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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.109 Coimbra maio 2016

https://doi.org/10.4000/rccs.6276 

ARTIGO

Novas configurações do álbum de música na cultura digital: O caso do aplicativo “Biophilia”*

New Forms of the Music Album in Digital Culture: The Case of the “Biophilia” App

Nouvelles configurations de l’album de musique dans la culture digitale: le cas de l’application “Biophilia”

 

Lucas Waltenberg

Programa de Pós Graduação em Comunicação, Universidade Federal Fluminense Niterói, RJ. CEP 24210 590, Brasil lwaltenberg@gmail.com

 

RESUMO

Este artigo aborda o processo de reestruturação da indústria fonográfica, com foco no formato “álbum de música”. Adotando uma perspectiva que considera a importância das materialidades dos suportes de reprodução musical, analisa o álbum aplicativo “Biophilia”, lançado por Björk em 2011, guiado por questões sobre a materialidade da música e a remediação do álbum musical através de novos protocolos de escuta. Argumentamos que o formato álbum – supostamente ameaçado pelas novas práticas de consumo nas tecnologias digitais – mostra sinais de que pode ser repensado para acompanhar o processo de reestruturação da indústria musical, incentivando novas maneiras de os consumidores e os próprios artistas lidarem com a música.

Palavras-chave: álbum aplicativo, álbum de música, Biophilia, Björk, indústria fonográfica, música eletrónica

 

ABSTRACT

This article addresses changes in the phonographic industry, focusing on the “music album” format. Adopting a perspective that considers the importance of the materiality of music playback devices, it analyses the “Biophilia” app album launched by Björk in 2011, guided by questions concerning the materiality of music and the remediation of the music album through new protocols for listening. It argues that the album format – supposedly threatened by new music consumption practices involving digital technologies – suggests that it can be remodelled to follow the changing music industry, encouraging consumers and artists to respond to music in new ways.

Keywords: app album, Biophilia, Björk, electronic music, music album, phonographic industry

 

RESUMÉ

Cet article se penche sur le processus de restructuration de l’industrie phonographique, avec une particulière attention au format “album de musique”. En adoptant une perspective qui tient compte de l’importance des matérialités de supports de reproduction musicale, nous nous penchons sur l’album application “Biophilia”, lancé par Björk en 2011, guidé par des questions sur la matérialité de la musique et la remédiation de l’album musical à travers de nouveaux protocoles d’écoute. Nous alléguons que le format album – supposément menacé par les nouvelles pratiques de consommation dans les technologies digitales – montre ainsi qu’il peut être repensé afin d’accompagner le processus de restructuration de l’industrie musicale, en encourageant de nouvelles façons, de la part des consommateurs autant que des propres artistes, d’aborder la musique.

Mots-clés: album application, album de musique, Biophilia, Björk, industrie phonographique, musique électronique

 

Eu lembro de ir a um cybercafe – com muita, muita ressaca – e escrever o manifesto: esta música sobre relâmpago está ensinando você sobre arpejos, cristais estão ensinando você sobre estrutura, DNA sobre ritmos, e assim por diante...Björk (2011)1

 

Introdução

Entre os desafios enfrentados pela indústria da música em seu processo de reconfiguração, podemos destacar a queda na venda de fonogramas, o compartilhamento irrestrito de ficheiros musicais e a pressuposição de que o álbum estaria com os dias contados, uma vez que os consumidores teriam mais interesse em algumas das músicas do que no “pacote completo” oferecido pelo formato. Nos últimos anos, entretanto, vemos despontar algumas tendências que dão a esse cenário contornos mais complexos. Os discos de vinil, por exemplo, um suporte tido como ultrapassado, vêm ganhando uma força renovada no mercado, mostrando que as “velhas” mídias ainda possuem seu lugar frente a aparelhos de reprodução musical modernos e portáteis (Guerra, 2011; Bartmanski e Woodward, 2013; Gauziski, 2013). Sobre a morte anunciada do álbum (Carvalho e Rios, 2009), mesmo que os ouvintes possam descarregar somente uma ou outra música oferecida no pacote, o formato ainda figura como um dos principais produtos da indústria fonográfica, seja em vinil, CD, MP3 ou até mesmo em fita cassete, que circula em alguns nichos.

A partir disso, este artigo objetiva refletir, de uma maneira geral, sobre o processo de reestruturação da indústria fonográfica. Mais especificamente, adotando uma perspectiva que dê conta da importância das materialidades dos suportes de reprodução musical, discutimos como o álbum de música também é reconfigurado nesse processo. Como estudo de caso, apresentamos e analisamos o álbum-aplicativo (app album) “Biophilia”, lançado pela artista islandesa Björk no fim de 2011, que traz o álbum homônimo em um aplicativo para dispositivos da Apple,2 inserindo o ouvinte em uma experiência imersiva de escuta musical.

Assim, as questões que guiarão nossa análise são: quais os papéis das materialidades dos dispositivos (iPads, iPhones, etc.) e dos suportes (aplicativos) nessa recriação do álbum? Como são ressignificados os protocolos de escuta (Straw, 2012) do álbum nesse novo formato? Por fim, como o álbum aplicativo faz a “remediação” (Bolter e Grusin, 2000) do álbum de música?

 

1. O problema do álbum na cultura digital

Entendemos o álbum de música como aquele produto da indústria fonográfica que circunscreve sonora e tematicamente a criação dos músicos e apresenta uma série de características, tais como: a ordem predeterminada das faixas, a incorporação de elementos gráficos, como fontes e imagens para compor a capa, contracapa, encarte e uma certa unidade sonora ou “continuidade lógica” (Shuker, 1999; Dantas, 2005; De Marchi, 2005; Sá, 2009; Carvalho e Rios, 2009). A arte da capa, um de seus elementos fundamentais, possui um papel primordial ao articular as canções no álbum com a imagem que o artista quer passar. Segundo a reflexão de Shuker (1999), por exemplo, artistas que colocam as letras de suas músicas na embalagem apontam para uma certa “seriedade” e “a iconografia das capas muitas vezes conota características do gênero da gravação” (ibidem: 45), agregando, inclusive, valor artístico ao álbum.

No cenário atual, porque se acredita que esse formato cultural estaria ameaçado? A resposta a essa pergunta, ainda que precise de uma boa dose de relativização, pode ser dada, em parte, pelo crescente uso dos ficheiros digitais de áudio. Na internet, seja em redes operadas por tecnologias peer to peer, em sites de hospedagem de ficheiros ou até mesmo em lojas virtuais, é possível descarregar músicas desagregadas do “pacote fechado” materializado pelo álbum. Ou seja, se antes estivéssemos interessados somente em uma ou outra faixa específica, era necessário pagar pelo álbum inteiro, mesmo que o produto oferecesse músicas que não eram do nosso interesse. Com a possibilidade de fazermos o download somente das faixas de nossa escolha, o formato álbum estaria perdendo importância frente à realidade praticada pelos ouvintes. Além disso, os elementos gráficos e textuais do álbum, como a capa, o encarte, as letras impressas e as informações relativas à produção daquele material perderiam espaço nesses canais de circulação, nos ficheiros MP3 e nos dispositivos reprodutores que pouco privilegiariam os elementos não musicais.

Na verdade, a suposição de que o álbum, tal como o conhecemos, estaria com os dias contados não surge com os ficheiros digitais. Carvalho e Rios (2009: 81) sugerem que desde os anos 1970, com a introdução da fita cassete no mercado fonográfico, já se percebia certa “insatisfação” com o modelo do álbum, “como ele é preparado e imposto pelas gravadoras” – afinal, as fitas possibilitavam aos consumidores gravar suas próprias compilações. No entanto, tecnologias como o CD e, sobretudo, o MP3, ampliaram essa suposta sensação de incômodo, pois a escuta do álbum estaria sendo substituída por uma escuta unitária. Carvalho e Rios (2009) chamam de “ditadura do álbum comercial” tal imposição de artistas, produtores e gravadoras em oferecer um produto fechado, onde só uma parte seria de interesse do público. Por conta do uso crescente dos novos suportes musicais, os autores ainda apostam numa volta à estética do single, ou seja, as músicas voltariam a ser consumidas individualmente, separadas do álbum.

Ainda nessa direção, Herschmann e Kischinhevsky (2011: 24), levantam alguns pontos para contextualizar o processo de reconfiguração da indústria fonográfica. Entre eles, os autores citam “a crise da noção de álbum (vários músicos vêm repensando a relevância de gravá los e/ou lançá los) que vai deixando de ser o objetivo central desta indústria ou a mercadoria mais valorizada nesta dinâmica de produção e consumo”.

Discutindo as novas materialidades da música, Bødker postula que:

se cada vez mais um número crescente de consumidores (que não fazem parte da geração do LP) vir o álbum não como um formato definido com referência a preocupações estéticas mas, ao invés disso, como uma forma de ‘compra forçada’ através de conteúdo adicional que precisa ser adquirido para que seja possível obter as partes desejadas (e há indicação disso), as novas possibilidades digitais podem, de fato, colocar o álbum sob forte tensão. (2004: 13, tradução do autor)

Sim, as novas tecnologias trouxeram problemas para o álbum da forma que ele estava pensado. Porém, isso não quer dizer que o formato tenha os seus dias contados. Defendemos que adotar uma perspectiva que pensa a materialidade dos diferentes suportes fonográficos nesse debate nos permite trilhar um caminho que dê não somente conta das rupturas, mas também da permanência do álbum, mesmo frente a esses desafios.

Em primeiro lugar, é importante colocar que, ainda que a ideia de um álbum musical possa ter origem nos primórdios da indústria da música,3 interessa nos aqui aquele que remonta ao surgimento do disco de vinil de 33⅓ r.p.m. Pois, tal como Bartmanski e Woodward (2013), entendemos que as histórias de ambos estão entrelaçadas. Assim, como configura a introdução dos discos long play novas práticas de escuta musical? Discutindo a materialidade da música, Straw (2012), no caso desse suporte, fala de um “protocolo de escuta”, o qual relaciona as faixas do álbum com seus paratextos:4 as imagens da capa, do encarte e os textos de apresentação.5 Tal “protocolo de escuta”, no entanto, não se restringe ao disco de vinil. O próprio Straw, noutra ocasião, também fala como essa forma intensa de escuta aparece nos CD, “no qual um ouvinte se debruçaria lentamente pelo encarte que acompanha (o CD) enquanto um trabalho musical é revelado, cada um iluminando o outro dentro de uma interconexão necessária” (Straw, 2009: 86, tradução do autor). No entanto, como sugerimos acima, a materialidade do álbum em CD traz consigo um problema que não aparecia no vinil: o facto de ele ser leve e mais facilmente portátil ajudava a distanciar a música da “embalagem, da anotação e do design intencionados a garantir o valor e a integridade do CD enquanto uma forma cultural distinta” (Straw, 2009: 82, tradução do autor). No caso do MP3, esse problema ganha contornos mais complexos, uma vez que, no ambiente on line, a música é mais facilmente afastada de tais paratextos que materializam o álbum.

Dessa forma, entendemos que o formato “álbum de música” deve necessariamente ser pensado em diálogo com a materialidade do suporte onde ele é registado. Diferentes suportes – discos de vinil, CDs ou MP3 – evocam diferentes práticas, uma vez que possuem “protocolos de escuta” particulares; e também problematizam o formato. Aqui, vamos focar em uma nova configuração do álbum musical, o álbum aplicativo, entendendo o “como um software desenvolvido para dispositivos móveis, que traz um álbum específico envolto em elementos complementares às músicas, invocando um protocolo de escuta direcionado pelos recursos interativos utilizados pelos desenvolvedores do app” (Polivanov e Waltenberg, 2015: 268).

Pensando a materialidade da música, Straw afirma que: “considerada há muito tempo uma das formas culturais mais etéreas e abstratas, a música é indiscutivelmente a mais incorporada nas infraestruturas materiais do nosso cotidiano” (2012: 227). Na análise do álbum aplicativo “Biophilia”, usaremos a ideia de “protocolo de escuta” como um recurso metodológico para investigar novas configurações do álbum de música, com atenção especial à sua materialidade. Dessa forma, falaremos o álbum como um artefacto cultural, tal como Sterne (2011; 2012) e Sá (2007) tratam o MP3, ou seja, “um constructo que produz um conjunto de relações sociais e materiais específicas” (ibidem: 129). A partir de Magaudda (2011), lembramos que mesmo no contexto da cultura digital é possível falar em materialidade. Como observa o autor, a digitalização da música não significa necessariamente “menos materialidade”; ao contrário, esse processo reconfigura a relação entre materialidade e cultura, onde se nota “um renovado papel desempenhado por objetos materiais na vida e nas atividades das pessoas”. Assim, dispositivos móveis podem ser vistos como aparelhos de reprodução musical, sugerindo novos protocolos de produção e consumo de álbuns. Partilhamos também da visão de Abreu (2009: 125), para quem novos dispositivos digitais que atuam na mediação entre a criação e o consumo musical “permitiram uma recriação significativa da cultura musical, dos processos de constituição de critérios de fruição lúdica e estética da música e das práticas de uso e manipulação dessa mesma música”. Por fim, destacamos também nosso alinhamento com Sá e Polivanov (2012: 23), que articulam um conjunto relevante de reflexões sobre materialidade e cultura material, seja a ideia de que “todo ato de comunicação exige um suporte material que exerce influência sobre a mensagem”, seja a vertente antropológica que nos instiga “a pensar sobre a especificidade, concretude ou materialidade de cada um dos artefatos técnicos em seus usos cotidianos”. Interessa-nos, portanto, em primeiro lugar, observar e descrever o objeto em questão para, em seguida, destacar “protocolos de escuta” que seriam específicos do álbum aplicativo.

 

2. “Biophilia”: Contexto e descrição

A artista islandesa Björk talvez seja uma das personalidades da música que mais consegue produzir na vertente experimental, sem abrir mão de uma exposição digna de grandes estrelas da música pop. Envolvida em diversos projetos musicais desde o início da adolescência, a cantora foi apresentada ao mundo através de sua banda Sugarcubes, que vivenciou um sucesso moderado com o lançamento do primeiro álbum, “Life’s too good” (1988). Três discos depois, a banda acabou e a cantora se lançou em uma nova carreira solo com o álbum “Debut” (1993).

Com uma discografia que, além dos trabalhos solo, engloba trilhas sonoras, participações em gravações de outros músicos, composições para estrelas do porte de Madonna e álbuns de remixes, Björk procura usar influências diversas em suas produções. De 1993 a 2011, ano de lançamento de “Biophilia”, Björk procura produzir músicas cada vez mais “estranhas” – ruídos, grunhidos e produções pouco comprometidas com clichês do mainstream –, gozando de ainda mais prestígio em seu campo de atuação.

É possível dizer que para cada álbum, são acionados sonoridades e temas diversos, de forma que a sua discografia se torna um grande caleidoscópio musical. Para citar apenas alguns discos, “Debut” (1993) e “Post” (1995) são talvez os registos mais pop, sonoramente falando, com músicas dançantes e videoclipes de ampla exposição em emissoras de televisão, como a MTV. Em “Vespertine” (2001), Björk apostou em ruídos mais delicados, contando com a destreza da harpista Zeena Parkins e os sons inusitados da dupla de música eletrônica experimental Matmos. “Medúlla” (2004) foi gravado em quase sua totalidade usando apenas vozes, recorrendo pontualmente a recursos eletrônicos para dar corpo a algumas faixas. O álbum seguinte, “Volta” (2007), trouxe uma Björk mais eclética e pop, estabelecendo parcerias com Antony Hegarty, da banda Antony and the Johnsons, e o produtor de hip hop Timbaland, que já colaborou com artistas como Madonna, Justin Timberlake, Nelly Furtado e Missy Elliot.

Ainda que todos os álbuns de Björk tenham a sua importância e singularidade na variegada discografia da cantora, “Biophilia” (2011) merece um tratamento especial pela grandeza dos temas abordados e do lugar ocupado pelo álbum em um projeto multimídia mais amplo. Segundo a cantora:

“Biophilia” começou como uma ideia de uma “casa da música”, uma escola de música/museu para crianças em um dos prédios desocupados da Islândia. Depois, virou um filme 3D; em seguida, um centro de invenção para instrumentos musicais acústicos, um console de jogo eletrônico e um experimento de controlador touchscreen, e então, por último, mas não menos importante, uma caixa de aplicativos. (tradução do autor)6

De uma maneira geral, “Biophilia” gira em torno das conexões entre música, natureza e ciência. Cada canção enfatiza um tema, que é explorado tanto na letra, quando nas escolhas sonoras e instrumentais. Em ampla matéria publicada na edição britânica da revista Wired,7 aponta se que o projeto possui uma “ambição musicológica”, uma vez que cada faixa procura ensinar algo do fazer musical relacionando a a um fenómeno da natureza ou um aspecto científico. “Thunderbolt” por exemplo, enfatiza arpejos enquanto a sonoridade é inspirada por relâmpagos; “Moon” relaciona sequências ao ciclo lunar; “Mutual Core” estabelece um diálogo entre acordes e placas tectônicas, e assim por diante.

Lançado em disco de vinil, CD e MP3, “Biophilia” também foi disponibilizado como um aplicativo móvel para dispositivos da Apple – iPhone, iPad e iPod Touch –, formato que ficou conhecido como album app ou app album (aqui, usaremos a expressão álbum-aplicativo). Para essa versão, Björk reuniu um grupo formado por profissionais de diferentes áreas, como musicólogos, programadores, animadores, cientistas e designers. A coordenação do projeto ficou por conta de Scott Snibbe, artista multimídia e empresário, através do Snibbe Studio. Em entrevista para a revista Dazed & Confused, Scott aponta:

Eu sempre fui obcecado por fazer do computador uma extensão da mente humana, tornando­ a interativa usando movimento, animação e som. (...) Mais precisamente, eu acho que ele (o álbum “Biophilia”) é sobre a infinitude da natureza em todas as suas escalas e como a música se relaciona a isso. As pessoas esquecem que a matemática é uma forma de modelar a natureza e negligenciam a beleza e o prazer disso. (tradução do autor)8

Sobre a escolha do artista para integrar a equipe, Björk explica que:

Ele compartilhava a minha visão de fundir a música e os aplicativos, fez dois dos aplicativos, virou o gerente do projeto e vai inspecionar as projeções ao vivo, onde tentaremos fazer as pessoas se sentirem como se estivessem dentro do iPad, tocando e ouvindo os apps. (tradução do autor)9

Interessante também foi a negociação com as lojas virtuais da Apple, através das quais tanto o álbum aplicativo quanto as músicas podem ser adquiridas. Conta a artista que o departamento de música – iTunes Store – e o de aplicativos – App Store – são competitivos e “Biophilia” foi o primeiro caso de um projeto lançado e comercializado ao mesmo tempo por esses dois canais. Enquanto na App Store é possível fazer o download do álbum aplicativo, na iTunes Store ficam disponíveis as músicas do álbum – que podem ser compradas em separado ou em conjunto.

O aplicativo “Biophilia” é estruturado através de um app “aglutinador”, que dá acesso a outros dez aplicativos, um para cada faixa do álbum. Ao executar “Biophilia”, o usuário encontra uma galáxia (Figura 1) com nove estrelas, cada uma com uma cor diferente, representando uma música do álbum e o convite “swipe a finger to orbit”. A exceção é o aplicativo para a canção “Cosmogony”, que só pode ser acessado pelo menu, localizado no canto superior esquerdo.

 

 

Com a exceção de “Cosmogony” e “Dark Matter”, os aplicativos apresentam um menu interno, com os botões “play”, “animation”, “score”, “lyrics” e “credits”, além de uma breve descrição da faixa e uma análise da musicóloga Nicola Dibben. Enquanto no menu de “Cosmogony”, o botão “play” é suprimido para dar lugar a “intro” (vídeo com uma narração sobre o projeto “Biophilia”) e “song” (vídeo musical que simula uma navegação pela galáxia de “Biophilia”), em “Dark Matter” não há o botão “lyrics”.

Todas as faixas, excetuando “Cosmogony”, possuem uma experiência interativa, como um jogo, que pode ser acessado pelo botão “play”. Através desse recurso, enquanto o ouvinte manipula os aplicativos, entra em contato com a sonoridade da canção, podendo explorá la através de imagens, de áudio e do tato. O texto de apresentação sobre a canção “Thunderbolt”, presente no menu interno, explica:

Imagine a força natural mais poderosa e fantástica capaz de gerar som e você provavelmente pensará em tempestade de trovões. Björk usa raios para fazer essa canção e o aplicativo. A linha de baixo é o som de uma descarga elétrica criada por uma bobina de tesla formando um padrão musicalo arpejo. Enquanto o arranjo vocal e a letra anseiam por milagres, a linha de baixo oscila entre sons musicais e da natureza, e entre som audível e vibração sentida. (tradução do autor)

No aplicativo de “Thunderbolt” (Figura 2), criamos arpejos posicionando nossos dedos na tela do dispositivo. Podemos usar somente o som dos trovões, ou usar o acompanhamento vocal enquanto criamos as trovoadas.

 

 

O aplicativo para a canção “Solstice” (Figura 3) apresenta um “jogo” bem diferente do descrito acima. O texto de apresentação fala:

 

 

Quando Sjón, antigo colaborador e amigo de Björk, foi convidado a escrever um poema natalino para um jornal islandês, ele compôs essa celebração à luz e às estações do ano. A comparação no poema entre o sistema solar e uma árvore de natal inspirou o aplicativo da canção: no centro há um sol, do qual você puxa raios de luz para formar uma harpa circular de cordas tocadas por planetas em órbita; incline a tela e a imagem muda.Björk toca Solstice com uma harpa pendular especialmente encomendada, que incorpora a ideia de gravidade, central para a inspiração da música.

Na experiência interativa em “Solstice”, o ouvinte torna se usuário e, de certa forma, cocompositor ao ser convidado a interferir no acompanhamento da música. Enquanto a voz de Björk dá a melodia, o instrumental é criado à medida que interferimos no “sistema solar” exibido no aplicativo.

 

3. A remediação do álbum musical em “Biophilia”: novos protocolos de escuta

Os dois exemplos apresentados acima são apenas uma amostra da complexidade do projeto, trazendo questões interessantes para pensarmos a articulação entre os temas abordados e o formato álbum aplicativo. Ou seja, as relações entre música, natureza e tecnologia, ainda que recorrentemente mencionadas nas letras e nas escolhas de sons e instrumentos, ficam ainda mais explícitas quando consideramos que o álbum, nesse caso, não é somente a reunião de músicas. Ao contrário, é preciso considerar o conjunto formado por sons, imagens, textos e experiências interativas para entender com acuidade o recorte sonoro e temático proposto pela artista.

Retomando a noção de “protocolo de escuta”, onde os paratextos são elementos fundamentais na escuta de álbuns, podemos dizer que as informações paratextuais do álbum aplicativo de “Biophilia” se apresentam como recursos importantes para que o projeto seja explorado em sua totalidade. Em primeiro lugar, a “capa” do aplicativo conecta o programa à identidade visual do álbum registrado noutros suportes. Na tela de apresentação, a galáxia, as cores e os títulos das músicas auxiliam na navegação 3D. Nas telas individuais das faixas, os textos oferecem explicações detalhadas da inspiração por trás de determinada música, além das instruções para que o usuário desfrute de forma completa a experiência interativa.

Pela aproximação entre música e jogos eletrônicos, cabe retomar a reflexão de Falcão sobre o papel dos paratextos no contexto dos games. Argumenta o autor que:

(...) além de os acontecimentos variarem de acordo com como se joga, que caminhos se trilha, (...) quando um jogador produz algo a respeito de um jogo – um tutorial, por exemplo – este tutorial não apenas modifica expectativas, ele modifica o meio em si. É razoável, portanto, sugerir que a criação destes paratextos (...) guiam nossa mão, nos ensinam como solucionar complexos enigmas, nos dão pequenos empurrões nas direções certas. (2013: 126, ênfase no original)

Podemos inferir que as informações paratextuais no álbum aplicativo “Biophilia” dão o tom do tipo de interação que se espera do ouvinte. Para que ele desfrute do programa de maneira completa, são explicadas várias ferramentas e é necessário ler curtos manuais de instrução. Se, por um lado, esse tipo de direcionamento tira um pouco da liberdade prometida no convite “swipe a finger to orbit”, por outro, permite ao usuário se aprofundar nas variadas experiências disponíveis.

No aplicativo, não há uma ordem para “jogar” as músicas; o ouvinte faz o seu próprio percurso. E, ainda que as músicas sejam importantes, tão atrativos quanto elas são os jogos e programas que manipulamos na tela, o tempo todo pontuados pelos elementos sonoros das canções. “Biophilia” oferece diferentes experiências de escuta musical, dependendo do instrumento que faz a mediação do álbum. Mesmo que possamos somente ouvir as músicas, no aplicativo, somos desafiados a encarar de forma diferente o trabalho musical de Björk, manipulando o, olhando para ele e investigando os sons que compõem cada canção. Como apontado por Abreu (2000: 133), precisamos observar a “densa pluralidade de usos e de práticas que conferem aos instrumentos de mediação um papel central na compreensão dos consumos musicais contemporâneos”. O álbum registado em suportes como o disco de vinil e o CD invoca ou estimula certas práticas de escuta, como a execução das faixas na ordem proposta e o acompanhamento dos elementos gráficos da capa e do encarte. No aplicativo, o álbum torna se uma espécie de game, onde o ouvinte é convidado a adotar um papel mais participativo, transformando se em um usuário que brinca com as músicas e as recria. No aplicativo, tão importante quanto ouvir a música é tocar nelas com as pontas dos dedos.

Assim, perguntamos, como o álbum aplicativo “remedeia” o álbum de música, entendido em um sentido mais tradicional? Bolter e Grusin (2000: 49) entendem como “remediação” e “representação de um meio em outro”, uma característica definidora das novas mídias digitais. O conceito é regido por uma dupla lógica, que aponta para as noções de imediação e hipermediação. Enquanto a primeira diz respeito à “transparência” do meio, onde o espectador ficaria com a impressão de estar em contato direto com aquilo que é representado, desenvolvendo uma relação mais íntima e imersiva, a segunda aponta para um estilo de apresentação que preza pela heterogeneidade.10 Assim, “se a lógica da imediação leva a apagar ou a tornar automático o ato da representação, a lógica da hipermediação reconhece múltiplos atos de representação e torna os visíveis” (ibidem: 33 34, tradução do autor).

Como um álbum, o app de “Biophilia” traz as músicas e o trabalho gráfico correspondente ao tema abordado, explorando um repertório sonoro e imagético em torno de um produto musical. Entretanto, no aplicativo, não basta ver as imagens, ler os textos ou ouvir as músicas como se fossem atividades separadas, pois a experiência só se torna completa quando se conjuga essas três instâncias. Nesse contexto, ouvir “Biophilia” é usar (ou jogar) “Biophilia”. Entendemos que o álbum aplicativo de “Biophilia” é, portanto, de um ato de remediar o álbum de música que conjuga a dupla lógica de imediação e hipermediação. Através de toques na tela, o usuário coloca se em contato mais direto com a música, intervindo diretamente nela, como se o meio fosse apagado. Ao mesmo tempo, há um complexo hipermidiático que traz animações, imagens, sons, botões, menus e controles, de forma que o ouvinte possa usufruir a experiência multimidiaticamente.

 

Considerações finais

Em Cibercultura, Lévy (2000: 147) postulou que “os testemunhos artísticos da cibercultura são obras fluxo, obras processo, ou mesmo obras acontecimento pouco adequadas ao armazenamento e à conservação”. Podemos dizer que o álbum aplicativo “Biophilia” está posicionado em um entre lugar nessa reflexão. Ainda que o projeto considere o ouvinte (assumindo o papel de usuário) como um coautor da obra no sentindo de lhe fornecer a ele meios de se colocar como criador e manipulador de sons, “Biophilia” apresenta um campo de atuação circunscrito à temática explorada, às características materiais do suporte e aos paratextos, os quais tornam o álbum presente, aproximam ouvinte e artista e estabelecem as regras de uso para melhor aproveitamento da interatividade.

Ao mesmo tempo que aponta para uma novidade, “Biophilia” também recupera certas práticas de escuta musical que, acredita se, foram enfraquecidas pelas novas tecnologias. Como aponta Snibbe:

Se você pensar bem e tiver, digamos, mais de 40 anos, como eu, o conceito de imersão na música remonta a um ato bastante simples, que acontecia quando pegávamos um disco de vinil e o escutávamos, olhando o encarte e lendo as letras, completamente esquecidos do mundo enquanto nos apaixonávamos pela música (...). Os formatos digitais nos tiraram um pouco dessa capacidade. Graças a eles, ouvimos música em movimento, enquanto escovamos os dentes ou tomamos banho. Não que isso seja de todo ruim, mas é como se mantivéssemos um relacionamento amoroso superficial com a música. “Biophilia” é uma experiência em torno daquele conceito de que falei inicialmente, de nos fazer parar e ouvir a música com profunda atenção. A diferença é que agora o encarte, as fotos, as imagens, tudo está em movimento, tudo tem vida. (Albuquerque, 2011)

O aplicativo “Biophilia” mostra que, no atual processo de reconfiguração da indústria fonográfica, precisamos olhar não somente para as rupturas de modelos mais tradicionais, mas também para as continuidades. Nesse sentido, o formato “álbum”, tido como ameaçado pelas novas práticas de consumo musical, mostra que pode ser repensado para acompanhar o processo, incentivando novas maneiras dos consumidores e dos próprios artistas de lidarem com a música.

 

Referências bibliográficas

Abreu, Paula (2000), “Práticas e consumos de música(s). Ilustrações sobre alguns novos contextos da prática cultural”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 56, 123 147. Consultado a 20.07.2015 em http://www.ces.uc.pt/rccs/includes/download.php?id=723.

Abreu, Paula (2009), “A indústria fonográfica e o mercado da música gravada. Histórias de um longo desentendimento”, Revista Crítica de Ciências Sociais, 85, 105 129. Consultado a 20.07.2015 em http://rccs.revues.org/356.

Albuquerque, Carlos (2011), “Parceiro de Björk em ‘Biophilia’ diz que aplicativos nos farão voltar a ouvir música com atenção”, Jornal O Globo, de 4 de novembro. Consultado a 04.02.2014 em http://oglobo.globo.com/cultura/parceiro-de-bjork-em-biophilia-diz-que-aplicativos-nos-farao-voltar-ouvir-musica-com-atencao-3215442.

Bartmanski, Dominik; Woodward, Ian (2013), “The Vinyl: The Analogue Medium in the Age of Digital Reproduction”, Journal of Consumer Culture, 0(0), 1 24.

Bødker, Henrik (2004), “The Changing Materiality of Music”, The Centre for Internet Research, Aarhus. Consultado a 06.04.2016, em https://www.academia.edu/7763732/The_Changing_Materiality_of_Music.

Bolter, Jay David; Grusin, Richard (2000), Remediation. Understanding New Media. Cambridge: MIT Press.         [ Links ]

Carvalho, Alice Tomaz de; Rios, Riverson (2009), “O MP3 e o fim da ditadura do álbum comercial”, in Irineu Franco Perpetuo; Sergio Amadeu da Silveira (orgs.), O futuro da música depois da morte do CD. São Paulo: Momento Editorial, 75 90.

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Artigo recebido a 21.07.2015 Aprovado para publicação a 01.02.2016

 

NOTAS

* O autor deste artigo é doutorando do PPGCOM/UFF (Brasil), onde desenvolve pesquisa sobre a reconfiguração do formato álbum na cultura digital. Integra o LabCULT, grupo de pesquisa coordenado pela Professora Doutora Simone Pereira de Sá.

1 Entrevista para a revista Dazed & Confused, em agosto de 2011, edição para iPad (tradução do autor).

2 Em 2013, o aplicativo foi disponibilizado também para dispositivos móveis com o sistema operacional do Google, Android. Consultado a 20.07.2015, em http://www.theverge.com/2013/7/17/4529964/bjork-biophilia-hits-google-play-android.

3 Sanjek (1988: 134, tradução do autor) aponta “Bix Beiderbecke Memorial Album” como o primeiro álbum “contendo várias gravações de música popular por um artista ou grupo particular ou construído em torno de um tema central.” Lançado em 1936 pela RCA Victor, o produto consistia em um pacote com seis discos de dez polegadas e um encarte de doze páginas, cuja proposta era prestar uma homenagem ao trompetista Leon Bismarck “Bix” Beiderbeck, falecido em 7 de agosto de 1931, aos 26 anos. Sobre a denominação “álbum”, Jones e Sorger (1999: 71, tradução do autor) sugerem que o “empacotamento” de músicas sob o nome de álbum estabelece uma relação direta com álbuns de fotografia. Por causa da longa duração de peças de música clássica e a baixa capacidade de armazenamento dos discos de 78 r.p.m., as obras precisavam ser comercializadas em vários discos, arrumados em pesadas caixas de papelão: “(a) similaridade, em aparência e função, dessas caixas com os álbuns de foto, as levaram a ser conhecidas como álbuns”.

4 Genette (2001) entende paratexto como “aquilo que permite a um texto transformar se em um livro e ser oferecido como tal aos seus leitores e, mais genericamente, ao público”. Para o autor, os paratextos expandem e envolvem o texto principal com o objetivo de presentificá lo, ou seja, torná lo presente “para garantir a presença do texto do mundo”. Da forma como é construído, o conceito de paratexto permite uma série de desdobramentos que vão além do livro. Aqui, tratamos como paratexto qualquer elemento que expande, envolve e presentifica o álbum musical. Consideraremos, então, o encarte, as imagens, o título, a capa, a ordem das faixas, textos presentes e outros elementos constitutivos.

5 Ainda que esse protocolo de escuta sugira uma relação de proximidade idealizada, quase de imersão, entre ouvinte, artista e suporte material, é importante notar que colecionadores costumam justificar suas preferências pelo vinil nesses termos (Bartmanski e Woodward, 2013; Gauziski, 2013).

6 Editorial da revista Dazed & Confused, julho 2011, escrito por Björk, editora convidada nesta edição.

7 “Music, Nature, Science”, Wired. London: The Condé Nast Publications Ltd, agosto 2011 (edição para iPad).

8 “Violently Appy”, Dazed & Confused. London: Waddell Limited, julho 2011 (edição para iPad).

9 Ver nota de rodapé anterior.

10 Para os autores, a navegação on line seria um exemplo de hipermediação, uma vez que combina imagens, vídeos, sons e textos em um mesmo espaço.

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