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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.36 no.1 Lisboa fev. 2020

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v36i1.12703 

ESTUDOS ORIGINAIS

NOAC versus AVK: avaliação da qualidade de vida em idosos com fibrilhação auricular nos cuidados de saúde primários

NOAC versus AVK: assessment of the quality of life in the elderly diagnosed with atrial fibrillation followed in primary care

Ana Isabel Morais,1

Diana Pinto,2

Filipe Cerca,3
https://orcid.org/0000-0002-8515-2892

Inês Torres,4

Maria José Novais,4

Sara Alves Barbosa,5

Telma Tavares,6

Vera Azevedo7

1. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Despertar, ACeS de Gondomar.

2. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF São Pedro da Cova, ACeS de Gondomar.

3. Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Valbom, ACeS de Gondomar.

4. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Santa Clara, ACeS Póvoa de Varzim/Vila de Conde.

5. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF São Bento, ACeS de Gondomar.

6. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Renascer, ACeS de Gondomar.

7. Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Modivas, ACeS Póvoa de Varzim/Vila de Conde.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução: A fibrilhação auricular (FA) é uma importante causa de morbimortalidade na população idosa. Os anticoagulantes orais assumem-se como eficazes na prevenção do acidente vascular cerebral cardioembólico. Não existe evidência científica que suporte a decisão de escolha entre antagonistas da vitamina K (AVK) e novos anticoagulantes orais (NOAC), baseado no critério qualidade de vida.

Objetivo: Avaliar a qualidade de vida dos utentes com idade igual ou superior a 65 anos diagnosticados com FA não valvular e anticoagulados, seguidos nos cuidados de saúde primários.

Métodos: Foi realizado um estudo observacional, transversal e analítico que envolveu uma amostra de utentes de sete Unidades de Saúde Familiar. A qualidade de vida foi avaliada usando a escala Duke Anticoagulation Satisfaction Scale. Foram realizadas análises descritivas e inferenciais.

Resultados: Aceitaram participar no estudo 292 utentes. A idade média dos participantes foi de 75,6 anos, sendo 52,1% do género feminino, 92,1% reformados e com baixo nível de escolaridade (81,8% com escolaridade igual ou menor que quatro anos). Observou-se diferença estatisticamente significativa do valor mediano na qualidade de vida, quando comparado o grupo de utentes a realizar terapêutica com NOAC versus grupo de utentes a realizar terapêutica com AVK (p<0,0001). Não se observaram diferenças estatisticamente significativas nas restantes variáveis estudadas.

Conclusão: A qualidade de vida dos utentes com idade igual ou superior a 65 anos, diagnosticados com FA não valvular, é influenciada pela escolha do tipo de anticoagulante (NOAC ou AVK), sendo o NOAC associado a melhor qualidade de vida.

Palavras-chave: Fibrilhação auricular; Anticoagulação; NOAC; AVK; Qualidade de vida.


 

ABSTRACT

Background: Atrial fibrillation is a well-established cause of mortality in the elderly. Oral anticoagulants are known to prevent cardioembolic stroke. There is no evidence supporting the selection of either direct anticoagulants (DOAC) versus vitamin k-antagonist based on the quality of life criteria.

Objectives: To assess the quality of life in patients aged 65 years old and over, diagnosed with non-valvular atrial fibrillation and followed in a primary care setting.

Methods: A retrospective observational study was conducted with a patient sample from seven family health units. A questionnaire regarding the quality of life with anticoagulant therapy was applied - the Duke Anticoagulation Satisfaction Scale (DASS). Descriptive and inferential analyses were performed.

Results: Two-hundred ninety-two patients accepted to participate in the study, with a mean age of 75.6 years, mostly women (52.1%), professionally retired (92.1%) and with a low education level (81.8% with less or equal to four-year of scholarship). There was a statistically significant difference in the median value of quality of life when compared to the group of patients undergoing NOAC therapy versus the group of patients undergoing AVK therapy (p<0.0001). No statistically significant differences were observed for the other variables.

Conclusions: In patients aged 65 years old and over and with non-valvular atrial fibrillation we found that quality of life is associated with the anticoagulant therapy option, namely DOAC or vitamin k-antagonist. DOAC associated with a better quality of life.

Keywords: Atrial fibrillation; Anticoagulation; DOAC; Vitamin k-antagonist; Quality of life.


 

Introdução

A fibrilhação auricular (FA) é uma importante causa de morbimortalidade na população idosa (sobretudo cerebrovascular), sendo das arritmias crónicas mais prevalentes nesta faixa etária.1 A FA é fator de risco independente para mortalidade global e morte súbita de causa cardíaca.2 De acordo com os dados obtidos no estudo FAMA, Portugal tem uma prevalência de FA na ordem dos 6,6% no grupo etário 70-79 anos e dos 10,4% no grupo com mais de 80 anos.3

A terapêutica com anticoagulantes orais (ACO) assume-se como medida eficaz na prevenção do acidente vascular cerebral cardioembólico nos utentes com FA, sendo que os antagonistas da vitamina K (AVK) foram utilizados neste contexto, de forma exclusiva, durante muitos anos.4 No entanto, os AVK estão associados a múltiplas interações medicamentosas e alimentares, com janela terapêutica estreita e, por isso, necessitam de monitorização analítica regular e ajustes de posologia.5 Estes são apenas alguns dos motivos que parecem dissuadir médicos e utentes de iniciar tratamento com AVK.6 Esta questão é particularmente relevante no caso das FA valvulares, nas quais os AVK permanecem como primeira opção anticoagulante. Os novos anticoagulantes orais (NOAC) demonstraram eficácia e segurança como alternativa na profilaxia de eventos cardioembólicos nos utentes com FA não valvular7-9 e não apresentam as interações dos AVK;10 logo, não necessitam de monitorização laboratorial de rotina e consequentes ajustes de dose. Embora se especule que este facto se associe a melhoria na qualidade de vida dos utentes, não existe ainda evidência científica que demonstre superioridade dos NOAC sobre os AVK neste contexto. Sob esta premissa, neste estudo foi avaliada a qualidade de vida de utentes com idade igual ou superior a 65 anos, diagnosticados com FA não valvular e anticoagulados, seguidos nos cuidados de saúde primários (CSP).

Métodos

Amostra

Foi realizado um estudo observacional, transversal e analítico com amostra de utentes selecionados a partir de base de dados obtida de sete Unidades de Saúde Familiar (USF) da Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN). A população do estudo incluiu utentes com idade igual ou superior a 65 anos que, em dezembro de 2018, apresentavam o problema fibrilhação/flutter auricular ativo, codificado como K78 pela Classificação Internacional de Cuidados de Saúde Primários - 2 (ICPC-2). Foram considerados os seguintes critérios de exclusão: 1) diagnóstico de flutter auricular; 2) diagnóstico de FA valvular; 3) FA não medicados com ACO; 4) utentes incapazes de responder ao questionário (sem domínio da língua portuguesa, analfabetismo, demência ou outros défices cognitivos); 5) utentes não frequentadores (sem consulta médica há três anos ou mais). O tamanho da amostra foi calculado através da aplicação OPENEPI® (www.openepi.com ), considerando um intervalo de confiança de 95% e assumindo uma população com K78 e idade igual ou superior a 65 anos de 1.201 utentes nas sete USF (valor obtido através do Módulo de Informação e Monitorização das Unidades Funcionais [MIM@UF]). O valor calculado foi de 292 utentes. A aleatorização da amostra foi realizada através da aplicação Random.Org® (www.random.org ).

Desenho do estudo e recolha de informação

Os utentes selecionados foram contactados por telefone, tendo sido explicado o âmbito do estudo e convidados a participar através de entrevista na respetiva USF ou no seu domicílio. O contacto telefónico obedeceu a uma estruturação predefinida. Efetuaram-se até três tentativas de contacto telefónico em três ocasiões distintas. Os utentes foram convidados a deslocar-se à unidade de saúde em data conveniente ou, alternativamente, a realizar o questionário no seu domicílio, em que o investigador se deslocaria em dia e hora convenientes. O preenchimento do questionário foi efetuado por entrevista para obviar as dificuldades de leitura e de compreensão associadas à população em estudo. De forma a uniformizar procedimentos, os investigadores reuniram previamente para simular entrevista e preenchimento do questionário. Cada investigador ficou responsável por realizar a entrevista na sua própria unidade de saúde. A entrevista presencial englobou a aplicação de um questionário de qualidade de vida orientado para a utilização de anticoagulantes: escala de satisfação com anticoagulação Duke (Duke Anticoagulation Satisfaction Scale - DASS). Foi também aplicado um questionário com vista à recolha de variáveis relacionadas com informação sociodemográfica e caracterização da terapêutica anticoagulante (género, idade, escolaridade, situação profissional, tipo de terapêutica anticoagulante, posologia e duração da terapêutica).

O questionário utilizado, DASS, foi desenvolvido por Samsa e colaboradores11 e validado por Yildirim e Temel.12 A validação para português do Brasil foi feita por Pelegrino e seus colaboradores.13 Os investigadores procederam, em conjunto, a alterações minor na conversão do questionário de português do Brasil para português de Portugal. O questionário DASS é constituído por 25 itens que abordam três domínios de qualidade de vida: limitação do tratamento, problemas e custos do tratamento e impacto positivo do tratamento (confiança, tranquilidade e satisfação). Cada item do questionário apresenta sete respostas possíveis (escala de Likert de sete pontos): «Nada», «Muito pouco», «Pouco», «Moderadamente», «Bastante», «Muito» e «Muitíssimo», cotadas de 1 a 7 respetivamente. Os itens 17, 18, 19, 21, 23 e 25 da escala foram cotados reversamente. A pontuação total do questionário varia entre 25 e 175. Valores numéricos menores refletem maior satisfação com o uso de ACO, menor limitação e menor impacto psicológico. O período de realização das entrevistas decorreu entre março e junho de 2019.

Considerações éticas

Foi obtido o consentimento informado escrito para cada participante. Nenhum benefício financeiro foi dado aos participantes. O estudo obteve parecer favorável pela Comissão de Ética da ARSN, com o número 117/2018.

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram sumariadas através de estatísticas descritivas, nomeadamente média, mediana, desvio-padrão e amplitude (mínimo e máximo). As variáveis qualitativas foram resumidas através do cálculo de frequências absolutas (n) e relativas (%). A comparação de grupos face a variáveis qualitativas foi testada através do teste do Qui-Quadrado ou teste exato de Fisher (quando aplicável). A comparação de dois grupos independentes face a uma variável quantitativa foi efetuada através do teste t-Student ou do teste não paramétrico de Mann-Whitney, de acordo com a validação dos pressupostos inerentes a cada teste. Os testes estatísticos foram efetuados bilateralmente, considerando um nível de significância de 5%. A análise estatística dos dados foi efetuada através do software estatístico IBM® SPSS® Statistics 25.14

Resultados

A idade média dos utentes foi de 75,6 ± 6,7 anos, sendo a idade mínima de 65 anos e máxima de 93 anos. Cerca de metade da amostra (52,1%) era do género feminino. A distribuição dos utentes por classe etária mostrou que 46,2% dos utentes tinham idade compreendida entre 65 e 74 anos, 43,5% idade compreendida entre 75 e 84 anos e 10,3% idade igual ou superior a 85 anos. A maioria dos utentes tinha quatro ou menos anos de escolaridade (81,8%) e eram reformados (92,1%) (Quadro I).

 

 

Relativamente à terapêutica anticoagulante, 59,2% dos utentes encontravam-se medicados com NOAC e 40,8% com AVK (Quadro II). A maioria dos utentes iniciou anticoagulação há mais de um ano (85,6%) e 67,1% estavam medicados com anticoagulante de toma única diária.

 

 

O valor médio obtido para a qualidade de vida após aplicação do questionário DASS foi de 59,2 ± 25,1 (min-máx: 25-134). Foi avaliada uma possível associação entre qualidade de vida e as variáveis categóricas em estudo: sexo, idade, escolaridade, situação profissional, tipo de anticoagulação, posologia da anticoagulação e duração da terapêutica com anticoagulantes. Como evidenciado no Quadro III, existem diferenças estatisticamente significativas do valor mediano do score total da qualidade de vida quando comparado o grupo de utentes a realizar terapêutica com NOAC versus com AVK (p<0,0001), tendo o grupo AVK maior valor mediano. Foram também detetadas diferenças estatisticamente significativas nos valores medianos do score de qualidade de vida entre o grupo «posologia» (p<0,001), tendo maior score a anticoagulação em toma única, e o grupo «duração do tratamento» (p=0,016), com maior score a anticoagulação há mais de 12 meses.

 

 

Tendo em consideração a diferença estatisticamente significativa detetada para o score de qualidade de vida nos grupos NOAC versus AVK foi realizada análise subsequente para perceber como se distribuem as restantes variáveis em estudo nestes dois grupos. Como evidenciado no Quadro I, não existem diferenças estatisticamente significativas para as variáveis «género», «idade», «escolaridade» e «situação profissional». Em relação às variáveis «posologia» (p<0,001) e «tempo de tratamento» (p=0,016) não se pode assumir a independência destas variáveis com o tipo de anticoagulação.

Relativamente aos domínios avaliados no questionário DASS, verificou-se que os utentes medicados com NOAC apresentaram melhor qualidade de vida no que respeita a limitação (18,4 vs 29,0, p<0,001), inconveniência (14,8 vs 22,6, p<0,001) e impacto positivo do tratamento (17,5 vs 20,1, p<0,001), sendo essas diferenças estatisticamente significativas em todos os domínios (Quadro IV).

 

 

Discussão

O presente estudo avaliou a relação entre o tipo de ACO e a qualidade de vida dos utentes com idade igual ou superior a 65 anos, com diagnóstico de FA não valvular e acompanhados nos CSP. Neste sentido, foi aplicado um questionário de qualidade de vida orientado para a utilização de anticoagulantes - Duke Anticoagulation Satisfaction Scale - onde foram avaliados três domínios: limitação do tratamento, problemas/custos do tratamento e impacto positivo do tratamento. A associação entre qualidade de vida e variáveis clínicas e sociodemográficas foi também analisada.

De acordo com a pesquisa dos autores, este é o primeiro estudo nacional a avaliar qualidade de vida em utentes medicados com ACO no contexto dos CSP. Outros autores avaliaram, indiretamente, os anos de vida ganhos ajustados pela qualidade e associados à terapêutica com anticoagulantes em Portugal, mas numa perspetiva de custo-efetividade.15 Na literatura encontram-se também trabalhos com o objetivo de avaliar a terapêutica antitrombótica na FA; no entanto, com intuito de avaliação da prevalência, sem menção à qualidade de vida.16-17 A nível internacional, alguns estudos avaliaram a relação entre qualidade de vida e terapêutica anticoagulante, apesar de não fazerem uma comparação entre NOAC e AVK. Desde logo, enumeram-se não só os estudos que validaram o questionário DASS,11-13 como também estudos que utilizaram esta ferramenta para avaliar qualidade de vida em utentes anticoagulados em contexto hospitalar18-19 e em contexto não hospitalar.20

Como principal resultado deste estudo verificou-se haver uma associação estatisticamente significativa entre qualidade de vida e o tipo de terapêutica anticoagulante, sendo a qualidade de vida superior nos utentes medicados com NOAC. Estes utentes apresentam menos limitações com o tratamento, menos inconveniências e impacto mais positivo na terapêutica. De realçar que o valor médio de qualidade de vida (59,2 ± 25,1), calculado independentemente das variáveis analisadas, apresenta a mesma ordem de grandeza do reportado em estudos prévios.18-20 De igual forma, na literatura19-20 também não se identificou associação significativa entre qualidade de vida e as restantes variáveis em estudo: sexo, idade, escolaridade e situação profissional. As variáveis «posologia» e «tempo de tratamento» devem ser interpretadas com particular atenção, dado não se poder assumir a independência destas com a variável «tipo de anticoagulação». Ou seja, apesar de se ter verificado que os utentes que faziam duas tomas diárias de anticoagulante apresentaram melhor qualidade de vida comparando com os utentes que faziam somente uma toma diária (53,3 ± 23,7 versus 62,1 ± 25,3), este resultado relaciona-se provavelmente com o facto da maioria dos utentes que realizam duas tomas diárias serem medicados com NOAC (n=88, NOAC versus n=8, AVK), sendo, portanto, um viés de distribuição assimétrica dos utentes pelos grupos NOAC versus AVK. Este mesmo viés deve ser considerado quando se avalia a associação entre a variável «tempo de tratamento» e qualidade de vida.

Os autores consideram que este estudo contribui para a decisão clínica relativamente à escolha da terapêutica da FA. À eficácia terapêutica, melhor perfil de segurança e relação custo-eficácia21 dos NOAC acrescenta-se um padrão de qualidade de vida favorável. Como principais pontos fortes deste trabalho, os autores destacam o facto de ser um estudo inovador no contexto nacional dos CSP, realizado com uma amostra substancial de utentes inscritos em diversas unidades de saúde e cujas características sociodemográficas globalmente se aproximam das reportadas a nível nacional pelo estudo FAMA3 e SAFIRA.22

Como principais limitações deste estudo, os autores apontam o facto de ter sido utilizada uma ferramenta não validada para o contexto dos CSP Portugueses, apesar de ser um questionário validado para a língua Portuguesa do Brasil.13 Também o facto de a amostra ser constituída por indivíduos que aceitaram o convite para participar pode, em última instância, representar um viés de seleção de pessoas mais recetivas a cuidados de saúde. O facto de a seleção dos utentes se basear no registo clínico, e não em novos casos de FA diagnosticados, poder-se-á traduzir num viés de informação de registo. De ressalvar também que, apesar dos investigadores tentarem uniformizar a entrevista, deve-se considerar um possível viés, uma vez que as entrevistas foram realizadas por investigadores diferentes. Por fim, os resultados apresentados devem ter em conta o baixo nível de escolaridade dos utentes da nossa amostra. Como referido por Mielck e colaboradores,23 utentes com menor grau de escolaridade enfrentam um problema duplo no que concerne à gestão da doença: por um lado, apresentam maior incidência de problemas de saúde; por outro lado, apresentam níveis de qualidade de vida mais baixos quando a sua saúde está comprometida. Assim, é expectável que as diferenças aqui reportadas na qualidade de vida entre utentes a realizar NOAC versus AVK possam estar, de alguma forma, esbatidas tendo em conta uma menor expectativa face à gestão da doença e potencial de qualidade de vida a atingir.

Conclusão

O presente estudo permite concluir que a qualidade de vida dos utentes com idade igual ou superior a 65 anos, diagnosticados com FA não valvular, é influenciada pela escolha do tipo de anticoagulante, sendo o NOAC associado a melhor qualidade de vida versus AVK. Não foram identificadas outras variáveis neste estudo que influenciem a qualidade de vida.

Estes resultados devem, no entanto, ser interpretados com ponderação, considerando tratar-se de um estudo observacional com algumas limitações inerentes. Assim, os autores consideram que são necessários mais estudos que avaliem a qualidade de vida em doentes com FA não valvular anticoagulados, no sentido de averiguar o impacto atribuível aos diferentes tipos de ACO.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Filipe Cerca

E-mail: jfcerca@arsnorte.min-saude.pt

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Eurotrials o apoio na análise estatística dos resultados e à Merck, Sharp & Dohme (MSD) pelo financiamento da consultoria estatística como parte do projeto Clinical Lab.

 

Recebido em 28-09-2019

Aceite para publicação em 16-11-2019

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