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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.105 Coimbra dez. 2014

 

RECENSÃO

Fonseca, Maria Lucinda; Góis, Pedro; Marques, José Carlos; Peixoto, João (orgs.) (2013), Migrações na Europa e em Portugal. Ensaios de homenagem a Maria Ioannis Baganha

 

Joana Sousa Ribeiro

Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000-995 Coimbra, Portugal joanasribeiro@ces.uc.pt

 

Migrações na Europa e em Portugal. Ensaios de homenagem a Maria Ioannis Baganha

Maria Lucinda Fonseca, Pedro Góis, José Carlos Marques Fonseca, Maria Lucinda; Góis, Pedro; Marques, José Carlos; Peixoto, João (orgs.) (2013), Migrações na Europa e em Portugal. Ensaios de homenagem a Maria Ioannis Baganha. Coimbra: CES/Almedina, 255 pp. 2013

 

Um livro de ensaios de homenagem é muito mais do que o conjunto das partes que o estruturam. Materializa o que se poderá designar como uma ‘memória de afetos’. A obra Migrações na Europa e em Portugal – Ensaios de homenagem a Maria Ioannis Baganha não é exceção. Organizada por quatro autores, pertencentes a instituições académicas distintas, este livro consubstancia-se num sentimento comum – o reconhecimento do papel fulcral de Maria Ioannis Baganha na criação e dinamização dos estudos migratórios em Portugal, em franco debate com uma perspetiva internacional.

Pressupondo que “[…] fazer ciência é também saber posicionar-se em relação ao adquirido, ao que as gerações que nos precederam e aquela a que pertencemos fizeram, e contribuir para a construção de uma ciência cumulativa” (p. 28), este livro faz jus ao legado da homenageada, um legado académico mas também de colaboração interinstitucional e interdisciplinar.

Daí a pertinência na escolha dos autores, que direta ou indiretamente colaboraram com a homenageada em projetos de investigação, nacionais e internacionais, e/ou que com ela dialogaram – melhor dizendo – dirimiram argumentos.

Quem, porventura, contacta pela primeira vez com esta área de pesquisa, pode, na “Nota Introdutória”, conhecer, mais aprofundadamente, o processo de construção do percurso académico de Maria Ioannis Baganha, com reflexos não só ao nível da produção de bibliografia de referência, mas também com repercussões na delimitação das políticas migratórias em Portugal.

Tendo como fio condutor o tributo a Maria Ioannis Baganha, Migrações na Europa e em Portugal – Ensaios de homenagem a Maria Ioannis Baganha divide-se em duas partes: “Migrações na Europa” e “Migrações em Portugal”.

A primeira parte, composta por três capítulos, começa com uma revisitação de um dos projetos europeus em que a investigadora participou, neste caso como coordenadora responsável – o projeto europeu PEMINT (“The Political Economy in an Integrated Europe”). Nesse capítulo, precisamente intitulado “The Political Economy of Migrants in an Integrated Europe – A Project revisited ten years after”, Hans Entzinger não só delimita os objetivos, o modelo de pesquisa, as propostas teóricas e os principais resultados do projeto PEMINT, como também faz uma pequena incursão ao que poderia ser a replicação desse projeto, agora que passaram dez anos da sua pesquisa empírica. Dentro desse âmbito, são considerados os impactos de algumas transformações sociopolíticas (como o alargamento a Leste, o declínio demográfico, a sedimentação de movimentos populares anti-imigração e a emergência de novos países no cenário económico mundial) na opção pelo recrutamento no mercado de trabalho internacional, comunitário e/ou extracomunitário.

Num segundo capítulo, Joaquín Arango, defensor de um modelo sul-europeu da imigração, analisa o que denomina como sendo “a singularidade da experiência imigratória espanhola”, plasmada no facto de, num curto espaço de tempo, se ter verificado um rápido e sustentado crescimento da população imigrante; e de a crise económico-financeira não ter produzido uma mudança significativa nas atitudes sociais relativamente à imigração e na gestão pública das políticas migratórias.

Em “The Comparative Study of Integration Policies of European Cities”, Rinus Pennix apresenta-nos o que tem sido o seu contributo para os estudos migratórios, uma análise comparativa e crítica das políticas de integração à escala local. Ressalta deste texto a operacionalização do conceito de “integração”, o papel das cidades e municípios europeus como entidades governativas na gestão das práticas e políticas de integração e, por essa via, a necessidade de uma análise das diferentes escalas de governação das políticas de integração – escalas supranacional, nacional e local. O contexto nacional enquanto dimensão analítica perde, assim, o seu relevo explicativo, e o eixo local assume um poder heurístico, visível nas potencialidades de uma convergência inter-regional.

Na segunda parte, intitulada “Migrações em Portugal”, e ao longo de seis capítulos, abordam-se várias linhas temáticas, objeto de análise nos estudos migratórios portugueses no decurso dos últimos anos: associações de origem imigrante, habitação e processos de integração, imigração e inserção laboral, dinâmicas dos fluxos, impactos demográficos e migrações insulares, políticas e práticas de integração. Sugere-se uma leitura atenta para quem se queira inteirar sobre o que se tem produzido a nível nacional, na maioria dos centros de investigação com tradição nesta matéria.

Dentro deste âmbito, e na esteira de projetos de investigação nacionais conduzidos pela autora, Margarida Marques apresenta as associações de origem migrante enquanto instituições sociais, uma vez que funcionam como elementos estruturantes na formação das comunidades migrantes, mas também desempenham um papel estruturador na transformação da sociedade portuguesa, produzindo o que a autora ilustrativamente designa como “o efeito performativo sobre as estruturas sociais”.

A equipa do Núcleo MIGRARE (Migrações, Espaços e Sociedades), liderada por Maria Lucinda Fonseca e composta por Alina Esteves, Jorge Malheiros e Jennifer McGarrigle, concentra-se na integração socioterritorial e no acesso ao mercado habitacional, tendo como referência a região do Algarve. Este capítulo aborda uma dimensão pouco explorada nos estudos sobre processos de integração de imigrantes – o acesso à habitação, a qualidade dos alojamentos e a distribuição residencial. A fragmentação social do espaço urbano e os processos de segregação residencial revelam-se, assim, eixos fundamentais nos debates sobre a inclusão das comunidades imigradas.

Por sua vez, João Peixoto, ao abordar uma temática frequentemente retratada nos estudos das migrações – imigração, emprego e mercados de trabalho –, fá-lo a partir de uma perspetiva inovadora, ao correlacionar o modelo de inserção dos migrantes no mercado de trabalho português com uma análise diacrónica da situação económica portuguesa.

Dois investigadores que trabalharam em estreita colaboração com a homenageada – José Carlos Marques e Pedro Góis – reanalisam o conceito de “sistema migratório lusófono”, atendendo às novas dinâmicas migratórias para três países que foram colonizados por Portugal – Brasil, Moçambique e Angola. Ao apresentarem uma ligação estrutural deste sistema migratório lusófono com outros sistemas migratórios regionais, os autores defendem uma leitura integrada das configurações migratórias, considerando, nomeadamente, momentos de retração e de expansão e a participação, simultânea, em diferentes sistemas migratórios.

Gilberta Pavão Nunes Rocha analisa os impactos demográficos das migrações internacionais numa região, como os Açores, que já tinha sido objeto de cuidado estudo por parte de Maria Ioannis Baganha, quando desenvolveu a sua tese de doutoramento. Neste capítulo, confirma-se o impacto dos contextos internacionais nas dinâmicas migratórias de um espaço insular, como os Açores. Este texto consolida a importância de uma perspetiva demográfica nos estudos sobre a mobilidade internacional.

A terminar, Ana Paula Beja Horta reflete sobre a evolução dos fluxos migratórios, e-/i-migratórios, e as diferentes conceções políticas e práticas de integração: migrações e o acesso à nacionalidade, “Política de Laissez-Faire”, o discurso público de integração e a institucionalização da imigração; e o projeto político da interculturalidade. Quem se interessa por uma análise dos discursos institucionais e da evolução das políticas de integração, encontrará, neste texto, a possibilidade de um registo orientador.

No cômputo geral, de referir apenas uma pequena lacuna. A ausência de um capítulo final, interlocutor entre as duas partes, “Migrações na Europa” e “Migrações em Portugal”. Compreende-se, no entanto, a opção dos organizadores de não apresentar o livro como uma obra fechada, vinculada a uma única posição heurística, o que certamente não espelharia o pensamento firmado por Maria Ioannis Baganha.

Mais do que uma possível síntese do que, nos últimos quinze anos, se tem consolidado como objeto de análise nos estudos migratórios, em Portugal e em alguns países europeus, este livro de ensaiosconvida a refletir sobre direções futuras, sobre o trilho de caminhos prováveis; no fundo, convoca-nos para o que poderá ser um dos maiores contributos de Maria Ioannis Baganha para as gerações futuras dos estudos migratórios – a contínua e incessante problematização crítica.

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