SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número107As lutas pela Amazónia no início do milénioA Amazônia na geopolítica mundial dos recursos estratégicos do século XXI índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.107 Coimbra set. 2015

 

ARTIGO

Desenvolvimento amazônico em questão

Amazonian Development in Question

Développement amazonien en cause

 

Luis E. Aragón

Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará Cidade Universitária Professor José da Silveira Netto, Rua August Correa, 1, Guamá – 66075-750 Belém, Pará, Brasil E-mail: luis.ed.aragon@hotmail.com

 

RESUMO

Este artigo questiona diferentes aspectos das políticas de desenvolvimento em curso na Amazônia. O argumento central é que o conhecimento da região é condição essencial para alcançar o desenvolvimento socialmente includente, ecologicamente sustentável e economicamente sustentado. Apresentam-se treze pontos para incitar o debate: a invenção da Amazônia, as desigualdades regionais, o conhecimento como fator de desenvolvimento, o investimento em educação, ciência e tecnologia, a fuga de cérebros, o conhecimento tradicional, a pertinência social da educação superior, a globalização, a biopirataria, a cultura de avaliação, a necessidade de novas lideranças, as ações políticas e os resultados da conferência Rio+20.

Palavras-chave: Amazônia, ciência e tecnologia, desenvolvimento sustentável, desigualdades socioeconômicas, países da Amazônia

 

ABSTRACT

This article questions several aspects of current development policies in the Amazon. The central argument is that the knowledge of the region is essential for achieving sustainable development. Thirteen points are discussed to stimulate debate, and these are: the invention of the Amazon; regional inequalities; knowledge as a factor of development; investment in education, science and technology; the brain drain; traditional knowledge; the social relevance of higher education; globalization; biopiracy; the culture of evaluation; the need for new leadership; political actions, and the Rio+20 conference results.

Keywords: Amazon, Amazonian countries, science and technology, socioeconomic inequalities, sustainable development

 

RÉSUMÉ

Cet article se penche sur divers points des politiques de développement en cours en Amazonie. Le principal argument est celui que la connaissance de la région est une condition essentielle pour parvenir à un développement socialement inclusif, écologiquement durable et économiquement soutenu. Nous présentons treize points visant à inciter au débat: l’invention de l’Amazonie, les inégalités régionales, la connaissance comme facteur de développement, l’investissement dans l’éducation, la science et la technologie, la fuite des cerveaux, la connaissance traditionnelle, la pertinence sociale de l’enseignement supérieur, la mondialisation, la biopiraterie, la culture de l’évaluation, la nécessité de nouveaux leaderships, les actions politiques et les résultats de la Conférence Rio+20.

Mots-clés: Amazonie, développement durable, inégalités socio-économiques, pays d’Amazonie, science et technologie

 

O argumento central que se desenvolve neste artigo é que o conhecimento da região amazônica é condição essencial para alcançar o desenvolvimento socialmente includente, ecologicamente sustentável e economicamente sustentado (Sachs, 2004).1 Apontam­‑se treze pontos para incitar o debate em torno dessa questão. Certamente esses não são os únicos desafios a serem superados. Outros aspetos podem ser agregados, em benefício do alargamento e aprofundamento de um debate que urge intensificar. A intenção é ganhar corpo numa agenda de ações que permita acelerar as mudanças necessárias na região em busca do desenvolvimento sustentável.

Percorramos então, em treze momentos, algumas das questões fundamentais que esse desiderato suscita.

 

1. De quantas Amazônias falamos?

Ao longo da história da Amazônia, a floresta tem se encarregado de encobrir a heterogeneidade da região. Ela tem sido percebida como um enorme manto verde homogêneo. Mas a ciência tem se encarregado de demonstrar precisamente o contrário; a Amazônia é, antes de tudo, caracterizada por sua rica diversidade, em todos os aspectos: físicos, biológicos, culturais, políticos e sociais. Essa mesma diversidade a torna única; a região representa, na realidade, a unidade do diverso. Eis aí o primeiro desafio a encarar, a dimensão espacial de qualquer iniciativa de desenvolvimento regional.

As lutas pelo domínio da região traçaram fronteiras artificiais, dividindo politicamente a região em nove pedaços, cada um sob uma soberania diferente. Consequentemente, cada país trata de forma diferente sua própria Amazônia, resultando numa diversidade de políticas muitas vezes contraditórias. Não existe, como o Coordenador de Ciência e Tecnologia da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) reconhecia numa reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, 2007), uma unidade política de atuação da Pan-Amazônia. Existem somente iniciativas nacionais, que não envolvem cooperação ou estabelecimento de responsabilidades mútuas entre os países vizinhos. Não será possível, portanto, implementar projetos nacionais de desenvolvimento na Amazônia sem contar com um componente importante de sua dimensão pan-amazônica. Mas, para isso acontecer, é necessário um organismo forte na região, que estimule a cooperação e a integração regional e que defina marcos regulatórios de atuação que gerem sinergia entre os diversos territórios amazônicos em vez de prejuízos – alegando-se a soberania nacional, pois os fenômenos ambientais não respeitam fronteiras.

Se isso é válido a nível da Pan-Amazônia, também em cada Amazônia nacional a escala espacial não pode ser ignorada em qualquer iniciativa de desenvolvimento regional. Na Amazônia peruana se fala de selva baixa, selva alta e ceja de selva, conforme a temperatura e a vegetação variam de acordo com a altitude; na Amazônia colombiana, as características físicas e culturais diferenciam-se entre a Amazônia Ocidental e a Amazônia Oriental e nas Guianas os contrastes são marcantes entre a faixa costeira e a floresta do interior. Enfim, as Amazônias nacionais têm suas próprias caraterísticas físicas e culturais, que deverão ser levadas em conta. Fica claro, pois, que a região não poderá ser tratada sem se considerar suas particularidades espaciais. No Brasil, o zoneamento ecológico-econômico é um importante esforço nesse sentido, mas caminha lentamente. Esforço similar começou a ser feito na Amazônia peruana, embora com futuro incerto (Rodriguez Achung, 2007).

A população da Amazônia, estimada em aproximadamente 35 milhões, concentrou-se em áreas urbanas, gerando problemas ambientais agravados pela rapidez com que se deu o processo. Essa realidade demanda programas específicos que atendam à solução dos graves problemas que atingem a maioria dos que habitam as cidades amazônicas, mas sem descuidar dos conflitos e dos problemas que atingem as áreas rurais.

A criação de áreas protegidas tem demonstrado sua importância no controle do desmatamento da Amazônia, pelo menos no Brasil. O programa de áreas protegidas deve, por conseguinte, ser fortalecido e ajudado com medidas complementares que permitam a sua manutenção.

 

2. Os países amazônicos caracterizam-se por manter desigualdades marcantes: regionais, de gênero, sociais, econômicas e educacionais, entre outras

As oportunidades concentram-se nas regiões mais desenvolvidas e nas grandes cidades; a riqueza concentra-se em poucas mãos; e os benefícios da ciência e da educação superior alcançam apenas uma minoria privilegiada. As melhores universidades e os institutos de pesquisa localizam-se nas regiões mais desenvolvidas, as quais captam a maior parte dos recursos disponíveis. O acesso ao conhecimento produzido é regionalmente desigual e muitas vezes disponível somente em línguas estrangeiras. Diversos projetos de ensino e pesquisa tratam de temas de interesse de países desenvolvidos, enquanto temas de interesse dos países ou regiões menos desenvolvidas são postos em segundo plano. Para ter impacto na redução das desigualdades regionais, o desenvolvimento da educação superior, da ciência e da tecnologia na Amazônia deverá, portanto, ser encarado como política de Estado que acompanhe gerações e que não se reduza a ações esporádicas dos governos de turno.

 

3. É fundamental reconhecer e estar ciente de que o conhecimento tornou-se uma poderosa ferramenta de dominação e um produto rentável

Como argumenta Alex Fiúza de Mello:

Se o poder econômico sempre favorecera, outrora, o acesso ao poder do conhecimento, atualmente o poder do conhecimento tornou-se o acesso inescapável ao poder econômico. Eis aqui o segredo e a fonte principal do poder e da soberania de um povo na atual contemporaneidade: o domínio do conhecimento científico. (2007: 38)

Nesse sentido, a Amazônia, com toda sua riqueza natural, parece incapaz de utilizar de forma sábia, para o benefício da região e dos amazônidas, a abundância de recursos naturais de que dispõe. Só assim poderá enfrentar-se a ameaça da “maldição da abundância”. Essa expressão é usada para

[…] caracterizar os riscos que correm os países pobres onde se descobrem recursos naturais objeto de cobiça internacional. A promessa de abundância é tão convincente que passa a condicionar o padrão de desenvolvimento. Eis os riscos: crescimento do PIB em vez de desenvolvimento social; corrupção generalizada da classe política; aumento em vez de redução da pobreza; polarização crescente entre uma pequena minoria super-rica e uma imensa maioria de indigentes; destruição ambiental e sacrifícios incontáveis às populações onde se encontram os recursos em nome de um “progresso” que estas nunca conhecerão; criação de uma cultura consumista que é praticada apenas por uma pequena minoria urbana mas imposta como ideologia a toda a sociedade. Em suma, os riscos são que, no final do ciclo da orgia dos recursos, o país esteja mais pobre do que no seu início. (Santos, 2012a)

A citação se refere ao que está acontecendo atualmente em alguns países africanos, como Moçambique e Angola. Mas muitos desses riscos ameaçam igualmente a Amazônia. Não haverá, portanto, desenvolvimento sustentável na Amazônia se tais riscos não forem superados.

 

4. Alega-se que nos países do Sul o atendimento às necessidades básicas da população é tão premente que poucos recursos podem ser investidos em educação superior, ciência e tecnologia

É preciso reconhecer, no entanto, que nenhum país ou região atingiu o desenvolvimento sem educação adequada; a educação é a chave mestra para a melhoria do bem-estar humano e deve ser vista como solução dos problemas e não como fardo para a economia. É por isso que ela deve ser encarada como política de Estado, criando mecanismos para a alocação dos recursos necessários para esse fim. Os programas em parceria constituem um desses mecanismos. Referindo-se à América Latina, Ana Lúcia Gazzola, ex-diretora do Instituto de Educação Superior da América Latina e Caribe da UNESCO (IESALC), argumenta acertadamente que no mundo contemporâneo:

[...] nós não teremos inserção competitiva como países isolados. Nós não temos capital humano suficiente, mas em conjunto, identificando nossos próprios nichos estratégicos em nível internacional, seremos capazes de construir competência direcionada para o desenvolvimento humano sustentável de nossos países e região. (Gazzola, 2008: 129)

Nesse sentido, as iniciativas que se vêm desenvolvendo na Amazônia precisam ser fortalecidas e ampliadas. A cooperação proveniente do Norte deve ser posta ao serviço das instituições da Amazônia, participando ativamente e em pé de igualdade na definição das áreas de interesse, das estratégias, dos lugares escolhidos para o desenvolvimento das pesquisas e da produção e disseminação de seus resultados. A cooperação vinda do Norte, para gerar frutos significativos no Sul, deve encontrar solo fértil; para isso, a capacidade científica no Sul deve ser fortalecida. Na Amazônia, é essencial, por conseguinte, consolidar e ampliar os esforços desenvolvidos pelas redes universitárias, como a Associação de Universidades Amazônicas (UNAMAZ); outras iniciativas de cooperação Sul-Sul; as universidades multicampi; o Projeto Experimento de Grande Escala de Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA); os grupos de pesquisa, tanto nacionais como internacionais; e outros programas que consigam aglutinar a massa crítica da região (Aragón, 1994). É impossível trabalhar hoje em isolamento. A falta de infraestrutura adequada e de sistemas de comunicação eficientes na Amazônia mantém muitos dos pesquisadores isolados dos maiores fluxos de conhecimento, privando-os de informações vitais e negando-lhes o acesso a conhecimentos e experiências realizadas em outras instituições, causando muitas vezes repetições desnecessárias. As redes de cooperação facilitam o intercâmbio de professores e pesquisadores, a mobilidade estudantil, a realização de projetos conjuntos e o fomento à integração regional e à cultura da paz.

Por exemplo, a escassez de informação estatística sistematizada, passível de ser integrada ou comparada entre as Amazônias nacionais é um problema extremamente limitante para realizar estudos em nível macrorregional ou da Pan-Amazônia. Não será possível desenvolver ações conjuntas sem informação adequada. A dificuldade nesta matéria é tão grande que nem sequer é possível fazer, para a Grande Amazônia, uma estimativa rigorosa da população total e sua composição demográfica. Poder-se-ia pensar na criação de um instituto em forma de rede, integrando os diversos institutos de estatística dos países amazônicos, para que, sob a coordenação de um deles, se desenvolvesse um programa voltado para gerar, armazenar e divulgar dados estatísticos padronizados sobre toda a região. Paralelamente, ou como parte da atividade de um instituto dessa natureza, dever-se-ia fazer um levantamento da capacidade instalada em cada país relacionada com o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação (C&T&I) na Amazônia. A OTCA e a UNAMAZ poderiam liderar a implantação dessas iniciativas (Aragón, 2005).

 

5. Como reter os profissionais altamente competentes nos países e regiões menos desenvolvidas?

A mobilidade do trabalho é uma consequência da distribuição desigual de oportunidades a nível internacional e nacional, levando muitos dos mais qualificados recursos humanos de países do Sul a migrar para países do Norte e, naqueles mesmos países, a migrar das regiões periféricas para as mais centrais. Na Amazônia a cooperação e a integração regional podem contribuir para mitigar este problema, implementando programas de mobilidade acadêmica e em consórcio entre instituições da região ou dos países amazônicos e estabelecendo parcerias equitativas com instituições de países do Norte. Mas, em definitivo, será o fortalecimento do sistema de educação superior, ciência, tecnologia, e inovação instalado na própria região que conseguirá reter seus cérebros mais qualificados.

 

6. Muitas das descobertas científicas são baseadas em conhecimento tradicional acumulado por gerações

Esse conhecimento deverá ser ligado de alguma forma à ciência e à educação superior para benefício mútuo. Diversos cientistas confirmam, por exemplo, que para se acelerar o conhecimento científico da enorme biodiversidade da Amazônia será necessário contar com a ajuda dos índios e dos caboclos, profundos conhecedores dos “segredos” da floresta (SBPC, 2007). Esforços já estão sendo feitos a este respeito em algumas universidades da Amazônia, especialmente no Brasil, estimulando a participação de estudantes indígenas em cursos de graduação e pós-graduação, formando professores indígenas de ensino fundamental e médio para lecionar em suas próprias línguas e fazendo uso de suas próprias tradições e estabelecendo grupos de pesquisa que integrem os conhecimentos tradicionais em conhecimento novo de que todos beneficiem. Na Amazônia peruana, a experiência da Universidade Nacional Intercultural da Amazônia (UNIA), localizada no departamento de Ucayalli, é pioneira nesse assunto quando determina que 50% do seu corpo discente deve ser composto por indígenas e que seus programas devem valorizar a realidade cultural da região (Villafuerte Recharte, 2008).

 

7. O trabalho interdisciplinar é a integração de conhecimentos fragmentados de especialistas de diferentes áreas, aplicado a problemas específicos

Nesse sentido, o trabalho interdisciplinar é uma prática para criar marcos epistemológicos com o objetivo de interpretar a realidade. O conhecimento disciplinar profundo de campos especializados é condição para o trabalho interdisciplinar, mas novas práticas de trabalho em grupo, e novas atitudes por parte dos especialistas, tornam-se igualmente fundamentais: a disposição de trabalhar em conjunto, o reconhecimento de limitações, a abertura à crítica e ao diálogo com campos de saberes variados e a vontade de aprender com outros. Mudanças de abordagens científicas e de atitudes de cientistas e professores estão surgindo, na medida em que velhos paradigmas são incapazes de responder a problemas críticos de hoje. O papel e significado da própria ciência estão sendo questionados: ciência para quem? Quais devem ser os beneficiários da ciência? Que tipo de pesquisa deve ser realizado? É possível explicar e controlar tudo através da ciência? É a educação superior relevante ou socialmente pertinente? O trabalho interdisciplinar é a chave para resolver algumas dessas interrogações.

A educação superior, portanto, precisa redefinir seus campos e suas práticas. Já existem algumas iniciativas neste domínio. No Brasil, por exemplo, a chamada área multidisciplinar de cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), definida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), encontra-se em rápida expansão e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) enfatiza a necessidade e estimula a formação de grupos de pesquisa interdisciplinares. Na Amazônia brasileira, o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA) é pioneiro com o estabelecimento do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, exemplo que foi seguido por outras universidades da região, que realizam programas de pós-graduação focados no desenvolvimento regional.

 

8. A globalização reduziu-se, hoje, à mundialização do consumo e dos padrões culturais dos países do Norte

A globalização não pode ser aceita passivamente como uma nova forma de colonialismo. Ao contrário, deve-se lutar pela identidade cultural, o equilíbrio econômico e a integração regional. Nesse sentido, o conhecimento produzido no Sul e a cooperação Sul-Sul jogam um papel preponderante (Santos, 2004). Atualmente, é reconhecido mundialmente o papel central que a Amazônia desempenha em relação a vários problemas ambientais, assim como à economia internacional. O Brasil tem conseguido um papel importante e liderança nos grandes foros internacionais referentes às mudanças necessárias para controlar o aquecimento global e proteger as florestas tropicais. O Brasil e os demais países amazônicos devem fortalecer esse papel, e negociar a seu favor medidas internacionais que contribuam para o desenvolvimento sustentável da região.

 

9. Como evitar a biopirataria?

Como evitar as patentes de plantas e produtos em países do Norte, extraídos, muitos deles ilegalmente, de países do Sul? São necessárias leis para proteger a investigação séria e responsável conduzida por pesquisadores estrangeiros e nacionais nas instituições da Amazônia, de forma a garantir os direitos de propriedade do conhecimento produzido aqui, inclusive o acumulado através de gerações, estimulando a formação e a promoção de grupos de pesquisa integrados por pesquisadores nacionais e estrangeiros em igualdade de condições. Pela importância que ganhou no mundo, a Amazônia desperta interesses de pesquisa muito grandes nos mais diversos países. Os países amazônicos devem saber aproveitar esses interesses com inteligência, gerando sinergias que os fortaleçam.

 

10. A burocracia, na maioria de países amazônicos, é extremamente lenta e complicada, os controles de qualidade são pouco rigorosos e a corrupção é comum

Esses fatores tornam as iniciativas mais custosas e seus resultados de qualidade questionável. É o que se conhece, por exemplo, como “custo Brasil”, ou “custo amazônico”. A cultura de avaliação permanente e de prestação de contas tem que penetrar em todas as instâncias e instituições e os processos burocráticos têm de tornar-se mais ágeis, para ganhar credibilidade e legitimidade.

 

11. São necessários líderes com uma mentalidade nova em todos os campos, setores e lugares: mulheres e homens capazes de romper barreiras e promover iniciativas voltadas para o bem-estar de todos, seja de presentes ou de futuras gerações

A produção de conhecimento voltado para o bem-estar do ser humano, que apresente soluções socialmente includentes, utilizando os recursos naturais com sabedoria e, ao mesmo tempo, preservando a diversidade biológica e cultural, representa um desafio para todos aqueles comprometidos com o futuro da humanidade. É essencial, portanto, educar para que as pessoas sejam capazes de liderar mudanças de atitudes de modo a evitar a deterioração ambiental e promover a preservação dos valores universais, a construção da cultura de paz e o trabalho pela igualdade e a justiça. Quanto maior for o número de pessoas com essas capacidades, maiores serão as possibilidades de intervir politicamente para lidar com esses problemas que já atingiram patamares alarmantes.

 

12. Pouco poderá fazer a ciência produzindo conhecimento pertinente, relevante, e comprometido, se as opções políticas tomadas não forem as corretas

Como bem argumenta Mello, para o caso brasileiro,

O desafio do desenvolvimento da Amazônia, no limite, não é uma questão técnica: é política! Supõe um novo projeto de Nação e a indução, pelo Estado brasileiro, de oportunidades mais igualitárias a todos os brasileiros. Sem o conhecimento científico, investido na densidade requerida; sem as cadeias produtivas que, por ele orientadas, geram e agregam valor – portanto, sem universidade! –, os recursos naturais não se transformam em riqueza efetiva; não há desenvolvimento sócioeconômico auto-sustentado; não há progresso humano. Sem o conhecimento aplicado reproduz-se o atraso. Não há defesa possível da região contra a biopirataria. Não há inclusão social. Não há redução das desigualdades inter-regionais – que vergonhosamente ainda se perpetuam no Brasil, apesar da proclamação da República. (2007: 127)

Ao longo da história, as políticas implementadas na Amazônia parecem ignorar os avanços científicos conseguidos e acreditar em mitos que as justifiquem. Mesmo que o conhecimento científico sobre a região seja ainda insuficiente, ocorreram avanços, mas eles têm sido pouco considerados quando formulados e implementados os projetos de desenvolvimento. Agora, afirma Bertha Becker, “não se trata apenas de buscar novas técnicas para a região Amazônica, mas de um novo modelo de produzir, baseado na informação e no conhecimento, que afeta toda a organização social e política” (SBPC, 2007: 18). Mas para a implantação de um modelo dessa natureza, serão necessárias novas lideranças políticas e uma sociedade organizada, que lutem em prol dessas ideias.

 

13. Em 2012 a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, completou 20 anos, sendo a comemoração celebrada com a Conferência mundial Rio+20, em Rio de Janeiro, no mês de junho

A pauta incluía duas questões centrais: 1) a contribuição da economia verde para o desenvolvimento sustentável e a eliminação da pobreza; e 2) a estrutura da governança internacional necessária para o desenvolvimento sustentável, incluindo a captação dos fundos necessários para implementar as ações propostas (Rio+20, 2014).

Os países do Norte que participaram na Conferência, especialmente os europeus, o fizeram enfrentando sérios questionamentos sobre as consequências da crise econômica e financeira que os assola. “A crise é a evidência contundente de que a receita neoliberal fracassou. E isso com certeza amplia o campo para se propor uma outra visão de futuro”, apostava Ignacy Sachs antes da Conferência (CDES, 2011). Esperava-se, portanto, uma ação mais contundente e coordenada dos países tropicais e emergentes, incluindo o Brasil e demais países amazônicos, para ganhar credibilidade com propostas arrojadas e armando alianças para mudar o rumo do sistema atual.

Entretanto, a conferência não alcançou, nem de longe, os resultados transcendentais da Rio-92, gerando, pelo contrário, grande frustração, a exemplo do que aconteceu em outras conferências recentes das Nações Unidas, onde não se assumiram sérios compromissos políticos e financeiros obrigatórios, capazes de mudar o status quo. Na opinião de Boaventura de Sousa Santos (2012b), apesar dos alertas feitos pela própria ONU vinte anos antes sobre a insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento e as visíveis consequências do aquecimento global, a Rio+20 não gerou compromissos obrigatórios para reduzir os índices de emissão de gases de efeito estufa, assumir uma responsabilidade diferenciada para os países que mais poluem, garantir fundos para implementar o desenvolvimento sustentável, conseguir o acesso universal à saúde ou obter a quebra de patentes farmacêuticas em casos de emergência e pandemias, entre outros. De igual maneira, a preconizada economia verde, capaz de resolver o problema da pobreza no mundo, poderá converter-se no “cavalo de Tróia para o capital financeiro passar a gerir os bens globais e os serviços que a natureza nos presta gratuitamente” (Santos, 2012c).

Em consequência, resta aos países, individualmente ou em bloco, definir suas próprias agendas e assumir seus próprios compromissos face à sociedade, conforme o ideário do desenvolvimento sustentável, sob a ameaça de ter que responder pelo agravamento da deterioração do meio ambiente e da qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Nesse sentido, a Amazônia, pela importância que representa a nível global, pode ser o palco de políticas e ações, implementadas de forma soberana pelos países amazônicos, porém coordenadas, que conduzam a uma nova era civilizatória em que os direitos da natureza, da sociedade e dos homens e mulheres se fortaleçam mutuamente em prol do bem-estar de seus habitantes.

Como conclusão geral, pode dizer-se que o processo de globalização vem modificando profundamente a geografia mundial, trazendo à tona questionamentos diversos sobre o rumo que tomou a sociedade num mundo extremamente injusto e desigual que, ao que tudo indica, tende a agravar-se. Nesse contexto, a Amazônia tornou-se relevante para o mundo e questiona-se qual será seu futuro. Não existem respostas fáceis, mas perguntas preocupantes para estimular o debate:2 1) O que ficou do conceito de desenvolvimento sustentável propalado a partir da Rio-92 e que relevância teve na formulação de políticas de desenvolvimento da Amazônia? 2) Qual o peso que tem ou deveria ter a Amazônia nos debates e acordos internacionais que envolvem a questão das mudanças climáticas globais? 3) Qual é ou deveria ser o envolvimento das populações locais na formulação e implementação de políticas públicas na Amazônia e quais têm sido os benefícios e os malefícios dos programas de desenvolvimento da região para essas populações? 4) As Constituições de vários países amazônicos têm vindo a consagrar modelos alternativos ao desenvolvimento a partir das cosmovisões indígenas. Qual o impacto das novas exigências constitucionais no modo como se encara o futuro da Amazônia? 5) A sede de recursos naturais por parte do capitalismo global é aparentemente infinita. Que limites ou alternativas oferece o novo mandato ecológico em construção no mundo? 6) As lutas pela Amazônia refletem conflitos entre interesses econômicos, sociais e culturais. Menos tratados são os interesses militares. Como analisar a crescente militarização da Amazônia?

Esses e outros assuntos igualmente preocupantes permanecem em aberto e merecem ser debatidos no intuito de aprofundar o conhecimento da Amazônia e seu papel no mundo.

 

Referências

Aragón, Luis E. (1994), The Amazon as a Study Object: Building Regional Capacity for Sustainable Development. Stockholm: Institute of Latin American Studies/Stockholm University.         [ Links ]

Aragón, Luis E. (2005), “Cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento científico e tecnológico da Amazônia”, Parcerias Estratégicas, 20, 767-794.

Aragón, Luis E. (2013), Amazônia, conhecer para desenvolver e conservar: cinco temas para um debate. São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2011), “A crise e a aposta de Ignacy Sachs para a Rio-2012”, 18 de novembro. Consultado a 07.12.2014, em http://www.cdes.gov.br/noticia/24417/a-crise-e-a-aposta-de-ignacy-sachs-para-a-rio­2012.html.

Gazzola, Ana Lúcia (2008), “Cooperación universitaria: internacionalización solidaria”, Educación Superior y Sociedad/Nueva Epoca, 13(1), 125-136.

Mello, Alex Fiúza de (2007), Para construir uma universidade na Amazônia: realidade e utopia. Belém: UFPA.         [ Links ]

Rio+20 United Nations Conference on Sustainable Development (2014), “Objectives&Themes”. Consultado a 07.12.2014, em http://www.uncsd2012.org/objectiveandthemes.html.

Rodríguez Achung, Fernando (2007), “De cara al desarrollo sostenible de la Amazonía peruana: la zonificación ecológica y económica como base para el ordenamiento territorial”, in Luis E. Aragón (org.), População e meio ambiente na Pan-Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 73-102.

Sachs, Ignacy (2004), Desenvolvimento includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond Universitária – SEBRAE.

Santos, Boaventura de Sousa (2012a), “Moçambique: a maldição da abundância?”, Visão, 27 de julho. Consultado a 29.07.2012, em http://visao.sapo.pt/mocambique-a-maldicao-da-abundancia=f677317.

Santos, Boaventura de Sousa (2012b), “Rio+20: as críticas”, Visão, 09 de fevereiro. Consultado a 29.07.2012, em http://visao.sapo.pt/rio20-as-criticas=f645574.

Santos, Boaventura de Sousa (2012c), “Rio+20 e cúpula dos povos”, Visão, 29 de junho. Consultado a 29.07.2012, em http://visao.sapo.pt/rio20-e-cupula-dos-povos=f672315.

Santos, Milton (2004), Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record [11.ª ed.].

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (2007), “Amazônia: desafio nacional”, Cadernos SBPC, 27. Versão eletrónica consultada a 08.12.2011, em http://www.sbpcnet.org.br/site/publicacoes/outras-publicacoes/caderno_digital/caderno_27.pdf.

Villafuerte Recharte, Jorge Eduardo (2008), “Desarrollo de la educación superior en la Amazonía peruana durante los últimos 20 años”, in Luis E. Aragón (org.), 20 anos de desenvolvimento da educação superior na Amazônia: uma contribuição para a Conferência Regional de Educação Superior – IESALC/UNESCO. Belém: UFPA, 235-284.

 

Artigo recebido a 11.06.2014 Aprovado para publicação a 02.07.2015

 

NOTAS

1 Entre as atividades desenvolvidas na Cátedra Milton Santos, no período de abril de 2011 a março de 2012, tivemos a oportunidade de escrever o livro Amazônia, conhecer para desenvolver e conservar: Cinco temas para um debate (Aragón, 2013). As reflexões apresentadas neste artigo tomam como fonte principal essa publicação.

2 Agradece-se ao Professor Boaventura de Sousa Santos pela discussão e reformulação dessas seis perguntas, as quais nortearam os debates do colóquio internacional “As lutas pela Amazônia no início do milênio”, realizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, no âmbito da Cátedra Milton Santos, de 27 a 28 de março de 2012.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons