SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número113Que princípios éticos devem definir o estabelecimento de prioridades entre doentes?In Defense of Housing. The Politics of Crisis índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.113 Coimbra set. 2017

https://doi.org/10.4000/rccs.6696 

ARTIGO

A violência como tática de resolução de conflitos entre irmãos

Violence as a Tactic for Resolving Conflict between Siblings

La violence comme tactique de résolution de conflits entre frères

 

Patrícia Pereira Lopes*, Otília Monteiro Fernandes**, Inês Carvalho Relva***

* Departamento de Educação e Psicologia, Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro . Quinta de Prados, 5000‑801 Vila Real, Portugal patricia.lopes.3@hotmail.com

** Departamento de Educação e Psicologia, Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro. Quinta de Prados, 5000‑801 Vila Real, Portugal tila@utad.pt

*** Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Colégio de S. Jerónimo, Apartado 3087, 3000‑995 Coimbra, Portugal inesrelva@ces.uc.pt

 

RESUMO

A violência fraterna é considerada a forma mais prevalente de violência familiar; porém, é geralmente encarada como inofensiva. Numa amostra de 463 adolescentes portugueses com irmãos objetivou‑se: a) estimar a frequência dos comportamentos violentos na fratria; b) verificar em que medida se associam as diferentes táticas de resolução de conflito fraterno; e c) analisar se essas táticas variam em função da idade, do sexo e do tipo de fratria. Os instrumentos utilizados foram o Questionário sociobiográfico (QSB) e as Revised Conflict Tactics Scales – Sibling Version (CTS2‑SP). Os resultados indicaram que os irmãos usam mais a negociação para resolver os conflitos; contudo, a violência psicológica apresenta também percentagens elevadas, sendo os adolescentes mais velhos, o sexo feminino e as díades mistas a usar mais violência. Concluiu‑se que a violência fraterna é altamente prevalente, tornando‑se importante sensibilizar pais e profissionais para esta realidade.

Palavras-chave: adolescentes, Portugal, relações fraternas, resolução de conflitos, violência familiar

 

ABSTRACT

Sibling violence is considered to be the most prevalent form of family violence although it is generally viewed as inoffensive. In a sample of 463 Portuguese adolescents with siblings, the aim was: a) to estimate the frequency of violent behavior between siblings; b) to verify to what extent different tactics are used for the resolution of sibling conflict; c) to analyze whether these tactics vary with age, sex, or type of sibling relationship. The instruments used were a Socio‑Biographical Questionnaire (SBQ) and the Revised Conflict Tactics Scales – Sibling Version (CTS2‑SP). The results indicated that the siblings are more likely to use negotiation to resolve conflict; however, psychological violence was also found to present high percentages, with older adolescents, females, and opposite‑sex sibling pairings using more violence. It was concluded that sibling violence showed high prevalence, making it important that parents and professionals become aware of this reality.

Keywords: adolescents, conflicts resolution, family violence, Portugal, sibling relationships

 

RÉSUMÉ: La violence fraternelle est tenue comme la forme la plus prédominante de violence familiale: cependant, elle est généralement perçue comme inoffensive. Dans un échantillon de 463 adolescents portugais ayant des frères nous avons eu pour but de: a) évaluer la fréquence des comportements violents dans la fratrie: b) vérifier dans quelle mesure ils sont associés aux différentes tactiques de résolution de conflit fraternel: et c) chercher à savoir si ces tactiques varient en fonction de l’âge, du sexe et du type de fratrie. Les outils auxquels nous avons fait appel sont le Questionnaire sociographique (QSB) et les Revised Conflict Tactics Scales – Sibling Version (CTS2‑SP). Les résultats ont indiqué que les frères recourent davantage à la négociation pour résoudre les conflits: cependant, la violence psychologique présente aussi des pourcentages élevés, les adolescents les plus âgés, le sexe féminin et les dyades mixtes étant ceux qui font le plus usage de la violence. Nous en avons conclu que la violence fraternelle est hautement prédominante et qu’il est donc important de sensibiliser les parents et les professionnels à cette réalité.

Mots-clés: adolescents, Portugal, relations fraternelles, résolution de conflits, violence familiale

 

Introdução

Como sabemos, a família é uma das instituições sociais mais antigas e significativas para o desenvolvimento humano, sendo neste contexto que a maioria de nós inicia as primeiras interações com os outros. As vivências que ocorrem no seio familiar, nomeadamente as relações com os pais e com os irmãos, influenciam os comportamentos dos indivíduos, moldando as suas relações sociais futuras (Adler, 1984; Dunn, 2007; Toman, 1993).

Para quem tem irmãos, a fratria é um subsistema familiar fundamental que se inicia aquando do nascimento do segundo filho (Alarcão, 2000; Goldsmid e Féres‑Carneiro, 2007; Minuchin, 1990; Relvas, 1996). A relevância dos irmãos advém do facto de ser com eles que estabelecemos uma das relações mais extensas da nossa vida (Bank e Kahn, 1997; Dunn, 1983; Michalski e Euler, 2008) e, também, das mais intensas (Foote e Holmes‑Lonergan, 2003), sendo muitas vezes – quando as diferenças de idades não são muito grandes –, as primeiras relações horizontais, com pares, o que implica interesses comuns e amizade íntima, confiança e proteção mútua (Howe et al., 2001). Todavia, como qualquer relação familiar e próxima, as relações fraternas são coloridas de afetos que vão do amor ao ódio (Fernandes, 2002, 2005), onde os conflitos podem acontecer e, muitas vezes, se não forem bem geridos pelos pais ou pelas próprias crianças, podem desencadear comportamentos destrutivos ou violentos (Brody, 1998).

Contudo, realce‑se, as disputas e os conflitos entre os irmãos são importantes para o seu desenvolvimento, no sentido de permitirem que eles aprendam a competir e a lidar com os sentimentos de perda e de raiva, os ensinam a dividir e a partilhar e possibilitam o estabelecimento de limites (Faber e Mazlish, 1995; Silveira, 2009). Segundo Ebenuwa‑Okoh e Obiunu (2011), os conflitos são um acontecimento inevitável da interação humana, mas, segundo Straus (1979), o uso da violência como uma tática para lidar com os conflitos não o é. Deste modo, em 2007, Straus argumentou que não é o conflito em si que é prejudicial, mas sim o uso da violência como uma tática para a resolução de conflitos.

 

Táticas de resolução de conflitos e violência fraterna

Para medir as táticas de resolução de conflitos familiares, Straus criou, em 1979, as Conflict Tactics Scales (CTS). Em 1996, uma revisão por Straus, Hamby, Boney‑Mccoy, Sugarman, e David, deu origem às CTS2, uma das escalas mais utilizadas atualmente para avaliar as táticas de resolução de conflito (Relva et al., 2013; Viejo et al., 2014). Neste instrumento, os autores consideram que as táticas de resolução de conflitos são, basicamente, duas: a negociação e a violência. A negociação é o conjunto de ações realizadas com o intuito de resolver um desacordo com base numa argumentação racional e numa comunicação de afeto positivo e de respeito pelo outro. A violência engloba quatro formas: a agressão psicológica, que consiste na recorrência a atos verbais (ameaças) e não‑verbais (simbólicos) que podem magoar o outro; o abuso físico sem sequelas, que implica o uso da força física contra outra pessoa, mas sem lhe causar danos físicos; o abuso físico com sequelas, em que, ao contrário do anterior, o abuso por parte de outra pessoa acarreta sequelas físicas, que implicam dor contínua por mais de um dia e/ou lesão de ossos ou tecidos que necessitem de intervenção médica; e, por último, a coerção sexual, onde há uma intenção de coagir o outro a envolver‑se numa atividade sexual (vaginal, oral ou anal) indesejada, que implica atos coercivos, que vão desde a insistência verbal a ameaças, ou mesmo ao uso da força física.

Utilizando as CTS, Straus, Gelles e Steinmetz (1980) foram os primeiros a chamar a atenção para a violência entre irmãos como um fenómeno problemático e generalizado, através de um estudo que verifica que 75% de um grupo de jovens, com idades entre os 3 e os 17 anos, perpetraram, pelo menos, um ato violento contra um irmão ou uma irmã. Este resultado levou‑os a concluir que os atos de violência entre irmãos ocorrem com maior frequência do que a violência de pais para filhos, ou mesmo a violência conjugal.

Em Portugal, as primeiras investigações sobre esta temática foram realizadas por Relva et al. (2012a, 2012b, 2013, 2014) e revelam que a tática de resolução de conflitos fraternos mais usada é a negociação, seguida da violência psicológica e, depois, da violência física, sendo que as duas últimas apresentaram altas taxas de prevalência nas relações entre irmãos, o que corrobora os estudos pioneiros de Straus e colaboradores.

A violência entre irmãos é, pois, uma realidade, e parece ser altamente frequente (Straus et al., 1980), constituindo uma das formas mais comuns de violência familiar (Eriksen e Jensen, 2009). No entanto, tem sido pouco investigada (Linares, 2006) e raras vezes mediatizada (Hoffman e Edwards, 2004). Quando se fala de violência familiar são frequentemente revelados dados numéricos acerca da violência conjugal e mesmo da violência parental, mas no que respeita aos filhos, ou aos irmãos, o mesmo não se verifica (Magalhães, 2010).

Os casos de violência fraterna não chegam ao conhecimento das autoridades (Wiehe, 1998), porque o comportamento abusivo entre irmãos é aceite e tolerado (Caspi, 2012), quer pelos pais (Wallace, 2007) e pelos restantes familiares (Caffaro e Conn‑Caffaro, 2005), quer pelos profissionais de saúde (Omer et al., 2008) e mesmo pelas próprias vítimas (Kettrey e Emery, 2006). A aceitação social relativamente à violência fraterna demonstra a existência de uma “negligência cultural”, isto é, a sociedade está tão acostumada a que a convivência entre irmãos tenha alguma dose de atos violentos que nem se apercebe das vastas consequências que daí podem advir (Castanho, 2010).

 

Tipos de violência fraterna

Geralmente, os autores distinguem três formas de violência fraterna: a física, a psicológica e a sexual (Graham‑Bermann et al., 1994). Mais recentemente foi identificada uma quarta forma, a relacional, indicada como uma violência social ou indireta, em que muitas vezes a vítima nem tem conhecimento das ações do agressor (e.g. ridicularizar um sujeito, na sua ausência, perante os pares) (Ostrov et al., 2006).

A violência física é perpetrada pelos irmãos com o propósito de causar dor, ferimentos físicos ou, mais raras vezes, a morte de um irmão ou irmã (Caffaro e Conn‑Caffaro, 1998). Segundo Button e Gealt (2010), a forma mais habitual de violência física é o empurrão, seguida do batimento. Outras formas comuns de violência física são dar bofetadas, pontapear, dar socos, morder, puxar o cabelo, arranhar e beliscar (Kiselica e Morrill‑Richards, 2007). Uma pesquisa de Button e Gealt (2010) demonstrou que 42% dos sujeitos, com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos, em algum momento, bateu, empurrou ou deu bofetadas aos seus irmãos. Wiehe (1998) refere, ainda, formas de violência física mais severas, em que os irmãos se atingem, uns aos outros, utilizando objetos como cabos de vassoura, mangueiras de borracha, cabides, escovas de cabelo, cintos e paus, além de serem ameaçados e esfaqueados com pedaços de vidro, facas, lâminas de barbear e tesouras. Kiselica e Morrill‑Richards (2007) esclarecem, no entanto, que o uso de objetos (lápis, vassouras ou tubos) e o uso de armas (facas, tesouras ou revólveres) para infligir dor são as formas mais graves de violência, mas também as menos comuns. Mas uma investigação, conduzida por Khan e Cooke, em 2008, revelou que 89,2% de um grupo de adolescentes admitiu ter perpetrado um ou mais atos de violência física severa contra os irmãos, de forma intencional.

Embora a violência física possa deixar consequências visíveis, no que concerne à violência psicológica não existem marcas físicas, o que torna difícil a sua comprovação e deteção (cf. Relva et al., 2012b). Além disso, é errado afirmar que as palavras, a componente básica da violência psicológica, não magoam (Wiehe, 1998). Segundo Hoffman e Edwards (2004), esta violência pode ser mais prejudicial para os indivíduos do que as próprias lesões físicas, sendo considerada a mais prevalente e potencialmente destrutiva, acompanhando e/ou precedendo, muitas vezes, a violência física. Um estudo de Duncan (1999) constatou que quase 30% de 336 jovens afirmaram sofrer frequentemente intimidação física por parte dos seus irmãos, e nos casos em que a violência psicológica estava incluída, as taxas tendiam a aumentar.

A violência psicológica refere‑se, então, a interações potencialmente abusivas, envolvendo palavras e ações que transmitem desprezo, exploração e degradação (Button e Gealt, 2010). Wiehe (1998) acrescenta que este tipo de violência inclui comportamentos como o chamar nomes (feios, que ridicularizam e vexam), rebaixar, aterrorizar, provocar medo, destruir bens pessoais e torturar ou matar um animal de estimação. Caffaro e Conn‑Caffaro (1998) completam, referindo que a violência psicológica inclui a negligência, a realização de comentários humilhantes, as ameaças, a depreciação e a rejeição. Numa amostra retrospetiva de 150 adultos foi constatado que 78% dos sujeitos sofreu violência psicológica, incluindo depreciação, intimidação, desprezo, provocações, chegando até à destruição de bens e à morte de animais de estimação (Wiehe, 2000).

Ao estudarem a violência psicológica e física numa amostra portuguesa, Relva et al. (2014) verificaram que os comportamentos de violência psicológica mais sofridos pelos irmãos foram os insultos, os gritos e as provocações (62,1% a 74,5%). No que respeita à violência física sem sequelas, os sujeitos sofreram mais com atos como atirar objetos, torcer o braço, puxar o cabelo ou agarrar à força (38,2% a 47,9%), enquanto na violência física com sequelas os irmãos vitimizados referiram mais frequentemente os desmaios, a provocação de fraturas e a necessidade de atendimento hospitalar (0,8% a 8,2%).

Já relativamente ao facto de os irmãos serem perpetradores e/ou vítimas, Goodwin e Roscoe (1990) verificaram que cerca de 65% de 272 adolescentes, de ambos os sexos, afirmou não só ser perpetrador de qualquer tipo de violência fraterna, mas também vítima. Hardy et al. (2010) encontraram, igualmente, elevadas taxas de perpetração e de vitimização fraternas, num grupo de 506 estudantes universitários, sendo que 76,6% do sexo masculino e 77,5% do sexo feminino relatou ter sido vítima ou perpetrador de, pelo menos, um ato de violência verbal ou física para com um/a irmão/irmã.

 

A violência fraterna na adolescência

Na adolescência, os jogos e as brincadeiras entre irmãos dão por vezes lugar a comportamentos agressivos entre si, e nessa altura, a resposta assustada da vítima, perante o que inicialmente poderia ser descrito como uma atividade lúdica, torna‑se um meio para os perpetradores exercerem poder e controlo sobre o seu irmão ou irmã (Wiehe, 1998). Além disso, atos que possam parecer inofensivos, quando praticados repetidamente, visando aterrorizar ou explorar um irmão, podem tornar‑se abusivos (Hoffman e Edwards, 2004) e, portanto, violentos.

Inicialmente, as vítimas de violência fraterna tentam defender‑se dos irmãos perpetradores, contudo, ao verificarem que não têm sucesso, acabam por internalizar o abuso e encaram o comportamento como típico da relação. Por outro lado, o facto de a vítima ter a reação natural de chorar e gritar por ajuda ou socorro, tende a intensificar o comportamento abusivo por parte do perpetrador. Quanto a este, na maioria das vezes ri‑se da vítima, o que provoca um sofrimento ainda maior nela, pois demonstra que o ato foi deliberado (Wiehe, 1998).

A vulnerabilidade dos irmãos vitimizados pode estar relacionada com diferenças de desenvolvimento físico ou intelectual face aos irmãos abusadores (Kiselica e Morrill‑Richards, 2007). Felson (1983) verificou que os irmãos perpetradores tendem a ser os mais velhos da fratria e que as vítimas tendem a ser os mais novos. Neste sentido, Hoffman e Edwards (2004) sublinharam que um irmão mais novo que tenha sofrido violência por parte do irmão mais velho terá, também, tendência a perpetrar atos violentos para com os irmãos mais novos, o que aumenta a probabilidade de futuros comportamentos violentos na família.

Os motivos que levam os adolescentes a recorrer à intimidação como um meio de exercer poder prendem‑se, muitas vezes, com o facto de os próprios já terem sido vítimas de um pai, um irmão ou alguém de fora do seio familiar (Relva et al., 2012a). Por outro lado, Hotaling et al. (1990) verificaram que a taxa de violência entre irmãos é mais elevada em famílias onde ocorre, ou ocorreu, agressão conjugal ou parental. O facto de as crianças e/os adolescentes observarem comportamentos violentos no seio familiar resulta numa aprendizagem de que esse tipo de conduta é aceitável, aumentando a sua tolerância para com a violência. Consequentemente, os membros mais novos das famílias, isto é, os filhos, adotam o uso da violência para resolver conflitos, tanto nas relações familiares, como nas relações sociais (Miller et al., 2012).

 

Fatores preditores da violência fraterna

Segundo Eriksen e Jensen (2006), a idade e o sexo apresentam‑se como os fatores mais consistentes enquanto preditores da violência fraterna. Steinmetz (1977) realizou um estudo em que verificou que 78% dos pais com filhos de 8 anos ou menos de idade notificam pouca agressão entre os filhos; 68% dos pais com filhos entre os 9 e os 14 anos relatam episódios de violência fraterna; e 63% dos pais com filhos de 15 ou mais anos de idade referem violência física entre os irmãos. Finkelhor et al. (2006) encontraram resultados semelhantes, afirmando que os irmãos mais velhos são mais propensos a iniciar o abuso, enquanto os mais novos se submetem, sofrendo mais com a violência fraterna. Hoffman e Edwards (2004) sugerem que isto ocorre, possivelmente, porque os irmãos mais novos são incapazes de escapar ao ridículo e à intimidação, enquanto os mais velhos têm a vantagem da força física, da responsabilidade (o que lhes dá poder) e do conhecimento das vulnerabilidades dos mais novos. Ainda assim, Deskeseredy e Ellis (1997) revelam que a violência entre irmãos diminui com a idade, possivelmente devido à aquisição de melhores competências de comunicação, o que diminui a necessidade do uso da violência para resolver conflitos (Noland et al., 2004).

No que concerne ao sexo, estudos sugerem que os rapazes têm maior tendência para exercer violência fraterna, sobretudo nas interações com os irmãos mais novos (Caffaro e Conn‑Caffaro, 1998). Outros autores (Khan e Rogers, 2014; Simonelli et al., 2002) verificaram, também, que o sexo feminino é mais agredido física e emocionalmente do que o sexo masculino, assim como Duncan (1999) demonstrou que o sexo masculino apresenta níveis mais elevados de perpetração da violência e que as vítimas tendem a ser do sexo feminino. Hardy (2001), no entanto, não encontrou diferenças de sexo entre a vitimização de violência fraterna. No que respeita ao tipo de fratria, Hoffman e Edwards (2004) referem que pares de irmãos masculinos se envolvem mais em violência, seguido por pares mistos e, por último, pares de irmãs. Mais recentemente, Relva et al. (2014) encontraram percentagens elevadas de perpetração e vitimização fraternas, tanto de violência física, como psicológica, sendo que o sexo masculino era o que mais usava, mas também o que mais sofria destes tipos de violência. Do mesmo modo, a vitimização e perpetração de violência foi superior nas díades de irmãos rapazes.

Parece que existe, assim, uma certa constância dos estudos quando relatam índices mais elevados de violência por parte dos irmãos rapazes e entre irmãos rapazes, o que não se estranha, dado que a sociedade educa o sexo masculino mais para a ação, estimulando os seus impulsos agressivos. Porém, como acabámos de ver, há estudos que consideram que a violência diminui com a idade, pelo facto de os adolescentes serem mais capazes do que as crianças de controlar os seus impulsos e resolver os conflitos usando técnicas mais elaboradas (pensadas), como a negociação. Tendo como base estas controvérsias, e como ponto de partida os estudos portugueses pioneiros sobre violência fraterna (ver Relva et al., 2012a; 2012b; 2013; 2014), definimos como foco essencial da presente investigação determinar a extensão da violência entre irmãos na adolescência, e, concretamente: a) estimar a frequência dos comportamentos violentos por parte de adolescentes sobre os seus irmãos; b) verificar em que medida se associam as diferentes táticas de resolução dos conflitos fraternos; e c) analisar em que medida essas táticas variam em função da idade dos irmãos, do sexo e do tipo de fratria.

 

Metodologia

Participantes

A amostra foi constituída por 463 adolescentes portugueses com irmãos. A idade dos participantes variou entre os 14 e os 20 anos (M=16.26; DP=1.17) e mais de metade (63,1%) era do sexo feminino. Relativamente à escolaridade, os adolescentes frequentavam o ensino secundário, sendo que 173 (37,4%) se encontravam no 10.º ano, 121 (26,1%) estudavam no 11.º ano e 169 (36,5%) frequentavam o 12.º ano. No que concerne ao número de irmãos, a maioria (69,5%) tinha somente um irmão, enquanto 22,7% tinha dois, 5% tinha três irmãos, 1,1% tinha quatro, 0,9% tinha cinco e 0,8% tinha seis irmãos ou mais. Mesmo tendo mais do que um irmão, os participantes foram inquiridos somente sobre um dos irmãos, o mais próximo em idade. Assim, no que respeita ao tipo de fratria, 17,7% dos adolescentes constituíram a díade masculino/masculino, 19,4% masculino/feminino, 31,1% feminino/feminino e 31,7% feminino/masculino (sendo que o primeiro corresponde ao sexo do sujeito inquirido e o segundo ao/à irmão/irmã ao/à qual se refere).

Instrumentos

O Questionário sociobiográfico (QSB) é um questionário baseado no Social Environment Questionnaire, de Toman (1993), adaptado para esta investigação por Fernandes e Relva (2013). O questionário inquire o sujeito acerca da sua condição (sexo, idade, naturalidade, ano de escolaridade, doenças, hospitalizações), bem como acerca da sua fratria (número de irmãos, tipo, sexo, idade, doenças ou deficiências) e dos seus pais (idade, estatuto socioeconómico, estado civil).

As Revised Conflict Tactics Scales – Sibling Version (CTS2‑SP) de Straus et al. (1996), adaptadas por Relva et al. (2013), constituem uma escala para medir as táticas de resolução de conflito entre irmãos, na perspetiva dos participantes. Estes são instruídos a referir‑se ao ano transato, conforme uma das sugestões dos autores originais. Nos casos em que há mais do que um irmão envolvido, os participantes são instruídos a responder acerca do irmão mais próximo em idade. As questões das CTS2‑SP estão organizadas em pares de relacionamento, sendo que cada item é apresentado duas vezes, uma sobre os atos do sujeito para com o irmão (perpetração), e outra sobre os atos do irmão para com o sujeito (vitimização). A escala de respostas, tipo Likert, reflete a frequência de cada comportamento num determinado período de tempo, variando entre 0) “isso nunca aconteceu”; 1) “uma vez no ano”; 2) “duas vezes no ano”; 3) “3 a 5 vezes no ano”; 4) “6 a 10 vezes no ano”; 5) “11 a 20 vezes no ano”; 6) “mais de 20 vezes no ano”; e 7) “não no ano passado, mas aconteceu antes ou depois”.

As CTS2‑SP são compostas por 78 itens, agrupados em cinco subescalas: 1) negociação, emocional e cognitiva; 2) agressão psicológica, ligeira e severa; 3) abuso físico sem sequelas, ligeiro e severo; 4) abuso físico com sequelas, ligeiro e severo; e 5) coerção sexual (excluída deste estudo, por ser uma componente muito particular e sensível, em especial para a presente amostra, dado que requereria autorizações e cuidados extra na investigação de matérias tão íntimas). É importante referir que, na validação das CTS2‑SP (Relva et al., 2013), um dos itens da agressão psicológica foi excluído, dado que todos os itens apresentavam uma correlação item‑total acima de .30, exceto esse. No que respeita à consistência interna, o valor da escala geral é adequado (α de Cronbach =.92). Para o presente estudo, relativamente às subescalas, os valores de confiabilidade, para a perpetração, foram de .78 para a negociação; .74 para a agressão psicológica; .80 para o abuso físico sem sequelas; e .62 para o abuso físico com sequelas. Para a vitimização, os valores foram de .79 para a negociação; .74 para a agressão psicológica; .79 para o abuso físico sem sequelas; e .61 para o abuso físico com sequelas. Segundo Straus (2007), os valores mais baixos de alpha, nomeadamente do abuso físico com sequelas (.61<α<.62), podem dever‑se à exclusão de alguns itens da subescala ou, no caso desta investigação, devido à prevalência reduzida destes comportamentos. No que concerne às análises fatoriais confirmatórias para o presente estudo, para a vertente perpetração das CTS2‑SP, confirma‑se o ajustamento dos valores, sendo χ2(202)=513.734; p=.001; Ratio=2.543; CFI=.905; RMR=.047 e RMSEA=.058. Quanto à vitimização, os valores encontram‑se, igualmente, ajustados, sendo χ2(202)=509.783; p=.001; Ratio=2.523; CFI=.905; RMR=.049 e RMSEA=.047.

 

Procedimentos

Num primeiro momento foi realizada a seleção das variáveis a estudar e dos participantes, bem como foi efetuada uma pesquisa bibliográfica, através de livros e artigos científicos, recolhidos nas bases de dados da EBSCO, da b‑on e do Google Académico. Após a seleção dos instrumentos a utilizar, foi efetuado um contacto com cinco escolas do ensino secundário do Norte de Portugal, visando obter as devidas autorizações, tratando‑se de uma amostra de conveniência. Depois da obtenção dos compromissos institucionais, oficializados através de um documento escrito, foi entregue um pedido de autorização aos encarregados de educação dos adolescentes.

A administração dos instrumentos decorreu em sala de aula, em contexto grupal, durante cerca de 30 minutos. As turmas eram constituídas entre vinte e vinte e cinco alunos, dispostos em secretárias, de dois a dois. Foi dada uma explicação dos objetivos gerais do estudo, fornecendo as instruções necessárias para o preenchimento dos questionários e evidenciando a participação voluntária, bem como a confidencialidade e o anonimato das respostas. Devido às atividades letivas dos adolescentes, numa das escolas a aplicação dos questionários decorreu em contexto individual, em horário pós‑laboral. Aí, os questionários foram entregues aos diretores de turma, que se responsabilizaram por entregar e explicar os procedimentos, de acordo com as informações fornecidas pela investigadora. Os adolescentes preencheram os questionários em casa e devolveram‑nos aos diretores de turma, que os entregaram, depois, à investigadora.

 

Análises estatísticas

Para o tratamento dos dados foi realizada uma codificação dos instrumentos e construída uma base de dados com recurso ao programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences – IBM SPSS, versão 20.0; e para o estudo das propriedades psicométricas dos instrumentos recorreu‑se ao programa Structural Equation Modeling Software – EQS for Windows, versão 6.1.

Primeiramente efetuou‑se uma limpeza da amostra, identificando possíveis missings e outliers prejudiciais ao estudo, sendo que a análise dos outliers se efetuou com recurso à determinação de Zscores e da distância de Mahalanobis. Posto isto, testou‑se a normalidade da amostra, tendo por base o processo de inferência estatística da distribuição normal ou de Gauss, e atendendo aos valores de Skeweness e Kurtosis (que devem situar‑se entre ‑1 e 1) tornou‑se possível recorrer a testes paramétricos. Seguidamente realizaram‑se estudos psicométricos, nomeadamente a análise da consistência interna (alpha de Cronbach) e análises fatoriais confirmatórias. No que respeita à análise dos dados, estimou‑se a frequência dos comportamentos; realizaram‑se correlações de Pearson intraescalares; e recorreu‑se às análises de variância multivariada (MANOVAS), com nível de significância de 5% (p≤.05) e com recurso à análise de post‑hoc, utilizando o teste de Scheffé nas múltiplas comparações e o teste t para a comparação de médias em amostras independentes.

 

Resultados

Análises descritivas

Face à análise descritiva dos comportamentos (tabela 1), verificou‑se que o comportamento mais comum entre os sujeitos perpetradores, no caso da negociação, foi: “Mostrei que me preocupava com esse irmão/irmã, mesmo que discordássemos”, com uma percentagem de 97,9% para os participantes do sexo feminino e de 95,9% para os participantes do sexo masculino. No que respeita à agressão psicológica, os participantes do sexo feminino registaram maior evidência (84,9%) para o comportamento: “Gritei ou berrei a esse irmão/irmã”, enquanto os do sexo masculino referenciaram em maior percentagem (78,4%) o comportamento: “Fiz algo para irritar esse irmão/irmã”. Quanto ao abuso físico sem sequelas, tanto os participantes do sexo feminino (50,3%), como do sexo masculino (53,8%) evidenciaram o comportamento: “Empurrei ou apertei esse irmão/irmã”. Por fim, relativamente ao abuso físico com sequelas, embora com percentagens menos elevadas, os participantes do sexo feminino (16,8%) e do sexo masculino (22,8%) indicaram o comportamento: “Esse irmão/irmã teve uma entorse, pisadura, ferida ou pequeno corte por causa de uma luta comigo”, como o mais prevalente.

 

 

Análises inferenciais

No que concerne às táticas de resolução de conflito (tabela 2), verificaram‑se, segundo a classificação de Cohen (1988), associações significativas positivas fortes entre a agressão psicológica e o abuso físico sem sequelas (r=.643; p≤.05), bem como entre o abuso físico sem sequelas e o abuso físico com sequelas (r=.587; p≤.05); uma associação significativa positiva média entre a agressão psicológica e o abuso físico com sequelas (r=.336; p≤.05); e uma associação significativa positiva pequena entre a negociação e a agressão psicológica (r=.099; p≤.01).

 

 

Análises diferenciais

No sentido de verificar até que ponto as táticas de resolução de conflito variam em função da idade, foram criados dois grupos – dos 14 aos 16 anos e dos 17 aos 20 anos – e realizada uma análise de variância multivariada (MANOVA). De acordo com os resultados observados (tabela 3), verificou‑se que existem diferenças significativas nas táticas de resolução de conflito em função da idade (F(8,454)=1.980; p=.047; Ƞ2=.817). Destacaram‑se, assim, diferenças significativas entre os grupos no que respeita à variável agressão psicológica ligeira (F(1,461)=10.551; p=.001; Ƞ2=.900), com um IC (Intervalo de Confiança) a 95% (2.65, 2.95), sendo que os adolescentes com idades compreendidas entre os 17 e os 20 anos (M=3.05; DP=1.59) apresentam uma média superior de perpetração de agressão psicológica ligeira, comparativamente com os adolescentes com idades entre os 14 e os 16 anos (M=2.55; DP=1.66).

 

 

Para testar as diferenças das táticas de resolução de conflito em função do sexo realizou‑se uma análise mediante o teste t. Os resultados obtidos (tabela 4) demonstraram que existem diferenças significativas nas táticas de resolução de conflito em função do sexo nas dimensões de negociação emocional (t(461)=2.616; p=.009), com um IC a 95% (.09, .64) e agressão psicológica ligeira (t(461)=2.591; p=.010), com um IC a 95% (.09, .71), sendo o sexo feminino (M=4.61; DP=1.40 e M=2.92; DP=1.64, respetivamente) o que utiliza mais estas táticas, comparativamente com o sexo masculino (M=4.24; DP=1.57 e M=2.51; DP=1.62, respetivamente). Verificaram‑se, igualmente, valores significativos nas dimensões de abuso físico com sequelas ligeiro (t(266)=2.300; p=.022), com um IC a 95% (‑.48, ‑.03) e abuso físico com sequelas severo (t(202)=2.048; p=.042), com um IC a 95% (‑.21, ‑.00), sendo os participantes do sexo masculino (M=.59; DP=1.31 e M=.15; DP=.66, respetivamente) a perpetrar mais estas táticas do que as do sexo feminino (M=.33; DP=.91 e M=.04; DP=.26, respetivamente).

 

 

Visando analisar as diferenças das táticas de resolução de conflito em função do tipo de fratria realizou‑se uma análise de variância multivariada (MANOVA). Os resultados observados (tabela 5) demonstraram que existem diferenças significativas das táticas de resolução de conflito em função do tipo de fratria (F(24,1362)=2.007; p=.003; Ƞ2=.996). Neste sentido, verificaram‑se diferenças significativas na variável de abuso físico com sequelas severo (F(3,459)=3.298; p=.020; Ƞ2=.752), com um IC a 95% (.05, .13), sendo o tipo de fratria masculino/feminino (M=.21; DP=.82) a perpetrar mais abuso físico com sequelas severo, comparativamente com o tipo de fratria feminino/masculino (M=.03; DP=.28).

 

 

Discussão dos dados e conclusões

A violência entre irmãos parece constituir a forma mais prevalente de violência familiar (Eriksen e Jensen, 2009); no entanto, tem sido pouco investigada em Portugal. Visando conhecer esta realidade numa população de adolescentes portugueses, o presente estudo utilizou as Revised Conflict Tactics Scales – Sibling Version (CTS2‑SP) para alcançar os seus objetivos. Além de serem uma das medidas mais utilizadas para avaliar as táticas de resolução de conflito em adolescentes, as CTS2‑SP apresentam bons índices de fidelidade e validade (Relva et al., 2013).

Os resultados do presente estudo demonstraram que a tática mais usada para resolver conflitos foi a negociação; contudo, também se verificaram percentagens elevadas de violência psicológica e violência física. No que concerne aos comportamentos mais utilizados, os resultados vão ao encontro dos de Relva et al. (2014), sendo que relativamente à violência psicológica, os adolescentes tendem a utilizar e a sofrer mais de gritos, berros e provocações; em relação à violência física sem sequelas, destacam‑se os empurrões e os apertões; e quanto à violência física com sequelas, os jovens sofrem e perpetram mais entorses, pisaduras, feridas e pequenos cortes.

Quanto às análises inferenciais, os resultados indicaram que a violência psicológica está positivamente associada ao abuso físico sem sequelas, bem como este está associado ao abuso físico com sequelas. Hoffman e Edwards (2004) sugerem que a violência psicológica pode preceder a violência física e, de facto, estes dados sugerem que, à medida que a violência psicológica aumenta, maior possibilidade existe de um sujeito vir a perpetrar abuso físico sem sequelas, assim como este abuso pode conduzir ao abuso físico com sequelas.

Segundo Finkelhor et al. (2006), os irmãos mais velhos são mais propensos a iniciar atos violentos, enquanto os mais novos se submetem. Nesta investigação, verificou‑se que os adolescentes mais velhos da amostra (17‑20 anos) tendem a aplicar mais a violência psicológica ligeira para resolver conflitos do que os adolescentes mais novos (14‑16 anos), o que pode ser explicado pelo facto de que, com o avanço da idade, existirá uma diminuição da violência física (Straus et al., 1980), dado que parece haver uma substituição da ação pela fala e pensamento. No mesmo sentido, também se constatou que o grupo de adolescentes mais velhos é o que mais sofre com a violência psicológica, quer ligeira, quer severa.

Em relação à prevalência desta forma de violência os dados são algo inconsistentes, por exemplo num estudo recente realizado por Tucker et al. (2013), os autores verificaram que a violência física tinha sido a forma mais comum de violência e que o pico de vitimização ocorria antes da adolescência, argumentando esse resultado com o facto de que é também a partir desse período que ocorre um maior envolvimento nas relações fora da família. Contudo, no referido estudo, o uso da agressão física com sequelas também foi verificado em adolescentes mais velhos de um modo mais prevalente. Ainda a este propósito, recentemente, Yu, Lim e Gamble (2016) sugeriram que os irmãos mais velhos, e porque fisicamente mais desenvolvidos, tendem a tirar proveito dessa vantagem física na relação com os irmãos.

No que concerne às diferenças de sexo, os rapazes parecem ter maior tendência para exercerem violência fraterna (Caffaro e Conn‑Caffaro, 1998), enquanto as raparigas parecem sofrer mais, física e psicologicamente (Khan e Rogers, 2014). Já Relva et al. (2014) tinham observado que os participantes do sexo masculino eram os que mais usavam, mas também os que mais sofriam com a violência fraterna. Neste estudo, quanto à perpetração, os resultados indicaram que os participantes do sexo feminino utilizam mais a negociação emocional, mas também a violência psicológica ligeira, enquanto os participantes do sexo masculino perpetram mais abuso físico sem sequelas. No que respeita à vitimização, constatou‑se que os participantes do sexo feminino parecem sofrer mais de violência psicológica ligeira, enquanto os do sexo masculino sofrem mais de abuso físico severo com sequelas. Os nossos resultados revelaram‑se um pouco discrepantes dos apresentados pelos pesquisadores anteriores, possivelmente devido ao facto de eles terem investigado jovens adultos, enquanto o nosso estudo foi feito com adolescentes. Num estudo recente realizado no Reino Unido por Tippet e Wolke (2015), junto de 4237 crianças e jovens com idades compreendidas entre os 10 e os 15 anos, verificou‑se que ambos os sexos se envolviam em situações de violência; contudo foram os participantes do sexo masculino que mais perpetraram violência, indo ao encontro dos resultados verificados no presente estudo.

Alguns estudos têm sugerido que, em relação ao tipo de fratria (Hoffman e Edwards, 2004; Relva et al., 2014; Tucker et al., 2013), parecem ser as díades masculinas as que mais se envolvem em violência fraterna. No entanto, os resultados desta investigação revelaram que o grupo masculino/feminino perpetra mais abuso físico severo com sequelas, do que o grupo feminino/masculino, o que demonstra que, neste estudo, são as díades fraternas mistas que tendem a envolver‑se mais em atos violentos, embora se continue a verificar que é o sexo masculino que inicia mais vezes a perpetração de violência.

O facto de um sujeito ter de conviver com o abuso e violência do próprio irmão, todos os dias, leva‑o a considerar que conviver com o inimigo dentro de casa é natural e que faz parte da vida familiar (Caffaro e Conn‑Caffaro, 1998). Torna‑se, assim, importante realizar mais investigações nesta área, a fim de compreender e tentar minimizar a utilização da violência fraterna como uma tática para a resolução de conflitos. Alguns estudos já demonstraram que existe um ciclo vicioso e intergeracional da violência e o modo como ela depois se repercute, também, em contextos extrafamiliares. A compreensão desta interdependência entre os diversos contextos de desenvolvimento dos sujeitos pode, por exemplo, ajudar a explicar o bullying nas escolas e auxiliar na implementação de medidas mais eficazes e sistémicas, isto é, que incluam tanto a família como a escola. Algumas implicações práticas benéficas seriam a sensibilização dos pais e dos profissionais de saúde e da educação para o fenómeno da violência fraterna como uma forma de violência familiar, bem como o ensino aos pais de competências comunicacionais, por forma a promover uma interação positiva entre os seus filhos. Por outro lado, uma vez que o contexto familiar é muito íntimo, intervir fora da família poderá ser mais fácil. Neste sentido, desenvolver projetos educativos que envolvam todos os participantes na vida escolar das crianças e dos adolescentes também seria importante, dado que a escola é um espaço coletivo e permite a socialização dos sujeitos.

Para concluir, referimos algumas limitações da presente investigação. No que respeita à dimensão geográfica da amostra, esta não é representativa da realidade portuguesa, uma vez que a informação só foi recolhida em cinco escolas do Norte do país. É também importante referir que, na análise das fratrias, apenas nos cingimos ao irmão mais próximo em idade, o que poderá ter condicionado as ditas análises, pois quando há mais do que um irmão, o irmão mais próximo pode ser aquele com quem temos uma relação mais amistosa e menos rivalizante. Além disso, a violência sexual, bem como as possíveis causas da violência, não foram exploradas. Em investigações futuras seria importante aumentar o tamanho da amostra e tentar compreender os motivos que levam os adolescentes a resolver os seus conflitos, muitas vezes, através do uso da violência. Seria ainda benéfico analisar se os irmãos que perpetram violência fraterna tendem a transferi‑la para o meio social, nomeadamente para as relações entre pares, ou até para as relações amorosas.

 

BIBLIOGRAFIA

Adler, Alfred (1984), Conocimiento del hombre. Madrid: Editorial Espasa‑Calpe.         [ Links ]

Alarcão, Madalena (2000), (des)Equilíbrios familiares: uma visão sistémica. Coimbra: Quarteto.         [ Links ]

Bank, Stephen; Kahn, Michael (1997), The Sibling Bond. New York: Basic Books (edição do 15.º aniversário).         [ Links ]

Brody, Gene (1998), “Sibling Relationship Quality: Its Causes and Consequences”, Annual Review of Psychology, 49, 1‑24.

Button, Deeanna; Gealt, Roberta (2010), “High Risk Behaviors among Victims of Sibling Violence”, Journal of Family Violence, 25(2), 131‑140.

Caffaro, John; Conn‑Caffaro, Allison (1998), Sibling Abuse Trauma: Assessment and Intervention Strategies for Children, Families, and Adults. New York: Haworth Press.         [ Links ]

Caffaro, John; Conn‑Caffaro, Allison (2005), “Treating Sibling Abuse Families”, Aggression and Violent Behavior, 10(5), 604‑623.

Caspi, Jonathan (2012), Sibling Aggression: Assessment and Treatment. New York: Springer.         [ Links ]

Castanho, Gisela (2010), Violência entre irmãos: abuso físico, moral e sexual. Paper apresentado no 17.º Congresso Brasileiro de Psicodrama, São Paulo, Brasil.

Cohen, Jacob (1988), Statistical Power Analysis for the Behavioral Sciences. Hillsdale, NJ: Erlbaum (2.ª ed.         [ Links ]).

Deskeseredy, Walter; Ellis, Desmond (1997), “Sibling Violence: A Review of Canadian Social Research and Suggestions for further Empirical Work”, Humanity and Society, 21, 397‑411.

Duncan, Renae (1999), “Peer and Sibling Aggression: An Investigation of Intra and Extra‑familial Bullying”, Journal of Interpersonal Violence, 14(8), 871‑886.

Dunn, Judy (1983), “Sibling Relationships in Early Childhood”, Child Development, 54(4), 787‑811.

Dunn, Judy (2007), “Siblings and Socialization”, in Joan Grusec; Paul Hastings (orgs.), Handbook of Socialization: Theory and Research. New York: The Guilford Press, 309‑327.

Ebenuwa‑Okoh, Evelyn; Obiunu, Jude (2011), “Relationship between Dimensions of Sibling Abuse and Personality Development”, Pakistan Journal of Social Sciences, 8(2), 90‑93.

Eriksen, Shelley; Jensen, Vickie (2006), “All in the Family? Family Environment Factors in Sibling Violence”, Journal of Family Violence, 21, 497‑507.

Eriksen, Shelley; Jensen, Vickie (2009), “A Push or a Punch: Distinguishing the Severity of Sibling Violence”, Journal of Interpersonal Violence, 24(1), 183‑208.

Faber, Adele; Mazlish, Elaine (1995), Jalousies et rivalités entre frères et sœurs. Paris: Éditions Stock.

Felson, Richard (1983), “Aggression and Violence between Siblings”, Social Psychology Quarterly, 46(4), 271‑285.

Fernandes, Otília Monteiro (2002), Semelhanças e diferenças entre irmãos. Lisboa: Climepsi Editores.         [ Links ]

Fernandes, Otília Monteiro (2005), Ser único ou ser irmão: as relações entre irmãos nas famílias actuais. Cruz Quebrada: Oficina do Livro.         [ Links ]

Fernandes, Otília Monteiro; Relva, Inês Carvalho (2013), Questionário sociobiográfico – QSB. Manuscrito não publicado. Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Trás‑os‑Montes e Alto Douro, Portugal.

Finkelhor, David; Turner, Heather; Ormrod, Richard (2006), “Kid’s Stuff: The Nature and Impact of Peer and Sibling Violence on Younger and Older Children”, Child Abuse & Neglect, 30(12), 1401‑1421.

Foote, Rachel; Holmes‑Lonergan, Heather (2003), “Sibling Conflict and Theory of Mind”, British Journal of Developmental Psychology, 21(1), 45‑58.

Goldsmid, Rebeca; Féres‑Carneiro, Terezinha (2007), “A função fraterna e as vicissitudes de se ter e ser um irmão”, Psicologia em Revista, 13(2), 293‑308.

Goodwin, Megan; Roscoe, Bruce (1990), “Sibling Violence and Agnostic Interactions among Middle Adolescents”, Adolescence, 25, 451‑467.

Graham‑Bermann, Sandra; Cutler, Susan; Litzenberger, Brian; Schartz, Wendy (1994), “Perceived Conflict and Violence in Childhood Sibling Relationships and Later Emotional Adjustment”, Journal of Family Psychology, 8(1), 85‑97.

Hardy, Marjory (2001), “Physical Aggression and Sexual Behavior among Siblings: A Retrospective Study”, Journal of Family Violence, 16(3), 255‑268.

Hardy, Marjory; Beers, Brittany; Burgess, Charles; Taylor, Arthur (2010), “Personal Experience and Perceived Acceptability of Sibling Aggression”, Journal of Family Violence, 25(1), 65‑71.

Hoffman, Kristi; Edwards, John (2004), “An Integrated Theoretical Model of Sibling Violence and Abuse”, Journal of Family Violence, 19(3), 185‑197.

Hotaling, Gerald; Straus, Murray; Lincoln, Alan (1990), “Intrafamily Violence and Crime and Violence Outside the Family”, in Murray Straus; Richard Gelles (orgs.), Physical Violence in American Families: Risk Factors and Adaptations to Violence in 8,145 Families. New Brunswick: Transaction Publishers, 431‑470.

Howe, Nina; Aquan‑Assee, Jasmin; Bukowski, William; Lehoux, Pascale; Rinaldi, Christina (2001), “Siblings as Confidants: Emotional Understanding, Relationship Warmth, and Sibling Self‑disclosure”, Social Development, 10(4), 439‑454.

Kettrey, Heather; Emery, Beth (2006), “The Discourse of Sibling Violence”, Journal of Family Violence, 21(6), 407‑416.

Khan, Roxanne; Cooke, David (2008), “Risk Factors for Severe Intersibling Violence: A Preliminary Study of a Youth Forensic Sample”, Journal of Interpersonal Violence, 23(11), 1513‑1530.

Khan, Roxanne; Rogers, Paul (2014), “The Normalization of Sibling Violence: Does Gender and Personal Experience of Violence Influence Perceptions of Physical Assault against Siblings?”, Journal of Interpersonal Violence, 1‑22.

Kiselica, Mark; Morrill‑Richards, Mandy (2007), “Sibling Maltreatment: The Forgotten Abuse”, Journal of Counseling & Development, 85(2), 148‑160.

Linares, Oriana (2006), “An Understudied Form of Intra‑family Violence: Sibling‑to‑sibling Aggression among Foster Children”, Aggression and Violent Behavior, 11(1), 95‑109.

Magalhães, Teresa (2010), Violência e abuso. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra.         [ Links ]

Michalski, Richard; Euler, Harald (2008), “Evolutionary Perspectives on Sibling Relationships”, in Catherine Salmon; Todd Shackelford (orgs.), Family Relationships: An Evolutionary Perspective. New York: Oxford University Press, 185‑204.

Miller, Laura; Grabell, Adam; Thomas, Aalvin; Bermann, Eric; Graham‑Bermann, Sandra (2012), “The Associations between Community Violence, Television Violence, Intimate Partner Violence, Parent‑child Aggression, and Aggression in Sibling Relationships of a Sample of Preschoolers”, Psychology of Violence, 2(2), 165‑178.

Minuchin, Salvador (1990), Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Noland, Virginia; Liller, Karen; Mcdermott, Robert; Coulter, Martha; Seraphine, Anne (2004), “Is Adolescent Sibling Violence a Precursor to College Dating Violence?”, American Journal of Health Behavior, 28(suppl. 1), S13‑23.

Omer, Haim; Schorr‑Sapir, Irit; Weinblatt, Uri (2008), “Non‑violent Resistance and Violence against Siblings”, Journal of Family Therapy, 30(4), 450‑464.

Ostrov, Jamie; Crick, Nicki; Stauffacher, Kirstin (2006), “Relational Aggression in Sibling and Peer Relationships During Early Childhood”, Applied Developmental Psychology, 27, 241‑253.

Relva, Inês Carvalho; Fernandes, Otília Monteiro; Alarcão, Madalena (2012a), “Violência entre irmãos: uma realidade desconhecida”, Revista Interamericana de Psicologia, 46(3), 205‑214.

Relva, Inês Carvalho; Fernandes, Otília Monteiro; Costa, Raquel (2013), “Psychometric Properties of Revised Conflict Tactics Scales: Portuguese Sibling Version (CTS2‑SP)”, Journal of Family Violence, 28(6), 577‑585.

Relva, Inês Carvalho; Fernandes, Otília Monteiro; Mota, Catarina (2012b), “An Exploration of Sibling Violence Predictors”, Journal of Aggression, Conflict and Peace Research, 5(1), 46‑62.

Relva, Inês Carvalho; Fernandes, Otília Monteiro; Alarcão, Madalena; Martins, Amadeu (2014), “Estudo exploratório da violência entre irmãos em Portugal”, Psicologia: Reflexão e Crítica, 27(2), 398‑408.

Relvas, Ana Paula (1996), O ciclo de vida familiar: perspectiva sistémica. Porto: Edições Afrontamento.         [ Links ]

Silveira, Maria (2009), “Da rivalidade ao amor: irmãos para sempre”, Investigação, 9(1), 33‑44.

Simonelli, Catherine; Mullis, Thomas; Elliot, Ann; Pierce, Thomas (2002), “Abuse by Siblings and Subsequent Experiences of Violence within the Dating Relationship”, Journal of Interpersonal Violence, 17(2), 103‑121.

Steinmetz, Suzanne (1977), The Cycle of Violence: Assertive, Aggressive, and Abusive Family Interaction. New York: Praeger.         [ Links ]

Straus, Murray (1979), “Measuring Intrafamily Conflict and Violence: The Conflict Tactics Scales”, Journal of Marriage and the Family, 41(1), 75‑88.

Straus, Murray (2007), “Conflict Tactics Scales”, in Nicky Jackson (org.), Encyclopedia of Domestic Violence. New York: Routledge, Taylor & Francis Group, 190‑197.

Straus, Murray; Gelles, Richard; Steinmetz, Suzanne (1980), Behind Closed Doors: Violence in the American Family. Garden City: Anchor Books.         [ Links ]

Straus, Murray; Hamby, Sherry; Boney‑Mccoy, Sue; Sugarman, David (1996), “The Revised Conflict Tactics Scales (CTS2): Development and Preliminary Psychometric Data”, Journal of Family Issues, 17, 283‑316.

Tippet, Neil; Wolke, Dieter (2015), “Aggression between Siblings: Associations with the Home Environment and Peer Bullying”, Aggressive Behavior, 41, 14‑24.

Tucker, Corinna; Finkelhor, David; Shattuck, Anna; Turner, Heather (2013), “Prevalence and Correlates of Sibling Victimization Types”, Child Abuse & Neglect, 37(4), 213‑23. DOI: 10.1016/j.chiabu.2013.01.006.

Toman, Walter (1993), Family Constellation: Its Effects on Personality and Social Behavior. New York: Springer Publishing Company (4.ª ed.         [ Links ]).

Viejo, Carmen; Sánchez, Virginia; Ortega‑Ruiz, Rosario (2014), “Violencia física en la pareja adolescente: la potencialidad interpretativa de un modelo bifactorial (resumen)”, Anales de Psicología, 30(1).

Yu, Jeong; Lim, Gum; Gamble, Wendy (2016), “Big Fiver Personality Traits and Physical Aggression between Siblings in South Korea: An Actor‑Partner Interdependence Analysis”, Journal of Family Violence. DOI: 10.1007/s10896‑016‑9825‑z.

Wallace, Harvey (2007), “Sibling Abuse”, in Nicky Jackson (org.), Encyclopedia of Domestic Violence. New York: Taylor & Francis Group, 636‑638.

Wiehe, Vernon (1998), “Sibling Violence”, in Vernon Wiehe (org.), Understanding Family Violence: Treating and Preventing Partner, Child, Sibling, and Elder Abuse. Kentucky: SAGE Publications, 167‑217.

Wiehe, Vernon (2000), “Sibling Abuse”, in Helene Henderson (org.), Domestic Violence and Child Abuse Resource Sourcebook. Detroit: Omnigraphies, 409‑492.

 

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons