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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.111 Coimbra dez. 2016

 

RECENSÃO

Caleiras, Jorge (2015), Para lá dos números – As consequências pessoais do desemprego*

 

Leonida Correia*, Pedro Gabriel Silva**

* Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), Departamento de Economia, Sociologia e Gestão (DESG), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) Escola de Ciências Humanas e Sociais – Pólo II, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal lcorreia@utad.pt

** Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), Departamento de Economia, Sociologia e Gestão (DESG), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) Escola de Ciências Humanas e Sociais – Pólo II, Quinta de Prados, 5000-801 Vila Real, Portugal pgpsilva@utad.pt

 

Para lá dos números – As consequências pessoais do desemprego

Jorge Caleiras

Caleiras, Jorge (2015), Para lá dos números – As consequências pessoais do desemprego. Coimbra: Almedina, 217 pp.

 

Neste livro, Jorge Caleiras desafia o leitor a olhar para o fenómeno do desemprego a partir das representações e do sentir dos próprios desempregados. Os constrangimentos pessoais destes, as circunstâncias que os envolvem, bem como as perceções em torno dos mecanismos de intervenção pública, são o mote para um tratamento despido dos quadros, gráficos, equações e regressões tão frequentes nas abordagens macrossociais e económicas (que o autor não descuidou na tese de doutoramento que deu vida a esta obra). Trata-se de um livro sobre desempregados, em que a análise das consequências pessoais das situações de inatividade indesejada parte de 36 casos representativos dos diversos perfis sociológicos desses mesmos desempregados, permitindo explorar as relações entre desemprego e pobreza, questionar e desafiar conceptualizações que tendem a reificar-se acriticamente, examinar linhas de intervenção pública e sugerir caminhos de melhoria da atuação dos agentes com competências de intervenção.

Este livro resulta de uma aturada pesquisa desenvolvida pelo autor no âmbito do seu projeto doutoral no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. A problemática do desemprego não é estranha ao autor que, como sociólogo e enquanto quadro do Instituto de Segurança Social, tem convivido com as questões teóricas, com as políticas e com os meandros da operacionalização das medidas de promoção do emprego e de combate à exclusão social.

Nesta obra, organizada em 11 capítulos, os primeiros dois capítulos introduzem conceitos e discutem as relações entre desemprego e pobreza, deixando os dois capítulos finais para a discussão de questões em torno do desenho e da implementação das políticas sociais de emprego. De permeio, sete capítulos abordam as experiências, as perceções e as representações das pessoas desempregadas. Este miolo materializa e dá densidade à abordagem do autor. São relatos de vida, “histórias no sentido biográfico e narrativo do termo. Histórias sempre singulares e irredutíveis, mas que precisamente por isso, nos falam e nos tocam” (p. 45). São os 36 casos (num milhão, como atesta o autor), que põem a descoberto os perfis pessoais e familiares do desemprego e que permitem identificar fatores que explicam as dificuldades em (re)ativar percursos de inserção laboral.

Os modos como os indivíduos são envolvidos nas teias do desemprego são examinados desde o terceiro até ao sexto capítulo, com base nas trajetórias de vida das pessoas através das dimensões escolar, formativa, familiar e social. Discorre-se sobre a escola que se teve e a que faltou, a qualificação obtida e a requalificação pretendida, as perspetivas futuras e os constrangimentos presentes, os meandros da precariedade e da informalidade, bem como sobre a multiplicidade das causas que levaram à inatividade indesejada. As experiências concretas dos desempregados e as mudanças ocorridas nas suas vidas permitem a Jorge Caleiras abordar os significados do trabalho e do desemprego e as representações dos indivíduos em relação a essa condição. As questões da dignidade, da utilidade social e da valorização subjetiva associadas ao trabalho são, neste âmbito, equacionadas, recorrendo aos testemunhos dos entrevistados para descrever os sentimentos negativos (desapontamento, desilusão, frustração e revolta) de estar involuntariamente numa condição de inatividade. Segue-se o dissecar das condições materiais de existência, as estratégias para viver com menos rendimentos e com mais privações, com o endividamento, com a dependência face a outros e com a necessidade de acolher e acompanhar ascendentes dependentes. Neste quadro de dependência é analisado o papel dos dispositivos de proteção institucional, com ênfase para o subsídio de desemprego, uma “bengala” de suporte vital (para muitos, a diferença entre o mínimo e o nada).

O quotidiano reestruturado pela perda do emprego (nalguns casos não se dá uma manifesta rotura), as estratégias de ocupação do tempo e as rotinas de vida familiar, assim como as modalidades de busca de emprego e a incorporação nos circuitos do trabalho informal, são o foco dos capítulos sétimo e oitavo. A partir das experiências dos entrevistados, compreende-se que passa a haver mais tempo disponível para a família e para tarefas domésticas. Com o desaparecimento das sociabilidades no contexto da organização patronal verifica-se um abrandamento na participação e na interação social. Paralelamente, a procura de emprego revela-se, em geral, pouco sistemática, operando a partir das redes interpessoais, já que as expectativas quanto ao Centro de Emprego são baixas. A desvitalização dos sistemas de emprego local, mais notória em territórios de baixa densidade e com tecidos económicos mais frágeis, promove a vulnerabilidade dos desempregados, atreitos a ficarem reféns de soluções – quando estas existem – precárias ou do mau emprego. Soluções estas que podem, em alguns contextos, contribuir para a produção de representações suavizadas de pobreza. Esta, assim matizada e integrada, afirma o autor, “num sistema social que a tolera e aceita, torna-se invisível e, portanto, é como se não existisse. Porém, ‘está lá’, existe e é extensa, constituindo uma realidade enraizada, estável e difícil de combater” (p. 132).

As vulnerabilidades pessoais e sociais associadas ao desemprego e ao risco de pobreza são analisadas nos capítulos décimo e décimo primeiro. Aí são discutidas as fragilidades das políticas públicas e a inconsistência das medidas de promoção do emprego a partir de entrevistas a diversos atores e agentes institucionais. Um exercício que Jorge Caleiras desenvolve sem deixar de contextualizar o que designa de “europeização das políticas sociais e de emprego” (p. 135), sobretudo na sua orientação para a redução das medidas passivas (por exemplo, subsídios de desemprego) e para um envolvimento mais ativo dos desempregados na sua reinserção laboral, isto enquanto beneficiários de sistemas de subsidiação. Neste âmbito, à sedução do discurso das políticas de ativação contrapõe-se uma série de constrangimentos ao nível da implementação das medidas, reconhecendo que, de um modo geral e apesar da controvérsia em seu torno, as políticas ativas de emprego têm méritos. O problema parece residir nas debilidades dos contextos em que as medidas operam, devendo-se, para contrariar ou corrigir os desajustes entre o desenho das políticas e as condições de implementação prática no terreno, dar continuidade a iniciativas promotoras de uma melhor adequação das medidas aos territórios.

E da parte dos agentes institucionais, como veem e lidam com o fenómeno do desemprego? E porque não cruzar os discursos dos desempregados com as representações dos agentes institucionais que lidam com a questão do desemprego? É o que faz Jorge Caleiras no final do livro, ao analisar criticamente as estratégias ativas de combate ao desemprego baseadas na individuação, propondo melhorias no desenho das políticas e na conceção de programas orientados para um reforço dos mecanismos e do protagonismo da intervenção de base territorial.

Em suma, este livro é uma obra importante, um contributo para o debate público sobre a problemática do desemprego e das estratégias para lidar com ela e representa um instrumento para quem se defronta profissionalmente no terreno com o problema e com os sujeitos. Integrando na sua análise as idiossincrasias territoriais, explicita o potencial de risco associado ao desemprego e esclarece como a conjugação de fatores contribui para que o desemprego atue como catalisador dos riscos sociais, nomeadamente quando se trata de desemprego prolongado associado a baixas qualificações, ao baixo capital social dos indivíduos, à baixa participação cívica e ao recuo das redes de suporte formal e informal. A sua dimensão crítica assoma, desde logo, quando se interpela os conceitos de pobreza, exclusão, desemprego e emprego. O autor desenvolve um exercício que ajuda a ler criticamente o modo como as políticas sociais são formuladas e como se desenham as medidas e os mecanismos de intervenção. Trata-se de uma referência a reter por todos quantos se interessem pela questão do desemprego e pela análise das políticas e dos dispositivos de intervenção.

 

NOTAS

* O trabalho de investigação desenvolvido no CETRAD pelos autores desta recensão é financiado por Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente FEDER, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (COMPETE 2020) [Projeto n.º 006971 (UID/SOC/04011)] e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/SOC/04011/2013.

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