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Revista Crítica de Ciências Sociais

versão On-line ISSN 2182-7435

Revista Crítica de Ciências Sociais  no.102 Coimbra dez. 2013

https://doi.org/10.4000/rccs.5434 

ARTIGO

Os reflexos da paz liberal na abordagem das Nações Unidas à consolidação da paz na Guiné-Bissau*

The Influence of the Liberal Peace Framework on the United Nations Approach to Peacebuilding in Guinea-Bissau

Les reflets de la paix libérale dans l’approche des Nations Unies de la consolidation de la paix en Guinée-Bissau

 

Fernando Cavalcante**

Peace Studies Academic Division, School of Social and International Studies, University of Bradford - Reino Unido. E-mail: fcavalcante@ces.uc.pt

 

RESUMO

O presente artigo explora a abordagem das Nações Unidas ao processo de consolidação da paz (peacebuilding) levado a cabo na Guiné-Bissau após o conflito armado que assolou o país em 1998-1999. Apesar dos esforços da Organização e de outros atores internacionais, o país parece ainda longe de atingir a paz sustentável preconizada pelos interventores. A hipótese principal que o artigo coloca é de que esta limitação resulta da forte base da abordagem onusiana no enquadramento da paz liberal. Tal enquadramento é marcado especialmente pela promoção (normalmente vertical) de valores e práticas de cunho fundamentalmente liberal a situações de pós-conflitos armados. Argumenta-se, portanto, que as limitações da abordagem da ONU a processos de consolidação da paz não estão apenas na implementação ou operacionalização de políticas específicas, mas também na sua própria conceptualização e formulação.

Palavras-chave: consolidação da paz, Guiné-Bissau, Organização das Nações Unidas (ONU), paz, resolução de conflitos

 

ABSTRACT

The article explores the United Nationsapproach to peacebuilding in Guinea-Bissau following the 1998-1999 armed conflict in the country. Despite efforts from the United Nations and other international actors, the country seems still far from achieving the sustainable peace advocated by intervenors. The main hypothesis herein sustained is that this limitation is due to the strong basis of the UN approach on the liberal peace framework. This framework is particularly marked by the (usually top-down) promotion of fundamentally liberal values and practices to post-armed conflict situations. It is thus argued that the limitations of the UN approach to peacebuilding are to be found not only in the implementation or operationalization of specific policies, but also in their own design.

Keywords: Guinea-Bissau, United Nations Organization (UNO), peace, peacebuilding, conflicts resolution

 

RESUMÉ

Le présent article se penche sur l’approche des Nations Unies du processus de consolidation de la paix (peacebuilding) mis à exécution en Guinée-Bissau après le conflit armé qui a ravagé le pays en 1998-1999. Malgré les efforts de l’Organisation et d’autres acteurs internationaux, le pays semble être encore loin de pouvoir aspirer à la paix durable préconisée par les intervenants. L’hypothèse principale qu’émet cet article est celle que cette limitation est le résultat de la forte base d’approche onusienne dans l’encadrement de la paix libérale. Un tel encadrement est particulièrement marqué par la promotion (normalement verticale) de valeurs et de pratiques au caractère fondamentalement libérales à des situations d’après-guerre. Nous soutenons donc que les limitations de l’approche de l’ONU à l’égard des processus de consolidation de la paix ne résident pas seulement dans la mise en œuvre ou l’opérationnalisation de politiques spécifiques, mais aussi dans leur propre conceptualisation et formulation.

Mots-clés: consolidation de la paix, Guinée-Bissau, Nations Unies, paix, résolution de conflits

 

Introdução

A Organização das Nações Unidas (ONU) encontra-se envolvida no processo de consolidação da paz (peacebuilding) da Guiné-Bissau desde o final dos anos 1990. Na sequência dos conflitos armados e da colocação no terreno de uma operação de manutenção da paz pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a Organização estabeleceu um escritório político em Bissau com o fim de assegurar a continuidade do cessar-fogo em vigor à época. Mais recentemente, além da transformação daquela presença política em um “escritório integrado”, a Guiné-Bissau foi incluída na agenda da Comissão de Consolidação da Paz (CCP), órgão intergovernamental criado em 2005 com o propósito de trazer maior coerência e coordenação aos esforços dos diversos atores envolvidos em processos de peacebuilding mundo afora.1

Apesar dos esforços das Nações Unidas e de outros atores globais, a situação na Guiné-Bissau permanece delicada e as perspectivas de melhoria parecem limitadas. Os anos seguintes ao conflito armado de 1998-1999 têm sido marcados pela constante fragilidade e debilidade das estruturas políticas, institucionais e socioeconômicas do país (Kabia, 2009; Roque, 2009; ICG, 2008). Essas debilidades podem ser ilustradas, por exemplo, pela dissolução do parlamento pelo chefe do executivo em 2003, bem como pelo assassinato do ex-presidente João Bernardo “Nino” Vieira em 2009. O país continua a exibir baixos índices de desenvolvimento humano, figurando na 176.ª posição (de um total de 186) no mais recente Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ademais, outros índices socioeconômicos colocam a ex-colônia portuguesa quase sempre abaixo da média dos países da África Ocidental: aproximadamente 49% da população vive com menos de 1,25 dólares por dia (PNUD, 2011); a taxa de alfabetização de adultos é de apenas 54%; e o rendimento nacional bruto é de 1.042 dólares per capita (PNUD, 2013).

Diante deste cenário, o artigo busca demonstrar que a abordagem das Nações Unidas ao processo de consolidação da paz na Guiné-Bissau tem sido limitada especialmente pela sua forte base no paradigma da paz liberal. Esta abordagem, conforme demonstrado por uma linha de investigação agora vasta, é essencialmente caracterizada pela promoção de normas, práticas e valores liberais, especialmente no que respeita à democracia e à economia de mercado (vide, e.g., Richmond, 2005, 2011; Roberts, 2011; Pugh et al., 2008; Duffield, 2007; Paris, 2004). Esforços na área de consolidação da paz, quando baseados nos moldes da paz liberal, são normalmente caracterizados por programas, práticas e ações implementadas verticalmente, de cima para baixo, em áreas que não são necessariamente identificadas como prioridade pela população local ou que respondem às causas profundas do conflito armado. Consequentemente, apesar de avanços pontuais em algumas áreas (especialmente na da segurança), processos de consolidação da paz baseados no paradigma da paz liberal raramente chegam a criar as condições necessárias para o surgimento de uma paz sustentável e pautada por um contrato social verdadeiro (e não virtual), como seria de se esperar em uma sociedade liberal democrática (Richmond, 2011).

A análise ora proposta não pretende abordar as causas e as consequências do conflito armado que assolou a Guiné-Bissau em finais dos anos 1990, nem tampouco avaliar o impacto dos esforços da ONU no país. Ao contrário, o artigo dá um “passo para trás”, centrando-se nas próprias políticas e instrumentos na área de consolidação da paz formulados em Nova Iorque. Os pressupostos essenciais da paz liberal encontram-se refletidos já nessas políticas e instrumentos, especialmente na ênfase que impõem a concepções e visões de mundo marcadamente liberais encontradas nas suas diretrizes, prioridades e objetivos. Essas concepções e visões de mundo, por sua vez, necessariamente influenciam a implementação e a operacionalização de programas e projetos de peacebuilding realizados no terreno por entidades do sistema ONU e por outros atores internacionais. Neste sentido, argumenta-se que a fragilidade da abordagem onusiana em relação a processos de consolidação da paz não está apenas na implementação ou operacionalização de políticas e projetos específicos, mas também na sua própria conceptualização e formulação.

A seção seguinte lança as bases fundamentais para o argumento aqui defendido, abordando o enquadramento teórico-político da paz liberal que é subjacente ao conceito e à prática de consolidação da paz das Nações Unidas. Depois, são traçadas as linhas gerais dos esforços da ONU na consolidação da paz na Guiné-Bissau. Ressalte-se que a seção não aborda o conflito armado na Guiné-Bissau ou as suas consequências de forma exaustiva, mas apenas na medida necessária para enquadrar a abordagem e as políticas de peacebuilding formuladas pela ONU em relação àquele país. A terceira seção identifica em que medida aqueles esforços refletem, ainda que implicitamente, os princípios do paradigma da paz liberal. A última seção apresenta algumas considerações, à guisa de conclusão. A análise realizada baseia-se principalmente na interpretação de fontes primárias oficiais e não oficiais, incluindo documentos internos e entrevistas realizadas com funcionários/as da ONU e de Estados-membros que estiveram diretamente envolvidos/as nas dinâmicas aqui examinadas.

 

O conceito e a prática de consolidação da paz das Nações Unidas

De acordo com uma recente linha de investigação acadêmica, o conceito e a prática de consolidação da paz da ONU têm sido primariamente influenciados por um sofisticado enquadramento teórico-político, a paz liberal (vide, entre muitos outros, Richmond, 2005, 2011; Chandler, 2010; Pugh et al., 2008; Duffield, 2007; Mac Ginty, 2006; Paris, 2004). Para Oliver Richmond, um dos principais teóricos desta linha de investigação, a paz liberal apresenta-se como um “discurso, enquadramento e estrutura” (Richmond, 2005: 206)2 que incarna uma longa tradição, essencialmente ocidental, de experiências em conflitos armados e de reflexões sobre a paz. No cerne deste enquadramento, encontra-se a crença em uma versão simplificada da tese da “paz democrática”, segundo a qual democracias raramente travam guerras entre si (vide Russett, 1993; Doyle, 1983a; 1983b). A tese da “paz democrática” não deve, contudo, ser confundida com o enquadramento da “paz liberal”, uma vez que esta última, mais que uma teoria acerca da aparente ausência de guerras entre democracias (i.e. a paz democrática), envolve a articulação proativa da promoção de valores e práticas políticas, econômicas, securitárias e sociais de cunho liberal como a solução para as consequências dos conflitos armados. A paz liberal, portanto, centra-se “não apenas nas instituições políticas domésticas e suas implicações internacionais, mas também na natureza da paz nas esferas civil e societária, política, econômica, de segurança e internacional” (Richmond, 2011: 5).

As teorizações sobre a influência da paz liberal nas práticas de peacebuilding surgem a partir de uma crítica acadêmica cujo objetivo é destacar e ir além das falhas e dos limites inerentemente associados à promoção externa, frequentemente de cima para baixo (top-down), de sistemas (normalmente ocidentais) de governança democráticos e de economias de livre mercado. Richmond (2005: especialmente 202-214) evidencia a marca ocidental presente naqueles esforços, ao discutir as quatro vertentes de pensamento ou discurso sobre a paz que constituem a paz liberal. A primeira é a paz do vencedor, a paz limitada e de curta duração que é essencialmente associada ao uso de força militar, normalmente por potências hegemônicas. As duas vertentes de pensamento seguintes são fortemente influenciadas pelo projeto iluminista da Europa Ocidental: a paz constitucional, que reflete a defesa, especialmente na linha dos primeiros movimentos pacifistas, de ideais como o cosmopolitismo, o desarmamento, a democracia, o livre comércio e o direito humanitário; e a paz institucional, cujas bases recaem em normas jurídicas e na regulação por meio de instituições internacionais. Finalmente, a quarta vertente de pensamento ou discurso constituinte da paz liberal é a paz civil, que é fortemente marcada pelo humanitarismo e cujo foco recai sobre atores e movimentos sociais (ibidem). É um equilíbrio entre essas quatro vertentes que produz a paz liberal e, ao mesmo tempo, reflete a sua aspiração por “liberdade e regulação mútua” (Richmond e Franks, 2009: 5).

De acordo com esta visão, a paz democrática prevista pela tese é assumida como universal e alcançável, desde que determinados métodos e técnicas “pacíficos” sejam implementados eficazmente. O acordo generalizado acerca dos meios e técnicas, bem como dos fins e dos objetivos do peacebuilding, levariam então a um “consenso” entre os principais atores globais em torno da ideia e da prática de consolidação da paz. Entre as técnicas, métodos e tecnologias acordados por aqueles atores, destacam-se a prevenção, a mediação, a manutenção e a promoção da paz, a assistência humanitária e a resolução de conflitos (Richmond, 2004). O acordo generalizado em torno desses métodos reflete, portanto, um discurso e práticas que projetam a consolidação da paz como a “construção de uma democracia liberal, com mercado livre e economia globalizada, estratégias de desenvolvimento progressivas e direitos humanos garantidos” (ibidem: 131-132).3

De um modo geral, tais métodos e tecnologias foram desenvolvidos a partir de diversas gerações de abordagens à manutenção e à ‘resolução’ de conflitos armados (Richmond, 2005: 85-123). Nas Nações Unidas, o relatório do Secretário-Geral intitulado “Uma agenda para a paz”, de 1992, é um marco fundamental neste processo. No documento, a diplomacia preventiva, a promoção da paz (peacemaking), a manutenção da paz (peacekeeping) e a consolidação da paz pós-conflito (post-conflict peacebuilding) foram articuladas como mecanismos, técnicas disponíveis à Organização no exercício das suas funções na área de paz e segurança internacionais. Foram, neste sentido, definidos vis-à-vis uma leitura sequencial e linear dos conflitos armados, uma leitura em que a diplomacia preventiva seria utilizada antes da erupção de violência direta; peacemaking e peacekeeping, após a cessação de hostilidades; e a consolidação da paz pós-conflito, obviamente, após o término do conflito armado (A/47/277-S/24111: parág. 20-21).

Produzido no período imediatamente a seguir ao final da Guerra Fria e à dissolução da União Soviética, o documento trazia, no conceito de consolidação da paz, forte influência da paz liberal. De fato, o autor do relatório assumiu explicitamente uma relação direta e inequívoca entre a promoção de democracias e a paz ao afirmar que: “[e]xiste uma conexão óbvia entre práticas democráticas – tais como o Estado de direito e a transparência no processo decisório – e a realização de paz e segurança verdadeiras em uma ordem política nova e estável” (A/47/277-S/24111: parág. 59). Outros aspectos da paz liberal, especialmente aqueles associados com a sua promoção externa, top-down, podem também ser encontrados em outros documentos da Organização, inclusive na mais recente “base conceitual” elaborada pelo Comitê de Política do Secretário-Geral4 em 2007. Esta base, que deve, pelo menos em teoria, ser utilizada em todo o sistema ONU, reflete esta concepção, embora de forma sutil e complexa:

A consolidação da paz envolve uma série de medidas destinadas a reduzir o risco de conflito ou de sua reincidência por meio do fortalecimento das capacidades nacionais a todos os níveis para a gestão de conflitos, e [destinadas] a lançar as bases para a paz e o desenvolvimento sustentáveis. Estratégias de consolidação da paz devem ser coerentes e moldadas às necessidades específicas do país em causa, com base na apropriação nacional [national ownership], e devem compreender um conjunto de atividades cuidadosamente priorizadas, sequenciadas e, portanto, relativamente limitadas, que visem atingir os objetivos acima. (United Nations, 2007: 1)

Os reflexos da paz liberal, contudo, não se restringiram a formulações conceituais. Pelo contrário, em atividades efetivamente levadas a cabo em contextos de conflitos ou de pós-conflitos armados após o fim da Guerra Fria, os principais atores globais começaram gradualmente a operar de acordo com o horizonte comum da promoção de valores e práticas liberais. De fato, apesar das diferenças encontradas em diversas ações de consolidação da paz realizadas pela ONU desde os anos 1990, as suas operações de paz têm normalmente promovido a realização de “eleições livres e justas, a construção de instituições políticas democráticas, o respeito pelas liberdades civis e reformas econômicas orientadas para o mercado” (Paris, 1997: 63).

Concretamente, esforços de consolidação da paz baseados no projeto da paz liberal implicaram, entre outras ações: a prestação de assistência técnica a governos nacionais no sentido de, por exemplo, identificar necessidades e prioridades específicas; o apoio à promoção de valores e práticas democráticas e dos direitos humanos; a assistência direta ou indireta em processos de reforma do setor de segurança; e o apoio a processos de reconciliação nacional e a iniciativas de redução da pobreza.5 Muitas dessas tarefas começaram a ser gradualmente realizadas no âmbito das operações de manutenção da paz da ONU a partir de finais da década de 1980, embora não fossem, à época, normalmente classificadas e/ou definidas sob a rubrica de peacebuilding. No núcleo dessas ações, no entanto, esteve sempre subjacente a ideia de que “certos tipos de sociedades (liberalmente constituídas) tenderão a ser mais pacíficas, tanto em seus assuntos internos quanto nas suas relações internacionais, que Estados não liberais” (Newman et al., 2009: 11).

Concebida nestas linhas, a paz liberal é entendida como uma abordagem top-down que, por vezes, ignora ou negligencia as necessidades diárias e as realidades socioeconômicas encontradas nos contextos específicos de conflitos armados. Consequentemente, apesar de por vezes conseguirem obter resultados como a diminuição da violência no curto prazo, as intervenções orientadas pelo paradigma da paz liberal frequentemente não proporcionam as condições necessárias para a realização uma paz sustentável, desfavorecendo, normalmente, o surgimento de um verdadeiro contrato social entre a população em causa e o Estado que a representa (Richmond, 2011: 4-13).

 

A abordagem das Nações Unidas à consolidação da paz na Guiné-Bissau

Embora a presente seção não se pretenda exaustiva nesta matéria, há que ressaltar que o conflito armado que se iniciou em junho de 1998 na Guiné-Bissau foi consequência de uma complexa gama de fatores internos, regionais e internacionais. Entre as causas estruturais do conflito, deve-se ressaltar primeiramente o legado colonial português, que deixou marcas profundas nas estruturas econômicas, sociais, políticas e na infraestrutura do país. Em segundo lugar, a guerra pela independência (1963-1974) deixaria um excedente de armas no país que seria posteriormente utilizado por indivíduos nas forças armadas e no governo para suprir, de forma ilegal, a demanda de grupos armados com aspirações separatistas no Senegal. Finalmente, no pós-independência, o longo período de domínio político do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) contribuiu de maneira significativa para solidificar um aparato estatal autocrático, corrupto e fortemente personificado na figura de João Bernardo “Nino” Vieira, no poder entre 1980 e 1998. Esta emaranhada teia de fatores, entrelaçada com os interesses políticos e diplomáticos das antigas potências coloniais na região (Portugal, França e Países Baixos), proporcionaria o contexto geral do conflito armado de 1998-1999 e marcaria a atuação da ONU na Guiné-Bissau no pós-conflito.6

Segundo Adebajo (2002: 111), as causas mais imediatas do conflito armado de 1998 estão na deterioração das relações entre Nino Vieira e o seu chefe das forças armadas, General Ansumane Mane. Existiam acusações mútuas de envolvimento com o movimento separatista de Casamansa, no Senegal, e de responsabilidades pelo tráfico ilegal de armas para aquele país. Após a decisão de Vieira de substituir Mane como chefe das Forças Armadas, este último iniciou uma operação militar que eventualmente levou ao estabelecimento de uma junta militar no governo do país, com a queda de Nino Vieira (que, aliás, também chegara ao poder por meio de um golpe de Estado) em maio de 1999. Entre a substituição de Mane e a queda de Nino Vieira, o confronto armado no país produziu centenas de mortes, um elevado número de deslocados internos e refugiados nos países vizinhos (ibidem: 126), além de ter virtualmente paralisado a economia nacional (Rudebeck, 2001: 12).

As primeiras respostas multilaterais ao conflito armado foram dadas pela CEDEAO e pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que lograram mediar um acordo de paz entre Nino Vieira e Mane, assinado em Abuja (Nigéria) em agosto de 1998. Pelo acordo, Nino Vieira e Mane reafirmavam o cessar-fogo obtido dias antes e concordavam com a retirada completa de todas as forças militares estrangeiras do país, além da realização de eleições gerais e presidenciais até março de 1999 (S/1998/1028). O acordo previa ainda a colocação no terreno de uma força de interposição da própria CEDEAO, proveniente do seu Grupo de Monitorização (ECOMOG, Economic Community of West African States Monitoring Group). Ressalte-se que tal força não era liderada pela ONU, mas por uma organização sub-regional, e que a mesma só seria endossada posteriormente pelo Conselho de Segurança da Organização (S/RES/1216). O resultado dos esforços da ECOMOG provar-se-iam limitados, na avaliação de Adebajo, devido à sua retirada prematura após a constatação de uma significativa deterioração na situação de segurança pela CEDEAO, bem como pelas dificuldades logísticas e financeiras enfrentadas pelo Grupo (Adebajo, 2002: 119-124).

As Nações Unidas assumiram maior peso no processo de paz somente após a assinatura do acordo de Abuja. Por meio de funcionários do Departamento de Assuntos Políticos (DPA, Department of Political Affairs), a Organização participou de iniciativas políticas em Bissau com o intuito de assegurar a manutenção do cessar-fogo e de garantir a consolidação da “paz frágil” que começava a emergir no país.7 Uma das iniciativas então realizadas pela ONU foi o estabelecimento do Escritório de Apoio à Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNOGBIS, United Nations Peacebuilding Support Office in Guinea-Bissau), em março de 1999.8 Este modelo de presença política replicava o formato do Escritório das Nações Unidas para a Libéria (UNOL, United Nations Office in Liberia), estabelecido em 1997 como parte da estratégia de saída do ECOMOG e de uma missão de observação da ONU naquele país (DPA e UNDP, 2001: 9). A função primária do UNOGBIS, de acordo com o seu mandato original, seria ajudar na criação de um “ambiente favorável à restauração e à consolidação da paz, da democracia e do Estado de direito, e à organização de eleições livres e transparentes”, além de facilitar a implementação do acordo de Abuja (S/1999/232: 1). Em Nova Iorque, a presença de países aliados no Conselho de Segurança (nomeadamente França, Gâmbia e Portugal) garantiria a manutenção do interesse do órgão e da ONU na Guiné-Bissau (Adebajo, 2002: 119).

Não obstante o ambiente instável e a fragilidade do próprio acordo mediado pela CEDEAO, que se tornou evidente após a queda de Nino Vieira em maio, o papel da ONU na prestação de apoio à realização das eleições parlamentares e presidenciais foi de grande importância. Por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Organização prestou apoio técnico às autoridades nacionais durante “várias etapas” do processo eleitoral, incluindo, por exemplo, a elaboração do plano operacional para o treinamento dos funcionários eleitorais (ibidem: 127-128). Documentos das Nações Unidas apontam que o PNUD apoiou o registro de mais de meio milhão de eleitores, além de ter iniciado “uma campanha de educação cívica maciça para informar e educar o eleitorado sobre o processo eleitoral” (S/1999/1276: parág. 16). O UNOGBIS, por sua vez, organizou debates eleitorais entre os candidatos e coordenou os esforços de observação do pleito (ibidem: parág. 17-19). Os relatórios subsequentes do Secretário-Geral sobre desenvolvimentos na Guiné-Bissau e sobre as atividades do UNOGBIS, por sua vez, apontam para um papel ativo das Nações Unidas em diversas áreas no período posterior às eleições. Por exemplo, o Escritório passou a prestar os seus bons ofícios nas negociações que buscaram redefinir o futuro papel dos militares no período democrático (S/2000/250: parág. 7), além de realizar ações pontuais no que respeita ao treinamento de funcionários dos poderes legislativo e judiciário (S/2001/622: parág. 24).

Além da presença e dos esforços no terreno, principalmente por meio do UNOGBIS, esforços diplomáticos mais concertados para a consolidação da paz na Guiné-Bissau foram também realizados em Nova Iorque a partir de 2002. Tais esforços foram intensificados com a criação do chamado Grupo Consultivo Ad Hoc para a Guiné-Bissau, estabelecido sob a égide do Conselho Econômico e Social (ECOSOC, Economic and Social Council). Este grupo, com estrutura e funcionamento semelhantes ao de outro estabelecido anteriormente para o Haiti, foi criado no âmbito de iniciativas institucionais mais amplas que procuravam fortalecer os laços entre as questões de paz e segurança e as de desenvolvimento nos esforços de peacebuilding da Organização (Prantl, 2006). De fato, embora já sensibilizados para a inter-relação entre paz e segurança e desenvolvimento,9 as responsabilidades sobre aqueles temas permaneciam, do ponto de vista institucional, claramente divididas entre o Conselho de Segurança e o ECOSOC, respectivamente (ibidem: 9).

O Grupo para a Guiné-Bissau era composto por cinco representantes permanentes de Estados-membros das Nações Unidas (África do Sul, Brasil, Países Baixos e Portugal, além da própria Guiné-Bissau) e tinha como propósito “examinar [as] necessidades humanitárias e econômicas [da Guiné-Bissau], rever programas de apoio relevantes e preparar recomendações para um programa de apoio de longo prazo”, além de “fornecer recomendações sobre como assegurar que a assistência da comunidade internacional fosse adequada, coerente, bem coordenada e eficaz, e [que] promovesse sinergias” (Decisão 2002/304, citada em Prantl, 2006: 151). De acordo com diplomata com responsabilidades relacionadas ao Grupo naquela altura, ao apoiar atividades de longo prazo e fora de esfera estritamente securitária, os esforços diplomáticos realizados no âmbito do ECOSOC buscavam precisamente fortalecer a aproximação da esfera do desenvolvimento com as dimensões da paz, da segurança e da estabilidade.10 Na prática, a atuação do Grupo deveria servir como plataforma para a coordenação de esforços das agências e programas do sistema ONU que atuavam no país. Neste sentido, uma série de recomendações, de curto e de longo prazo, foi elaborada com o intuito de articular as entidades do sistema ONU em suas atividades de consolidação da paz na Guiné-Bissau.11 Ressalte-se, contudo, que as recomendações do Grupo, devido à sua própria natureza, não tinham caráter vinculativo.

De acordo com Prantl (2006), que conduziu uma avaliação externa encomendada pelo ECOSOC, a função mais importante desempenhada pelos grupos ad hoc do Conselho teria sido advogar em favor de países que normalmente não têm facilidade de acesso à linha de frente da ajuda financeira internacional. O Grupo para a Guiné-Bissau teria, assim, procurado servir como elo entre as autoridades nacionais e os parceiros internacionais. Neste sentido, enquanto o governo “promoveria ativamente objetivos políticos como a implementação do Estado de direito e a estabilidade política, os doadores internacionais forneceriam o financiamento para ajuda de emergência e assistência técnica em diversas áreas” (Prantl, 2006: 14).

O ECOSOC encerrou o mandato do seu grupo ad hoc para a Guiné-Bissau em julho de 2008, no seguimento da inclusão do país na agenda da recentemente estabelecida Comissão de Consolidação da Paz (E/RES/2008/30). Em dezembro de 2007, o Conselho de Segurança enviara à Comissão um pedido de aconselhamento em relação à situação do país nas seguintes áreas: capacidade do governo nas áreas das finanças, reforma do setor de segurança e medidas anticorrupção; ações anteriores destinadas ao desenvolvimento e ao fortalecimento do sistema de segurança, judiciário e Estado de direito; e desenvolvimento das práticas democráticas e preparações para a realização das eleições do ano seguinte (S/2007/744). Após a aceitação do pedido pela CCP, a chamada Configuração Específica da Comissão para a Guiné-Bissau converter-se-ia no principal locus intergovernamental para a discussão de questões relacionadas aos esforços de consolidação da paz naquele país.

Os esforços mais concretos de consolidação da paz no âmbito da Configuração foram consubstanciados no Quadro Estratégico de Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, adotado em outubro de 2008 (PBC/3/GNB/3). O documento foi elaborado a partir de um processo de consultas entre membros da CSC-Guiné-Bissau, funcionários da ONU e autoridades guineenses ao longo de vários meses.12 Tais esforços incluíram, por exemplo, uma visita conjunta da Coordenadora da CSC-Guiné-Bissau e funcionários da ONU ao país em janeiro de 2008 (PBC/2/GNB/6), bem como visitas de delegações da Configuração em abril e junho do mesmo ano. Em Nova Iorque, foram realizadas sessões temáticas informais com o intuito de discutir alguns temas potencialmente prioritários à consolidação da paz no país (e.g. sobre o tráfico de drogas). Finalmente, o Secretariado elaborou um mapeamento dos recursos e principais lacunas existentes na área de consolidação da paz na Guiné-Bissau (PBC/2/GNB/7).

Além dos esforços de coordenação diplomática realizados no âmbito da Comissão, o Fundo de Consolidação da Paz (FCP) seria também utilizado para apoiar a implementação de pequenos projetos com potencial efeito catalítico na consolidação da paz do país. O apoio financeiro do Fundo foi inicialmente planejado em duas etapas. A primeira fase teria fins políticos, destinada essencialmente a demonstrar apoio ao processo de consolidação da paz no país. Esperava-se ainda que a implantação de projetos nessa fase pudesse servir para identificar oportunidades para maior apoio do FCP ao país no futuro.13 Neste sentido, uma alocação de 6 milhões de dólares foi feita pelo Fundo à Guiné-Bissau em abril de 2008. Segundo funcionário do PBSO à época, o valor refletia a avaliação de que o país não teria capacidade de absorver um valor mais elevado.14 O segundo ‘envelope’, conforme o jargão utilizado na ONU, foi aprovado apenas em janeiro de 2011, devido a uma série de atrasos na elaboração do plano de prioridades. O valor deste último envelope foi de 16,8 milhões de dólares.15

O valor do aporte financeiro líquido do FCP para projetos de consolidação da paz na Guiné-Bissau, cumulativo até dezembro de 2012, foi de aproximadamente 23,8 milhões de dólares.16 Para fins de contextualização, ressalte-se que a estimativa dos recursos solicitados para o funcionamento do UNIOGBIS (versão reformulada do UNOGBIS; vide a seguir), apenas para o ano de 2013, é de 19,9 milhões de dólares (A/67/346/Add.3: Tabela 1). Ressalte-se ainda que o montante do FCP destinado à Guiné-Bissau é o mais baixo entre todos os países atualmente na agenda da CCP, representando apenas 7% do total líquido desembolsado pelo Fundo (USD 339,4 milhões) desde o seu lançamento, em outubro de 2006.17 Em suma, embora à primeira vista o valor total do aporte financeiro do FCP à Guiné-Bissau possa parecer significativo, o valor torna-se menos expressivo se colocado em perspectiva mais ampla.

 

 

Mais recentemente, na tentativa de incorporar diretivas sistêmicas que promovessem maior integração e coerência nas atividades das entidades do sistema ONU, o UNOGBIS foi convertido em um Escritório Integrado de Consolidação da Paz (UNIOGBIS, United Nations Integrated Peacebuilding Office in Guinea-Bissau). O novo Escritório tem funções mais amplas e inclusivas como ponto focal das ações da ONU no país. Mais especificamente, a principal função o novo Escritório é auxiliar a CCP nas suas atividades em relação à Guiné-Bissau, além de proporcionar apoio ao governo nacional em diversas áreas, inclusive na reforma do setor de segurança e no fortalecimento das instituições do Estado de direito (S/RES/1876: parág. 3).

Em suma, desde os conflitos que assolaram o país em 1998-1999, a abordagem das Nações Unidas à consolidação da paz na Guiné-Bissau centrou-se especialmente na realização de iniciativas políticas e diplomáticas envolvendo atores relevantes em Nova Iorque e em Bissau, particularmente por meio de foros diplomáticos e de escritórios de presença política.

Os resultados desses esforços, contudo, foram limitados. As eleições realizadas a seguir ao conflito armado foram marcadas por sérios problemas endêmicos, incluindo, entre outros, a inexperiência dos partidos de oposição e a deterioração das capacidades e da probidade moral dos funcionários públicos (Ostheimer, 2001: 47). Os militares continuaram a atuar como uma espécie de poder paralelo no país, tendo a influência de Mane no executivo chegado ao ponto de “proibir” uma visita de Estado do Presidente guineense ao Senegal (ibidem: 48). Nos meses e anos seguintes, a não promulgação da nova constituição pelo Presidente e a eventual dissolução do parlamento levariam a um novo golpe de Estado pelos militares em setembro de 2003 (IRIN, 2003). Do ponto de vista socioeconômico, o PIB per capita no país, medido em paridade do poder de compra, caíra de 1.070 dólares em 1997, antes da guerra civil, para 710 dólares em 2002 (PNUD, 2004: 187). Essas limitações, contudo, não resultaram apenas de problemas na implementação e operacionalização de políticas específicas, mas do enquadramento teórico-político da paz liberal que subjaz aos esforços de peacebuilding da ONU no país.

 

Os ecos da paz liberal

Reflexos do enquadramento teórico-político da paz liberal são encontrados em diferentes aspectos e em diferentes níveis dos esforços de peacebuilding da ONU na Guiné-Bissau. De fato, a análise das linhas gerais da abordagem da ONU à consolidação da paz no país após os conflitos armados de 1998 revela uma forte ênfase na promoção de valores, normas e práticas que refletem a projeção de Estados liberais, especialmente no que respeita ao seu modelo de governança política (democracia) e socioeconômica (economias de mercado) (vide Newman et al., 2009: 11).

Os reflexos da paz liberal podem ser identificados em diferentes instâncias. Os próprios mandatos dos órgãos e entidades destinadas a lidar com a consolidação da paz no país, por exemplo, não deixam de articular claramente a importância atribuída a atividades relacionadas à promoção da democracia com a obtenção da paz, refletindo assim uma das ideias centrais do paradigma da paz liberal. O mandato do UNOGBIS e, posteriormente, o do UNIOGBIS, refletem de forma explícita tal formulação, uma vez que se refere à necessidade da criação de “um ambiente propício à restauração e consolidação da paz, da democracia e do Estado de direito, e à organização de eleições livres e transparentes” (S/1999/232, 1), ou assumem a necessidade de fortalecer “as capacidades das instituições nacionais no sentido de manter a ordem constitucional, a segurança pública e o completo respeito ao Estado de direito” (S/RES/1876, parág. 3b).

O mandato do Grupo Consultivo do ECOSOC também remete a aspectos da paz liberal, especialmente no que respeita à articulação entre economias de mercado e ao estabelecimento da paz. Na sua Resolução 2005/2, por exemplo, o grupo reconhecia expressamente que os principais desafios da Guiné-Bissau seriam “restaurar a disciplina fiscal […] e melhorar o clima para o investimento privado e a diversificação econômica” (E/RES/2005/2). Nesta passagem, a articulação de “disciplina fiscal” e do “clima para o investimento privado” como desafios para o processo de consolidação da paz no país reforça ainda mais a premissa central de que as democracias de mercado são um “remédio” para as consequências dos conflitos armados, conforme formulação aferida das teorizações sobre a paz liberal.

Mais recentemente, os esforços da CSC-Guiné-Bissau da Comissão de Consolidação da Paz não parecem desconectados das premissas básicas da paz liberal. O seu principal instrumento de compromisso, o Quadro Estratégico de Consolidação da Paz na Guiné-Bissau, aponta para seis áreas prioritárias: eleições; medidas para impulsionar a economia e reabilitar a infraestrutura; segurança e reforma do setor de defesa; fortalecimento do setor da justiça, consolidação do Estado de direito e combate ao tráfico de drogas; reforma e modernização da administração pública; e questões sociais relacionadas à consolidação da paz (PBC/3/GNB/3, 14-17). As áreas, conforme já mencionado, evidenciam dimensões de consideração primária no paradigma da paz liberal, como a reforma do setor de segurança e o Estado de direito.

A presença de premissas fundamentais do enquadramento da paz liberal nos mandatos de órgãos da ONU, bem como nos seus instrumentos e políticas na área de peacebuilding, têm importância crucial porque são essas instâncias que definem as diretrizes, as prioridades e os objetivos da Organização em países como a Guiné-Bissau. Consequentemente, a implementação e/ou operacionalização das políticas e projetos da Organização nesta área são, necessariamente, moldadas à luz do enquadramento da paz liberal. É este enquadramento que define, por exemplo, as áreas que poderão ou não ser comtempladas em ações específicas, bem como quais as áreas que receberão apoio prioritário.

É importante destacar que as políticas e os instrumentos que norteiam o envolvimento da Organização são normalmente formulados com forte apoio técnico do Secretariado ou de doadores tradicionais, frequentemente sem a participação efetiva de interlocutores representativos da sociedade guineense, o que ilustra também uma forma de transmissão de valores e práticas associadas à paz liberal da chamada ‘comunidade internacional’ para países como a Guiné-Bissau (Paris, 2002: 644). Conforme discutido na seção anterior, tal prestação ocorreu não apenas no momento da elaboração do próprio Quadro Estratégico da CSC-Guiné-Bissau, mas também durante outros esforços no terreno, como a realização de eleições ou a elaboração de programas de restauração da disciplina fiscal no país. Em conjunto, tais esforços podem ser vistos como uma tentativa da Comissão de assumir um papel relevante na própria definição e identificação das prioridades de peacebuilding no país.

O impacto da paz liberal subjacente à prática de peacebuilding das Nações Unidas torna-se possivelmente mais evidente quando consideradas as características gerais do desembolso financeiro do FCP para a Guiné-Bissau. Os projetos favorecidos pelo Fundo na Guiné-Bissau podem ser distribuídos em quatro áreas temáticas, de acordo com os Termos de Referência do FCP (A/63/818: 5).18 A maior parte desses projetos (cinco) foi classificada sob a área temática de apoio à implementação de acordos de paz e diálogo político, tendo quatro deles impactos projetados especialmente na reforma do setor de segurança (vide Tabela 1). Em conjunto, esses quatro projetos representam a metade (12 milhões) de todo o valor líquido transferido pelo Fundo para projetos na Guiné-Bissau até dezembro de 2012. Tais projetos pretendiam, entre outros, melhorar as condições de trabalho de instalações militares ou a realização de uma conferência nacional sobre os setores de defesa e segurança. Por outro lado, um único projeto, com valor de um milhão de dólares, teve como prioridade a promoção de condições de vida sustentáveis na Guiné-Bissau. Especificamente, o projeto procurava melhorar os direitos econômicos das mulheres no país. Apesar do valor significativo, é preciso destacar que o projeto foi aprovado no âmbito do Immediate Response Facility, a vertente do Fundo que apoia projetos, e não programas (vide A/63/818: 6); isto é, o projeto em questão não foi necessariamente elaborado de acordo com os planos de longo prazo vislumbrados pelo Quadro Estratégico delineado pela CCP.19

Verifica-se, portanto, a existência de ecos significativos do paradigma da paz liberal na origem dos esforços de consolidação da paz das Nações Unidas em relação à Guiné-Bissau. Embora muitas vezes implícitos, tais reflexos podem ser identificados nos mandatos dos órgãos e entidades com atribuições específicas na área de peacebuilding na ONU, onde as suas prioridades e objetivos são definidos. Consequentemente, aqueles reflexos estarão também presentes na implementação e no formato dos programas e projetos realizados pela Organização e por outros atores internacionais no terreno.

 

Considerações finais

Apesar do envolvimento das Nações Unidas e da chamada “comunidade internacional” após os conflitos armados de 1998-1999, a Guiné-Bissau não parece ainda ter atingido a paz sustentável almejada por aqueles atores. De fato, os índices de desenvolvimento socioeconômicos no país continuam bastante baixos, alguns deles em níveis similares àqueles de 1997, antes da erupção da guerra civil no país. Da mesma forma, eventos políticos como tentativas frustradas de golpes de Estado no início dos anos 2000, o assassinato do antigo Presidente Nino Vieira em 2009, bem como as recentes incursões de militares na vida política do país em abril de 2012, apontam para a persistência de desafios importantes nas dimensões políticas e institucionais da Guiné-Bissau. Neste sentido, a situação no país demonstra a fragilidade e as limitações do paradigma da paz liberal que subjaz à abordagem do peacebuilding da ONU a situações de pós-conflitos armados.

O presente artigo demonstrou que a abordagem das Nações Unidas ao processo de consolidação da paz na Guiné-Bissau, desde o final dos anos 1990, tem sido fortemente baseada no enquadramento teórico-político da paz liberal. Os reflexos desta abordagem foram aqui identificados não na fase de implementação de projetos e ações da Organização no terreno, mas no momento da sua elaboração. O argumento defendido foi o de que as limitações do peacebuilding da ONU estão relacionadas não apenas à implementação de políticas específicas, mas à sua própria elaboração, cuja definição de diretrizes, prioridades e objetivos carrega concepções e visões de mundo que são posteriormente transmitidas de forma vertical, de cima para baixo, a situações de pós-conflitos armados. Neste sentido, é preciso que análises sobre esses processos considerem não apenas a implementação de ações concretas no terreno, mas também os seu valores implícitos.

A análise aqui realizada não apenas confirma que o conceito e a prática de peacebuilding da ONU na Guiné-Bissau têm sido influenciados pela paz liberal, mas aponta também para a continuidade deste enquadramento teórico-político como paradigma subjacente à abordagem da Organização àquela ex-colônia portuguesa ao longo dos últimos quinze anos, aproximadamente. Com efeito, apesar de algumas mudanças e inovações no que respeita aos esforços da ONU (e.g. criação e redefinição de escritórios políticos no terreno, reformas institucionais em Nova Iorque), no geral, a abordagem à consolidação da paz naquele país continuou sobremaneira baseada na promoção de valores e práticas de caráter marcadamente liberais, especialmente por meio de apoio diplomático, da definição de prioridades e de apoios em áreas relevantes na construção de um Estado liberal que se assemelhe aos moldes de sistemas políticos do Norte global. Neste sentido, futuras revisões e abordagens ao peacebuilding da Organização na Guiné-Bissau devem também incluir considerações de caráter mais profundo, que examinem a compatibilidade e a relevância do enquadramento da paz liberal àquele contexto específico.

 

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NOTAS

* O artigo baseia se parcialmente na pesquisa de doutoramento do autor, financiada por uma Bolsa de Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), com a referência SFRH/BD/46799/2008, e por uma fellowship Marie Curie (Initial Training Network) da Comissão Europeia. Uma versão preliminar do texto foi apresentada na Convenção Anual da International Studies Association (ISA) em 2012, participação esta financiada pelo Fundo de Apoio aos Estudantes de Doutoramento da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. O autor agradece aos/às avaliadores/as anônimos/as da RCCS os comentários construtivos feitos à versão original do texto, isentando os/as, evidentemente, de quaisquer responsabilidades por eventuais erros e omissões.

** É doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos pelo Centro de Estudos Sociais. Atualmente, encontra-se a desenvolver pesquisa como Marie Curie Research Fellow no Departamento de Estudos para a Paz da Universidade de Bradford, Reino Unido. Anteriormente, ocupou posições na Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas e no Stockholm International Peace Research Institute. Os seus atuais interesses de pesquisa e publicação focam aspetos relacionados com as organizações internacionais, operações de manutenção e de construção da paz da ONU, teorias das relações internacionais e política externa brasileira.

1 Sobre a criação da CCP, vide especialmente Jenkins (2013), Bellamy (2010) e Neves (2009).

2 Todas as citações diretas foram traduzidas livremente pelo autor.

3 Apesar das diferentes concepções de “democracia”, é importante ressaltar que, no contexto da ONU, as visões de “democracia” estiveram sempre associadas à tradição liberal do Ocidente. Para uma análise aprofundada, vide Haack (2011).

4 O Comitê é a mais alta instância de tomada de decisões no Secretariado. É presidido pelo Secretário-Geral e composto pelos chefes de algumas das mais influentes estruturas organizacionais da ONU.

5 Para ilustração e aprofundamento de como essas tarefas têm sido realizadas em casos específicos, vide Paris e Sisk (2009), Newman et al. (2009), Berdal e Economides (2007) e Durch (2006), entre outros.

6 Para tratamento mais detalhado das causas do conflito, vide ICG (2008), Ferreira (2004), MacQueen (2003), Forrest (2002), Adebajo (2002: 111-136), Rudebeck (2001) e Ostheimer (2001). Sobre a resposta dada ao conflito por outros atores internacionais, especialmente a CEDEAO e os países lusófonos, vide as obras já citadas de MacQueen e Adebajo, além de Kabia (2009: 137-142), Obi (2009) e Roque (2009). Sobre o mais recentemente envolvimento da União Europeia, vide Gibert (2009).

7 Entrevista com alto funcionário do Departamento de Assuntos Políticos da ONU, Nova Iorque, 16.11.2010.

8 Não confundir com o Peacebuilding Support Office (PBSO). Escritórios como o UNOGBIS são estabelecidos no terreno, têm um mandato normalmente definido pelo Conselho de Segurança e estão normalmente sob a alçada do DPA. O PBSO, órgão do Secretariado sediado em Nova Iorque, foi estabelecido em 2006 e rege-se por termos de referência próprios.

9 Sobre a relação entre paz e segurança e desenvolvimento, vide especialmente Mac Ginty e Williams (2009), Tschirgi et al. (2010) e Collier et al. (2003). Na altura em que os grupos ad hoc estavam em atividade, Collier e sua equipe estimaram que o “típico país” que chega ao final de uma guerra civil enfrenta 44% de chances de retornar a uma situação de conflito armado dentro de cinco anos (Collier et al. 2003: 83). Apesar de revisões futuras e de duras críticas metodológicas, a estimativa ganhou grande aceitação entre decisores políticos em Nova Iorque, tendo inclusive sido utilizada retoricamente como justificativa para a criação da CCP em 2005, como discutem Suhrke e Samset (2007).

10 Entrevista com diplomata sênior de Estado-membro da Configuração Específica da CCP para a Guiné-Bissau, Nova Iorque, 17.12. 2010.

11 Os documentos relativos ao Grupo Consultivo ad hoc para a Guiné-Bissau, inclusive as suas recomendações e os relatórios das suas atividades, estão disponíveis em https://www.un.org/en/ecosoc/adhocmech/bissau.shtml (última consulta em 05.02.2013).

12 Entrevista com funcionária do Peacebuilding Support Office, Nova Iorque, 15.11.2010.

13 Entrevista com diplomata sênior de país-membro da Configuração Específica da CCP para a Guiné-Bissau, op. cit.

14 Entrevista com antigo funcionário do Peacebuilding Support Office, via videoconferência, 18.06.2012.

15 Entrevista com diplomata sênior de país membro da Configuração Específica da CCP para a Guiné-Bissau, op. cit.

16 Exceto em indicação contrária, todos os números referentes ao FCP discutidos no artigo são apresentados em valores atuais do dólar dos Estados Unidos da América e foram compilados pelo autor a partir dos dados disponíveis no sítio do Multi-Partner Trust Fund Office do PNUD (http://mptf.undp.org/). Os dados refletem os valores atuais em 29.12.2012.

17 Compilado pelo autor a partir de dados disponíveis no sítio do MPTF-UNDP. Vide nota 16.

18 Entrevista com funcionário do Peacebuilding Support Office, 09.10.2012.

19 Todos os dados compilados a partir do sítio do MPTF-UNDP, op. cit.

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