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Revista Nutrícias

On-line version ISSN 2182-7230

Nutrícias  no.18 Porto Sept. 2013

 

ARTIGO PROFISSIONAL

A Construção do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável – Aspectos Conceptuais, Linhas Estratégicas e Desafios Iniciais

The Construction of the National Program for the Promotion of Healthy Eating – Conceptual Aspects, Strategic Guidelines and Initial Challenges

 

Pedro Graça1,2; Maria João Gregório1

1Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Rua Dr. Roberto Frias, s/n, 4200-465 Porto, Portugal
2Direcção-Geral da Saúde, Alameda D. Afonso Henriques, 45, 1049-005 Lisboa, Portugal

Endereço para correspondência

 

RESUMO


As doenças crónicas de base alimentar representam já a principal causa de morte e doença nas sociedades ocidentais. Portugal, com um milhão de obesos e com um crescimento acentuado dos custos sociais e económicos relacionados com este tipo de patologias, iniciou em 2012 e pela primeira vez, uma estratégia nacional no campo da alimentação e nutrição consubstanciada no Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável. A estratégia tem por base as orientações propostas pela Organização Mundial de Saúde, pela Comissão Europeia, as derivadas das experiências em países como a Noruega ou Brasil e ainda a análise retrospectiva de iniciativas anteriores a nível nacional. O Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável é apresentado de forma breve e são discutidos alguns dos principais desafios à sua implementação.

Palavras-Chave: Política alimentar, Política nutricional, Programas nacionais

 


 

ABSTRACT

Food based chronic diseases are already the leading cause of death and disease in Western societies. Portugal, with a million of adult obese and with a sharp increase in social and economic costs associated with this type of pathology, began in 2012 and for the first time, a national strategy in the field of food and nutrition which was called the “National Program for the Promotion of Healthy Eating”. The strategy is based on guidelines proposed by the World Health Organization, the European Commission and also those derived from experiences in countries such as Norway and Brazil and also the retrospective analysis of previous initiatives nationwide. The National Program for the Promotion of Healthy Eating is presented briefly and also some of the main challenges to their implementation.

keywords: Food policy, Nutrition policy, National programs

 


 

INTRODUÇÃO
As doenças crónicas, cujo aparecimento e desenvolvimento está associado a hábitos alimentares desequilibrados, são a principal causa de mortalidade no mundo, representando 63% de todas as mortes em 2008 (1). Na Região Europeia, as doenças crónicas causam mais de 8 em cada 10 mortes e representam cerca de 77% do encargo total provocado por doença (2). A obesidade, como expressão final de uma ingestão alimentar desajustada face às necessidades do organismo, atinge cerca de 1 milhão de portugueses adultos. Estima-se que a pré-obesidade, estádio precursor da obesidade, atinga igualmente 3,5 milhões de adultos portugueses (3, 4). Esta ingestão alimentar desajustada, com um fornecimento energético acima das necessidades, é proporcionalmente superior nas classes sociais mais desfavorecidas, sugerindo que a obesidade e a vulnerabilidade económica progridem em paralelo numa proporção elevada de famílias portuguesas (1, 5). Se a esta situação se adicionar o facto de que em muitas famílias a insegurança alimentar (IA), ou seja, a dificuldade no acesso a alimentos ou a alguns alimentos, poder coexistir com a obesidade e com a malnutrição, percebe-se a complexidade da actual situação alimentar e a necessidade de um pensamento e estratégia intersectorial a médio e longo prazo (5, 6).
Face ao cenário epidemiológico, económico e social que Portugal atravessa, a definição de uma estratégia de alimentação e nutrição era premente, tendo sido concretizada no ano de 2012 com a implementação do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) (7). O PNPAS foi aprovado através do Despacho nº 404/2012 de 3 de Janeiro de 2012, tendo sido considerado um dos oito programas prioritários a desenvolver pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) (8). A coordenação deste programa foi atribuída à DGS, uma vez que de acordo com o Decreto-Lei nº124/2011, de 19 de Dezembro, a coordenação nacional da definição e desenvolvimento dos programas de saúde, bem como o acompanhamento da execução das políticas e programas do Ministério da Saúde foram atribuídas à DGS (9).
O PNPAS surgiu assim com a missão de melhorar o estado nutricional da população, incentivando a disponibilidade física e económica dos alimentos constituintes de um padrão alimentar saudável e criando as condições para que a população os valorize, aprecie e consuma, integrando-os nas suas rotinas diárias. É pressuposto deste programa que um consumo alimentar adequado e a consequente melhoria do estado nutricional dos cidadãos tenha um impacto directo na prevenção e controlo das doenças mais prevalentes a nível nacional (cardiovasculares, oncológicas, diabetes, obesidade) e que permita, simultaneamente, o crescimento e a competitividade económica do país em outros sectores como os ligados à agricultura, ambiente, turismo, emprego ou qualificação profissional (7). O desafio maior de uma política nutricional nacional será por isso o de conciliar as recomendações de boas práticas internacionais, baseadas na melhor evidência científica para a melhoria do estado de saúde das populações, com a sua adaptação à realidade nacional, nomeadamente com o seu sistema alimentar, desde a produção ao consumo, e com a necessidade de não afastar esta estratégia do necessário desenvolvimento económico e incentivo à criação e manutenção do emprego.
As Políticas Nutricionais e de Saúde no Contexto das Políticas e Estratégias Europeias
Actualmente, a alimentação e a nutrição são considerados como elementos chave na definição dos objectivos, estratégias e recomendações nos diversos programas e políticas, tanto da Organização Mundial de Saúde (OMS) como da Comissão Europeia (CE).
A nível da OMS, nas últimas duas décadas, vários documentos estratégicos têm sido desenvolvidos com o objectivo de auxiliar os estados membros na definição de políticas que visem a modificação de comportamentos alimentares e de actividade física nas sociedades Europeias. Considerando que o crescimento das doenças crónicas associadas a uma alimentação inadequada já afecta mais de um terço da população europeia e que, a nível global, se estima que 60% das mortes prematuras sejam provocadas por estas doenças, a promoção de uma alimentação saudável tem-se assumido como uma prioridade nas políticas da OMS.
Neste âmbito, e para a construção da política nutricional a nível nacional, têm sido consideradas as linhas estratégias presentes nos seguintes documentos da OMS: “Global strategy on diet, physical activity and health” (OMS, 2004)(10), “European Charter on counteracting obesity” (OMS Região Europeia, 2006)(11), “The Challenge of obesity in the WHO European Region and the strategies for response” (OMS Região Europeia, 2007)(12), “Action Plan for the Prevention and Control of Noncommunicable Diseases 2013-2020” (OMS, 2013) (1), “Health 2020 – A European policy framework supporting action across government and society for Health and well-being” (OMS, 2012)(13), “WHO European Action Plan for Food and Nutrition Policy 2014-2020” (OMS Região Europeia, 2013)(14), Vienna Declaration on Nutrition and Noncommunicable Diseases in the context of Health 2020 (OMS Região Europeia, 2013)(15) e “The Helsinki Statement on the Health in All Policies” (OMS, 2013)(16). Também a CE tem suportado os estados membros no que diz respeito à implementação de políticas nutricionais, nomeadamente através dos documentos: White Paper on “A Strategy for Europe on Nutrition, Overweight and Obesity related health issues” (Comissão das Comunidades Europeias, 2007)(17) e White Paper “Together for Health: A Strategic Approach for the EU 2008-2013” (Comissão das Comunidades Europeias, 2007) (18).
Da leitura destes documentos é possível enquadrar um conjunto de pressupostos e linhas de acção, que se iniciam pela: a) avaliação da situação alimentar e do estado nutricional das populações e seus determinantes sociais e económicos; e pelas b) estratégias de intervenção multisectorial, que se afastam cada vez mais das intervenções para a melhoria dos conhecimentos dos cidadãos e integram progressivamente propostas de regulação sobre a disponibilidade e acesso aos alimentos; até aos c) processos de monitorização e construção de indicadores de processo.
Mais rencentemente, as políticas de saúde, nomeadamente as políticas de alimentação e nutrição começaram a assumir o impacto que as desigualdades sociais e económicas podem ter no consumo alimentar.
Neste sentido, e de acordo com as linhas gerais de acção do novo plano de acção para as políticas de alimentação e nutrição da OMS, o “WHO European Action Plan for Food and Nutrition Policy 2014-2020” (OMS Região Europeia, 2013) (14), sugere-se a integração crescente dos princípios dos direitos humanos, particularmente do direito à alimentação, e os princípios da garantia do acesso universal à alimentação adequada, de modo a garantir equidade nas estratégias propostas. Estes documentos mais recentes propõem para os próximos anos um conjunto de quatro grandes objectivos:
1) Reforçar a vigilância, monitorização e avaliação de informação relacionada com a saúde, estado nutricional e seus determinantes e tendências;
2) Reduzir a exposição aos factores de risco para as doenças crónicas que estejam relacionados com as desigualdades e que possam ser modificados pela alimentação, nomeadamente através da criação de ambientes promotores de uma alimentação saudável;
3) Reforçar e reorientar os sistemas de saúde de modo a que a prevenção e o controlo de doenças crónicas associadas a uma alimentação inadequada, à desnutrição e às deficiências de micronutrientes, sejam considerados prioritários nos cuidados de saúde primários, garantindo a cobertura universal dos cuidados de saúde e por fim;
4) Incentivar a adopção da abordagem de “saúde em todas as políticas”, de modo a construir alianças intersectoriais e a promover a capacitação e o envolvimento dos cidadãos nas actividades de promoção de uma alimentação saudável (14, 15).
Nestes documentos é bem visível o apelo à existência de estratégias intersectoriais e transversais a todos os sectores governamentais, ao sector privado e à sociedade civil, integrando o mencionado princípio da “saúde em todas as políticas”. Pressente-se também a necessidade de estas intervenções serem suportadas por alterações nos sistemas alimentares, de modo a que sejam sustentáveis no tempo, bem como do ponto de vista social e ambiental. É também bem evidente que as estratégias para reduzir a elevada prevalência de doenças crónicas devem contemplar simultaneamente a desnutrição e a deficiência de micronutrientes. Por último, é sublinhada a importância da redução das assimetrias no acesso a alimentos de boa qualidade nutricional, garantindo o acesso físico e económico a uma alimentação saudável como parte integrante do esforço para reduzir as desigualdades sociais na saúde. Segundo a “The Helsinki Statement on the Health in All Policies”, é essencial que todos os países considerem a saúde e a equidade em saúde como uma prioridade política, e que actuem sobre os determinantes sociais da saúde (16).
Estes documentos globais, apesar de reflectirem estrategicamente sobre as grandes linhas orientadoras para a construção de políticas na área da alimentação, não têm em conta especificidades nacionais que necessitam de ser introduzidas e adaptadas. Portugal possui especificidades geográficas, climáticas, de produção alimentar, de tradição gastronómica e consumo que é necessário introduzir no planeamento e no planos de acção a produzir. Possui ainda um sistema de governação com algumas particularidades, em especial no sector da saúde, que é necessário ter em conta. Um exemplo concreto desta especificidade prende-se com os recursos humanos, que estão disponíveis em Portugal na área da nutrição. A formação académica dos técnicos superiores de nutrição em Portugal, que se iniciou nos finais dos anos 70, teve uma matriz ideológica e conceptual mais próxima das realidades norte e sul-americanas do que da europeia, introduzindo uma forte orientação para a prestação de serviços na comunidade e nas actividades preventivas e de promoção da saúde, que não deve ser desaproveitada.
As Políticas Nutricionais em Portugal – Breve Evolução Histórica
Apesar do PNPAS, aprovado em 2012, representar em Portugal o primeiro programa nacional para a promoção de uma alimentação saudável, vários esforços foram realizados desde a década de 70 no sentido de formular e implementar uma estratégia nacional de alimentação e nutrição. O primeiro passo para a formulação de uma política nacional de alimentação e nutrição foi dado no ano de 1976 com a criação do Centro de Estudos de Nutrição (CEN), que surgiu para colmatar necessidades sentidas no âmbito da obtenção de informação referente ao consumo alimentar e estado nutricional da população portuguesa (19). A par do desenvolvimento de estudos relacionados com a obtenção de informação sobre alimentação e a nutrição, também na década de 70 teve início a primeira campanha nacional de educação alimentar “Saber comer é saber viver”, para a qual foi desenvolvido o primeiro guia alimentar para a população portuguesa, a Roda dos Alimentos. Mais tarde, em 1980, foi instituído o Conselho Nacional de Alimentação (CNA), posteriormente designado por Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição (CNAN), com a atribuição de formular e implementar uma política de alimentação e nutrição, que contudo acabou por não ser concretizada (20).
Paralelamente a estes compromissos políticos iniciais na área da alimentação e nutrição, surgiram os primeiros documentos reflectindo linhas de pensamento estratégico para a formulação de uma política alimentar e nutricional em Portugal, propostos essencialmente por Gonçalves Ferreira e mais tarde por Emílio Peres, Amorim Cruz, entre outros (21-25).
O interesse político na implementação de uma política de alimentação foi contudo menos evidente ao longo da década de 90, por diversas razões, entre elas a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE) e a tentativa de se criar um mercado aberto com o mínimo de regulamentação. A educação alimentar, em particular em meio escolar, foi provavelmente a única área em que se continuou a investir durante este período (26). Também na década de 90, mais precisamente em 1997, foram publicadas as recomendações alimentares para a população portuguesa pelo CNAN (27). Nos finais da década de 90 e início do novo milénio, as preocupações com a garantia da qualidade sanitária dos alimentos, decorrentes das crises alimentares dos anos 90, ocuparam a agenda política na área da alimentação e da nutrição (28).
Em 2005, em resultado do reconhecimento político a nível internacional da obesidade como um dos mais sérios problemas de saúde pública, voltou a observar-se um novo investimento político nas questões nutricionais em Portugal, tendo sido implementando nesse mesmo ano o Plano Nacional de Combate à Obesidade, como parte integrante do Plano Nacional de Saúde 2004-2010 (29). Em 2007, e no seguimento da “European Charter on Counteracting Obesity” (OMS Região Europeia, 2006)(11), foi criada a Plataforma Contra a Obesidade, como uma Divisão da DGS, representando esta a primeira abordagem de uma política intersectorial com o objectivo de promover uma alimentação saudável, embora com intenções específicas no combate à obesidade (30). De certa forma, com a Plataforma Contra a Obesidade, estavam criadas as bases para o lançamento do primeiro programa nacional na área da alimentação e nutrição, que surge em 2012, de seguida apresentado.
Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável – Linhas Estratégicas
Na construção do PNPAS foram integradas diversas orientações e opções estratégicas. As propostas pela OMS e CE, já descritas anteriormente; também as que resultaram da experiência portuguesa em grupos de trabalho como o High Level Group on Nutrition and Physical Activity da CE; da experiência obtida no quadro do desenvolvimento de diferentes propostas nacionais desde 1976 e que culminaram na criação da Plataforma contra a Obesidade; das experiências realizadas em dois países, Noruega e Brasil, com grandes tradições na implementação de políticas e medidas estratégicas ao nível da alimentação; e, ainda, da audição pública que a DGS encetou para auscultação das partes interessadas e que em muito contribuiu para a melhoria final da estratégia.
O PNPAS possui cinco objectivos gerais: a) aumentar o conhecimento sobre os consumos alimentares da população portuguesa, seus determinantes e consequências; b) modificar a disponibilidade de certos alimentos, nomeadamente em ambiente escolar, laboral e em espaços públicos; c) informar e capacitar para a compra, confecção e armazenamento de alimentos saudáveis, em especial aos grupos mais desfavorecidos; d) identificar e promover acções transversais que incentivem o consumo de alimentos de boa qualidade nutricional de forma articulada e integrada com outros sectores, nomeadamente da agricultura, desporto, ambiente, educação, segurança social e autarquias; e) melhorar a qualificação e o modo de actuação dos diferentes profissionais que pela sua actividade, podem influenciar conhecimentos, atitudes e comportamentos na área alimentar. Deste modo, o PNPAS propõe um conjunto de objectivos distribuídos em cinco grandes áreas: 1) realidade Portuguesa, aumentando a informação e a recolha de dados alimentares; 2) orientações, modificando a disponibilidade alimentar/ influenciando o meio ambiente; 3) biblioteca alimentar, informando e capacitando o cidadão; 4) parcerias e Projectos, promovendo o trabalho intersectorial; e 5) profissionais, melhorando a qualificação e o modo de actuação dos diversos profissionais que pela sua actuação possam influenciar consumos alimentares (7).

ANÁLISE CRÍTICA E CONCLUSÕES
O actual perfil epidemiológico, social e económico da população portuguesa, sugere respostas integradas e intersectoriais para problemas tão complexos como os do campo da alimentação e da nutrição. Seguindo as cinco grandes áreas de actuação propostas no PNPAS, será possível uma reflexão crítica sobre cada uma delas.
1) A tomada de decisões e a escolha das melhores estratégias pressupõe informação actualizada e de qualidade. No caso de políticas nutricionais, são fundamentais dados actualizados sobre o consumo alimentar, sua evolução e a sua relação com perfis sociodemográficos e geográficos da população. Infelizmente, a informação actualmente disponível está longe de dar resposta a estas necessidades. O último inquérito alimentar nacional com dados de consumo directo está amplamente desactualizado e data de 1980. Os dados indirectos de consumo, obtidos através de Balanças Alimentares (BAP) e dos Inquéritos aos Orçamentos das Famílias (IOF) permitem, de forma mais sistemática e com alguns desvios conhecidos, traçar as trajectórias de consumo. Estes dados, conjuntamente com dados de consumo directo, obtidos de estudos parcelares, permitem, embora de maneira imperfeita, identificar áreas prioritárias. Apesar das dificuldades orçamentais, é necessário instituir um modelo de avaliação e monitorização dos consumos que permita de forma rápida e mais sistemática perceber consumos, sua distribuição e evolução no tempo. Esta ferramenta deverá ser cada vez mais leve do ponto de vista da recolha dos dados e sua actualização, permitindo a tomada de decisão interna, mas também a comparabilidade europeia e uma estabilidade na metodologia empregue, para permitir perceber evoluções no consumo alimentar. Depois de, no passado, se terem utilizado com frequência ferramentas institucionais pesadas, em que a recolha de informação apresentava um grande desfasamento temporal face à divulgação dos resultados, os processos necessitam agora de ser cada vez mais ágeis, integrando também as estruturas, serviços e profissionais de saúde, sem descurar a qualidade.
2) Nos últimos anos, têm vindo a surgir cada vez mais propostas no quadro europeu da política nutricional que tentam modificar a disponibilidade de certos alimentos, nomeadamente em ambiente escolar, laboral e em outros espaços públicos. A modificação da disponibilidade em ambiente escolar tem sido considerada uma área privilegiada de acção, onde Portugal tem desempenhado papel muito interventivo. Neste campo, a Direcção-Geral da Educação e o PNPAS têm produzido um trabalho conjunto que tem permitido regular, entre outras áreas, a oferta alimentar em meio escolar. O passo seguinte será o de melhorar a capacidade de monitorizar a implementação dos referenciais e saber cada vez mais sobre o impacto dos diferentes modelos propostos. Em paralelo, a recente intervenção sobre os preços dos alimentos, através da taxação directa sobre determinados produtos alimentares, casos da Dinamarca ou Hungria, sugere novos caminhos de regulação da oferta alimentar que necessitam de serem estudados em detalhe (31).
3) Informar e capacitar para a compra, confecção e armazenamento de alimentos saudáveis, em especial em grupos mais desfavorecidos, pressupõe uma aposta clara em estratégias que utilizem materiais adaptados a baixos níveis de literacia, que reconheçam o reduzido interesse e capacidade para aprender na forma mais clássica da aprendizagem e que entendam que numa nova era de comunicação, o entretimento e a informação, circulam cada vez mais em áreas e formatos interrelacionados. Uma política de alimentação e nutrição deve ser capaz de estabelecer um compromisso entre estratégias que promovam a capacitação dos cidadãos para escolhas alimentares mais acertadas, promovendo assim a autonomia dos indivíduos, com estratégias que possibilitem a criação de ambientes favoráveis à prática de uma alimentação saudável, considerando contudo que as escolhas alimentares não dependem exclusivamente da vontade do cidadão.
4) Exige-se que uma política de alimentação e nutrição seja capaz de estabelecer alianças, parcerias e acções intersectoriais, nomeadamente entre os diversos sectores governamentais, sector privado e sociedade civil. Assim, o princípio da intersectorialidade é um dos grandes desafios das políticas alimentares e nutricionais. Estas alianças e parcerias pressupõem estabilidade governativa e compromissos a médio prazo que ultrapassem legislaturas, clareza nos objectivos e na transparência dos processos, planeamento e hábitos de cooperação entre os diferentes sectores governativos e outros parceiros. A existência de um programa nacional em torno da alimentação, com objectivos claros e auditáveis, é uma das peças base deste processo.
5) A qualificação e o modo de actuação dos diferentes profissionais que pela sua actividade podem influenciar conhecimentos, atitudes e comportamentos na área alimentar são decisivos para o sucesso de qualquer estratégia. A este nível, exige-se uma intervenção dupla. Capacitando profissionais externos à saúde mas que influenciam consumos alimentares, por exemplo a nível autárquico ou na área da educação, e capacitando os profissionais de saúde que não são especialistas na área mas que colaboram frequentemente neste tipo de acções. Uma das críticas centrais feitas ao ensino das ciências da saúde nos últimos anos é a incapacidade de formar profissionais com sentido de liderança e de intervenção pública na sociedade, em particular nas áreas que determinam e condicionam o estado de saúde das populações. Espera-se que o PNPAS possa incentivar este tipo de articulação entre as necessidades de recursos humanos com sentido de liderança e capacidade de intervenção pública e a formação académica e profissional.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Endereço para correspondência
Pedro Graça
Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.Rua Dr. Roberto Frias, s/n
pedrograca@fcna.up.pt


Recebido a 30 de Julho de 2013
Aceite a 30 de Setembro de 2013

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