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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.33 no.5 Lisboa out. 2017

 

CLUBE DE LEITURA

Descontinuar estatinas em doentes com espectativa de vida limitada?

Discontinue statin therapy in patients with limited life expectancy1

Daniela Carvalho Runa*, Ana Rita Domingues*

*USF AlphaMouro


 

Kutner JS, Blatchford PJ, Taylor DH Jr, Ritchie CS, Bull JH, Fairclough DL, et al. Safety and benefit of discontinuing statin therapy in the setting of advanced, life-limiting illness. JAMA Intern Med. 2015;175(5):691-700. doi: 10.1001/jamainternmed.2015.0289

Introdução

Pouco se sabe acerca dos riscos e benefícios da interrupção de terapêutica em doentes com prognóstico reservado e as estatinas são um exemplo disso. Este estudo pretendeu avaliar a segurança e o impacto clínico e financeiro da descontinuação de estatinas em doentes com necessidades paliativas.

Métodos

Trata-se de um ensaio clínico pragmático, multicêntrico, aleatorizado, com grupo de controlo e sem ocultação. Foram incluídos adultos (>18 anos) com esperança média de vida entre um mês a um ano, a fazer terapêutica com estatina durante, pelo menos, três meses para prevenção primária ou secundária de doença cardiovascular, deterioração recente do status funcional e sem doença cardiovascular ativa recente. Os doentes foram distribuídos aleatoriamente para suspender ou continuar o tratamento com estatinas e foram monitorizados mensalmente durante um ano. O estudo foi conduzido entre 3 de junho de 2011 e 2 de maio de 2013. Todas as análises foram realizadas com intenção-de-tratar e testada a hipótese de não inferioridade. As variáveis de resultado analisadas incluíram morte em 60 dias (objetivo primário), tempo de sobrevida e tempo para o primeiro evento cardiovascular, funcionalidade, qualidade de vida (QoL), presença de sintomas, número de medicamentos (exceto estatinas), efeitos adversos decorrentes da terapêutica com estatinas, satisfação com o serviço de saúde e custos.

Resultados

Foram avaliados 381 pacientes, 189 dos quais suspenderam estatinas e 192 continuaram a terapêutica. A média de idades foi de 74,1 anos (±11,6), 22,0% dos pacientes estavam cognitivamente debilitados e 48,8% tinham doença oncológica. A proporção dos participantes que morreu no período de 60 dias nos dois grupos de estudo (grupo que descontinuou vs. grupo que continuou terapêutica) não foi significativamente diferente (23,8% vs. 20,3%; IC90%, -3,5%-10,5%; P=0,36), mas a não inferioridade não foi verificada. A QoL total foi superior no grupo que descontinuou a terapêutica com estatinas (score=7,11 vs. 6,85; P=0,04). Alguns participantes sofreram eventos cardiovasculares (13 no grupo que descontinuou terapêutica vs. 11 no grupo que continuou a terapêutica). O número total de medicamentos (exceto estatinas) foi significativamente mais baixo no grupo que descontinuou (10,1 vs. 10,8 medicamentos; p=0,03). Verificou-se uma redução de custos de $ 3,37 por dia por participante e de $ 716,00 durante o período do estudo, representando um seguimento médio de 212,6 dias. Todos os restantes resultados em estudo não revelaram diferenças estatisticamente significativas.

Discussão/Conclusão

Este estudo sugere que a suspensão da terapêutica com estatinas pode ser segura nos doentes com doença terminal avançada com mais de um mês de esperança de vida mas menos de um ano e com deterioração significativa recente do estado funcional. Está também associada a uma melhor qualidade de vida, diminuição do número da prescrição de outros medicamentos, para além das estatinas, e redução, embora modesta, nos custos associados à terapêutica.

COMENTÁRIO

Nos doentes com prognóstico reservado, os benefícios esperados com o uso de estatinas devem ser avaliados e ponderados, principalmente quando estes requerem mais do que um ano a ser atingidos. A simplificação do regime terapêutico em fim de vida pode ter importância na saúde total do doente e cuidadores, devendo essa decisão ser centrada no doente, partilhada e informada.

O presente estudo tem a seu favor o facto de ser pragmático, conseguindo obter uma amostra representativa da população em estudo, bem como resultados da prática clínica do mundo real.2 Não foram aparentes diferenças significativas na mortalidade aos 60 dias nem na sobrevida geral dos doentes, mas não foi possível verificar a não inferioridade da suspensão de estatina em relação à sua manutenção, o que pode constituir uma dificuldade na decisão clínica, até porque houve necessidade de alterar o protocolo do estudo para poder atingir um tamanho amostral significativo.

A definição de caso para inclusão baseia-se numa estimativa de sobrevida, sujeita a subjetividade de avaliação que os autores não conseguiram resolver. O facto de o ensaio ter decorrido sem ocultação é outra limitação que pode ter influído nos resultados, até porque ao mesmo tempo que se parou a estatina se verificou também uma redução dos outros medicamentos prescritos. A inclusão de doentes foi aberta, após consentimento informado dos mesmos para a alteração clínica, o que é também um viés a considerar, mas os grupos eram homogéneos na caracterização inicial e esta parece não ser uma questão fundamental. A questão da alteração e simplificação terapêutica em doentes em fim de vida é uma questão muito importante. Muitas vezes a medicação é introduzida num determinado momento com um objetivo preventivo e há uma inércia que impede o repensar os objetivos e suspender os procedimentos. Mas mesmo ultrapassando esta inércia, é necessário saber se podemos suspender em segurança a medicação sem provocar instabilidade que possa de alguma forma colocar em risco a homeostasia já de si muito frágil destes doentes. Este estudo não é definitivo nas respostas que oferece, mas ajuda nesta definição ao propor que não haverá impacto significativo na paragem das estatinas nos doentes com doença avançada terminal. O maior mérito, no entanto, será obrigar os médicos a repensar qual a melhor atitude para o doente que, neste momento, tem objetivos de vida e de saúde que poderão não ser os mesmos da altura em que uma determinada medicação foi prescrita.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kutner JS, Blatchford PJ, Taylor DH Jr, Ritchie CS, Bull JH, Fairclough DL, et al. Safety and benefit of discontinuing statin therapy in the setting of advanced, life-limiting illness. JAMA Intern Med. 2015;175(5):691-700.         [ Links ]

2.  Roland M, Torgerson DJ. What are pragmatic trials? BMJ. 1998;316(7127):285.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

As autoras declaram não ter conflitos de interesse.

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