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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.4 Lisboa Aug. 2016

 

CLUBE DE LEITURA

Suplementação de vitamina D na gravidez: qual a evidência?

Vitamin D supplementation during pregnancy: what is the clinical significance?

Raquel Olivença, Mónica Martins, Vanessa Mendes, Liliana Castanheira

Médicas Internas de Medicina Geral e Familiar. USF Dafundo


 

De-Regil LM, Palacios C, Lombardo LK, Peña-Rosas JP. Vitamin D supplementation for women during pregnancy (review). Cochrane Database Syst Rev. 2016 Jan 14;(1):CD008873.

Introdução

O défice de vitamina D é considerado comum nas grávidas. A suplementação com vitamina D durante a gravidez tem sido sugerida como uma intervenção protetora contra resultados adversos na gravidez.

Objetivo

Verificar se a suplementação oral com vitamina D isoladamente ou em combinação com cálcio ou outras vitaminas e minerais em mulheres durante a gravidez pode melhorar de forma segura resultados maternos e neonatais.

Métodos

Foi feita uma pesquisa exaustiva e detalhada em diversas bases de dados de ensaios clínicos (Cochrane Central Register of Controlled Trials, MEDLINE, Ovid, CINAHL) e de teses e dissertações, bem como em plataformas de ensaios clínicos em curso ou não, publicados, da Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras organizações relevantes. Foram selecionados ensaios clínicos aleatorizados ou quasi-aleatorizados que avaliavam o efeito da suplementação com vitamina D isoladamente ou em combinação com outros micronutrientes (nomeadamente cálcio) em mulheres durante a gravidez. Estas intervenções foram comparadas com placebo ou nenhuma suplementação.

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos foi realizada por dois investigadores de forma independente, de acordo com os critérios da Cochrane, tendo sido utilizada a classificação internacional de qualidade de evidência GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation).

Resultados

Foram incluídos 15 ensaios na revisão sistemática, envolvendo um total de 2.833 mulheres. Os estudos encontrados eram de qualidade muito baixa a moderada. Em relação à comparação da suplementação com vitamina D isoladamente versus placebo ou nenhuma suplementação verificou-se um aumento da concentração de 25-hidroxivitamina D e uma redução do risco de pré-eclâmpsia (RR 0,52 (IC 0,25-1,05)), de parto pré-termo (RR 0,36 (IC 0,14-0,93)) e de filhos com baixo peso ao nascer (RR 0,40 (IC 0,24-0,67)) nas mulheres submetidas à primeira intervenção. Não houve diferença evidente entre os grupos relativamente aos outcomes: diabetes gestacional, efeitos adversos, cesariana, nados-mortos ou mortes neonatais. Em relação à comparação da suplementação com vitamina D e cálcio versus placebo ou nenhuma suplementação verificou-se uma redução do risco de pré-eclâmpsia (RR 0,51 (IC 0,32-0,80)) e um aumento do risco de parto pré-termo (RR 1,57 (IC 1,02-2,43)) nas mulheres submetidas à primeira intervenção.

COMENTÁRIO

O novo programa nacional de vigilância da gravidez de baixo risco recomenda a suplementação de várias vitaminas e minerais (ácido fólico, iodo, ferro).1 A suplementação com vitaminas na gravidez não é consensual, sendo diferentes as recomendações das principais guidelines europeias; a OMS e a NICE recomendam apenas a suplementação de ácido fólico e vitamina D (vitD). Segundo estas sociedades científicas, as mães devem ser informadas sobre os benefícios da manutenção dos níveis de vitD durante a gravidez e aleitamento, para a sua saúde e do seu bebé, sendo recomendada a administração diária de 10mg de vitD, integrada no Healthy Start multivitamin supplement, atualmente recomendado e comparticipado pelo NHS (National Health System).2-3

Em Portugal, a prevalência de níveis baixos de vitD não é conhecida. No entanto, alguns estudos demonstram que em nenhuma região do mundo, incluindo países europeus, foram atingidos valores médios de vitD superior a 30ng/ml, sugerindo a existência de outros fatores influenciadores da sua produção, para além da latitude, nomeadamente a duração da exposição solar, o vestuário, o tipo de pele e a sua pigmentação. Desta forma, não é de esperar que a realidade portuguesa seja diferente da encontrada nos vários países europeus que participaram nestes estudos.4 Na literatura existem descritos dois estudos portugueses em população hospitalar que corroboram a elevada prevalência de défice de vitD, embora esta possa estar sobrestimada.5-6

Por ser um tema pertinente e muito em voga no momento revemos a revisão sistemática da Cochrane, na qual se baseou o novo programa de vigilância da gravidez de baixo risco, tendo esta avaliado 15 ensaios clínicos aleatorizados ou quasi‐aleatorizados, em que a maioria apresenta fraca qualidade metodológica.7 O risco de viés na maioria dos estudos não era claro, sendo que muitos estudos apresentavam um risco elevado por não terem comparação com placebo ou a alocação no grupo de tratamento versus controlo não ter sido ocultada. Oito dos estudos comparavam a suplementação de vitD com a ausência de qualquer intervenção, não sendo utilizado sequer um placebo; no entanto, num estudo esta questão não era clara. Dos seis que utilizaram comparação com placebo, apenas três eram duplamente cegos. Sendo estes estudos de baixa ou muito baixa qualidade, a nossa confiança na estimativa de efeito é limitada, pois o verdadeiro efeito pode ser ou é provável que seja substancialmente diferente do que foi estimado.

Relativamente à suplementação com vitD versus placebo ou não intervenção, os resultados são estatisticamente significativos:

Recém-nascido pré-termo - Redução de 64% do risco relativo (RR); no entanto, apresenta uma redução de risco absoluto de apenas 6,3%;

Baixo peso ao nascer - Redução de 60% do risco relativo, mas redução do risco absoluto de apenas 11,9%;

Pré-eclâmpsia - Risco relativo (RR) de 0,52, intervalo de confiança (IC) a 95% de 0,25 a 1,05. Os autores referem diminuição de risco borderline, contudo, o risco relativo não é estatisticamente significativo.

Para os restantes outcomes (diabetes gestacional, concentração vitD no final da gravidez e reações adversas), os resultados não são estatisticamente significativos.

Relativamente à suplementação de VitD oral + cálcio versus placebo ou sem intervenção, apesar de se ter demonstrado uma redução do risco relativo de pré-eclâmpsia de 49% e uma redução de risco absoluto de 4,5%, verificou-se um risco relativo acrescido de 57% de nascimento pré‐termo (RR 1,57 (IC 95% 1,02-2,43)) e um aumento do risco absoluto de 4,1% sendo, por isso, a evidência contra a suplementação de vitD juntamente com cálcio durante a gravidez.

Depois da análise deste artigo, concluímos que níveis mais altos de vitD parecem estar associados a melhores outcomes na gravidez (particularmente menor taxa de parto pré-termo e baixo peso). Porém, após uma análise exaustiva do mesmo e considerando a baixa qualidade dos estudos em que se baseia, deveremos questionar estes resultados, sendo necessária a realização de mais estudos com qualidade superior.

Não é conhecida a segurança da toma de vitD na gravidez, sendo insuficiente a evidência sobre os seus efeitos adversos, ou potenciais riscos, para determinar com segurança a sua administração como suplemento na gravidez.

Os níveis de vitD essenciais a um bom desenvolvimento fetal e bem-estar materno podem ser atingidos de uma forma mais fisiológica e mais segura, como é a exposição solar. Portugal apresenta um clima temperado, com elevada exposição à luz solar ao longo de todo o ano. Assim, considerando os benefícios apresentados na revisão sistemática, na prática clínica pode-se recomendar exposição solar adequada durante a gravidez, de forma a atingir o nível desejável de vitD com um risco carcinogénico mínimo. É importante escolher as horas de exposição, sempre que tal é possível. O tempo de exposição, naturalmente, é fundamental, devendo ser limitado no início e só gradualmente aumentado, de acordo com a tolerância.8-9

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Direção-Geral da Saúde. Programa nacional para a vigilância da gravidez de baixo risco. Lisboa: DGS; 2015.         [ Links ]

2. World Health Organization. Guideline: vitamin D supplementation in pregnant women. Geneva: WHO; 2012.         [ Links ] ISBN 9789241504935

3. National Institute for Health and Care Excellence. Antenatal care for uncomplicated pregnancies. London: NICE; 2008 Mar (updated 2016 Mar).         [ Links ]

4. APMCG, FMUP, SPDOM, SPEDM, SPHCM, SPMFR, et al. Declaração Portuguesa da vitamina D. 2009. Available from: http://www.spmi.pt/pdf/Declaracao_Port_VitD_2009_final.pdf         [ Links ]

5. Santiago T, Rebelo M, Porto J, Silva N, Vieira JD, Nascimento-Costa JM. Hipovitaminose D em doentes internados num serviço de medicina interna (Hypovitaminosis D in patients admitted to an internal medicine ward). Acta Med Port. 2012;25(2):68-76. Portuguese

6. Santos MJ, Fernandes V, Garcia FM. Carência de vitamina D numa população hospitalar: uma fotografia pela perspetiva laboratorial (Vitamin D insufficiency in a hospital population: a photograph from the laboratory perspective). Acta Med Port. 2015;28(6):726-34. Portuguese

7. De-Regil LM, Palacios C, Lombardo LK, Peña-Rosas JP. Vitamin D supplementation for women during pregnancy (review). Cochrane Database Syst Rev. 2016 Jan 14;(1):CD008873.         [ Links ]

8. Grigalavicius M, Moan J, Dahlback A, Juzeniene A. Daily, seasonal, and latitudinal variations in solar ultraviolet A and B radiation in relation to vitamin D production and risk for skin cancer. Int J Dermatol. 2016;55(1):e23-8.         [ Links ]

9. Rivas M, Rojas E, Araya MC, Calaf GM. Ultraviolet light exposure, skin cancer risk and vitamin D production. Oncol Lett. 2015;10(4):2259-64.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

As autoras declaram não ter conflito de interesses.

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