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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.33 no.1 Lisboa fev. 2017

 

CLUBE DE LEITURA

Associação entre os inibidores da bomba de protões e o risco de demência

Association of proton pump inhibitors with risk of dementia: a pharmacoepidemiological claims data analysis

Ana Viegas, Sara Nabais

Médicas Internas de Medicina Geral e Familiar, USF Conde de Oeiras, ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras


 

Gomm W, von Holt K, Thomé F, Broich K, Maier W, Fink A, et al. Association of proton pump inhibitors with risk of dementia: a pharmacoepidemiological claims data analysis. JAMA Neurol. 2016;73(4):410-6.

Introdução

Os fármacos que influenciam o risco de demência em idosos podem ser relevantes para a prevenção desta patologia. Os inibidores da bomba de protões (IBP) são amplamente utilizados para o tratamento de doenças gastrointestinais, mas também têm sido potencialmente implicados no declínio cognitivo.

O objetivo do estudo foi avaliar a associação entre o uso de IBP e o risco de demência em idosos.

Métodos

Foi realizado um estudo coorte retrospetivo, utilizando dados observacionais de 2004 a 2011 obtidos a partir da maior seguradora de saúde alemã - Allgemeine Ortskrankenkassen. Os diagnósticos dos pacientes internados e em ambulatório (codificados pela versão alemã da Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados com a saúde, 10ª revisão) e a prescrição de medicamentos (categorizados de acordo com o The Anatomical Therapeutic Chemical Classification System) estavam disponíveis trimestralmente. A análise dos dados foi realizada entre agosto e novembro de 2015.

A intervenção avaliada foi a prescrição de omeprazol, pantoprazol, esomeprazol ou rabeprazol.

O outcome primário foi o diagnóstico de demência. A associação entre o uso de IBP e o risco de demência foi analisada utilizando o modelo de regressão Cox dependente do tempo. O modelo foi ajustado para possíveis fatores de confundimento, incluindo a idade, sexo, comorbilidades (depressão, acidente vascular cerebral, doença cardíaca isquémica e diabetes) e polimedicação (definida como cinco ou mais fármacos adicionalmente ao IBP).

Resultados

Foram analisados um total de 73.679 participantes com idade igual ou superior a 75 anos e sem o diagnóstico de demência no início do estudo. Os pacientes que receberam a medicação com IBP de forma regular (n=2.950) apresentaram maior incidência de desenvolvimento de demência de forma estatisticamente significativa em comparação com os pacientes que não receberam medicação com IBP (n=70.729) (hazard ratio (IC 95% 1,36-1,52) 1,44; p<0,001).

Foram realizadas análises de subgrupos para os três IBP mais usados (omeprazol, pantoprazol e esomeprazol), tendo-se detetado risco semelhante com o uso de omeprazol e pantoprazol e um risco ligeiramente mais elevado com o uso de esomeprazol.

Conclusão

Este estudo aponta para um risco significativamente aumentado de demência com o uso de IBP, pelo que a evicção pode prevenir o desenvolvimento desta patologia. Esta conclusão é corroborada por análises farmacoepidemiológicas recentes e está de acordo com os achados em modelos animais nos quais a utilização de IBP aumentou os níveis de β-amiloide no cérebro de ratos (a sua deposição extracelular é uma das principais características patológicas da doença, originando danos inflamatórios e oxidativos que contribuem para a falência energética e disfunção sináptica). Contudo, são necessários ensaios clínicos prospetivos e randomizados para examinar esta associação com maior detalhe.

COMENTÁRIO

Os IBP são fármacos potentes no controlo da secreção gástrica, atuando através da inibição da enzima H-K-ATPase presente nas células parietais do estômago. Esta classe foi introduzida no mercado na década de 19801 e é amplamente utilizada na prática clínica atual.

Os IBP são habitualmente percecionados como medicamentos eficazes, seguros e com poucos efeitos adversos, sendo amplamente comercializados. No entanto, apenas algumas situações específicas justificam a sua utilização a longo prazo, como a doença do refluxo gastroesofágico com necessidade de tratamento de manutenção, a profilaxia de úlceras duodenais e gástricas benignas associadas aos anti-inflamatórios não esteróides e a síndroma de Zollinger-Ellison.2

O perfil de segurança de um fármaco e as suas interações medicamentosas devem ser sempre avaliados, particularmente quando o seu uso é prolongado. As preocupações inerentes aos IBP foram recentemente expressas no boletim terapêutico da ARSLVT e advêm dos seus efeitos prolongados de hipocloridria, hipergastrinémia e da possível associação com atrofia gástrica. Alguns estudos alertam também para o risco de alterações na absorção, de complicações infecciosas e de nefrite intersticial aguda.2

O estudo em discussão não é o primeiro a reportar uma associação significativa entre a utilização de IBP e o risco de demência. Um estudo de 2014 também identificou o uso de IBP como potencial fator de risco para a demência.3 Tendo em conta a prevalência desta patologia e a sua incidência crescente, particularmente após os 65 anos, é muito importante identificar possíveis fatores de risco modificáveis e desenvolver estratégias para a sua prevenção.

O mecanismo através do qual os IBP podem influenciar o desenvolvimento de demência ainda não está esclarecido. Uma explicação proposta para esta associação, com base em diversos ensaios pré-clínicos, identifica como fatores biológicos plausíveis: os IBP atravessarem a barreira hematoencefálica e promoverem o aumento dos níveis de β-amiloide no cérebro;4 a modulação da sua degradação;5 e a promoção da formação de agregados anómalos de proteína TAU.6 Adicionalmente, a má absorção de vitamina B12 e de outros nutrientes, inerentes à hipocloridria prolongada, também parecem potenciar um declínio cognitivo.7

Este estudo selecionou apenas alguns fatores de confundimento, não tendo em conta alguns fatores de risco já conhecidos para a demência. Relativamente à polimedicação é necessário ter em conta que os idosos estão frequentemente polimedicados e que o número de fármacos pode ser um indicador da extensão de doença e das suas comorbilidades. Para além disso, vários fármacos poderão estar associados ao uso de IBP e ao risco de demência.8 Outra limitação importante foi a colheita de dados ser realizada posteriormente através de uma base de dados, o que influencia a qualidade do diagnóstico desta patologia.

A população idosa apresenta uma elevada utilização de medicação de uso prolongado, que nem sempre é revista e reajustada de forma regular. Adicionalmente, apresenta também maior risco de vir a desenvolver demência. Desta forma, uma medida efetiva para a prevenção primária (redução do risco de demência) é a deteção de fatores de risco nesta população. Esta problemática deverá então ser ponderada no decorrer da prática clínica, realizando uma avaliação cuidada das alterações cognitivas previamente à escolha e revisão de fármacos amplamente utilizados pelos idosos.

Tal como os autores reconhecem, e apesar dos dados deste estudo sugerirem uma associação entre o uso de IBP e o risco de demência, são necessários outros trabalhos que, ultrapassando as limitações referidas, a confirmem ou não. A determinação das causas desta eventual associação também carece de mais investigação. Não obstante, este estudo alerta-nos para o potencial risco do uso prolongado de um tipo de medicação comum e prevalente nos utentes dos cuidados de saúde primários.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Wolfe MM. Overview and comparison of the proton pump inhibitors for the treatment of acid-related disorders (Internet). In: UpToDate. Waltham, MA: UpToDate; 2013 (updated 2016 Jun 2). Available from: http://www.uptodate.com/contents/overview-and-comparison-of-the-proton-pump-inhibitors-for-the-treatment-of-acid-related-disorders?source=search_result&search=proton+pump+inhibitors+for+the+treatment+of+acid-related+disorders&selectedTitle=1%7E150

2. Comissão de Farmácia e Terapêutica da ARSLVT. Serão os inibidores da bomba de protões fármacos seguros a longo prazo? Bol Terapêutico (Internet). 2016;(1). Available from: http://www.arslvt.min-saude.pt/uploads/document/file/2518/Boletim_IBP_Jan2016.pdf

3. Haenisch B, von Holt K, Wiese B, Prokein J, Lange C, Ernst A, et al. Risk of dementia in elderly patients with the use of proton pump inhibitors. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2015;265(5):419-28.         [ Links ]

4. Badiola N, Alcalde V, Pujol A, Münter LM, Multhaup G, Lleó A, et al. The proton-pump inhibitor lansoprazole enhances amyloid beta production. PLoS One. 2013;8(3):e58837.         [ Links ]

5. Fallahzadeh MK, Borhani Haghighi A, Namazi MR. Proton pump inhibitors: predisposers to Alzheimer disease? J Clin Pharm Ther. 2010;35(2):125-6.         [ Links ]

6. Rojo LE, Alzate-Morales J, Saavedra IN, Davies P, Maccioni RB. Selective interaction of lansoprazole and astemizole with tau polymers: potential new clinical use in diagnosis of Alzheimer’s disease. J Alzheimers Dis. 2010;19(2):573-89.         [ Links ]

7. Lam JR, Schneider JL, Zhao W, Corley DA. Proton pump inhibitor and histamine 2 receptor antagonist use and vitamin B12 deficiency. JAMA. 2013;310(22):2435-42.         [ Links ]

8. Kuller LH. Do proton pump inhibitors increase the risk of dementia? JAMA Neurol. 2016;73(4):379-81.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

As autoras declaram não possuir qualquer conflito de interesse.

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