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Revista Nutrícias

On-line version ISSN 2182-7230

Nutrícias  no.22 Porto Sept. 2014

 

PROFISSIONALIDADES


O Percurso Inicial das Áreas Disciplinares de Comunicação e Educação Alimentar na Formação dos Nutricionistas em Portugal

The Initial Steps of the Disciplinary Areas of Communication and Nutrition Education in Training of Nutritionists in Portugal

 

Pedro Graça1,2; Patrícia Padrão1; Maria João Gregório1; Renata Barros1; Vitor Viana1; Pedro Moreira1

1Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, 4200-465 Porto, Portugal
2Direcção-Geral da Saúde, Alameda D. Afonso Henriques, n.º 45 1049-005 Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO


A formação dos Nutricionistas em Portugal sempre teve uma forte componente vocacionada para a educação alimentar e para a capacitação na área da comunicação. Da análise dos planos curriculares da única instituição pública portuguesa que forma Nutricionistas pode observar-se o percurso desta componente ao longo do tempo e como se centrou na formação dos profissionais para promoverem hábitos individuais saudáveis nas populações. Apesar deste modelo normativo se ter mantido, verifica-se progressivamente a separação entre a formação académica na área da gestão de informação e a formação do Nutricionista como líder da mudança individual e depois colectiva. De futuro, constata-se a necessidade de integrar as novas tecnologias nestes modelos de intervenção e de posicionar, cada vez mais, o Nutricionista no centro da acção transformadora.

Palavras-Chave: Comunicação, Educação alimentar, Gestão de informação, Nutricionista

 


 

ABSTRACT

Training of Nutritionists in Portugal has always had a strong emphasis on nutrition education and teaching skills for professionals in the field of communication. The analysis of the curricula of the only public institution that educate Portuguese Nutritionists allowed us to observe the evolution in this field over time. Despite this normative model has remained, we observed progressively a separation between academic training in data management and the training of nutritionists as leaders of the individual and then collective change. In the future, there is the need to integrate new technologies in these intervention models and position Nutritionists at the center of transforming action.

keywords: Communication, Nutrition education, Information management, Nutritionist

 


 

INTRODUÇÃO
A formação de Nutricionistas em Portugal iniciou-se no ano lectivo 1976/77 através da criação do curso de bacharelato em Nutricionismo, na dependência directa da Reitoria da Universidade do Porto (UP) e evoluiu em 1999 para a designação actual de Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). Actualmente, a FCNAUP continua a ser a única instituição pública nacional responsável pela formação de licenciados em Ciências da Nutrição (Nutricionistas) e onde, desde sempre, de forma directa ou indirecta, existiu uma componente formativa relacionada com a comunicação e educação alimentar. O processo de integração das ciências da comunicação na formação em ciências da nutrição ao longo do período em análise revela, por um lado, um percurso de grande e rápida mutação, característico de duas ciências em franca evolução, mas também uma certa indefinição sobre o espaço próprio para enquadrar esta nova área disciplinar na formação dos Nutricionistas. Esta indefinição e a forma como se deve posicionar o Nutricionista perante o que é público e privado é pressentida em outras áreas, mas é aqui, na área da intervenção sobre a comunidade, que se pode identificar com maior clareza, reflectindo também as enormes transformações sociais e tecnológicas nas sociedades contemporâneas e os desafios que colocam à actuação do Nutricionista. O presente artigo pretende descrever o percurso da integração das ciências da comunicação e da educação alimentar no ensino e formação em ciências da nutrição desde o início da formação de técnicos superiores de nutrição em Portugal (1976/1977) até ao ano lectivo de 2012/2013.
De 1976/1977 a 1987/1988 - Os primeiros anos - A necessidade pressentida de incluir as Ciências da Comunicação e Educação Alimentar no ensino das Ciências da Nutrição
A formação de técnicos superiores de nutrição em Portugal surgiu, no período pós-revolução (após a revolução de Abril de 1974), motivada pela necessidade de modificar o acesso e o consumo alimentar para uma larga maioria da população. Porém, também o facto de existirem estudantes em número excessivo no 1.º ano da Faculdade de Medicina da UP no ano lectivo 1975/76 e a necessidade de canalizar esse número excessivo de estudantes para formações, de certa forma, complementares ou afins ao curso de Medicina, contribuiu para o aparecimento do curso de Nutricionismo. Na época, nas Faculdades de Medicina, o ensino específico da nutrição era praticamente inexistente, não só em Portugal como em outras partes do mundo (1). Durante este período é importante salientar o papel de Emílio Peres, Médico e um dos primeiros professores da FCNAUP. Enquanto membro da comissão nacional para a reestruturação do ensino médico e da comissão de representantes das três Faculdades de Medicina, elaborou as recomendações para a formação de profissionais de saúde pretendendo dar resposta ao desafio saído da revolução de 25 de Abril de 1974 de “mais e melhor saúde para todos”. Neste contexto, criaram-se nesse período os cursos de Medicina Dentária, Nutricionismo, Ciências do Ambiente, de formação de professores de Educação Física e ainda a reciclagem de Enfermeiros auxiliares e a formação superior de Enfermeiros, para além da criação de cursos médios regulares para os técnicos superiores de saúde (2). Assim, em 31 de Maio de 1976 foi criado, na dependência da Reitoria da UP, o curso de bacharelato em Nutricionismo, com uma duração de 3 anos (3). A formação de “técnicos superiores especializados em Ciências da Nutrição” em Portugal, tinha como objectivo triplo: habilitar para a intervenção no campo da saúde pública em articulação com os serviços centrais de outros Ministérios, como os dos Assuntos Sociais, Educação ou Agricultura na resolução de problemas de produção e distribuição racional de alimentação; nos serviços de saúde, em especial a nível hospitalar para orientar e coordenar, em colaboração com os Dietistas e Médicos a alimentação normal e dietética; e por fim, fazer investigação nos centros de investigação sobre nutrição, indústrias e domínios afins (4). O desenho da formação inicial do primeiro curso de bacharelato em Nutricionismo reflectia, muito provavelmente, a necessidade de introduzir mudanças favoráveis nos consumos e, ao mesmo tempo, aumentar a autossuficiência de alimentos essenciais na sociedade. Paralelamente ao início da formação de Nutricionistas em Portugal, surgiram nesta mesma época as primeiras propostas para a implementação de uma política alimentar nacional. Neste contexto, a educação alimentar era encarada como parte integrante desta política alimentar a iniciar eventualmente na altura, devendo contemplar programas de informação, “desde as escolas aos serviços de saúde e afins, com a colaboração regular da comunicação social” (4).
Entre o ano lectivo de 1976/1977 e o ano 1986/1987 decorre uma década durante a qual funciona o curso de bacharelato em Nutricionismo (3 anos de formação pré-graduada). Durante este período inicial, existe no plano curricular uma disciplina chamada “Legislação e Pedagogia Aplicadas à Nutrição e Ética Profissional” onde as áreas da comunicação e da educação alimentar aparecem fugazmente e pela primeira vez juntas, percurso que vão fazer ao longo das próximas décadas pelo menos até ao ano lectivo de 2007/2008.
Nesta primeira década, o objectivo da proposta formativa centrava-se em capacitar o futuro Nutricionista para ser capaz de fornecer aos cidadãos informações adequadas e correctas sobre alimentos, alimentação e prevenção de problemas nutricionais. Pela estrutura programática desta disciplina, pode-se observar uma diversidade de áreas e temas que vão desde as questões da eficácia da comunicação, pedagogia e ensino até às questões da legislação na área alimentar e de ética profissional nos profissionais de saúde. Em paralelo, pressente-se da análise do conteúdo programático e dos materiais pedagógicos de outras duas disciplinas do curso de bacharelato na altura, “Alimentação Racional” e “Sociologia Geral e Alimentar”, duas correntes de pensamento distintas que em paralelo vão influenciar a formação dos futuros Nutricionistas na área da educação alimentar e comunicação. Por um lado, a ideia de que o desconhecimento total ou parcial por parte da população relativamente à composição dos alimentos e sua relação com a saúde era factor determinante de consumos inadequados, sendo necessário capacitar os futuros técnicos para modificar esta situação. Por outro lado, e já na década de 80, com o início da campanha nacional de educação alimentar “Saber comer é saber viver” que decorre até 1982 e que integra entre outras pessoas, uma equipa de cinco Nutricionistas do primeiro curso do bacharelato de Nutricionismo da UP, a vertente da educação alimentar assume também o compromisso político e ideológico de colocar a capacidade técnica e científica dos Nutricionistas ao serviço dos grupos sociais mais frágeis na luta contra a desnutrição. Este compromisso é visível na carta de aceitação que um dos mentores da campanha de educação alimentar “Saber comer é saber viver”, o Dr. Emílio Peres, na altura responsável da disciplina de “Alimentação Racional” e que envia à coordenadora nacional da campanha, Dra. Margarida Gonçalves Pereira… ”a razão subjacente à minha colaboração liga-se ao meu posicionamento conceptual como cidadão e técnico de saúde; e esse define-se pela necessidade de promover a saúde como forma de alcançar o bem-estar e pelo pressuposto (aliás demonstrável) que a alimentação correcta é factor decisivo para a conquista da saúde… são tudo aspectos da luta necessária que julgo coerente com a minha posição ideológica” (5). Apesar desta posição, marcadamente interventiva e assumida por alguns docentes do curso de Nutricionismo, a disciplina de “Legislação e Pedagogia Aplicadas à Nutrição e Ética Profissional”, leccionada no 3.º e último ano do curso, era uma mistura de diversas áreas, sem um corpo conceptual autónomo, assumindo de forma neutra as múltiplas funções de ensinar legislação alimentar, pedagogia e até ética profissional.
De 1987/1988 a 2000/2001 – A consolidação do ensino da comunicação e dos seus processos
O novo plano de estudos conferindo o grau de licenciado em Ciências da Nutrição iniciou-se em 1987/1988 (6) com uma nova disciplina na área da comunicação/educação alimentar chamada de “Educação na Comunicação em Nutrição” e que substitui a anterior, num plano de estudos mais alargado já com 5 anos. Esta nova disciplina centrava-se essencialmente sobre a capacitação do futuro Nutricionista no domínio das técnicas e teorias da comunicação, perspectivando-o como um profissional conhecedor dos processos de comunicação. O ensino centrava-se no ensino das teorias gerais de comunicação desde os modelos de Shannon e Weaver até às teorias de comunicação de massas, passando pelas técnicas de comunicação interpessoal e relações de atendimento Nutricionista-paciente (7). Em 1991/1992, entra em vigor um novo plano de estudos do curso de licenciatura em Ciências da Nutrição, porém o ensino da comunicação/educação alimentar continua a fazer-se através da disciplina “Educação na Comunicação em Nutrição”, no 2º Semestre do 4º ano. Durante este período, a educação alimentar é valorizada e mencionada por outras disciplinas da licenciatura em Ciências da Nutrição, mas as bases teórico-conceptuais e operacionais que a fundamentam não são ensinadas nesta disciplina em particular. Ou seja, apesar da sua importância estratégica, o seu espaço não está bem delimitado. Durante este período, a disciplina continua a ter como objectivos centrais a introdução às teorias gerais da comunicação, aos processos básicos de comunicação verbal e não-verbal e ao contexto da comunicação (8), nomeadamente tentando dotar os estudantes de “competências que possibilitassem a análise da comunicação nos diversos contextos e ensinando estratégias facilitadoras de comunicação” (9).
Em 1994/1995, com a entrada em vigor de um novo plano de estudos, a disciplina passa a ter uma nova designação - “Pedagogia e Comunicação” -sendo leccionada no 2.º semestre do 4.º ano. No ano lectivo de 2000/2001, a disciplina adopta a designação de “Pedagogia da Comunicação em Nutrição”. Apesar destas sucessivas modificações no seu nome, os objectivos continuam a ser ”Sensibilizar para a importância da comunicação como determinante do comportamento; Dotar de competências que possibilitem a análise da comunicação nos diversos contextos e; Ensinar estratégias facilitadoras da comunicação no contexto clínico e no contexto de apresentações públicas”. Durante o período em análise, o ensino recentra-se cada vez mais na capacitação do Nutricionista para melhorar as suas competências na análise e capacidade de comunicar com eficiência. Durante este período as questões relacionadas com a discussão ideológica em torno do fornecimento de informação e a sua capacidade para influenciar comportamentos são pouco discutidas (10). Também a problematização da excessiva responsabilização dos indivíduos no seu processo saúde-doença, reduzindo o seu estado de saúde a uma questão de informação adequada para a decisão individual é praticamente inexistente na formação nesta área, situação já discutida por outros autores (11).
De 2001/2002 a 2007/2008 – Da Comunicação para a Educação Alimentar
Em 2001/2002, já com novo plano de estudos a disciplina passa a chamar-se “Comunicação” e a ser leccionada no 1.º semestre do 4.º ano. Durante este período e até ao ano lectivo de 2007/2008, o ensino continua centrado na capacitação do Nutricionista para conseguir comunicar de forma cada vez mais eficiente mas introduz progressivamente a melhoria das competências no uso de tecnologias de informação, a compreensão das teorias, factores e processos de aprendizagem bem como o ensino de métodos e técnicas pedagógicas. Ao longo deste período introduz-se a capacidade de auto-avaliação pedagógica e o diagnóstico de competências pedagógicas, apresentam-se teorias, factores e processos de aprendizagem bem como métodos e técnicas pedagógicas. Apesar da disciplina se chamar pela primeira vez “Comunicação”, paradoxalmente, ela recentra-se progressivamente na formação pedagógica, na utilização de casos e na simulação parcial de problemas, bem como na construção de mensagens e na avaliação dos resultados.
Apesar desta reformulação de objectivos e até de metodologias de ensino ao longo deste período, continua a notar-se o ensino de competências para a construção de mensagens na área das ciências da nutrição mas sem uma reflexão aprofundada sobre as diferenças entre os conceitos de comunicação e educação alimentar. O Nutricionista é encarado como disseminador de informação de qualidade sobre nutrição e alimentação. Ou seja, como se a elevação da sua capacidade técnica ao nível dos conhecimentos e o domínio das técnicas de comunicação o tornassem capaz de construir ou reflectir sobre as abordagens educativas mais eficazes. Pouco se reflecte ainda sobre o facto de que oferecer informação de qualidade é uma condição necessária, porém não suficiente para a mudança se levarmos em consideração as dimensões não racionais e inconscientes que condicionam o consumo alimentar. Ou ainda, para o facto de que oferecer informação de qualidade e operar mudanças de comportamento são situações distintas onde a legitimidade do “educador” é central bem como a capacidade de diálogo com a comunidade.
De 2007/2008 a 2012/2013 – A separação e complementaridade Comunicação/Educação Alimentar
Em 2007/2008 com novo plano de estudos adaptado às exigências do Processo de Bolonha, a agora denominada unidade curricular (UC) de “Comunicação” passa a ser leccionada no 2.º semestre do 1.º ano e aparece uma nova UC na área chamada de “Projecto de Comunicação” que a partir desta data passa a ser leccionada no 1.º semestre do 2.º ano. Com esta mudança, em que o ensino da Comunicação passa da fase final do percurso educativo (4.º ano) para o princípio (1.º ano) e em que aparece uma nova disciplina, agora chamada de UC, intitulada “Projecto de Comunicação” abre-se uma oportunidade de separar comunicação e educação alimentar pela primeira vez na história da instituição e enquadrar novas questões decorrentes do avanço tecnológico na área. Ao longo da última década, foi visível o avanço na área dos conteúdos informativos, no aumento da sua complexidade, na interacção entre estes, nas plataformas de suporte, na sua produção e disponibilidade para outros, tornando possível ao Nutricionista ser simultaneamente consumidor, gestor, produtor e divulgador de informação. Mais tarde, desde 2007, iniciou-se um percurso de discussão contínua e de reformulação pedagógica e de conteúdos que culminou na construção de um modelo novo de ensino na área adaptado às necessidades de formar técnicos de nutrição que sejam capazes de serem geradores de mudança, de transformação, incentivando o aparecimento de processos individuais e colectivos de mudança. O actual modelo dividiu a formação em torno da UC de Comunicação (1.º ano) que tem como objectivo trabalhar a gestão de informação, desde a recolha de informação de qualidade na área das ciências da nutrição e afins, a análise crítica das diferentes fontes de informação e qualidade dos seus conteúdos até conhecimentos mínimos para armazenar, sintetizar e reproduzir informação científica aos pares, à luz de princípios pedagógicos, éticos e de deontologia profissional. E posteriormente a UC oferecida no ano seguinte – Projecto de Comunicação (2.º ano), que tem como objectivo construir um projecto de intervenção na comunidade através de diversas estratégias de comunicação, mas que se aproxima em muito dos modelos propostos em educação alimentar. De referir, que a par da UC de Projecto de Comunicação, também uma nova UC - “Nutrição Comunitária” - leccionada no 1.º semestre do 4.º ano, fornece competências na área da educação alimentar ao incentivar o desenvolvimento de “capacidades no desenho, implementação e avaliação de programas de nutrição comunitária”.

ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES
Reflectindo sobre o percurso histórico da integração das ciências da comunicação e da educação alimentar no ensino das ciências da nutrição, é perceptível o papel de destaque que é dado ao Nutricionista enquanto profissional com competências na área da capacitação dos indivíduos para escolhas alimentares saudáveis. De facto, desde o início da formação dos Nutricionistas que as ciências da comunicação e da educação alimentar estão presentes nos planos curriculares. Neste percurso, é evidente que o ensino nesta área se centra cada vez mais na capacitação do Nutricionista para melhorar as suas competências e na capacidade de comunicar com eficiência, pressupondo assim que o Nutricionista enquanto disseminador de informação é capaz de modificar comportamentos alimentares da população. Acresce ainda referir que durante este período pouco se reflectiu curricularmente sobre o impacto que o fornecimento de informação pode ter na modificação de comportamentos.
Contudo, após a última restruturação do plano curricular do ensino pré-graduado em Ciências da Nutrição (2007/2008), com o aparecimento das UC’s “Comunicação”, “Projecto de Comunicação” e “Nutrição Comunitária”, parece ter existido uma clara distinção entre os conceitos de comunicação e de educação alimentar, assumindo-se a sua complementaridade como essencial para o desenvolvimento de intervenções efectivas na comunidade.
Neste âmbito, iniciou-se uma reflexão mais profunda acerca da necessidade de uma educação alimentar mais eficaz, que seja capaz de integrar aspectos culturais, sociais, económicos, éticos e psicológicas que possam influenciar hábitos alimentares. Assim, pressente-se neste percurso a necessidade crescente de incorporar conceitos multidimensionais na formação do Nutricionista enquanto modificador de comportamentos, de modo a contrariar a ideia de que a educação alimentar e a transmissão de informação de qualidade são semelhantes. Tem sido referido por diversos autores que a educação alimentar tem estado mais vinculada à produção e transmissão de informações que serviam como suporte à tomada de decisões dos indivíduos (12-16). Apesar de ser inquestionável a educação alimentar enquanto atribuição do Nutricionista, deve considerar-se que “ensinar não é apenas transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção individual ou construção” (12).
A importância que é dada ao papel do Nutricionista na educação alimentar no âmbito da promoção da saúde também se tem reflectido nas políticas nutricionais em Portugal. A primeira proposta para a implementação de uma política alimentar nacional, elaborada por Gonçalves Ferreira em 1979, considerava a necessidade de implementar uma política de educação alimentar como uma das suas principais medidas (17). Nesta mesma época, teve início a primeira campanha nacional de educação alimentar “Saber comer é saber viver” (5). Desde então e, apesar do interesse e capacidade de definir uma política formal de alimentação e nutrição em Portugal ter diminuído durante a década de 90, a educação alimentar foi talvez a única área que continuou activa na agenda política (18). Actualmente, o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, criado em 2012, apresenta como um dos seus cinco objectivos gerais “informar e capacitar para a compra, confecção e armazenamento de alimentos saudáveis, em especial aos grupos mais desfavorecidos” (19). Assim, também no contexto do novo programa de acção nacional na área da alimentação é notória a importância da educação alimentar como uma estratégia fundamental para a promoção da saúde.
Actualmente, os Nutricionistas deparam-se com sistemas de saúde cada vez mais complexos, caracterizados por um crescimento das desigualdades sociais e da iliteracia com um impacte crescente no desenvolvimento de doenças crónicas, pelas dificuldades em assegurar às populações cuidados de saúde compatíveis com os avanços dos conhecimentos técnicos e, com novos actores do tecido económico, envolvidos cada vez mais na comunicação em nutrição e alimentação. Por outro lado, o forte crescimento e evolução a nível das tecnologias de informação, onde os cidadãos são cada vez mais activos, também colocam enormes desafios à actuação dos Nutricionistas, em particular nos processos de educação alimentar. No entanto deixaremos esta reflexão para futuro.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Endereço para correspondência
Pedro Graça
Direcção-Geral da Saúde,
Alameda D. Afonso Henriques, n.º 45 1049-005 Lisboa, Portugal
pedrograca@dgs.pt


Recebido a 22 de Agosto de 2014
Aceite a 29 de Setembro de 2014

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