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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.107 Coimbra set. 2015

 

RECENSÕES

Emmi, Marília Ferreira (2013), Um século de imigrações internacionais na Amazônia brasileira (1850-1950)

 

Luis E. Aragón

Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará, Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto, Rua Augusto Corrêa, 1, Guamá – 66075-110 Belém, Pará, Brasil E-mail: luis.ed.aragon@hotmail.com

 

Emmi, Marília Ferreira (2013), Um século de imigrações internacionais na Amazônia brasileira (1850-1950). Belém: Editora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, 251 pp.

 

Durante o ciclo da exploração da borracha, que se estende desde meados do século xix até às primeiras décadas do século xx, a Amazônia foi destino de grupos populacionais originários de diversos continentes e países. As riquezas decorrentes da economia da borracha atraíram, temporária ou definitivamente, os diferentes fluxos migratórios.

O censo brasileiro de 1872 registra 8728 estrangeiros nos estados do Pará (6529) e do Amazonas (2199), que representam respectivamente 3,8% e 2,4% da população total dos estados. A maioria correspondia a europeus, destacando-se portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, alemães, italianos e austríacos. Das Américas o censo registra principalmente argentinos, bolivianos, norte-americanos, paraguaios e peruanos.

Mais tarde, no início do século xx, chegaram os turco-árabes ou turco-asiáticos, denominações usadas para identificar os sírios e os libaneses; e ainda mais tarde, no final da década de 1920, noutra conjuntura econômica, chegaram à Amazônia os japoneses, segmento que já havia aportado em São Paulo, em 1908.

Tomando como principal referência teórica os trabalhos do argelino Abdelmalek Sayad, a autora analisa o fenômeno migratório como um fato social que envolve, na sua totalidade, duas sociedades, a de partida e a de chegada, e que insere o retorno, concreto ou desejado, como um importante definidor do processo. Envolve também a especificidade dos grupos que se inserem na condição de ‘outro’ numa realidade social com traços culturais diversos daqueles característicos de sua identidade individual e social.

Nesse sentido, e seguindo os postulados de Sayad, a migração é analisada aqui como um movimento que comporta a emigração (e a qualidade de emigrante) e a imigração (e a condição de imigrante) na sua dupla dimensão: de fato coletivo e de itinerário individual.

Foram cinco os maiores fluxos de migrantes internacionais que se dirigiram para a Amazônia brasileira durante o período considerado (1850-1950): portugueses, italianos, espanhóis, sírio-libaneses e japoneses. O livro é um minucioso estudo de cada um desses cinco fluxos que se dirigiram para a Amazônia ao longo de um século. Para cada grupo considerado são analisadas suas particularidades, o perfil sociodemográfico dos indivíduos participantes, e, principalmente, sua contribuição econômica, cultural, social e política para a formação histórica da região, concluindo com um relevante estudo comparativo dos cinco grupos.

Segundo a autora, esses cinco segmentos migratórios foram selecionados, não somente por serem os mais numerosos, mas também pela sua relevância na economia e na sociedade amazônica, e pela sua participação na composição demográfica e cultural, os quais ainda hoje se perpetuam na memória social e no significativo contingente de descendentes que deixaram na região.

Dois momentos são particularmente significativos nesse processo migratório: o fim da escravatura no Brasil em 1888, e a queda da economia da borracha no início da segunda década do século xx.

Com o fim da escravatura a imigração subsidiada pelo Estado, especialmente de europeus, foi intensificada para substituir a mão de obra escrava. Na Amazônia, especialmente no estado do Pará, foram experimentadas várias colônias agrícolas com a participação de europeus no Nordeste Paraense, mas com pouco sucesso. Contudo, paralelamente a essa imigração subsidiada, seguiu-se outra espontânea em que as cidades foram o destino principal, motivada pelas atividades econômicas em expansão ligadas à exploração da borracha.

Com a queda da economia da borracha, após ser superada pela produção do Sudeste Asiático, no início da segunda década do século xx, as grandes empresas produtoras e comerciais de borracha na Amazônia estagnaram ou saíram do país. Mas muitos estrangeiros ficaram e outros continuaram a chegar, substituindo vários dos empreendimentos outrora concentrados nas mãos de grandes companhias de produção e exportação de borracha. O censo de 1920, quando a economia da borracha estava em plena decadência, registrou no Pará 22 083 estrangeiros (2,2% da população total do Estado), e no Amazonas 16 936 (4,7% da população total do Estado). Surgem, como consequência, serviços especializados, pequenos comércios, pequenas indústrias e produção agrícola, para suprir as necessidades da população remanescente.

Os portugueses foram os primeiros a chegar. Eles já estavam na Amazônia, na condição de imigrantes, segundo registros consulares, desde 1850; mas considerando o estatuto de colonizador, sua presença se remonta ao século xvii. Foi uma imigração predominantemente individual, masculina e de destino urbano, embora tenha se registrado a experiência de uma imigração rural subsidiada para colônias agrícolas, em número pouco significativo.

A entrada de imigrantes espanhóis na Amazônia se fortalece a partir de 1896, por meio de imigração subsidiada de famílias de agricultores destinadas às colônias agrícolas do estado do Pará. O censo de 1872 registra a presença de um pequeno número de espanhóis residentes no Pará e no Amazonas, possivelmente vindos por conta própria ou como membros de ordens religiosas. Há ainda o registro da presença de um reduzido número de espanhóis na colônia de Benevides, na zona Bragantina, em 1875.

No que se refere a italianos, registra-se a presença de pintores, arquitetos, músicos e outros artistas desde o século xviii. Em meados do século xix, arquitetos e engenheiros italianos foram responsáveis pela construção de obras públicas e particulares de interesse da elite da borracha, algumas das quais permanecem até hoje. Também vieram membros de ordens religiosas que se localizaram, sobretudo, nas capitais, atendendo determinações específicas de suas congregações. Contudo, a imigração de italianos aconteceu de forma mais sistemática a partir de 1899, quando, através de imigração subsidiada, famílias de agricultores se assentaram em colônias agrícolas situadas na área de influência da estrada de ferro Belém-Bragança. Paralelamente, outro fluxo formado por artesãos e pequenos proprietários, numa imigração por conta própria, se dirigiu para as capitais e outras cidades amazônicas.

A imigração sírio-libanesa apresenta características muito diferentes dos outros fluxos considerados. É uma imigração tipicamente laboral espontânea, vinculada principalmente ao comércio de varejo: eram mascates (caixeiros viajantes), que circulavam pelo país utilizando os mais diversos meios de transporte. Na Amazônia, principalmente ao longo dos rios, ou regatões, levando mercadorias aos mais afastados lugares. A imigração sírio-libanesa na Amazônia se fortaleceu no início do século xx, embora haja o registro, na década de 1880, de uma firma de navegação e exportação de um sírio e um estabelecimento comercial de um libanês em Manaus, e de duas firmas comerciais de libaneses em Belém.

A imigração dos japoneses na Amazônia foi tardia em relação aos outros fluxos estudados. A primeira leva de imigrantes aportou em Belém em 1929, quando a Amazônia sofria as consequências da decadência da borracha, portanto a sua chegada também estava relacionada com a economia da borracha, coincidindo, no entanto, não com o auge, mas com a crise. A oferta da Amazônia como área de opção para receber imigrantes japoneses foi motivada pelo desejo das elites governamentais do Pará e do Amazonas de encontrar novos rumos econômicos, para mitigar os problemas econômicos e sociais decorrentes da crise da economia da borracha.

Neste livro buscou-se problematizar o processo imigratório dos diferentes segmentos a partir de reflexões teórico-metodológicas que permitissem visualizar a complexidade e as múltiplas dimensões que o fenômeno migratório comporta e também as especificidades de cada segmento.

Enfim, este livro analisa, com base em documentos primários e extensa revisão bibliográfica, a saga desses imigrantes que, com seu esforço, ajudaram a formar a diversidade cultural que caracteriza, hoje, a Amazônia. Torna-se, por isso, leitura obrigatória de estudantes, professores e pesquisadores interessados em entender a Amazônia de ontem e de hoje.

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