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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.33 no.5 Lisboa out. 2017

 

CLUBE DE LEITURA

Risco de enfarte do miocárdio, morte e diabetes em gémeos monozigóticos com índice de massa corporal diferente

Risks of myocardial infarction, death and diabetes in identical twin pairs with different body mass indexes

Joana Luis*

*USF Costa do Mar


 

Nordström P, Pedersen NL, Gustafson Y, Michaëlsson K, Nordström A. Risks of myocardial infarction, death and diabetes in identical twin pairs with different body mass indexes. JAMA Intern Med. 2016;176(10):1522-9. DOI: 10.1001/jamainternmed.2016.4104.

Introdução

Já há muito que a evidência mostrou que a obesidade é um fator de risco major para doença cardiovascular (DCV) e morte. No entanto, tem surgido alguma controvérsia com alguns estudos1-10 a mostrarem taxas de mortalidade superior e maior incidência de DCV e diabetes em indivíduos com índice de massa corporal (IMC) normal (18,5 a 24,9Kg/m2, segundo a definição da Organização Mundial da Saúde) comparativamente a indivíduos obesos (IMC ≥30). O papel da genética na associação entre obesidade, diabetes e DCV permanece desconhecido. Os gémeos monozigóticos são geneticamente idênticos, permitindo, assim, uma avaliação do risco associado a obesidade independente dos fatores genéticos.

O objetivo primário do estudo foi comparar o risco de enfarte do miocárdio (EM) e morte em gémeos monozigóticos com IMC diferente e o objetivo secundário foi comparar o risco de ocorrência de diabetes tipo 2.

Métodos

Recolheu-se informação a partir do Swedish Twin Registry,10 que incluiu informações de 44.820 gémeos, recolhidas por inquérito telefónico entre março de 1998 e janeiro/2003. Para esta análise aproveitaram os dados de 4.102 gémeos monozigóticos que reportaram informações completas e selecionaram-se 4.046 que apresentavam valores discordantes de IMC. Os dados iniciais foram complementados pela análise do Registo Nacional de Doentes. Só foram analisados os casos com dados completos.

Os participantes foram divididos no grupo do gémeo com menor IMC e do gémeo com maior IMC. A análise estatística foi feita pela regressão de Cox para análise de sobrevivência, tendo em atenção as variáveis de resultado: enfarte agudo do miocárdio, morte e o risco de desenvolver diabetes mellitus.

Resultados

A média (desvio-padrão) de idades no início do estudo foi 57,6 (±9,5) anos (intervalo de 41,9-91,8 anos), numa distribuição maioritariamente do sexo feminino (56,4%). Os gémeos com IMC superiores eram menos ativos fisicamente e menos fumadores comparativamente com os gémeos com IMC inferior em cada par. Não se detetaram outras diferenças nas características basais da população estudada.

Durante um período médio de seguimento de 12,4 (±2,5) anos, verificou-se um risco 25% inferior para a ocorrência de enfarte do miocárdio ou morte entre os grupos de gémeos com maior e com menor IMC (odds ratio [OR], 0,75; IC 95%, 0,63-0,91). Mesmo nos gémeos com IMC discordante em 7 ou mais kg/m2, o risco de EM ou morte não foi superior no gémeo mais pesado (OR, 0,42, IC 95%, 0,15-1,18). Na coorte total, o risco de diabetes foi superior nos gémeos mais pesados (OR 2,14; IC 95%, 1,61-2,84).

Discussão

Uma vez que os gémeos monozigóticos têm genoma idêntico, no presente estudo as diferenças no IMC resultaram de fatores ambientais e dos estilos de vida. Devem ser consideradas algumas limitações neste estudo: 1) a altura e o peso foram reportados pelos participantes do estudo (no entanto, de acordo com Dahl e colaboradores,11 os dados autorreportados não afetam os resultados); 2) não é possível tirar conclusões acerca do benefício de outras intervenções para redução de peso, como atividade física e cirurgia bariátrica; 3) não existe informação acerca do perímetro abdominal, que está mais relacionado com a gordura visceral13 e com o risco de DCV do que o IMC14; 4) não existe informação relativamente a outros potenciais fatores confundidores, como hipertensão arterial e dislipidémia; e 5) os resultados devem ser interpretados com cautela, dada a relativa pequena dimensão da amostra.

Os pontos fortes deste estudo são: 1) o facto de ser um estudo único, que permitiu avaliar os efeitos causais da obesidade na doença e na morte depois de ajustados os fatores genéticos; 2) a amostra de gémeos monozigóticos com informação em múltiplas co-variáveis; 3) poder ser aplicado a não gémeos, uma vez que outros estudos15 com gémeos já mostraram que o risco cumulativo de doenças tardias e morte não é diferente do risco em indivíduos não gémeos; e 4) as características da população estudada eram semelhantes às da população total sueca entre os 50 e 70 anos, e foi obtido um tamanho amostral razoável para permitir a extrapolação para a população geral nessa faixa etária.

Conclusão

Este estudo mostrou que, em gémeos monozigóticos, um IMC mais elevado não está associado a um risco superior de EM ou morte, mas ao aparecimento de diabetes. A associação entre a obesidade e a diabetes foi significativamente mais forte do que entre obesidade e EM e morte. Estes resultados podem indicar que as intervenções nos estilos de vida para redução da obesidade são mais efetivas na redução do risco de diabetes do que do risco de doença cardiovascular ou morte.

COMENTÁRIO

A obesidade atingiu, infelizmente, proporções epidémicas a nível global e já há muito que se reconhece a sua associação com a mortalidade por todas as causas e com o aparecimento de DCV. Apesar desta associação, alguns estudos1-6 mostraram que indivíduos com excesso de peso (IMC 25,0-29,9) ou obesidade ligeira (IMC 30.0-34.9) têm mortalidade inferior àqueles com peso normal, dando origem ao chamado «paradoxo da obesidade». Este efeito «protetor» do excesso de peso e até da obesidade ligeira foi maioritariamente observado em estudos com indivíduos idosos ou com DCV já estabelecida.3

Este estudo mostrou que, isolando os fatores genéticos e assim estudando a influência dos fatores ambientais e dos estilos de vida, os indivíduos com IMC mais elevado não apresentaram um risco superior de EM ou morte, mas de aparecimento de diabetes. Isto pode indicar que as intervenções nos estilos de vida para reduzir a obesidade podem ser mais eficazes na redução do risco de diabetes do que de DCV ou morte.

Quanto à relação entre a obesidade e diabetes tipo 2, à semelhança deste estudo, outros mostraram que as intervenções nos estilos de vida levaram a uma redução significativa do risco de diabetes.2

Este artigo traz esta controvérsia novamente à discussão, mas de uma forma única, ao isolar a influência dos fatores genéticos, estudando uma população de gémeos monozigóticos, permitindo assim perceber a influência dos estilos de vida, estes potencialmente preveníveis e tratáveis, e sobre os quais o médico de família pode atuar. Este é um tema bastante atual e importante na prática clínica em medicina geral e familiar, tendo em conta as características da população mundial atual.

Contudo, existem algumas limitações além das enumeradas pelos autores: a interferência de outras variáveis, nomeadamente o tabagismo – neste estudo, a sua prevalência era superior nos gémeos com IMC mais baixo, o que poderá ou não ter contribuído para o maior número de EM e de mortes neste grupo; e os resultados encontrados podem ser apenas aplicados às faixas etárias estudadas (intervalo dos 41,9 aos 91,8 anos). Também não está completamente discutida no artigo a questão da história natural da doença. Na realidade, podemos ter tido um tempo de seguimento muito curto para a avaliação do resultado enfarte do miocárdio ou morte, mas suficiente para avaliação do resultado diabetes mellitus. Isto significa que encontramos a diabetes associada à obesidade, mas não os restantes resultados. Mas a diabetes é fator de risco major para DCV e morte por todas as causas, pelo que um tempo de seguimento mais alargado teria provavelmente mostrado diferenças também nos outros resultados.

Sabemos que a prevenção primária assenta, cada vez mais, no aconselhamento para estilos de vida saudáveis, sendo esse realizado diariamente na consulta do médico de família. É importante também ter em conta a evidência atual acerca dos potenciais riscos da intervenção excessiva na perda de peso intencional, devendo esta ser feita de forma regrada.

Posto isto, há algumas questões que é importante considerar: será o IMC o melhor indicador na nossa prática para nos guiarmos na abordagem da obesidade? Deverá ser avaliada na nossa prática a massa gorda e a magra, tendo em conta que a redução na massa gorda é que tem sido associada a uma redução da mortalidade? Será necessário rever os valores limite de IMC na definição de obesidade, de acordo com o grupo etário?

Apesar da vasta investigação na área da DCV, é necessário mais conhecimento, pois se a atual epidemia da obesidade continuar, podemos brevemente começar a deparar-nos com uma redução na esperança média de vida. Por enquanto, devemos continuar a intervir na obesidade para prevenção primária e secundária, mas não devemos deixar de nos questionar e procurar mais informação neste campo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses

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