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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.33 no.1 Lisboa fev. 2017

 

CLUBE DE LEITURA

Dieta mediterrânica: vale a pena aderir?

The mediterranean diet: is it worth it?

Bruno Santos Maia, Filipe Ribeiro de Melo, Pedro Miranda

Médicos Internos de Medicina Geral e Familiar, USF Eça de Queirós, ACES Póvoa de Varzim/Vila do Conde


 

Bloomfield HE, Koeller E, Greer N, MacDonald R, Kane R, Wilt TJ. Effects on health outcomes of a Mediterranean diet with no restriction on fat intake: a systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med. 2016;165(7):491-500.

Introdução

A literatura sugere que a dieta mediterrânica pode ser mais saudável do que as típicas dietas ocidentais. O objetivo desta revisão sistemática e meta-análise é sumariar o efeito da dieta mediterrânica sem restrição da ingestão de gordura em comparação com outras dietas nos ganhos em saúde em adultos.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados Ovid MEDLINE, CINAHL e Cochrane Library de estudos primários e revisões sistemáticas publicados entre 1990 e abril de 2016. Foram incluídos ensaios clínicos controlados com 100 ou mais participantes e com período de seguimento de, pelo menos, um ano para a mortalidade total, doença cardiovascular, hipertensão, diabetes e adesão à dieta, assim como estudos de coorte com as mesmas características para o cancro e qualidade de vida. Foram também incluídos ensaios controlados e estudos de coorte sem número mínimo de participantes ou período de seguimento para artrite reumatóide e disfunção cognitiva. Os dados foram extraídos por um investigador e verificados por outro. Dois revisores avaliaram o risco de viés e a força da evidência.

Resultados

Dois ensaios de prevenção primária não encontraram diferenças na mortalidade por qualquer causa. Um grande ensaio de prevenção primária observou que a dieta mediterrânica resultou em menor incidência de eventos cardiovasculares major (hazard ratio (HR) 0,71; intervalo de confiança (IC) 95% 0,56 a 0,90), cancro da mama (HR 0,43; IC 95% 0,21 a 0,88) e diabetes (HR 0,70; IC 95% 0,54 a 0,92). A análise combinada dos estudos de coorte de prevenção primária demonstrou que o quantil mais alto de adesão à dieta mediterrânica, em comparação com o quantil mais baixo, estava associado à redução da mortalidade total por cancro (risk ratio (RR) 0,86; IC 95% 0,82 a 0,91) e da incidência total de cancro (RR 0,96; IC 95% 0,95 a 0,97; 3 estudos) e de cancro colorretal (RR 0,91; IC 95% 0,84 a 0,98; 9 estudos). Dos três estudos de prevenção secundária de doença cardiovascular, um encontrou um risco mais baixo para enfarte do miocárdio recorrente e morte cardiovascular com a dieta mediterrânica. A evidência foi inconsistente, mínima ou inexistente para os restantes resultados, incluindo a adesão à dieta, hipertensão, função cognitiva, doença renal, artrite reumatoide e qualidade de vida.

Conclusões

A evidência limitada sugere que a dieta mediterrânica sem restrição da ingestão de gordura poderá reduzir a incidência de eventos cardiovasculares, cancro da mama e diabetes mellitus tipo 2, mas poderá não afetar a mortalidade por qualquer causa.

Comentário

A dieta mediterrânica foi descrita nos anos 50 pelo investigador norte-americano Ancel Keys ao verificar que, nos países da bacia do Mediterrâneo, a incidência de doença coronária era menor apesar do consumo elevado de gordura.1 Esta relação despertou o interesse do investigador e da comunidade médica e científica, tendo concluído que se deveria ao tipo de alimentação, em particular à utilização do azeite como fonte de gordura monoinsaturada. O interesse pela dieta mediterrânica renasceu há pouco mais de uma década com a publicação de um grande estudo de coorte com adultos gregos que observou que a maior adesão a esta dieta estava associada a uma redução significativa da mortalidade total.2

Desde então têm sido publicados vários estudos primários e secundários para avaliar os benefícios para a saúde da dieta mediterrânica, apesar de a definição desta variar entre os estudos.3 A dieta mediterrânica tradicional é caracterizada pelo consumo elevado de hortofrutícolas, cereais integrais e leguminosas, utilização do azeite como principal gordura alimentar, consumo baixo a moderado de lacticínios (sobretudo fermentados), baixo consumo de carnes vermelhas e vinho consumido com moderação às refeições.4

Os autores desta revisão sistemática definiram dieta mediterrânica como aquela que incluía pelo menos dois dos componentes descritos anteriormente, como na revisão da Cochrane sobre prevenção primária das doenças cardiovasculares.5 Ao contrário desta, os autores acrescentaram ainda sem restrição da ingestão de gordura por considerarem que reflete melhor o conceito atual desta dieta. O estudo PREDIMED, um ensaio multicêntrico em Espanha, apoia esta ideia pois a adesão à dieta mediterrânica, com uma ingestão de gordura correspondente a 40% da ingestão energética total, reduziu a incidência de eventos cardiovasculares major.6

Para além da definição heterogénea da dieta e seus componentes, os autores identificaram um risco médio de viés para muitos estudos e a força da evidência foi baixa ou insuficiente para os resultados. Esta última deve-se, em parte, aos poucos ensaios clínicos disponíveis. A maioria da evidência dos ganhos em saúde da dieta mediterrânica advém de estudos observacionais, os quais tendem a demonstrar associações mais significativas. Por exemplo, uma meta-análise recente de estudos observacionais demonstrou, de forma consistente, uma associação inversa entre a adesão à dieta mediterrânica e a mortalidade por cancro e o risco de vários tipos de cancro.7

Outros pontos que permanecem por esclarecer são quais são os mecanismos subjacentes aos possíveis benefícios da dieta mediterrânica e quais são os componentes ou combinação de componentes mais benéficos. É possível que a adesão à dieta mediterrânica leve à redução do colesterol-LDL, peso corporal, pressão arterial e glicose em jejum,5 existindo alguma evidência de que este padrão alimentar forneça concentrações mais elevadas de compostos flavonoides e antioxidantes.8 A elevada relação de gordura monoinsaturada-saturada, através do azeite como principal fonte de gordura, e o elevado consumo de produtos frescos e pouco processados poderão ser componentes de particular interesse, mas é provável que o padrão alimentar global seja mais importante do que a escolha individual dos alimentos na promoção da saúde.2

A dieta mediterrânica é preconizada em Portugal através do «Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável - Padrão Alimentar Mediterrânico: Promotor de Saúde», publicado em 2016 pela Direção-Geral da Saúde.9 Desde dezembro de 2013 é reconhecida pela UNESCO como Património Cultural Imaterial da Humanidade e modelo cultural, histórico e de saúde em Portugal, Espanha, Marrocos, Itália, Grécia, Chipre e Croácia.10 Esta herança cultural deve ser preservada e promovida em diferentes áreas, como cultura e turismo, saúde pública, agricultura, política e desenvolvimento económico. No entanto, não deixa de ser curioso verificar que nas últimas décadas se tenha assistido a diversas alterações nos hábitos alimentares da população europeia, especialmente na zona mediterrânica, com diminuição do consumo de alimentos tradicionais da dieta mediterrânica.11 Em 2007 verificava-se uma diminuição da adesão das famílias portuguesas ao padrão alimentar mediterrânico, acompanhado de uma redução da qualidade alimentar.12

Cabe também ao médico de família dar um contributo para o aumento da literacia alimentar e nutricional e a capacitação dos cidadãos de diferentes estratos socioeconómicos e etários, em especial dos grupos mais vulneráveis, para as escolhas e práticas alimentares saudáveis. O padrão alimentar mediterrânico é um exemplo da relevância de uma abordagem holística da educação alimentar, uma vez que, para além de associar a alimentação a doenças como a obesidade, diabetes ou cancro, é abordar a alimentação numa perspetiva salutogénica, impulsionadora de um bem-estar físico e socioemocional.9

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Keys A, Aravanis C, Blackburn H, Buzina R, Djordjević BS, Dontas AS, et al. Seven countries: a multivariate analysis of death and coronary heart disease. Cambridge, MA: Harvard University Press; 1980.

2. Trichopoulou A, Costacou T, Bamia C, Trichopoulos D. Adherence to a Mediterranean diet and survival in a Greek population. N Engl J Med. 2003;348(26):2599-608.         [ Links ]

3. Trichopoulou A, Martínez-González MA, Tong TY, Forouhi NG, Khandelwal S, Prabhakaran D, et al. Definitions and potential health benefits of the Mediterranean diet: views from experts around the world. BMC Med. 2014;12:112.         [ Links ]

4. Serra-Majem L, Trichopoulou A, Ngo de la Cruz J, Cervera P, García Alvarez A, La Vecchia C, et al. Does the definition of the Mediterranean diet need to be updated? Public Health Nutr. 2004;7(7):927-9.         [ Links ]

5. Rees K, Hartley L, Flowers N, Clarke A, Hooper L, Thorogood M, et al. 'Mediterranean' dietary pattern for the primary prevention of cardiovascular disease. Cochrane Database Syst Rev. 2013;(8):CD009825.         [ Links ]

6. Estruch R, Ros E, Salas-Salvadó J, Covas MI, Corella D, Arós F, et al. Primary prevention of cardiovascular disease with a Mediterranean diet. N Engl J Med. 2013;368(14):1279-90.         [ Links ]

7. Schwingshackl L, Hoffmann G. Adherence to Mediterranean diet and risk of cancer: an updated systematic review and meta-analysis of observational studies. Cancer Med. 2015;4(12):1933-47.         [ Links ]

8. Martínez-González MA, Salas-Salvadó J, Estruch R, Corella D, Fitó M, Ros E. Benefits of the Mediterranean Diet: insights from the PREDIMED Study. Prog Cardiovasc Dis. 2015;58(1):50-60.         [ Links ]

9. Direção-Geral da Saúde. Padrão alimentar mediterrânico: promotor de saúde (Diet mediterranean: a health-promoting pattern) (Internet). Lisboa: DGS; 2016 (cited 2016 Jul 24).         [ Links ] Available from: http://www.alimentacaosaudavel.dgs.pt/

10. UNESCO. Eighth session of the Intergovernmental Committee (8.COM): Mediterranean diet (Internet). UNESCO; 2013 (cited 2016 Jul 24). Available from: http://www.unesco.org/culture/ich/en/8com         [ Links ]

11. Vareiro D, Bach-Faig A, Raidó Quintana B, Bertomeu I, Buckland G, Vaz de Almeida MD, et al. Availability of Mediterranean and non-Mediterranean foods during the last four decades: comparison of several geographical areas. Public Health Nutr. 2009;12(9A):1667-75.         [ Links ]

12. Rodrigues SS, Caraher M, Trichopoulou A, Vaz de Almeida MD. Portuguese households' diet quality (adherence to Mediterranean food pattern and compliance with WHO population dietary goals): trends, regional disparities and socioeconomic determinants. Eur J Clin Nutr. 2008;62(11):1263-72.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter conflito de interesses

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