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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.35 no.1 Lisboa fev. 2019

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v35i1.11818 

ARTIGO BREVE

Abordagem da halitose nos cuidados de saúde primários: proposta de um protocolo de atuação

Management of halitosis in primary health care: a proposed clinical practice protocol

Inês Pereira,1 Sónia Marcelo,2 Suzete André,3 Nuno Lousan4

1 Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. USF Terras de Souza - ACeS Tâmega II/Vale do Sousa Sul.

2 Médica Assistente de Medicina Geral e Familiar. USF Terras de Souza - ACeS Tâmega II/Vale do Sousa Sul.

3 Médica Assistente Hospitalar em Otorrinolaringologia. Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E.

4 Diretor do Serviço de Otorrinolaringologia. Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, E.P.E.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Objetivos: A halitose, apesar de ser um sintoma com prevalência desconhecida, é um motivo muito frequente de consulta na medicina geral e familiar. O objetivo desta revisão foi criar uma proposta de protocolo de atuação para a abordagem da halitose nos cuidados de saúde primários.

Fontes de dados: Efetuou-se pesquisa na base de dados PubMed/MEDLINE.

Discussão: Realizou-se uma revisão da temática divida nos seguintes subtítulos: epidemiologia; classificação; etiologia; fisiopatologia; diagnóstico; e abordagem.

Conclusões: A queixa de halitose é multifacetada na etiologia, devendo a sua abordagem ser multifatorial. Um protocolo de atuação simples nos cuidados de saúde primários poderá orientar uma avaliação completa desta condição, através de uma ana-mnese baseada na evidência, um exame físico detalhado e uma referenciação adequada aos cuidados de saúde secundários.

Palavras-chave: Halitose; Cuidados de saúde primários; Protocolo de atuação.


 

ABSTRACT

Objectives: Despite being a symptom of unknown prevalence, halitosis is a very frequent reason for encounter in general practice. The objective of this review was to create a proposed clinical practice protocol for the management of halitosis in Primary Health Care.

Data sources: We conducted research the PubMed/MEDLINE database.

Discussion: We conducted a review of the theme divided in the following subheadings: epidemiology; classification; etiology; physiopathology; diagnosis; and management.

Conclusions: Halitosis is multifaceted complaint, and its management must be multifactorial. A simple clinical practice protocol for primary health care can guide the thorough evaluation of this condition through an evidence-based anamnesis, a detailed physical examination, and an appropriate referral to secondary care.

Keywords: Halitosis; Primary health care; Clinical practice protocol


 

Introdução

A palavra halitose deriva da conjugação dos termos em latim halitus (ar expirado) e osis (alteração patológica), sendo usada para descrever qualquer odor desagradável no ar expirado.1-2 Esta queixa, muitas vezes motivo de consulta na medicina geral e familiar, é outras tantas desvalorizada.1-2 É, como tal, importante avaliar corretamente este sintoma, a fim de providenciar uma adequada orientação. O objetivo desta revisão foi criar uma proposta de um protocolo de atuação para a abordagem da halitose nos cuidados de saúde primários.

Fontes de dados

Efetuou-se pesquisa bibliográfica na base de dados eletrónica PubMed/MEDLINE, utilizando o termo MeSH halitosis, selecionando artigos de revisão nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa, publicados entre 1 de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2015. Obtiveram-se 82 artigos, dos quais se excluíram 67 pelo título e/ou pelo abstract, por não estarem relacionados com o tema em questão, tendo sido revistos 15.

Discussão

Epidemiologia

A prevalência da halitose é desconhecida, variando nos diversos estudos analisados.3-5 Esta discrepância poderá resultar de uma variabilidade na perceção dos odores entre indivíduos de diferentes culturas e etnias, de uma ausência de uniformidade na avaliação da queixa e/ou de uma disparidade entre uma halitose autopercebida e uma halitose clinicamente detetada.3-5 É sabido não existir uma relação entre este sintoma e o género e a idade.3-5

Classificação

Apesar de não existir uma classificação formal para a halitose, este sintoma pode definir-se clinicamente em três tipos: halitose genuína, pseudo-halitose e halitofobia.5-6,8

A halitose genuína classifica-se em dois tipos clínicos: halitose fisiológica (também denominada de halitose matinal) e halitose patológica (subdividida, por sua vez, em halitose oral e halitose extra-oral).5-6,8

A pseudo-halitose refere-se à queixa subjetiva de halitose, sem a existência objetiva da mesma.5-6,8

A halitofobia designa a queixa subjetiva de halitose após o tratamento de uma halitose genuína ou uma pseudo-halitose sem a existência, porém, ao exame físico, de sinais objetivos de halitose.5-6,8 Pensa-se que possa estar associada a uma perturbação psiquiátrica, como um delírio ou uma hipocondria monossintomática.5-6,8

Etiologia

A halitose genuína patológica tem uma etiologia oral (ou relacionada) em 87% dos casos e uma etiologia extra-oral em 13% dos casos.4-8,10 No Quadro I são expostas detalhadamente as causas de halitose genuína patológica (oral, otorrinolaringológica e extra-oral).4-8,10

 

 

Fisiopatologia

A fisiopatologia da halitose genuína patológica está, ainda, pouco estudada.5-6

A patogénese exata da halitose genuína patológica oral é desconhecida.5-6 Pensa-se que possa estar relacionada com uma interação complexa entre proteínas (presentes em sangue do sulco gengival e restos alimentares, saliva e células, localizados, sobretudo, no dorso posterior da língua e em bolsas periodontais) e microrganismos proteolíticos anaeróbios Gram-negativos e um Gram-positivo (o Stomatococcus mucilaginus é o único Gram-positivo associado a esta condição), que origina uma putrefação microbiana com consequente produção de compostos voláteis de enxofre, diaminas e ácidos gordos de cadeia curta.5-6

A fisiopatologia da halitose genuína patológica extra-oral é ainda menos conhecida.5-6 Pensa-se que possa ter uma origem não hematogénica, cujos odores implicados não estão, ainda, claramente identificados, ou uma origem hematogénica, mais estudada, na qual os compostos voláteis são gerados em qualquer região do organismo, viajam para os pulmões através do sistema vascular, penetram nos alvéolos pelas trocas gasosas e saem do corpo por exalação.5-6

Diagnóstico

O diagnóstico de halitose deve basear-se numa anamnese detalhada, num exame físico completo e numa referenciação adequada, sempre que se justifique, aos cuidados de saúde secundários.5,8-9,11-13

Na colheita da anamnese, para uma avaliação minuciosa do sintoma, devem ser perguntadas todas as questões relativas à história da doença atual e à história médica e familiar passada do doente (Quadro II).5,9,11-14

 

 

O exame físico orientado para o sintoma inclui duas vertentes: uma subjetiva e outra objetiva.5,7-9,11-13

A vertente subjetiva do exame físico consiste na avaliação organolética.5,7-9,11-13 Uma avaliação organolética adequada implica a presença de um examinado e de um examinador, que cumpram determinados pressupostos antes da sua realização.5,7-9,11-13 O examinador deverá abster-se do consumo de café, chá ou sumo e cessar o uso de tabaco.5,7-9,11-13 Por sua vez, o examinado deverá: estar em abstinência tabágica pelo menos nas doze horas anteriores; não consumir alho, cebola e/ou alimentos picantes nos três dias anteriores; permanecer em jejum nas três horas anteriores; não usar perfume e/ou outros cosméticos no dia anterior; não escovar os dentes nas três horas anteriores; não usar colutório bucal no dia da avaliação; não usar métodos de viés (gomas, pastilhas, sprays aromatizados) no dia da avaliação; não realizar terapêutica antibiótica nas três semanas anteriores; e não utilizar cosméticos perfumados.5,7-9,11-13 Após o cumprimento destes pressupostos, o examinador deve cheirar o ar exalado (pela boca e pelo nariz) do examinado e avaliar subjetivamente o odor percebido numa escala padronizada.5,7-9,11-13 Esta escala classifica o odor inalado de 0 a 5: o grau 0 determina a ausência de odor; o grau 1 determina um odor dificilmente detetável; o grau 2 determina um odor ligeiro; o grau 3 determina um odor moderado; o grau 4 determina um odor forte; e o grau 5 determina um odor extremamente forte. Existem diversos testes organoléticos, que são apresentados no Quadro III.5,7-9,11-13 Estes testes têm a vantagem de poderem ser realizados a um custo acessível, não necessitarem de equipamento específico e detetarem uma vasta gama de odores; como desvantagem destaca-se a subjetividade dos mesmos, inerente ao facto de serem examinador-dependentes, sendo a sua quantificação e a sua reprodutibilidade difíceis.5,7-9,11-13

 

 

A vertente objetiva do exame físico assenta em testes instrumentais.5,7-9,11-13 Atualmente, a cromatografia gasosa e o monitor de sulfetos são os mais utilizados.5,7-8,11-13 A cromatografia gasosa permite a medição objetiva, reprodutível e fiável de compostos voláteis de enxofre, diaminas e ácidos gordos de cadeia curta.5,7-9,11-13 O monitor de sulfetos permite a medição relativamente precisa apenas de compostos voláteis de enxofre.5,7-9,11-13 O teste BANA (benzoil-arginina-naftilamida), os sensores químicos, a quantificação da atividade da β-galactosidase, o teste da saliva, o monitor de amónia, o método da ninidrina e a reação em cadeia de polimerase são outros testes com valor científico e prático ainda por estabelecer.5,7-9,11-13 Apesar de rigorosos, os testes instrumentais não são usados geralmente na prática clínica de rotina por serem dispendiosos, morosos, exigirem profissionais altamente treinados e terem pouca aplicabilidade no tratamento da halitose.5,7-9,11-13

A referenciação aos cuidados de saúde secundários deverá ser feita sempre que necessário e adequada à anamnese colhida e ao exame físico em questão, podendo ser usado, como guia de orientação da queixa de halitose, o fluxograma apresentado na Figura 1.5,8-9,11-13

 

 

Abordagem

A abordagem da halitose deve ser holística, dependendo dos fatores causais.4-5,8-10,15 Esta abordagem consiste numa educação para a saúde apropriada, associada a alteração dietética (com evicção de alimentos odoríferos), métodos cosméticos para mascarar o odor (como gomas, pastilhas e sprays aromatizados) e referenciação adequada para o tratamento de eventuais distúrbios subjacentes.4-5,8-10,15 A educação para a saúde deve atentar numa higiene oral rigorosa e numa revisão odontológica regular; para a higiene oral podem ser usados métodos mecânicos (como escovagem, fio dentário, limpeza suave e regular da língua e limpeza de prótese) e químicos (como colutórios bucais antibacterianos à base de clorexidina, triclosana, bifásicos com óleo e água, cloreto de cetilpiridínio e dióxido de cloro, em associação com metais neutros de zinco e dentífricos com fluoreto estanhoso ou hexametafosfato de sódio estabilizado).4-5,8-10,15

Outras abordagens permanecem em estudo, ainda com valor clínico por estabelecer: bactérias probióticas (Streptococcus salivarius K12, Lactobacillus salivarius WB21, Weisella cibaria), fotossensibilização letal com iluminação halógena com 0,05% de azul metileno e chá verde.4-5,8-10,15

Conclusões

A queixa de halitose é multifacetada na etiologia, devendo a sua abordagem ser multifatorial.11-13 Um protocolo de atuação simples nos cuidados de saúde primários poderá orientar uma avaliação completa desta condição, através de uma anamnese baseada na evidência, um exame físico detalhado e uma referenciação adequada aos cuidados de saúde secundários.11-13 Um fluxograma para uma investigação clínica racional poderá ser usado como guia, a fim de minimizar os custos desnecessários envolvidos no diagnóstico e no tratamento da halitose.11-13 Uma atualização à proposta de protocolo apresentada deverá ser feita sempre que nova evidência assim a determine.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

E-mail: insspereira@hotmail.com

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não ter conflitos de interesses.

 

Recebido em 28-07-2016

Aceite para publicação em 20-04-2018

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