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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.34 no.6 Lisboa dez. 2018

https://doi.org/10.1111/jmwh.12472 

CLUBE DE LEITURA

Probióticos: haverá algum benefício no tratamento e prevenção das infeções urogenitais na mulher adulta?

Probiotics: is there any benefit in the treatment and prevention of urogenital infections in adult women?

Sara Carmona*, Raquel Sanches*,Maria Carolina Ferreira*, Maria Gouveia*

*Médicos Internos em Medicina Geral e Familiar. USF S. Julião


 

Introdução

As infeções urogenitais são um problema frequente na mulher adulta, sendo fundamental a redução dos episódios recorrentes e da utilização de agentes antimicrobianos pelos custos associados, potenciais efeitos adversos e desenvolvimento de resistências. Atendendo à importância do equilíbrio da microflora vaginal na patogénese destas infeções, a utilização de probióticos poderá ser útil no seu tratamento e prevenção.

Objetivo

A revisão sistemática em análise pretende avaliar a eficácia dos probióticos no tratamento e prevenção de infeções urogenitais comuns na mulher adulta.

Métodos

Esta revisão sistemática foi conduzida segundo as recomendações PRISMA (Preferred Reporting for Systematic Reviews and Meta-Analyses). A pesquisa bibliográfica foi feita recorrendo a bases de dados eletrónicas (CINAHL, MEDLINE, Cochrane Central Register of Controled Trials, Web of Science, Dissertations and Theses e Alt-HealthWatch) e manualmente, através da consulta das referências dos artigos selecionados e de outros que cumprissem alguns, mas não todos, os critérios de elegibilidade. Selecionaram-se estudos quantitativos, publicados em inglês, entre 1 de janeiro de 2008 e 30 de junho de 2015, que avaliassem a eficácia de preparações de probióticos, incluindo, pelo menos, uma estirpe de Lactobacillus no tratamento e/ou prevenção das infeções urogenitais mais comuns na mulher adulta: vaginose bacteriana (VB), candidíase vulvovaginal (CV), infeção do trato urinário (ITU) e infeção pelo vírus do papiloma humano (HPV). Excluíram-se os estudos que incluíssem grávidas ou mulheres com diagnóstico de diabetes mellitus, neoplasia ou infeção pelo vírus da imunodeficiência humana. A heterogeneidade dos estudos não permitiu a análise estatística, optando-se pela avaliação qualitativa. O risco de viés dos ensaios clínicos aleatorizados (ECA) foi determinado segundo os critérios da Cochrane e todos os trabalhos foram avaliados, de acordo com as recomendações da Agency for Healthcare Research and Quality, considerando a consistência dos resultados, a causalidade e a precisão. Os autores combinaram estes dois sistemas, classificando os estudos, de acordo com a sua qualidade global, como: bom (baixo risco de viés, resultados consistentes, atribuíveis ou não à intervenção e reprodutíveis); razoável (alguma variabilidade nos critérios analisados); fraco (alto risco de viés, resultados inconsistentes, relação dúbia com a intervenção e imprecisos).

Resultados

Incluíram-se na análise final 20 estudos: 14 ECA, um estudo quasi-experimental com grupo controlo (EQEC), dois estudos de coorte (EC) e três estudos de grupo único (EGU). Relativamente à qualidade global, quatro estudos foram classificados como bons, nove como razoáveis e sete como fracos. Verificou-se grande heterogeneidade entre amostras, preparações e métodos utilizados. Assim, a avaliação da eficácia dos probióticos foi feita considerando os critérios definidos por cada estudo para cada tipo de infeção. A maioria dos estudos incluiu mulheres em pré-menopausa, apenas três estudos (dois sobre VB e um sobre CV) avaliaram mulheres em pré- e pós-menopausa e um trabalho sobre ITU avaliou exclusivamente mulheres em pós-menopausa. Todas as preparações de probióticos incluíram pelo menos uma estirpe de Lactobacillus e a comparação foi feita com terapêutica standard ou placebo, tendo o probiótico sido utilizado concomitantemente com a terapêutica standard ou isoladamente após terapêutica standard.

A força de evidência (FE) dos resultados encontrados foi adaptada das recomendações da Agency for Healthcare Research and Quality, classificando-se em: elevada, moderada ou baixa.

1) Vaginose bacteriana. Catorze estudos avaliaram a eficácia dos probióticos no tratamento e/ou prevenção da VB. Verificou-se um aumento da taxa de cura e redução da pontuação no score de Nugent (FE moderada). Observou-se uma diminuição do número de recorrências e o aumento do tempo para nova recorrência (FE baixa). Verificou-se ainda a redução do pH vaginal e da expressão de citocinas pró-inflamatórias (FE baixa).

2) Candidíase vulvovaginal. Três estudos avaliaram a eficácia dos probióticos no tratamento desta infeção, não se verificando benefício nas situações agudas. Porém, em dois destes estudos observou-se uma redução significativa das recorrências (FE baixa).

3) Infeções urogenitais mistas. Um ECA de fraca qualidade constatou que a administração de probiótico em mulheres com VB, CV ou ambas, resultou no aumento da população de bactérias produtoras de ácido lático e na melhoria dos sintomas (FE baixa).

4) Infeção do trato urinário. Dois ECA de boa qualidade sugerem a redução do número de recorrências associado à utilização de probióticos (FE moderada). Um destes estudos verificou a diminuição do desenvolvimento de resistências no grupo sujeito ao probiótico. 

5) Infeção por HPV. Um EQEC piloto, de fraca qualidade, mostrou a clearance significativa das lesões pavimentosas de baixo grau (LSIL), secundária à utilização de uma preparação de L. casei Shirota, embora sem impacto na expressão viral (FE baixa).

Os efeitos adversos dos probióticos foram monitorizados em 13 estudos. Não se verificou um aumento significativo da sua incidência face ao grupo controlo e não foram relatados efeitos adversos graves.

Comentário

A pertinência deste tema justifica-se, não só pela frequência das infeções urogenitais estudadas e suas consequências na saúde da mulher, como também pelo interesse crescente da comunidade científica e população acerca da utilização de probióticos.1-2 Relativamente à qualidade metodológica desta revisão considera-se que não existem falhas graves. Foram seguidas orientações internacionais validadas na sua realização; no entanto, a abrangência dos critérios de inclusão poderá ter contribuído para a heterogeneidade dos estudos avaliados. Por outro lado, o facto de esta ser uma avaliação qualitativa constituiu um desafio para a análise de resultados e estabelecimento de conclusões.

Na microflora vaginal saudável predominam os Lactobacillus, tanto na mulher em fase reprodutiva como na mulher pós-menopausa sob terapêutica hormonal, e a sua depleção favorece o aparecimento de infeções.1-2 Neste contexto, os probióticos surgem como uma potencial alternativa aos antimicrobianos, ou como terapêutica adjuvante, decorrendo os seus benefícios da acidificação da mucosa, prevenção da adesão e translocação bacteriana, produção de vitaminas e outros imunomoduladores, e sinergismo com o sistema imunitário do hospedeiro.1-2 Estas preparações, administradas por via oral ou vaginal, poderão contribuir para a diminuição das resistências aos antimicrobianos, diminuição do número de recorrências e aumento da qualidade de vida das mulheres.3 Apesar de parecerem uma alternativa segura, os seus efeitos adversos incluem lactobacilemia, endocardite infeciosa e abcesso hepático, embora estes ocorram raramente e apenas em mulheres imunodeprimidas ou com doenças consumptivas.2,4-5 Outros efeitos relatados, de menor gravidade, são: diarreia, náuseas, vómitos, obstipação e sintomas vaginais.3 Na revisão sistemática em análise não são referidos efeitos adversos graves, relatando-se apenas uma desistência associada à utilização de uma preparação de L. rhamnosus administrada por via vaginal (efeito adverso minor).

A revisão analisada sugere o benefício dos probióticos no tratamento da VB (FE moderada) e diminuição das recorrências (FE baixa). No caso da CV não se demonstrou a eficácia dos probióticos no tratamento das situações agudas, mas parece haver uma redução dos episódios de recorrência (FE baixa). A par destes dados, outros autores referem a eficácia da terapêutica adjuvante com probióticos na prevenção de recorrências e no tratamento da VB e da CV.6-7 Relativamente à posição de instituições nacionais e internacionais refere-se que a Sociedade Portuguesa de Ginecologia recomenda o uso de probióticos em mulheres com CV recorrente (mais de três episódios/ano) e naquelas com contraindicação ou efeitos adversos da terapêutica anti-fúngica.2 No caso da VB é referida a melhoria na taxa de cura quando associados a terapêutica específica.2 A Sociedade Espanhola de Obstetrícia e Ginecologia refere um efeito benéfico dos probióticos na profilaxia da VB, recomendando a prescrição de Lactobacillus por via vaginal em doentes com alto risco de recorrência de CV.8 Já a Sociedade de Obstetras e Ginecologistas do Canadá considera que a evidência atual sobre a eficácia dos probióticos na VB é limitada.9

Além do estudo referido na revisão em análise, não foram encontrados outros estudos que avaliassem o efeito de probióticos em infeções urogenitais mistas.

Relativamente às ITU, esta revisão sugere a diminuição dos episódios de recorrência secundária à utilização de probióticos, embora num dos trabalhos analisados tal só se tenha demonstrado em ITU não complicada. Estes dados são corroborados por outras revisões com qualidade de evidência baixa a moderada.3 Porém, uma meta-análise publicada pela Cochrane sobre o uso de probióticos na prevenção de ITU em adultos e crianças não mostrou benefício significativo, embora os estudos incluídos fossem de baixa qualidade e com alto risco de viés.10

O único estudo incluído sobre HPV, em que foi utilizada uma preparação de L. casei Shirota, mostra resultados positivos na clearance de LSIL, mas não na diminuição da expressão viral. Um outro estudo associa a presença de L. gasseri com a aceleração da clearance de infeções HPV incidentais. Esta espécie, assim como L. crispatus, mostrou ser citotóxica para células cervicais infetadas com HPV-18.11

Embora não seja possível fazer recomendações clínicas com base nas evidências encontradas, é consensual que os probióticos são uma alternativa prometedora, sobretudo na prevenção de recorrências de infeções urogenitais. São necessários estudos adicionais, aleatorizados, bem desenhados, com metodologias standardizadas e com amostras de maiores dimensões para validar os resultados encontrados, confirmar os benefícios dos probióticos e definir qual a frequência, duração e via de administração ideais, assim como o probiótico mais eficaz.1,3,6-8,10-11

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hanson L, VandeVusse L, Jermé M, Abad CL, Safdar N. Probiotics for treatment and prevention of urogenital infections in women: a systematic review. J Midwifery Womens Health. 2016;61(3):339-55.         [ Links ]

2. Águas F, Silva DP, editors. Revisão dos consensos em infecções vulvovaginais, 2012: reunião da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, Hotel Vila Galé, Ericeira, 16-17 de março de 2012. Lisboa: Jasfarma; 2012.         [ Links ]

3. Chisholm AH. Probiotics in preventing recurrent urinary tract infections in women: a literature review. Urol Nurs. 2015;35(1):18-21,29.         [ Links ]

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8. Cancelo Hidalgo MJ, Beltrán Vaquero D, Calaf Alsina J, Arias-Camisón FC, Cano Sánchez A, Guerra Guirao JA, et al. Protocolo Sociedad Española de Ginecología y Obstetricia de diagnóstico y tratamiento de las infecciones vulvovaginales: protocolo actualizado en 2012 [The protocol of the Spanish Society of Obstetrics and Gynecology for the diagnosis and treatment of vulvovaginal infection: update 2012]. Prog Obstet Ginecol. 2013;56(5):278-84. Spanish

9. van Schalkwyk J, Yudin MH. Vulvovaginitis: screening for and management of trichomoniasis, vulvovaginal candidiasis, and bacterial vaginosis. J Obstet Gynaecol Can. 2015;37(3):266-74.         [ Links ]

10. Schwenger EM, Tejani AM, Loewen PS. Probiotics for preventing urinary tract infections in adults and children (review). Cochrane Database Syst Rev. 2015;(12):CD008772.         [ Links ]

11. Mitra A, MacIntyre DA, Marchesi JR, Lee YS, Bennett PR, Kyrgiou M. The vaginal microbiota, human papillomavirus infection and cervical intraepithelial neoplasia: what do we know and where are we going next? Microbiome. 2016;4(1):58.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

As autoras declaram não ter conflito de interesses.

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