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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.34 no.1 Lisboa fev. 2018

 

CLUBE DE LEITURA

Vitamina D, a nova arma contra as infeções respiratórias agudas

Vitamin D, the new weapon against acute respiratory infections

Vanessa Moreira*

*USF Prado, ACeS Cávado II


 

Martineau AR, Jolliffe DA, Hooper RL, Greenberg L, Aloia JF, Bergman P, et al. Vitamin D supplementation to prevent acute respiratory tract infections: systematic review and meta-analysis of individual participant data. BMJ. 2017;356:i6583. doi: 10.1136/bmj.i6583

Introdução

As infeções agudas do trato respiratório são uma causa de morbimortalidade elevada em todo o mundo. Estudos observacionais demonstraram de forma consistente associação independente entre baixas concentrações de 25-hidroxicolecalciferol e o aumento da suscetibilidade a infeções respiratórias agudas. A vitamina D e seus metabolitos induzem a produção de peptídeos antimicrobianos contra vírus e bactérias e estimulam a resposta antimicrobiana inata. Estes dados levaram ao desenvolvimento de estudos para determinar se a suplementação com vitamina D reduziria o risco de infeções respiratórias agudas. Todavia, a heterogeneidade das características dos participantes e dos regimes de suplementação demonstraram resultados inconclusivos sobre o efeito da suplementação da vitamina D. Neste contexto realizou-se uma revisão sistemática e uma meta-análise utilizando os dados individualizados dos diferentes participantes nos diferentes estudos, para avaliar o efeito da suplementação de vitamina D no risco de desenvolvimento de infeções respiratórias agudas. Adicionalmente pretendeu-se identificar fatores modificadores deste efeito.

Métodos

Pesquisa bibliográfica nas bases de dados MEDLINE, EMBASE, BIOSIS, LILACS, Pascal, Science Citation Index, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Database of Abstracts of Reviews of Effects e Health Technology Assessment Database até 31 de dezembro de 2015, utilizando os termos Asthma; Humans; Pulmonary Disease, Chronic Obstructive; Respiratory Tract Infections; Vitamin D. A qualidade dos estudos avaliou-se com base nas considerações GRADE. Na meta-análise analisaram-se as variáveis: critérios de elegibilidade, detalhes dos regimes de intervenção e de controlo, duração do estudo, definições de casos para infeção aguda do trato respiratório, idade, sexo, raça, estado de vacinação contra influenza, história de asma, história de doença pulmonar obstrutiva crónica, peso, altura/comprimento, concentração sérica de 25-hidroxicolecalciferol, número total de infeções do trato respiratório agudo, tempo decorrido da primeira dose de vitamina D até à primeira infeção aguda do trato respiratório, número total de antibióticos administrados para tratamento da infeção aguda do trato respiratório, número total de dias de abstinência laboral/escolar por sintomas de infeção aguda do trato respiratório e reações adversas.

Resultados

Identificaram-se 532 estudos, dos quais 25 cumpriam os critérios de elegibilidade, totalizando 11.321 participantes entre os zero e os 95 anos, sendo obtidos os dados individuais de 96,6% do total de participantes.

A suplementação com vitamina D associa-se a redução do risco de infeção respiratória aguda em todos os participantes (OR: 0,88; IC95%, p=0,003). Não se observou efeito da suplementação no tempo decorrido até à primeira infeção (OR: 0,95; IC95%, p<0,001).

De forma a explorar as razões da heterogeneidade de respostas à vitamina D avaliou-se o nível basal sérico de 25-hidroxicolecalciferol, dose e frequência de administração de vitamina D, idade e índice de massa corporal, comorbilidades (asma e doença pulmonar obstrutiva crónica) e estado de vacinação contra influenza. O efeito protetor da suplementação com vitamina D verificou-se para indivíduos com níveis de 25-hidroxicolecalciferol <25nmol/L (OR: 0,58; IC95%; p=0,002), mas não para valores ≥25nmol/L (OR: 0,89; IC95%; p=0,15). O regime de administração diário ou semanal sem bólus revelou-se protetor de infeções respiratórias agudas independentemente do nível basal de 25-hidroxicolecalciferol (OR: 0,81; IC95%; p<0,001), enquanto a suplementação por bólus não se revelou protetora (OR: 0,97; IC95%; p=0,67), mesmo com níveis basais de 25-hidroxicolecalciferol <25nmol/L (OR: 0,82; IC95%; p=0,43). Todos os outros fatores avaliados não se revelaram estatisticamente significativos.

Quanto aos efeitos adversos não se verificou influência da suplementação (OR: 0,98; IC95%; p=0,83), confirmando os raros efeitos adversos que a suplementação com vitamina D apresenta.

Assim, identificaram-se, como fatores modificadores independentes da influência da suplementação de vitamina D no risco de infeções respiratórias agudas, o nível basal de vitamina D e a frequência de dosagem.

Conclusão

A suplementação diária ou semanal de vitamina D, sem bólus adicionais, diminui o risco de infeções agudas do trato respiratório, enquanto os regimes com doses de bólus não têm efeito protetor. Os benefícios da suplementação são maiores em indivíduos com deficiência de vitamina D, embora aqueles com concentrações mais elevadas de vitamina D também beneficiem da suplementação.

Comentário

As infeções respiratórias são um importante problema de saúde pública, apresentando-se como a terceira causa de mortalidade global.1 Deste modo, é importante o desenvolvimento de estratégias preventivas que abranjam uma multiplicidade de patogénicos.

A vitamina D influencia várias vias da resposta imune, nomeadamente a expressão de peptídeos antimicrobianos produzidos por neutrófilos, macrófagos e células epiteliais com potencial de neutralização de infeções virais e bacterianas, bem como a regulação da expressão de citoquinas inflamatórias.2-3 Estudos laboratoriais e observacionais têm documentado uma relação inversa entre a concentração de vitamina D e o desenvolvimento de infeções respiratórias, podendo a suplementação com vitamina D ser uma medida preventiva alternativa.2-4 Todavia, a demonstração clínica da redução de infeções respiratórias com a suplementação com vitamina D tem apresentado resultados inconclusivos.2 Uma das razões apontadas para estes resultados é a não contemplação da influência da via e dosagem de administração de vitamina D. Sabe-se que concentrações suprafisiológicas de vitamina D, através de um mecanismo de feedback negativo, bloqueiam a ativação da vitamina D sendo, deste modo, imunosupressoras.1,4

Este estudo apresenta elevado grau de validade interna pois, do ponto de vista metodológico, assegura que os dados dos diferentes estudos incluídos eram replicáveis e a sua qualidade foi avaliada de forma independente por dois investigadores utilizando a Cochrane Collaboration risk of bias tool. A validade externa é a característica inovadora desta revisão. Os investigadores incluíram os diferentes dados individuais dos participantes e realizaram a subanálise das evidências do efeito da vitamina D considerando uma vastidão de fatores confundidores de efeito, como: comorbilidades dos participantes, vacinação influenza, regimes de suplementação, níveis basais de vitamina D, idade, género, entre outros. Desde modo, os resultados apresentam maior plausibilidade de eficácia clínica.

Quanto aos resultados, a análise global dos dados não demonstrou eficácia da redução de infeções respiratórias agudas pela vitamina D. No entanto, quando subanalisados os dados, as conclusões são diferentes. Revelando que a dose de suplementação da vitamina D influencia a sua eficácia. Assim, as formulações diárias ou semanais demonstraram de forma consistente a diminuição do risco de infeções respiratórias agudas independentemente do nível basal de vitamina D, sendo que o efeito é máximo para níveis <25nmol/L. Ao incluir participantes com elevada heterogeneidade de características basais, este estudo apresenta-se representativo dos vários cenários de aplicação da suplementação, dando robustez ao benefício da suplementação em vários contextos clínicos.

O conceito de que a suplementação de vitamina D reduz as infeções respiratórias agudas é reforçado em estudos mais recentes.5-6 Uma revisão da Cochrane demonstra diminuição no número de exacerbações graves de asma, precipitadas por infeções virais do trato respiratório superior em indivíduos suplementados com vitamina D.5 Estudos com indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crónica suplementados com vitamina D também demonstraram menos exacerbações moderadas a severas por diminuição do número de infeções respiratórias.6

Em conclusão, a evidência do benefício da suplementação da vitamina D na redução do número de infeções respiratórias agudas está em crescimento. Deste modo, poderão surgir, num futuro próximo, novas orientações para a suplementação de vitamina D na prevenção de infeções respiratórias agudas em grupos de doentes vulneráveis para infeções respiratórias.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Jolliffe DA, Griffiths CJ, Martineau AR. Vitamin D in the prevention of acute respiratory infection: systematic review of clinical studies. J Steroid Biochem Mol Biol. 2013;136:321-9.         [ Links ]

2. Murdoch DR, Slow S, Chambers ST, Jennings LC, Stewart AW, Priest PC, et al. Effect of vitamin D3 supplementation on upper respiratory tract infections in healthy adults: the VIDARIS randomized controlled trial. JAMA. 2012;308(13):1333-9.         [ Links ]

3. Mao S, Huang S. Vitamin D supplementation and risk of respiratory tract infections: a meta-analysis of randomized controlled trials. Scand J Infect Dis. 2013;45(9):696-702.         [ Links ]

4. Bergman P, Lindh AU, Björkhem-Bergman L, Lindh JD. Vitamin D and respiratory tract infections: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. PLoS One. 2013;8(6):e65835.         [ Links ]

5. Martineau AR, Cates CJ, Urashima M, Jensen M, Griffiths AP, Nurmatov U, et al. Vitamin D for the management of asthma. Cochrane Database Syst Rev. 2016;9:CD011511.         [ Links ]

6. Martineau AR, James WY, Hooper RL, Barnes NC, Jolliffe DA, Greiller CL, et al. Vitamin D3 supplementation in patients with chronic obstructive pulmonary disease (ViDiCO): a multicentre, double-blind, randomised controlled trial. Lancet Respir Med. 2015;3(2):120-30.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter quaisquer conflitos de interesse.

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