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Revista Crítica de Ciências Sociais

On-line version ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.106 Coimbra May 2015

 

RECENSÕES

Andy Bennett (2013), Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?

 

Paula Guerra

Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Instituto de Sociologia, Via Panorâmica, s/n, 4150-564 Porto, Portugal pguerra@letras.up.pt

 

Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?

Andy Bennett (2013), Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully? Philadelphia, Pennsylvania: Philadelphia Temple University Press, 210 pp.

 

Andy Bennett tem passado as últimas duas décadas a reinterpretar a popular music sob um prisma pós-subculturalista e do cultural turn, adensando uma linha de investigação determinante à escala mundial com lastro nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e nos diferentes países europeus, incluindo Portugal. A reinterpretação da Escola de Birmingham e dos cultural studies tem ocupado um lugar central na sua obra, sendo de destacar o estudo seminal que fez em conjunto com Richard A. Peterson – Music Scenes: Local, Translocal and Virtual (2004).1 A obra Music, Style, and Aging: Growing Old Disgracefully?, recentemente editada, surge como corolário do intenso percurso académico do autor e pretende lançar os pilares para o desenvolvimento de um debate muito importante que se prende com a permanência de vinculações (sub)culturais ao longo do ciclo de vida dos indivíduos. Isto é, trata-se de perceber, com detalhe, como os hábitos, práticas e atitudes dos entusiastas do rock, do punk e da eletronic dance music moldam os seus estilos de vida à medida que envelhecem. Esta questão, já aflorada por Bennett em “Punk’s Not Dead: The Continuing Significance of Punk Rock for an Older Generation of Fans” (2006),2 assume total relevância num contexto de envelhecimento das sociedades de capitalismo avançado plenas de recursos (técnicos e estilísticos) para o acompanhamento dos gostos num processo de (re)afirmação e (re)apropriação incessante de estilos de vida e de práticas de musical fandom (marcas corporais, estilos de vestuário e penteados, frequência de concertos, participação em grupos de discussão e de fãs, compra de discos e outros registos fonográficos, coleção de objetos e memorabilia, acompanhamento mediático, entre outros). De forma emblemática, Bennett propõe aqui a introdução de uma quarta cena musical para além da local, da translocal e da virtual – a afetiva. As cenas afetivas decorrem do envelhecimento e radicam nas memórias/readaptações geracionais partilhadas e experiência cultural de determinadas músicas ao longo do tempo. Ora, esse “conhecimento e sentimento partilhados” reúnem participantes numa cena afetiva (p. 61) cujo principal trunfo se centraliza no ensejo de uma abordagem diacrónica dos gostos, pertenças e identidades musicais muito para além de uma hegemonia etária, apanágio das teses subculturalistas iniciais. Neste seu mais recente trabalho, Bennett recupera a expressão de Simon Frith em que este defende que ‘a sociologia do rock é inseparável da sociologia da juventude’ e afirma que essa expressão deveria ir mais além, englobando a pertinência de uma análise do envelhecimento e das suas modalidades de relação/incorporação com/na música popular, não o cingindo a uma mera questão de nostalgia e ‘retromania’ (Reynolds, 2011)3 como tem vindo a ser feito em muitas das análises.

Do ponto de vista da abordagem empírica, Bennett realizou entrevistas a fãs entre os 35 e os 61 anos através da amostragem em bola de neve em três regiões/países: East Kent (Reino Unido), Adelaide (Austrália) e Lille (França). A obra encontra-se estruturada em duas partes fundamentais, uma primeira de teor essencialmente teórico e uma segunda que se dedica à análise de um conjunto de casos. Assim, a primeira parte do livro, “Contextualizing Popular Music and Aging”, é composta pelos capítulos “Popular Music and the Aging Audience” e “Individual and Collective Lifestyles of Aging Popular Music Audiences”. Esta parte I dedica-se, como referido, à abordagem teórica dos principais contributos de Bennett acerca da popular music demarcando-se da tradição dos cultural studies, dando ênfase a questões sociológicas relativas às identidades, ao lifestyle, à importância da música no quotidiano e ao aging numa aproximação a David Chaney ou Richard A. Peterson. A segunda parte do livro dedica-se à apresentação de Case Studies, desenvolvidos ao longo de quatro capítulos: “Toning down the Mohawk. Music, Style, and Aging”; “Career Opportunities: Work, Leisure, and the Aging Popular Music Fan”; “This is ‘Dad House’: Continuity and Conflict among Multigenerational Music Audiences”; e “Still ‘Changing the World’?: Music, Aging, and Politics”. Cada um destes quatro capítulos aborda domínios específicos do estilo de vida sob influência da música tendo como pano de fundo o envelhecimento. Assim, o capítulo 3 documenta as representações que os entrevistados têm acerca da passagem dos estilos espetaculares da sua juventude e sua vinculação à autenticidade (sub)cultural para um estilo de vestir atenuado, modificado ou inteiramente desvinculado estilística e (sub)culturalmente. O capítulo 4 explora as formas como o fandom influenciou as vidas laborais destes fãs. O capítulo 5 foca-se na relação entre fãs mais velhos e fãs mais novos do mesmo estilo musical, numa abordagem inter- e multigeracional. Finalmente, o capítulo 6 analisa a forma como as ideologias de resistência ou de provocação da participação musical juvenil estão associadas às identidades políticas dos fãs mais velhos. Bennett confronta-nos, neste livro, com uma sociedade em mudança que exige uma readaptação crítica da teoria social a novas categorias etárias e geracionais – sendo este um desafio inelutável para a sociologia pois, de acordo com as suas palavras, “a popular music e as práticas culturais a ela associadas continuam a ter um papel-chave nas vidas de muitas pessoas de idade” (p. 189).

Importa realçar a pertinência e atualidade de algumas asserções e desenvolvimentos teórico-empíricos presentes neste livro. A primeira prende-se com a relevância da variedade e complexidade de discursos acerca das relações entre música, envelhecimento e preferências estilísticas. Assim, e exemplificadamente, o decréscimo na tónica estilística corresponde a um processo de reflexão e reavaliação crítica dos valores políticos associadas ao vestir e às pertenças musicais, fazendo emergir readaptações estilísticas diversas consentâneas com os desempenhos quotidianos também diversificados dos atores sociais e uma reflexibilidade adaptativa ao mundo contemporâneo e ao ecletismo de gostos que subjazem a muitas das práticas e escolhas lúdicas, culturais, musicais, pessoais e familiares. Ora, existe o desenvolvimento de novos meios “pós-juventude” que perpetuam as narrativas sociopolíticas e musicais através das roupas. Decorre também da leitura do Music, Style, and Aging uma correlação entre a música, especialmente o punk, e a opção por carreiras do-it-yourself (DIY). Esta é uma ocasião importante para Bennett assegurar que o DIY é transversal a várias práticas culturais e políticas e está na base de inúmeros projetos de vida, não estando confinado ao facto de se ser jovem. O DIY persiste na trajetória de alguns atores sociais e é refundado e reajustado face aos acontecimentos pessoais e sociais que marcam o trajeto das pessoas ao longo das suas vidas. Mais, a música – e sobretudo o punk – não é o único fator determinante na adoção de um ethos DIY, mas acaba por ser um fator da máxima relevância, nomeadamente quando acontece na música em ato – na pertença a bandas ou na organização de concertos. Outro desenvolvimento desta obra, que nos parece importante aqui realçar, centra-se nas possibilidades de intervenção sociopolítica e na adoção de uma ideologia de ação. Ilustrativamente, Bennett apura que os punks mais velhos tendem a ver uma pertença anarquista na juventude como algo ingénua, pois o seu envelhecimento ditou uma reflexibilidade em torno de uma reapropriação mais soft destes ideais políticos, reapropriados hoje através do apoio aos movimentos anticapitalistas, de defesa dos animais, de ocupação urbana ou de tolerância e respeito pelos outros. O punk foi determinante como eixo de sentido crítico em relação ao establishment político e às normas culturais, mas é vivido hoje com maior relativismo.

Em suma, este livro mostra-nos a crucialidade da música na estruturação do lifestyle de um conjunto de atores mais velhos, retirando a exclusiva importância da música na orientação e condicionamento da transição da juventude para a vida adulta, obrigando-nos a pensar nas consequências dessa dilatação etária no lazer e no estilo de vida dos indivíduos. Com efeito, Bennett mostra-nos como a geração baby boomer “está a tomar outra direção no desconhecido cultural, como a primeira geração plenamente mediatizada e consumista que atingiu a meia idade e agora contempla a ‘terceira idade’” (p. 25). Também é fundamental reter a perspetiva do autor, quando este argumenta “que os exemplos musicais e os associados ao estilo e à cultura, escolhidos para o estudo no livro, marcam uma viragem significativa na história da música popular ocidental” (p. 3). A sociologia da cultura e a sociologia das artes encontram-se numa encruzilhada existencial, pois necessitam de explicar e compreender com urgência a importância do impacto da idade e da noção de geração na apropriação musical e lúdica, sobretudo quando estas são feitas dentro de espectros estilísticos relativamente desconfortáveis para os cânones clássicos e que se prendem com a geração rock ‘n’ roll – hoje já a viver a ‘terceira idade’. Music, Style, and Aging constitui um contributo relevante para o aprofundamento desta discussão.

 

NOTAS

1 Bennett, Andy; Peterson, Richard A. (2004), Music Scenes: Local, Translocal and Virtual. Nashville: Vanderbilt University Press        [ Links ]

2 Bennett, Andy (2006), “Punk’s Not Dead: The Continuing Significance of Punk Rock for an Older Generation of Fans”, Sociology, 40(2), 219-235.

3 Reynolds, Simon (2011), Retromania: Pop Culture’s Addiction to its Own Past. London: Faber and Faber.

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