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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versión impresa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.35 no.4 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v35i4.12231 

ESTUDOS ORIGINAIS

Perfil de suscetibilidade aos antibióticos na infeção urinária dos residentes em estruturas residenciais para idosos

Susceptibility profile to antibiotics that cause urinary tract infections of the elderly in nursing homes

Rui Passadouro,1 Raquel Fonseca,2 Felícia Figueiredo,3 Maria Tomáz,4 Isabel Craveiro5

1. Médico Assistente Graduado de Saúde Pública. ACeS Pinhal Litoral, ciTechCare, Leiria.

2. Médica Interna de Anestesiologia. Centro Hospitalar de Leiria.

3. Professora de Matemática. Agrupamento de Escolas Domingos Sequeira, Leiria.

4. Farmacêutica. Laboratório de Análises Clínicas Beatriz Godinho, Leiria.

5. Farmacêutica e Especialista em Farmácia Hospitalar. ACeS Pinhal Litoral, Leiria.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Objetivo: Determinar os padrões de suscetibilidade aos antibióticos e a prevalência de enterobactérias produtoras de beta-lactamases de espectro alargado (ESBL) dos isolados bacterianos de uroculturas positivas colhidas em estruturas residenciais para idosos (ERPI).

Tipo de estudo: Observacional e descritivo, com uma componente analítica.

Local: ACeS Pinhal Litoral e laboratórios de análises clínicas da sua área de influência.

Amostra: Resultados de uroculturas de amostra de urina colhidas entre junho de 2014 e junho de 2016 em 51 ERPI dos concelhos de Alcobaça, Batalha, Caldas da Rainha, Figueira da Foz, Leiria, Ourém, Pombal e Rio Maior.

Métodos: O isolamento, contagem e identificação das bactérias foi executado através do meio Gelose chromID CPS ou Vitek 2 (bioMérieux). Os resultados foram classificados em suscetível (S) e resistente (R). Utilizaram-se os testes estatísticos qui-quadrado (χ2) e o teste t. Aceitou-se um erro alfa de 0,05.

Resultados: E. coli foi a bactéria mais prevalente na amostra (48,2%), seguida pela K. pneumoniae (18,7%) e P. mirabilis (10,6%). A percentagem de enterobactérias produtoras de ESBL foi de 27,0%. A fosfomicina apresentou elevada eficácia para E. coli (86,6%). A amoxicilina-ácido clavulânico apresentou um nível de eficácia de 81,5% para P. mirabilis. As quinolonas apresentaram eficácia de 40,4%, 36,9% e 40,5%, respetivamente para E. coli, K. pneumoniae e P. mirabilis.

Conclusões: Foi encontrado um nível elevado de resistência aos antibióticos. No ambulatório tornam-se escassas as opções terapêuticas para o tratamento das infeções complicadas do trato urinário cujo agente infecioso seja E. coli ou K. pneumoniae.

Palavras-chave: Infeção urinária; Resistência aos antibióticos; Lar de idosos; Enterobactérias produtoras de β-lactamases de largo espectro.


 

ABSTRACT

Objective: This study aims to determine the susceptibility patterns in response to the antibiotics and the prevalence of Enterobacteriaceae that secrete ESBL from the bacterial isolates of positive urine cultures, collected from nursing homes residents.

Design: An observational and descriptive study, with an analytical component.

Local: ACeS Pinhal Litoral and laboratories of clinical analysis of the area of influence.

Population: Results of urine sample cultures collected between June 2014 and June 2016 in 51 ERPI of the municipalities of Alcobaça, Batalha, Caldas da Rainha, Figueira da Foz, Leiria, Ourém, Pombal and Rio Maior.

Methods: Isolation, counting, and identification of the bacteria were performed through Gelose chromID CPS or Vitek 2 (bioMérieux). The results were classified as susceptible (S) and resistant (R). Used chi-square (χ2) and t-test. α=0.05.

Results: E. coli was the most prevalent bacterium in the sample (48.2%), followed by K. pneumoniae (18.7%) and P. mirabilis (10.6%). The percentage of enterobacteria ESBL producer was 27.0%. Fosfomycin showed high efficacy for E. coli (86.6%). Amoxicillin-clavulanic acid had an 81.5% efficacy level for P. mirabilis. The quinolones presented efficacy of 40.4%, 36.9%, and 40.5%, respectively for E. coli, K. pneumoniae, and P. mirabilis.

Conclusions: A high level of antibiotic resistance was found. In the outpatient clinic, the treatment of complicated urinary tract infections by E. coli or K. pneumoniae has given the available therapeutic options is difficult.

Keywords: Urinary tract infections; Antibiotic resistance; Nursing homes; ESBL.


 

Introdução

O crescente aumento da resistência aos antibióticos representa um grave problema para a saúde pública mundial1-2 com impacto no custo dos cuidados e na segurança do doente,3 dependendo do nível de resistência, do tipo de infeção e das alternativas terapêuticas eficazes.4

A resistência aos antibióticos é um fenómeno natural agravado por múltiplos fatores, assumindo o consumo inadequado de antibióticos um papel determinante.2,5-7 Relativamente à sua utilização, a Europa comporta-se de acordo com um gradiente crescente norte-sul,1,8 encontrando-se Portugal entre os países com maior consumo.1,9 Esse consumo pode produzir não só uma maior resistência aos antibióticos a nível individual, mas também ao nível da comunidade e mesmo da região ou do país.8

Por outro lado, as infeções do trato urinário (ITU) são o tipo de infeção bacteriana mais frequente, sejam estas adquiridas nos hospitais, na comunidade ou nas estruturas residenciais para idosos (ERPI).10-12 A prevalência das ITU não complicadas aumenta com a idade,13-14 sendo que cerca de 50 a 60% das mulheres sofrem uma ITU durante a vida.15-16 Os gérmenes mais prevalentes nestas infeções são as bactérias aeróbias gram-negativas, sendo a E. coli a responsável por cerca de 75-90% das infeções agudas do trato urinário, seguindo-se Staphylococcus, P. mirabilis, K. pneumoniae e P. aeruginosa.17-19

Os residentes nas ERPI têm um risco acrescido de infeção e colonização por bactérias multirresistentes devido à maior prevalência de fatores de risco, nomeadamente as feridas, outras comorbilidades, hospitalizações prévias e maior consumo de antibióticos,20 sendo as ITU as infeções bacterianas mais frequentes.11 Assim, dos 65 aos 70 anos ocorre um aumento da incidência de ITU entre 2 a 4%, podendo ser superior a 22% depois dos 80 anos.21-22

Os gérmenes mais prevalentes nas ITU destes doentes continuam a ser as bactérias aeróbias gram-negativas, sendo a E. coli responsável por cerca de 64% dos casos, seguida do E. faecalis, K. pneumoniae e P. mirabilis.18,23 A taxa de resistência aos antibióticos é elevada nos residentes em ERPI.20,23-24 A prevalência de enterobactérias produtoras de β-lactamases de largo espectro (ESBL), nomeadamente em E. coli e K. pneumoniae, situa-se entre 6,8 e 11%.25-28 Em doentes com infeção nosocomial contraída em meio hospitalar, em Portugal, foi encontrada uma prevalência de enterobactérias produtoras de ESBL de 15,5%, sendo 3,1% de E. coli, 18,0% de K. pneumoniae e 49,4% de E. aerogenes.29 Sabendo que a produção de ESBL é o principal mecanismo de resistência aos antibióticos β-lactâmicos, na família das Enterobacteriaceae, nomeadamente em E. coli e K pneumoniae,30 e atendendo à sua emergência mundial, é fundamental a realização de estudos epidemiológicos que a caracterizem.

Assim, a presente investigação teve como objetivos: i) avaliar o perfil de suscetibilidade aos antimicrobianos dos principais agentes infeciosos das ITU adquiridas nas ERPI; ii) determinar a prevalência de enterobactérias produtoras de ESBL.

Material e Métodos

Para o cumprimento dos objetivos propostos optou-se por um estudo observacional e descritivo, com uma componente analítica, no qual foram observados os resultados laboratoriais das uroculturas efetuadas pelo laboratório de maior implantação na região Centro de Portugal. A amostra é constituída por 1.044 uroculturas positivas (> 105 unidades formadores de colónias - UFC) de amostras de urina colhidas, em condições de assepsia, entre junho de 2014 e junho de 2016 em 51 ERPI dos concelhos de Alcobaça, Batalha, Caldas da Rainha, Figueira da Foz, Leiria, Ourém, Pombal e Rio Maior.

Considerando a definição de infeção do CDC,31 foram incluídos no estudo, apenas, os doentes com manifestação clínica da doença, de forma a afastar a condição de colonização, sendo que 3,5% eram doentes algaliados.

O isolamento, contagem e identificação de E. coli, Enterococcus, K. pneumoniae, Enterobacter, Serratia, Citrobacter, P. mirabilis, Providencia e Morganella (Proteeae) foi executado através do meio Gelose chromID CPS (bioMérieux), com incubação a 37 °C durante 18 a 24 horas. Quando este método não permitiu a identificação utilizou-se o Vitek 2 (bioMérieux). Os antibiogramas foram executados através do sistema automatizado VITEK 2, utilizando as cartas adequadas.32 Foram excluídas as amostras com mais do que um gérmen identificado.

De acordo com a metodologia do European Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing,33 os resultados foram classificados em suscetíveis (S) e resistentes (R), sendo o resultado intermédio classificado como resistente. A suscetibilidade aos antibióticos foi avaliada para os cinco gérmenes mais prevalentes.

Calculou-se a probabilidade, por sexo, de falência da terapêutica empírica, ou seja, a proporção de amostras cujos isolados bacterianos eram resistentes a determinado antibiótico no total das uroculturas.

Utilizou-se a aplicação Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para o tratamento dos dados e os testes estatísticos qui-quadrado (c2) e teste t. Relativamente à região de rejeição utilizou-se o nível de significância α=0,05, com um intervalo de confiança de 95%.

Resultados

A amostra foi constituída por 1.044 uroculturas positivas, sendo 683 (65,4%) colhidas em mulheres e 361 (34,6%) em homens.

A média de idades foi de 82,3 anos (±8,9), com um mínimo de 46 e um máximo de 100 anos, sendo 83,2 (±8,1) nas mulheres e 80,6 (±9,9) anos nos homens [t(1.016)=4,37, p<0,01].

A distribuição da amostra de uroculturas positivas por grupo etário (Figura 1) foi superior entre os 85 a 94 anos (42,2%), seguida dos 75 a 84 anos (35,7%).

 

 

A bactéria predominante foi a E. coli, com 48,2%, seguida da K. pneumoniae com 18,7%, P. mirabilis com 10,6%, P. aeruginosa com 6,0% e P. stuartii com 5,2% (Quadro I).

 

 

Considerando a distribuição das cinco bactérias mais prevalentes (E. coli, K. pneumoniae, P. mirabilis, P. aeruginosa e P. stuartii), que representaram 88,5% da amostra, verificou-se que a sua prevalência variava segundo o grupo etário. No entanto, a E. coli continuou a ser a mais prevalente em todos os grupos etários, seguida da K. pneumoniae (Quadro II).

 

 

A suscetibilidade aos antibióticos foi avaliada para as cinco bactérias mais prevalentes. As estirpes de E. coli foram suscetíveis em 86,6% à fosfomicina, 97,0% à nitrofurantoína, 73,2% à gentamicina, 54,3% a cefuroxima axetil e 100% ao imipenem. Relativamente à associação amoxicilina+ácido clavulânico e à ciprofloxacina, a suscetibilidade foi de 53,79% e 40,4%, respetivamente (Quadro III).

 

 

A K. pneumoniae apresentou (Quadro III) uma percentagem de suscetibilidade elevada ao imipenem (99,5%). Apresentou suscetibilidade de 66,2% à gentamicina e 89,0% à cefoxitina. O P. mirabilis apresentou uma percentagem de suscetibilidade elevada à cefotaxima (98,1%), à associação amoxicilina+ácido clavulânico (81,5%) e à cefuroxima (93,5%).

A P. aeruginosa apresentou 88,7% das estirpes suscetíveis à amicacina, 88,9% à gentamicina e 47,6% à ciprofloxacina. Em relação à P. stuartii apresentou 100% de suscetibilidade à cefotaxima e à ceftazidima, 98,1% à cefoxitina e 96,3% ao imipenem. As estirpes de E. coli, K. pneumonia e P. mirabilis apresentaram taxa de suscetibilidade de 86,6%, 67,0% e 75,7%, respetivamente, à fosfomicina (Quadro III).

Calculou-se o risco de falência da terapêutica empírica das ITU dos residentes em ERPI (Quadro IV) considerando as cinco bactérias mais frequentes: E. coli, K. pneumoniae, P. mirabilis, P. aeruginosa e P. stuartii.

 

 

Verificou-se que o risco era maior nos homens, exceto no caso do uso da ceftazidima em que a diferença não era significativa (p>0,05). Focando a análise nas formulações orais dos antibióticos mais usados em ambulatório verificou-se que o risco de falência da amoxicilina+ácido clavulânico era de 43,2% para as mulheres e de 61,3% para os homens (p<0,01), da cefuroxima axetil era de 39,1% para as mulheres e de 58,4% para os homens (p<0,01) e, para a ciprofloxacina, era de 56,3% para as mulheres e de 68,3% para os homens (p<0,01).

A produção de ESBL foi observada em 40,6% das enterobactérias isoladas nas uroculturas, correspondendo a 36,9% das E. coli e a 50,0% das K. pneumoniae (Quadro V), sendo esta diferença significativa [c2(1)=9,91; p<0,01)]. Relativamente à distribuição por sexo, 64,5% eram do sexo feminino e 35,5% do sexo masculino [c2(1)=14,57; p<0,01)]. No total da amostra, a percentagem encontrada de enterobactérias produtoras de ESBL foi de 27,0% (282/1.044).

 

 

A percentagem de bactérias suscetíveis aos antibióticos era superior naquelas não produtoras de ESBL, quer para a E. coli quer para a K. pneumoniae (p<0,01), com exceção da nitrofurantoína para E. Coli (p>0,05) e para a fosfomicina no caso da K. pneumoniae (p>0,05) (Quadro V), em que não se registou diferença significativa.

Discussão

Foi possível identificar algumas limitações no presente estudo, nomeadamente na constituição da amostra. Foi consultada a base de dados de apenas um laboratório da comunidade; no entanto, este tem uma grande cobertura da área territorial, incidindo o estudo em 51 ERPI, onde foram colhidas 1.044 amostras de urina.

Apesar de se incluírem apenas uroculturas provenientes de ERPI e de doentes com sinais clínicos de doenças, não foi possível identificar as comorbilidades nem em que circunstâncias tinham sido prescritas, se após insucesso terapêutico se previamente ao tratamento da infeção, especificamente no homem, nas infeções complicadas ou recidivantes da mulher adulta e na pielonefrite. Não foi possível identificar há quanto tempo se encontravam institucionalizados.

A amostra em estudo foi constituída essencialmente por mulheres (65,4%), situação concordante com a bibliografia disponível.16,18,23

Das E. coli 35,5% eram produtoras de ESBL e, relativamente à K. pneumoniae, essa proporção era de 50,0%. A percentagem de bactérias produtoras de ESBL, na presente amostra, foi de 27,0%. Esta prevalência foi superior à referida na literatura consultada, que refere valores entre 6,8 e 15,5%,25-26,28 mas mais próxima da encontrada, em 2014, em amostras colhidas de doentes em salas de emergência.34

Apesar de a bactéria mais prevalente ter sido a E. coli (48,2%), a sua prevalência era inferior à encontrada em outras amostras colhidas em ERPI, que se situava entre 65% e 71%.23,35 No entanto, se atendermos à sua prevalência no sexo feminino (72,2%), esse valor fica mais aproximado da evidência encontrada na literatura referida.

A K. pneumoniae (18,7%), a P. mirabilis (10,6%) e a P. aeruginosa (6%), pelo contrário, tinham uma prevalência superior à encontrada nos mesmos estudos. Esta situação tem impacto decisivo na seleção da antibioterapia empírica, já que esta se baseia no conhecimento da prevalência relativa das bactérias responsáveis pela infeção.

O nível de resistência aos antibióticos é outro dos fatores a considerar na seleção da terapêutica, provavelmente o mais decisivo, pelo que importa conhecer os padrões de resistência e de suscetibilidade de uma determinada região.18,36

A E. coli apresentava, in vitro, percentagem de suscetibilidade elevada à fosfomicina (86,6%) e nitrofurantoina (97,0%). Uma vez que a nitrofurantoina exige cuidados especiais quando prescrita a idosos, pode a fosfomicina representar uma opção valiosa nas ITU não complicadas, atendendo à emergência das resistências aos antibióticos.19 Por outro lado, a percentagem de estirpes suscetíveis às quinolonas, representadas pela ciprofloxacina (40,4%), era inferior à encontrada noutros estudos,19,23 sendo considerada muito baixa, o que poderá justificar-se quer pela presença de E. Coli produtora de ESBL, em que o nível de suscetibilidade era apenas de 1,6%, quer por outro tipo de resistências associadas ao seu uso excessivo,1,9 inviabilizando a seleção das quinolonas para tratamento das ITU neste tipo de doentes. Ainda relativamente à E. coli, considerando as cefalosporinas de 2ª e 3ª geração, verificaram-se níveis de suscetibilidade entre 54,3% (cefuroxima axetil) e 78,6% (cefoxitina), sendo apenas esta última opção na terapêutica da E. coli em ERPI. Mais uma vez, estes níveis de suscetibilidade poderão estar relacionados com a produção de ESBL, uma vez que estirpes produtoras de ESBL apresentam maior resistência que as não produtoras.

A K. pneumoniae, com uma prevalência de 18,7% nas ITU, apresentava níveis de suscetibilidade baixos para os antibióticos testados, com exceção da cefoxitina (89%) e imipenem (99,5%). Estes níveis baixos de suscetibilidade, que vão no sentido do aumento da prevalência das estirpes resistentes nos últimos anos,2 parecem estar relacionados também com a presença de estirpes produtoras de ESBL (52,5%), já que os níveis de suscetibilidade eram significativamente inferiores (p<0,05) relativamente às não produtoras.

O P. mirabilis representava 10,6% do total dos isolados, mas 14,3% acima dos 95 anos. Apresentava uma baixa percentagem de suscetibilidade à ciprofloxacina (40,5%), que não deve ser opção para terapêutica empírica, mas elevada suscetibilidade à amoxicilina+ácido clavulânico (81,5%) e à cefuroxima axetil (93,5%). O P. mirabilis era suscetível à ceftazidima e à cefotaxima em 95,5% e 98,1% dos isolados, respetivamente. Os níveis de suscetibilidade encontrados nestes doentes, residentes em ERPI, são sobreponíveis aos encontrados em doentes da comunidade num estudo efetuado na mesma região em 2014.18

Relativamente ao risco da falência da terapêutica empírica, segundo o sexo, verifica-se que é significativamente maior para os homens do que para as mulheres, com exceção da ceftazidima, onde esse risco é de 29,4% para as mulheres e de 35,4% para os homens (p>0,05). O maior nível de resistência aos antibióticos em ITU em idoso do sexo masculino também foi verificado noutros estudos;23 no entanto, carece de validação externa mais alargada devido à variabilidade das resistências segundo o local, o tipo de doentes e suas comorbilidades. Ainda assim, existe plausibilidade para o achado, se se considerarem as comorbilidades associadas aos idosos do sexo masculino, nomeadamente as associadas ao uso das sondas vesicais, frequentes neste grupo etário.37-40

As ESBL têm a particularidade de não serem ativas contra as cefamicinas, de que é exemplo a cefoxitina.41 No presente estudo esta característica não se confirmou, nem com a E. coli nem com a K. pneumoniae, existindo diferença significativa de suscetibilidade (p<0,05) entre estirpes produtoras e não produtoras de ESBL, o que supõe a existência de outros mecanismos de resistência.

Conclusões

As bactérias mais frequentes nas ITU dos residentes em ERPI eram a E. coli (48,2%), seguida da K. pneumoniae (18,7%) e do P. mirabilis (10,6%). A prevalência de enterobactérias produtoras de ESBL era de 27,0%, sendo que 36,9% das E. coli e 50,0% das K. pneumoniae eram produtoras de ESBL.

O risco de falência da terapêutica empírica das ITU, devida a resistência, era superior nos homens, relativamente às formulações orais dos antibióticos testados e disponíveis em ambulatório, nomeadamente amoxicilina+ácido clavulânico, cefuroxima axetil e ciprofloxacina. Por outro lado, a fosfomicina, que apresentava um risco de falência, por resistência, de 21,0% nas mulheres, pode ser uma alternativa válida nas ITU não complicadas.

Em termos globais e atendendo à indisponibilidade, no ambulatório em Portugal, de antibióticos com formulações injetáveis, são escassas as opções terapêuticas para o tratamento das ITU complicadas cujo agente infecioso seja E. coli ou K. pneumoniae, uma vez que a percentagem de isolados suscetíveis aos antibióticos disponíveis em ambulatório era inferior a 60,0%.

Salienta-se, ainda, que tanto a nitrofurantoína como a fosfomicina não têm penetração parenquimatosa, pelo que não são apropriadas ao tratamento de infeções altas (pielonefrites) ou infeções prostáticas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Rui Passadouro

E-mail: rmfonseca@arscentro.min-saude.pt

 

Agradecimentos

Ao Laboratório de Análises Clínicas Beatriz Godinho pela cedência dos dados.

Comissão de ética

Parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde da ARS Centro.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter garantido a confidencialidade e o anonimato dos participantes.

Conflito de interesses

Os autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

Financiamento

Os autores declaram não ter recebido subsídios ou bolsas para a elaboração do artigo.

 

Recebido em 30-09-2017

Aceite para publicação em 24-04-2019

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