se como uma poética dos fantasmas e das ausências, sobretudo por aquilo que revela, omite ou idealiza sobre São Tomé e Príncipe e Portugal. Com efeito, o tópico da fantasmagoria parece particularmente adequado e relevante no contexto são-tomense. Um território pensado, inicialmente, como colónia de desterro, administrado por uma comunidade de europeus que se impõe através da violência e da tentativa de aniquilação de outras culturas, produz muito sofrimento, injustiça e “más mortes” – os ingredientes universais das histórias de fantasmas segundo Potts (2009: 114).

Os fantasmas de 1953 não são, no entanto, exclusivamente metáforas ou fruto da criação artística. Fazem parte do simbólico, sem dúvida, mas são também existências materiais que se manifestam no dia a dia e que contribuem para a reelaboração atual e constante do que é ser são-tomense.12 No arquipélago não existe, popularmente, uma separação estanque entre o mundo dos espíritos e o mundo dos vivos e a ligação que se estabelece entre estas esferas apresenta, muitas vezes, um potencial regenerador e reparador, como acontece, por exemplo, no ato de possessão ou de “ser montado/a”:

Na sua vertente mais libertadora, os discursos e as práticas de feitiçaria podem permitir aos indivíduos um conjunto de táticas de recriação e de reinterpretação do mundo que são possibilitadas por um pressuposto ontológico generalizado: há agencialidades poderosas que não são deste mundo, do mundo empírico que é apreendido pelos sentidos em circunstâncias normais. (Valverde, 2000: 126)

Quem é invocado nestes rituais são, muitas vezes, as testemunhas do sofrimento do povo colonizado, guardiões de memórias dolorosas e com poder performativo de agir no presente.13 Por outro lado, podem ser, também, os espíritos inquietos de homens e mulheres, contratados das roças14 e vítimas do “Massacre de 1953”, enterrados no mato sem direito aos rituais fúnebres que proporcionam uma “boa morte” e, portanto, vagueando à procura do seu lugar devido na nação (cf. Valverde, 2000: 86).

Aqui, os espetros “são, em primeiro lugar, sobre identidades históricas concretas, cuja existência, apesar de pertencente a uma era passada, se acredita permanecer no tempo presente de uma forma empírica, e não alegórica” (Kwon, 2008: 2).15 Consequentemente, estes espetros são também agentes ativos nos processos de construção da realidade social e da nação em São Tomé e Príncipe. Sendo assim, os fantasmas não constituem uma ferramenta exclusivamente figurativa, mas a representação de toda uma cosmologia, onde vivos, mortos e espíritos convivem e comunicam entre si, cenário que se afasta do especulado por Jacques Derrida em Spectres de Marx , uma vez que este não pressupunha a existência factual e material do espetro, mas apenas de algo “que paira como um fantasma e, por meio desta assombração, exige justiça ou, pelo menos, uma resposta” (Blanco e Peeren, 2013: 9).16 Torna-se, assim, necessário, ter em atenção as perspetivas críticas de Achille Mbembe, Gayatri Spivak, Esther Peeren e María del Pilar Blanco para que seja possível caminhar no sentido de descolonizar a fantasmagoria.17

Efetivamente, pese embora a inegável influência e valor do recurso à fantasmagoria no campo dos estudos pós-coloniais, esta deve ser manuseada com precaução, pois diferentes posturas perante os mortos e os espíritos produzem distintos fantasmas e, mesmo entre pessoas de um mesmo grupo, há diferenças e múltiplas convenções para pensar sobre a memória e os espetros que não podem ser ignoradas. Neste aspeto, embora partilhe das apreensões sinalizadas por investigadores/as como Michael O’Riley (2004, 2007) e Emilie Cameron (2008), penso, recorrendo a Blanco e Peeren, na fantasmagoria como “espetro-política” – isto é, como uma ferramenta útil na reconceptualização dos quadros teóricos do(s) pós-colonialismo(s), memória(s) e nacionalismo(s), “desenhada para se debruçar na forma como, em diferentes partes do mundo, sujeitos particulares se tornam vulneráveis ao apagamento social, à marginalização e à precariedade” (2013: 19).

A utilização do conceito de espetro aplicada a seres humanos concretos e materiais foi primeiro alvo de reflexão pelo filósofo Achille Mbembe, que, partindo das noções desenvolvidas pelo escritor nigeriano Amos Tutuola, designa por “sujeitos errantes” as pessoas subordinadas a “formas extremas de vida humana, mundos-de-morte, formas de existência social (...) que lhes conferem o estatuto de mortos-vivos (fantasmas)” (2003: 1). Estes sujeitos espetrais, como os trabalhadores contratados e seus descendentes em São Tomé e Príncipe, partilham com os fantasmas o mutismo, a invisibilidade, a posição liminar e o vaguear sem destino certo, tornando-se espetadores da sua própria vida.18

O mesmo fenómeno foi observado por Esther Peeren num estudo crítico do mundo contemporâneo globalizado, publicado em livro e intitulado The Spectral Metaphor. Living Ghosts and the Agency of Invisibility (2014). Influenciada, precisamente, pela conceção dos fantasmas enquanto sujeitos errantes, a análise da autora requer a recusa de modos dualistas de pensar. O que Peeren ( ibidem : 28) sugere nesta obra é que movamos a nossa perspetiva para a ótica de quem assombra, isto é, que vejamos com os olhos do fantasma. A argumentação da autora distingue entre dois tipos de aparições: as literais , que dizem respeito ao regresso dos mortos sob qualquer forma percetível aos vivos, e as metafóricas , isto é, as de seres humanos que são produzidos fantasmas pelas sociedades que os marginalizam e invisibilizam ( ibidem : 7-12). Estes últimos surgem denominados como “fantasmas vivos” e nesta categoria Peeren integra, por exemplo, imigrantes ilegais, trabalhadores domésticos, médiuns e pessoas desaparecidas, todos alvo de invisibilidade social ( ibidem : 5).

Os modos alternativos de subjetividade proporcionados pela fantasmagoria a sujeitos produzidos espetros são, segundo Peeren, amplos: por um lado, estes podem insistir para que a sua materialidade, relevância social e cidadania plenas sejam reconhecidas; por outro, podem optar por “trabalhar com a metáfora, moldando-a para ativar outras associações mais poderosas do fantasma (...)” (2014: 7-8). De qualquer forma, a autora alerta para que reconheçamos as especificidades históricas, culturais, geográficas e metodológicas do fantasma para não generalizar e esvaziar os múltiplos significados que este pode contemplar. Neste ponto – se tudo for espetral, então nada é espetral –, como noutros, de resto, a investigadora constitui-se como uma das maiores críticas da “ontologia alternativa” ( ibidem : 11) de Derrida que transforma tudo em fantasmático e se baseia em pressupostos universalizantes, eurocêntricos e patriarcais:

A sua noção de fantasmalogia permanece fortemente ligada às tradições judaico-cristãs de herança e luto e os textos que escolhe analisar (...) tornam o fantasma não apenas numa figura predominantemente patriarcal (...), mas excluem conceções culturais não-ocidentais do fantasma que podem produzir uma diferente ética de intersubjetividade. (Peeren, 2009: 328-329)

São estas identidades espetrais que, juntamente com as dimensões fantasmáticas presentes nas narrativas e discursos dominantes, se tornam, em muitos casos, objeto literário e de representação de artistas pós-coloniais que as revisitam de forma a construir bancos alternativos de memórias individuais, culturais e públicas. Gerry Turcotte (2009: 97) relembra, contudo, que a noção de ser produzido fantasma não é apenas um tropo artístico, mas também uma forma de existir (ou não existir) em certas sociedades. De facto, no caso dos acontecimentos de 1953, o potencial subversivo da fantasmagoria vai manifestar-se, sem dúvida, no impacto das heranças do colonialismo sobre um passado imaginado, mas, também, na deteção de renovadas formas de violência no presente, em que indivíduos como os descendentes de trabalhadores contratados, ainda hoje relegados para o espaço socioeconómico marginal das roças, são construídos invisíveis, logo, fantasmas.

Isto é particularmente notório na obra de Conceição Lima, cujos textos estão repletos de referências a este evento histórico e que aqui gostaria de destacar como particularmente representativos da tese que defendo. Partindo da encenação dos acontecimentos de 1953, o arquipélago estabelece-se, em Conceição Lima, como espaço dilacerado, onde a gramática dos espetros sustenta uma dimensão de exclusão e marginalização:

Mostra-me o sangue da lua

Agora que a praia cuspiu

A náusea do mar

E o nojo das rochas petrifica os gritos que não ouvi

Mostra-me o sangue

O sangue e as veias da lua

Quando as línguas decepadas

Ressuscitarem

Em Fernão Dias no mês de Fevereiro. (Lima, 2004: 29)

A privação e desmembramento da língua simbolizam, neste caso, uma perda irreparável: a perda da identidade, de um lugar de pertença e, acima de tudo, da humanidade. Se, como afirma Mbembe num dos capítulos de Crítica da razão negra , “quem decide do que é visível e do que deve ficar invisível, manda” (2014: 193), aqui, “a recordação do órgão mutilado responde, como num eco, à violência” (Mbembe, 2003: 6) da experiência visceral de invisibilidade e morte social a que a população negra estava sujeita na sociedade colonial de São Tomé e Príncipe. Embora as línguas decepadas sinalizem justamente esse silenciamento, em Conceição Lima, estas são línguas que regressam à vida e que têm capacidade de se exprimir.

Através de um discurso que não compactua com a produção de heróis nacionais e com a redução de certos segmentos da população, como os trabalhadores contratados, à abstração e omissão, a voz poética opta por confrontar a sociedade são-tomense com a imaginação de uma nação que se revela infetada, lesionada e estéril (cf., por exemplo, Lima, 2004: 51; 2006: 25).19 A resposta que a poeta parece ter encontrado para fazer o luto e para que um outro país possa de aí renascer é o retorno a um espaço primordial, o útero metafórico das ilhas, que propõe no seu livro de estreia, logo no primeiro poema, batizado, sugestivamente, “Mátria”.

A palavra que designa o órgão do aparelho reprodutor feminino, presente no referido texto e no título da sua primeira obra, é empregue como metáfora orgânica para a gestação de uma possível nação alternativa, como em “Canto obscuro às raízes”, “Os rios da tribo” ou “Em nome dos meus irmãos”, em que o seu corpo emerge como câmara de ressonância onde se incorporam e relembram outros grupos do arquipélago. O seu corpo é, portanto, uma matriz incompleta, onde se inscrevem memórias e renovadas formas de pertença à nação, e é através da fantasmagoria que é possível empreender esse caminho de regresso ao útero.

É também neste sentido que a marginalização dos trabalhadores contratados parece só poder ser representada, para Conceição Lima, através do recurso à fantasmagoria, oferecendo-lhes poder, o poder de, simbolicamente, se constituírem autores da voz poética. Através deste processo, a autora atribui um nome individual e uma linguagem àqueles que carecem de um rosto público e de um discurso audível, como acontece em “Kalua”, “Raúl Kwata vira Ngwya Tira Ponha” e “Manifesto imaginado de um serviçal”, entre outros. Neste último poema, os serviçais regressam dos mortos para exigir um lugar no “chão são-tomense”, num gesto reivindicativo em que “interpela(m) diretamente aqueles que são responsáveis pelo seu destino de apátrida”, os forros, afirmando-se, como estes, também “filhos-da-terra”, diz-nos Inocência Mata (2006: 244). De forma contundente, a investigadora acrescenta que

A poesia de Conceição Lima dialoga não apenas com a de Alda Espírito Santo, mas ainda com a de Francisco José Tenreiro ou de Manuela Margarido, em que a presença do serviçal ou do contratado, quando acontecia, sempre foi silenciosa. Poemas como “Serviçais” de Manuela Margarido, “Romance de Sam Márinha”, “Romance de Nhá Carlota”, de Francisco José Tenreiro, ou “Avó Mariana”, de Alda Espírito Santo, diferem nesse direito restituído ao contratado como pertença à nação. (Mata, 2010: 210)

Em “Zálima Gabon”, sendo que zálima significa alma, espetro ou fantasma e gabon é o termo pejorativo pelo qual são conhecidos os não-naturais de São Tomé e Príncipe, a voz poética sublinha a natureza inquieta destes mortos, que voltam, como sinal de algo indizível por resolver, denunciando a impossibilidade do retrato da marginalização e violência extremas (cf. Lima, 2006: 23). De facto, os contratados, ao chegar às ilhas, eram duplamente discriminados, por colonos e ilhéus, o que levou a que alguns viessem, mais tarde, a colaborar no massacre ao lado dos portugueses. A participação destes homens e mulheres nos eventos de 1953 foi, num primeiro momento, excluída da narrativa nacionalista, durante a luta de libertação, porque interessava unir a população contra o inimigo comum: o colono (cf. Seibert, 2002a: 115); e, num segundo momento, logo após a independência, porque interessava atenuar tensões étnicas para se construir a nação.20

Tornados invisíveis e silenciados nas narrativas hegemónicas, os trabalhadores contratados transformam-se em espetros – ou “fantasmas vivos”, na aceção de Peeren (2014) – de que ninguém quer falar, evitando-se, desta forma, o reconhecimento da contribuição dos próprios “filhos-da-terra” na produção ativa desses mesmos fantasmas, fantasmas que, todavia, em Conceição Lima, se valem da sua condição fantasmática para destabilizar o presente e lembrar a necessidade do confronto com o passado.21 Neste segundo caso, “o poder consiste em estar presente em vários mundos e, em simultâneo, sob diferentes modalidades” (Mbembe, 2014: 229).

Na tradição são-tomense a partir da qual Conceição Lima escreve, os vivos e os mortos não habitam esferas separadas hermeticamente, mas, ao invés disso, convivem e interagem numa base diária, estabelecendo relações sociais uns com os outros que podem, segundo Valverde (1998: 243), ser de preservação ou de rutura. Nas ilhas, “os fantasmas são uma forma cultural popular preeminente (...) e também um meio eficaz, poderoso, de reflexão histórica e autoexpressão” (Kwon, 2008: 2). Assumindo este sistema de crenças, que demonstra conhecer e partilhar, e uma cosmologia e ontologia muito próprias – “Creio no invisível / Creio na levitação das bruxas / Creio em vampiros / Porque os há” (Lima, 2011: 37) –, a poeta recorre à fantasmagoria como alternativa estética e teórica que captura a riqueza de significados que o mundo dos espíritos assume no quotidiano das ilhas, e reconhece como válidas, simultaneamente, as práticas e sistemas de pensamento locais de São Tomé e Príncipe.

Uma das principais críticas apontadas às reflexões espetrais de Derrida é, justamente, o facto de este não diagnosticar capacidade de ação aos fantasmas, que destina a uma esfera do quimérico, tomando exclusivamente como agentes os sujeitos assombrados e nunca aqueles que assombram. Para Peeren (2009: 328), apesar de Derrida listar as vítimas do colonialismo entre os espetros a quem é devida responsabilidade e justiça, o autor fala, precisamente, do ponto de vista do colonizador, daquele que é assombrado e que é suposto oferecer reparação, em vez de se posicionar enquanto fantasma que a exige. Esta opção – que pressupõe distinções claras entre dimensões do visível e do invisível, do racional e do irracional –, revela muito do pensamento dicotómico e positivista que informa a teoria da fantasmalogia do filósofo, “em dívida para com uma tradição empírica ocidental que entende os mundos dos espíritos, em primeiro lugar, enquanto funções do imaginário” (Carrigan, 2009: 165).22

Noutros contextos, como em São Tomé e Príncipe, por exemplo, a urgência em comunicar com os espetros que Derrida imprime sobre os leitores e académicos no Ocidente não se verifica com tanta intensidade, porque “falar com os fantasmas não é a exceção, mas a regra” (Peeren, 2009: 332).23 Efetivamente, se se perguntar a um são-tomense qual a relação das ilhas e do seu povo com o mundo dos espíritos, a sua resposta é, na maior parte das vezes, inequívoca: há uma relação muito estreita, sem fronteiras separadas, entre a esfera dos vivos e a esfera dos mortos. Contudo, haverá quem, eventualmente, possa responder ceticamente que a convivência com os espíritos é fruto de “crendices” ou uma “aldrabice”, como é o caso de Caustrino Alcântara, que não hesita em afirmá-lo perentoriamente:24

Para mim, tudo isto é uma aldrabice e uma fantochada. Se eu quiser falar a sério, (...) os fantasmas não existem, espírito não existe! Em lado nenhum. (...) É tudo uma grande aldrabice, mas as pessoas vivem, por acaso, sucumbidas debaixo, digamos, dessas preces, desses preconceitos, dessas alucinações. Ah, existe, sim! Se até dizem que ouvem o movimento de grilhões lá! E os quidalês das pessoas que estavam a ser torturadas (...)! Claro, isso é paranoia. Qualquer pessoa se fixar muito isto na mente, se não for com atitude especulativa, se for muito de dogma, chegando lá isso passa a acontecer para essa pessoa. (entrevista, São Tomé, 27 de janeiro de 2014)

Caustrino Alcântara refere-se, no excerto acima, a Fernão Dias, o pontão onde grande parte dos forros foram detidos durante os acontecimentos de 1953 e, presentemente, um lugar que se acredita habitado pelos espíritos dos defuntos de Batepá.25 Neste local, que se crê preservar os traços das memórias dolorosas do colonialismo, diz-se que é possível ouvir, ainda hoje, o som do arrastar dos grilhões a que os prisioneiros se encontravam acorrentados, assim como os seus quidalês ou gritos de socorro. Ao contrário de Caustrino Alcântara, que desvaloriza esta crença dos são-tomenses, muitos dos seus conterrâneos concordam, contudo, que os fantasmas, sejam ancestrais ou de outro tipo, são almas com poder de intervenção sobre o mundo, a quem se deve respeito e dedicação, sobretudo, mas também temor, consoante os casos.

De acordo com estas ideias, em torno das quais gravitam algumas das tomadas de decisão no dia a dia dos são-tomenses, os fantasmas podem ter propósitos benignos ou nocivos, apresentando, portanto, capacidades de exercer ação sobre o mundo, como explica Albertino Bragança (n. 1944), escritor e político:

Existe uma relação muito forte, muito forte com o feiticismo, os curandeiros… E todo este mundo está patente em São Tomé e Príncipe e há muita crendice, muita crendice. Herdámos dos portugueses todo esse apego ao espírito e penso que é algo, também, que vem mudando paulatinamente, que creio que as novas gerações não estão muito enfeudadas nesses mitos e nessas crenças. Mas pode dizer-se que num país pequeno como São Tomé e Príncipe, há dois fatores que fazem com que as pessoas não tenham uma ação plena em relação a agir contra outra pessoa. Primeiro, as relações de parentesco são muito estreitas, a ponto de dizer-se que São Tomé e Príncipe – STP é “Somos Todos Primos” ou “Somos Todos Parentes”, está a ver? Essa é uma relação que (...), muitas vezes, inibe a ação em relação ao outro, quando o outro pratica artes que são condenadas pela sociedade. ‘Porque ele é meu primo, é filho de tia não sei quantas’ e depois sabe que aqui um homem pode ter filhos com várias mulheres, então, a rede estende-se muito mais. Por outro lado, o medo do feitiço. O medo do sobrenatural. No feitiço, esse medo também inibe muitas vezes, mesmo ao nível da administração pública, a tomada de posição por parte de um diretor porque ele tem medo que o ofendido, o indivíduo sobre o qual recai a ação da lei possa ter ligações espirituosas, sobretudo ligações ao mundo dos espíritos, do feitiço, e isso virar-se contra ele. Portanto, às vezes, esses fenómenos existem. (entrevista, São Tomé, 23 de janeiro de 2014)

Estas entidades não humanas e espetrais podem surgir em sonhos ou sensações, como conta Nazaré Ceita,26 ou assumir uma forma concreta e tangível, como o ocoçô , embora a maioria se revele por intermédio de um curandeiro que “toma santo”. As conversas que tive com o espírito do Senhor Nove Nove, sobrevivente do “Massacre de Batepá”, ou as referências literárias da poeta Conceição Lima ao regresso dos mbilá , os espíritos de trabalhadores contratados alvo de uma morte violenta e sem direito a rituais fúnebres condignos, demonstram como a presença de “fantasmas literais”27 molda a vida social e o quotidiano dos são-tomenses, assumindo particular relevância no contexto dos eventos de 1953. A este propósito, Kwame Sousa contou-me que “grande parte das pessoas que reencarnam, reencarnam de pessoas que (...) morreram durante a altura colonial ou no Massacre de Batepá” (entrevista, São Tomé, 27 de janeiro de 2014).28

Dito isto, o que se pode concluir é que os fantasmas de 1953 não são apenas as elaborações simbólicas que, de diferentes formas e com distintos significados, povoam a poesia de Conceição Lima ou de Alda Espírito Santo, mas também existências materiais que se manifestam no dia a dia.29 Neste contexto, a proposta de descolonizar a fantasmagoria iniciada por Achille Mbembe faz, por isso, todo o sentido. De acordo com Blanco e Peeren:

Mbembe invoca uma esfera não-ocidental em que os seres fantasmáticos – no sentido literal – são parte do habitual e o exorcismo (...) não é uma opção; num cenário destes, a espetralidade, mesmo quando tomada como metáfora ou conceito, ocupa uma posição ontológica e epistemológica diferente e mobiliza outros significados, efeitos e afetos. (2013: 95)

Sendo as configurações fantasmáticas plurais e polémicas, as autoras argumentam em The Spectralities Reader. Ghosts and Haunting in Contemporary Cultural Theory (2013) pela sua diferenciação, tendo em conta aspetos como a diferença sexual, a geografia, a raça, entre outros, que tornam diversas as ações e funções desempenhadas pelos espíritos. Neste campo, as teorizações de Derrida sobre os espetros foram também alvo de crítica, nomeadamente, pela sua negligência face ao papel que a classe e o estatuto social desempenham na fantasmagoria.30 A filiação exclusivamente masculina da herança/memória fantasmática, que transforma e encerra o espetro numa posição normativa enquanto homem, ocidental, branco e heterossexual, é outro dos focos polémicos em Spectres de Marx . Uma das fundadoras e mais importantes teóricas dos estudos pós-coloniais, Gayatri Spivak, destaca a linhagem patrilinear do fantasma derridiano como constitutiva de uma das maiores ausências deste texto: “a mulher não se encontra em lado nenhum” (1995: 66) tornando-se, naturalmente, a par de outros grupos marginalizados, num dos sujeitos fantasmáticos que o assombra.

Porque “para o filho há sempre a oportunidade, em Freud e nas margens da leitura de Derrida dos seus textos, para exorcizar o fantasma do pai, através da obediência e/ou parricídio”, Nancy J. Holland (2001: 67), procurando pensar num lugar em nome próprio para os legados transmitidos às filhas/mulheres, vai oferecer uma leitura feminista da fantasmalogia do filósofo argelino. Pegando em Shakespeare, Sófocles, Marx e, obviamente, no autor de A interpretação dos sonhos , entre outros, a investigadora reflete sobre a história da literatura ocidental como uma história de mães, filhas, amantes e esposas extintas ou desaparecidas, a quem é atribuído um estatuto liminar: “não suficientemente nossas para confiar ou incluir no património de uma cidadania/personalidade plenas, nem bastantes outras para excluir ou matar (...)” ( ibidem : 69). O espetro, em Derrida, discursa assim unicamente para o filho, remetendo para o espaço do invisível e do fantasmático as identidades das descendentes mulheres.

No presente estudo de caso, pelo contrário, e recuperando novamente a poesia de Conceição Lima, é precisamente pelas mães, avós e tias que as novas gerações herdam as memórias e os espetros basilares na construção das suas identidades. Na poesia da autora, de facto, são os fantasmas familiares que, entre as mulheres, habitam no espaço dos afetos, da infância e da “Casa”, como em “As vozes”, onde o sujeito poético recorda a tia Espírito, as primas da Boa Morte e as velhas Venida e Lochina, que se “quedavam sentadas lá no quintal / falando do avô e de outros fantasmas” (Lima, 2006: 62). São espetros que funcionam como elos de ligação com os antepassados ancestrais e que deixam evidente a importância dos universos privado e feminino na transmissão das memórias através do tempo e do espaço. Crescer, neste contexto, significa (re)conhecer os espetros, os literais e os metafóricos, e estar atento/a às injustiças, aos silêncios e aos segredos que vivem, inclusive, no seio do núcleo afetivo e familiar:

O fantasma pode funcionar como marco do território assim como preservador de memória (...). Porém, as histórias de fantasmas fazem mais do que isso: elas podem refletir a culpa ou a vergonha experienciada por um indivíduo ou comunidade. (...) Ser assombrado por um fantasma é ser assombrado pelo passado. (Potts, 2009: 114)

É nesta medida que reconheço na figura do fantasma o potencial de estabelecer uma “relação ética com um evento traumático do passado” (Freccero, 2013: 342), conduzindo a distintas exigências de cidadania e herança. Os espetros de 1953, partindo de uma perspetiva pós-colonial, são aqui encarados não apenas como metáforas artísticas importantes para relacionar conceitos como história, memória, identidade e violência, mas também como sujeitos de direito próprio, com subjetividades particulares e capacidade de ação não só sobre o seu próprio destino, mas aptos para transformar o(s) mundo(s) em que participam.

 

Considerações finais

1953 não é só a história de São Tomé e Príncipe, não é só a história dos forros, não é só a história dos homens; é pertença, também, das suas companheiras, filhas, primas ou mães e dos milhares de homens e de mulheres que, ao longo dos séculos, foram levados de outros lugares do continente africano para as ilhas. Sendo assim, não é despiciendo que grande parte do poder inerente à possessão se encontre associado aos espíritos destes grupos de indivíduos, percecionados como menos civilizados e/ou relevantes e cujas memórias e identidades estão de modos indeléveis sustentadas por uma “história dominada pelo trauma da repressão colonial” (Valverde, 2000: 91, 100). Os mortos que servem de guias espirituais ou que desempenham funções protetoras e/ou terapêuticas em São Tomé e Príncipe são, portanto, quase sempre pertencentes a indivíduos de categorias sociais consideradas subalternas.31 A possibilidade de ação espetral, manifesta em muitas das representações do “Massacre de 1953”, transforma estas pessoas em agentes transformadores da realidade do arquipélago que, atentos ao modo como os legados da violência do passado se repercutem no presente, criam espaços discursivos, simbólicos e políticos onde articular memórias não-dominantes deste evento.32

Efetivamente, plasmadas a partir das ideologias eurocêntricas de civilização e barbárie inerentes ao projeto da modernidade, em São Tomé e Príncipe, estas vidas não eram reconhecidas como de valor, muitas vezes nem sequer como humanas, pelo menos no sentido que é atribuído a um europeu, por exemplo. Despojados das suas identidades, alienados e duplamente marginalizados, é através da figura do fantasma que as mulheres, os trabalhadores contratados e os seus descendentes conseguem que a sua humanidade resista em situações limite, seja no plano simbólico ou no material.

Questionando este passado e assumindo uma identidade performativa através da possessão, como representado na poesia de Conceição Lima ou relatado por Paulo Valverde (2000: 73), uma mulher pode deixar de ser apenas mulher ou um contratado deixar de ser apenas contratado, e incorporar diversas identidades que, por sua vez, oferecem poderes e conhecimentos inacessíveis e interditos à maior parte da população, garantindo-lhes não só o acesso a um lugar de estatuto superior na hierarquia social das ilhas como o reconhecimento do seu papel na criação e manutenção da nação. Deste modo, a fantasmagoria permite, por um lado, fazer germinar lugares onde a dignidade e a esperança de outros grupos são-tomenses lhes possa ser devolvida e, por outro, falar de uma nação que é heterogénea e plural. Neste contexto, é-se espetro para sobreviver e, portanto, a fantasmagoria pode afirmar-se como um instrumento poderoso contra a desumanização e contra a hegemonia de certas narrativas.

 

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Artigo recebido a 20.10.2016 Aprovado para publicação a 26.09.2017

 

NOTAS

* Este ensaio foi escrito no âmbito de um projeto de Doutoramento em Pós-Colonialismos e Cidadania Global do Centro de Estudos Sociais/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, para cuja execução me foi atribuída a bolsa com a referência SFRH/BD/81653/2011, cofinanciada pelo Fundo Social Europeu, através do Programa Operacional Potencial Humano e por Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O presente texto beneficiou, ainda, das reflexões desenvolvidas no âmbito do projeto “CROME – Memórias cruzadas, políticas do silêncio: as guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais”, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC) no âmbito do Programa – Quadro Comunitário de Investigação e Inovação ‘Horizonte 2020’ da União Europeia, com a referência 715593. Agradeço a António Sousa Ribeiro e aos/as especialistas da revisão por pares a leitura atenta e as oportunas críticas e sugestões a este artigo.

1 Existe uma já extensa corrente de trabalhos dedicada exclusivamente, por exemplo, ao estudo do chamado gótico pós-colonial. Sobre este tópico ver Philip Holden (2009), Tabish Khair (2009) e Michelle Giles (2011), entre outros.

2 Todas as traduções, salvo indicação em contrário, são da minha autoria.

3 Para estudos sobre as circunstâncias históricas e políticas do massacre, consultar, por exemplo, Pelissier (1972), Moreira (1974), Seibert (1996, 1997, 2002a, 2002b), Cervelló (1999), Deus Lima (2002), Espírito Santo (2003) e Mata (2004).

4 Forros refere-se a escravos alforriados, homens e mulheres livres que gozam da cidadania plena, naturais das ilhas e seus descendentes e designa, também, o grupo etnocultural predominante em São Tomé e Príncipe. Apesar de existirem forros de diferentes estatutos socioeconómicos, a elite local era composta, sobretudo, por homens e mulheres deste grupo, descendentes de uma “elite mestiça que, tendo herdado escravos e engenhos, de(tinha) também o comércio de escravos na zona e se dedica(va) a uma agricultura de subsistência” (Mata, 1993: 49), situação que se alterou com a recolonização das ilhas no século xix. Muitos dos membros desta elite, também conhecidos como “filhos da terra”, viriam a ocupar posições sociais intermédias durante o colonialismo português tardio, desempenhando funções na administração pública da colónia e/ou sendo proprietários de roças. Sobre este assunto, ver Henriques (2000), Nascimento (2000), Seibert (2002a) e Keese (2012).

5O massacre desenrolou-se com maior intensidade entre os dias 3 e 7 de fevereiro, mas a repressão prolongou-se durante vários meses, com a detenção e deportação de inúmeros forros sob a ação complacente das autoridades coloniais das ilhas e não só, que nada fizeram para o impedir (cf. Seibert, 2002a: 86).

6 O massacre como acontecimento que está na origem do nacionalismo são-tomense é uma relação que, de acordo com Nascimento (2015), ainda se encontra por estudar e comprovar.

7 É importante ressalvar que a criação de “mitos fundadores” no contexto da construção de uma história “em nome próprio” é transversal a outros países que emergiram de experiências coloniais e de lutas de libertação e que, portanto, se encontravam em processo de erguer a nação a partir dos escombros do colonialismo. A elaboração de narrativas míticas foi, de resto, um instrumento a que os nacionalismos europeus também recorreram.

8 Como registado por Layne no contexto caribenho (cf. 2009: 349).

9 A noção de um idiom of haunting é de Gunn (2006: 78).

10 Não uso o termo pós-colonial para me referir a um momento no espaço e no tempo cronologicamente posterior ao “colonial”, nem porque considere que todos os países são pós-coloniais da mesma maneira, mas como instrumento conceptual que me permite pensar o presente mundo globalizado através das heranças do colonialismo. Para uma reflexão sofisticada sobre este assunto, ver Ribeiro (2010).

11 Cf. noção de Benedict Anderson em 1983. De acordo com o autor, a nação “é uma comunidade política imaginada – e que é imaginada ao mesmo tempo como intrinsecamente limitada e soberana” (Anderson, 2012: 25).

12 Existem diversos rituais nas ilhas, como o ocoçô , o pagá-devê , o uê léve , o santo d’água e o alima bluco (cf. Mata, 1998 e Salvaterra, 2009). Discute-se, intensamente, sobre feitiços e encontros com fantasmas e a possessão ou o ato de “ser montado/a” ou “tomar espírito”, por exemplo, é um fenómeno comum, nomeadamente em cerimónias terapêuticas e de cura, como o djambi . Sobre este assunto, recomendo o fundamental livro de Paulo Valverde, Máscara, mato e morte: textos para uma etnografia de São Tomé (2000). Veja-se, ainda, as notícias de Abel Veiga (2010, 2012) sobre a possessão de alunas e alunos que levou ao encerramento temporário de pelo menos duas escolas, em Guadalupe e na cidade de São Tomé.

13 Refiro-me, por exemplo, ao Senhor Nove Nove, espírito de um sobrevivente do “Massacre de Batepá”, que “monta” o curandeiro Nijo e funciona enquanto veículo de transmissão deste passado violento. Em conversa informal com o Senhor Nove Nove, durante o trabalho de campo que efetuei nas ilhas, ele disse-me preservar as marcas dolorosas dos grilhões nos tornozelos, afirmando os eventos de 1953 como os mais terríveis da história do país. Sobre este assunto, ver o documentário de Inês Gonçalves Na Terra como no Céu (2010). O facto de elencar estes rituais não significa que considere a fantasmagoria e o animismo como categorias análogas, uma vez que, apesar dos seus múltiplos cruzamentos, são dimensões muito distintas epistemológica e teoricamente, mas serve tão-só para ilustrar os diferentes modos como o mundo dos espíritos se encontra presente, material e metaforicamente, no quotidiano dos são-tomenses.

14 Os contratados, chegados do continente africano para trabalhar nas roças, eram votados a uma dupla marginalização na sociedade colonial do arquipélago, sendo discriminados pelos portugueses e pelos forros. De facto, os naturais, gozando de um estatuto de liberdade negado aos trabalhadores contratados, vão reivindicar para si o estatuto de “autênticos” são-tomenses, demarcando-se assim dos homens e mulheres vindos, maioritariamente, de outras ex-colónias portuguesas (cf. Seibert, 2002a: 61 e Falconi, 2011: 188). Mais tarde, durante os acontecimentos de fevereiro de 1953, alguns destes trabalhadores contratados vão ser recrutados a colaborar com o Corpo de Polícia Indígena , composto principalmente por soldados angolanos e apoiado por voluntários brancos e que vai desempenhar um papel fulcral na repressão da elite nativa são-tomense (Seibert, 2002a: 76). Sobre o impacto doloroso, violento e traumático do colonialismo sobre os contratados, desde a deportação da sua terra natal, à exigência da mudança dos seus nomes, até ao trabalho em condições análogas à escravatura que eram forçados a desempenhar nas ilhas são-tomenses, ver, a título de exemplo, Lima (2004, 2006, 2011). A poesia da autora, que destacarei mais à frente, constitui um espaço de justiça espetral, onde se reconhece o direito dos contratados, ainda que como fantasmas, a um lugar de pertença no arquipélago.

15 Heonik Kwon escreve reportando-se ao contexto vietnamita.

16 Spectres de Marx , editado em 1993, é indicado, no Ocidente, como o grande marco teórico responsável pela mudança epistemológica na perceção dos assuntos fantasmáticos na academia. A fantasmagoria enquanto processo de inquirição sociológica, contudo, viria a adquirir um reconhecimento completo apenas depois da publicação do livro de Avery Gordon, Ghostly Matters: Haunting and the Sociological Imagination , em 1997. O conceito, de acordo com Gordon (2008: xvi), contempla as diversas formas e movimentos espetrais sob os quais uma “violência social reprimida ou mal resolvida se faz conhecer”, reclamando a urgência de algo que tem que ser feito no imediato. A este propósito e na ausência de uma tradução-modelo em língua portuguesa, cabe-me justificar a opção de recorrer ao termo fantasmagoria como sinónimo de haunting , que é da minha responsabilidade. A transposição mais literal e óbvia de haunting seria “assombrar” ou “assombração”, contudo, sou da opinião que o ato de assombrar pressupõe nuances e heranças da tradição judaico-cristã e do campo da psicanálise que, na minha perspetiva, restringem aquilo que o conceito pretende e pode significar, assim como as diversas interpretações que sugere. A fantasmagoria, como a entendo, seguindo Gordon, Esther Peeren e outros/as teóricos/as, exprime mais do que apenas perda, luto, nostalgia ou melancolia, sendo que em contextos pós-coloniais, por exemplo, pode assumir muitas outras dimensões, modos de historicidade e epistemologias, como discutirei adiante.

17 Cf. exercício proposto por Ngugi wa Thiong’o em Decolonising the Mind. The Politics of Language in African Literatures (1986).

18 Aqui parafraseio, seguindo de perto, Sacksick (2009: 404-405).

19 Sobre isto ver também Mata (2010).

20 No contexto da transição do arquipélago para a independência, seria incorreto não refletir sobre a utilidade prática e sócio-histórica do silenciamento dos papéis desempenhados pelos trabalhadores contratados no massacre. O silêncio, neste caso, constitui aquilo que na aceção de Jay Winter (2010: 5) é um “silêncio estratégico ou político”, isto é, um silêncio amenizador de conflitos internos e a solução possível para a construção da nação depois de uma duradoura história de opressão colonial.

21 Ver, a este propósito, “Os Heróis” (Lima, 2004) e “1953” (Lima, 2006).

22 Carrigan refere-se, no caso, não a Derrida, mas à ênfase de Michel de Certeau no silêncio dos espíritos.

23 Apesar de a autora ser bastante crítica das conceções espectrais de Derrida, também assume ter sido inspirada por alguns dos seus pressupostos (cf. Peeren, 2009, 2014).

24 Todos os excertos orais citados são parte de entrevistas por mim realizadas no decorrer do trabalho de campo em São Tomé e Príncipe, entre janeiro e fevereiro de 2014, um período que me permitiu conhecer múltiplos discursos sobre o que significa ser herdeiro/a e, ao mesmo tempo, responsável pela transmissão de uma memória pós-massacre em São Tomé e Príncipe. Durante a minha estadia no arquipélago, optei por entrevistar, sobretudo, agentes decisores na produção de conhecimentos sobre os acontecimentos de 1953, isto é, homens e mulheres são-tomenses que, hoje em dia, contribuem para a divulgação e elaboração de memórias sobre o “Massacre de 1953”, seja política ou artisticamente. Caustrino Alcântara (n. 1970) colaborou em pesquisas sobre os eventos de 1953 e é um agente cultural na cidade de São Tomé.

25 Fernão Dias é também o nome de uma aldeia e de uma roça são-tomenses (Seibert, 2002a).

26 “Os são-tomenses têm quase que uma relação estreita com os seus entes queridos, com os seus espíritos. Conversam com eles. Por isso é que, permanentemente, rezam a missa aos seus ancestrais, mesmo que passem anos. Há uma relação muito estreita entre o vivo e o morto. Que os inspira, com os quais conversam nos momentos difíceis… é uma situação que não negamos, porque é assim. (...) Há pessoas que dizem mesmo… (...) ‘olha, hoje, sonhei com fulano e tal e eu vou fazer aquilo que ele me disse’. Nos sonhos, por exemplo. Não é? Ou: ‘a minha mãe pediu-me para lhe rezar uma missa, sonhei com ela, e não sei quê’. E a pessoa vai fazer imediatamente” (entrevista, São Tomé, 6 de fevereiro de 2014). Nazaré Ceita (n. 1965) era, em 2014, diretora da Biblioteca Nacional de São Tomé e Príncipe e integrava, nesse ano, a “Comissão 3 de Fevereiro”, responsável pelo planeamento e execução das atividades de comemoração do “Massacre de 1953”.

27 Cf. Peeren (2014).

28 Kwame Sousa (n. 1980) é artista plástico e tem desenvolvido várias obras críticas que exploram a temática da violência do colonialismo no arquipélago.

29 Sobre as diferenças entre os fantasmas representados por Conceição Lima e pela geração de poetas que escreveu no período imediatamente após a independência, com particular enfoque em Alda Espírito Santo, ver Rodrigues (2016).

30 Ver Ghostly Demarcations: A Symposium on Jacques Derrida’s Specters of Marx (Sprinker, 1999).

31 Como registado também em Cuba por Wirtz (2013).

32 De ressalvar que a fantasmagoria nem sempre representa uma ferramenta emancipatória (cf. Peeren, 2009, 2014). Por exemplo, na imaginação literária colonial e luso-tropicalista do massacre, forros e trabalhadores/as contratados/as são, pelo papel exclusivamente silencioso que lhes é atribuído nestas narrativas, figuras metaforicamente espetrais. Nestes casos, os fantasmas não têm capacidade de assombrar e são, num dos modos diagnosticados por Esther Peeren (2014: 24), “fantasmas vivos”, na medida em que à população colonizada, construída ativamente como menosprezável nestas representações, não é permitido deixar registadas as suas experiências e discursos. A fantasmagoria, usada com este propósito, é uma ação que anula a subjetividade individual e que reforça mecanismos de violência epistémica, ao contrário do que acontece nos escritos de Conceição Lima e, num certo sentido, também em Alda Espírito Santo.

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