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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.3 Lisboa jun. 2016

 

REVISÕES

Pentoxifilina no tratamento da úlcera venosa: uma revisão baseada na evidência

Pentoxifylline for the treatment of venous leg ulcers: an evidence-based review

Ângela Pinto Neves,1 Ana Miranda,1 Helena Martins,1 Raquel Barradas2

1Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. Unidade de Saúde Familiar Lagoa, Unidade Local de Saúde de Matosinhos

2Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. Unidade de Saúde Familiar Caravela, Unidade Local de Saúde de Matosinhos

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Objetivo: Rever a evidência disponível acerca da eficácia e da segurança da pentoxifilina no tratamento da úlcera venosa crónica dos membros inferiores, em idade adulta.

Fontes de dados: MEDLINE e bases de dados de medicina baseada na evidência (National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Practice Guidelines InfoBase, Guidelines Finder da National Electronic Library for Health do NHS britânico, Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness - Centre for Reviews and Dissemination, Bandolier e The Cochrane Library).

Métodos de revisão: Foi realizada uma pesquisa de artigos (normas de orientação clínica, meta-análises, revisões sistemáticas e estudos originais), publicados entre janeiro de 2003 e julho de 2015 nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa, utilizando os termos MeSH pentoxifylline e venous ulcers. O nível de evidência e a força de recomendação, quando ausentes, foram atribuídos de acordo com os critérios da escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Family Physician.

Resultados: Foram identificados 51 artigos, seis dos quais de acordo com os critérios de inclusão: duas normas de orientação clínica, uma meta-análise, uma revisão sistemática e dois ensaios clínicos aleatorizados (ECA). A administração de pentoxifilina por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia, como adjuvante da terapia compressiva aumenta a probabilidade de cicatrização da úlcera venosa crónica dos membros inferiores, sendo que o benefício se mantém inclusive na ausência de terapia compressiva. O tratamento adjuvante com pentoxifilina oral apresenta elevada probabilidade de ser custo-efetivo. O uso de pentoxifilina associou-se a uma maior incidência de efeitos laterais gastrointestinais.

Conclusões: Os resultados obtidos apresentam evidência robusta acerca da eficácia e custo-efetividade do uso da pentoxifilina no tratamento da úlcera venosa crónica dos membros inferiores na população adulta, como adjuvante da terapia compressiva ou isoladamente (Strength of Recommendation A - SOR A). Tendo em conta a importância dos efeitos laterais gastrointestinais, a investigação futura deverá incidir na determinação da posologia ótima que facilite a adesão terapêutica sem comprometer a eficácia e a segurança do fármaco.

Palavras-chave: Pentoxifilina; Úlcera Venosa.


 

ABSTRACT

Aim: To review the evidence for the efficacy and safety of pentoxifylline for the treatment of venous leg ulcers.

Data sources: The MEDLINE database and the following evidence based medical sites: National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Practice Guidelines InfoBase, Guidelines Finder, Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness - Centre for Reviews and Dissemination, Bandolier, and The Cochrane Library.

Review methods: Clinical guidelines, systematic reviews, meta-analyses, and randomized controlled trials published between January 2003 and July 2015 in English, Portuguese and Spanish were collected using the MeSH terms: pentoxifylline and venous ulcers. The Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) scale of the American Academy of Family Physicians was used for assigning levels of evidence and the strength of recommendation.

Results: Of the 51 articles found, six fulfilled the inclusion criteria and were selected for review. These included two clinical guidelines, one meta-analysis, one systematic review, and two clinical trials. A 400mg tablet of pentoxifylline taken three times a day increases the chance of healing of venous ulcers with or without compression. This drug is also cost effective in the treatment of chronic venous leg ulcers. The majority of adverse effects were gastrointestinal disturbances.

Conclusions: These studies found pentoxifylline to be efficacious and cost effective in the treatment of chronic venous leg ulcers in adults. It can be used with compression bandaging but should also be considered for use in people unable to tolerate compression (Strength of Recommendation A - SOR A). Given the side effects reported, the optimal dose that combines efficacy and tolerability with maximal therapeutic adherence remains to be determined.

Keywords: Pentoxifylline; Venous Leg Ulcers.


 

Introdução

A úlcera crónica constitui uma descontinuidade da barreira cutânea com atingimento da derme, com uma duração superior a seis semanas ou com recorrências frequentes. Constitui um importante problema de saúde pública que afeta cerca de 1% da população adulta, sobretudo a idosa.1-2 As úlceras venosas ou de estase são as mais frequentes, correspondendo a 50 a 80% do total das úlceras, consoante os estudos.1,3-5 A sua alta prevalência, bem como a sua natureza refratária associam-se a elevada morbilidade e mortalidade, com impacto significativo na qualidade de vida do doente e nos gastos em saúde.6-7 Estima-se que, na Europa, os custos com os tratamentos destas feridas correspondam a cerca de 2% do orçamento dos cuidados de saúde primários.8

As úlceras venosas localizam-se frequentemente nas superfícies ósseas, particularmente no maléolo medial, sendo muito típica a sua recorrência no mesmo local. Estas apresentam uma superfície irregular com tecido de granulação e fibrina na sua base. Associam-se a desconforto ou dor nos membros inferiores, edema, presença de veias varicosas, dermatite de estase associada a hiperpigmentação e a hemossiderose na pele envolvente e lipodermatosclerose.6 Embora o diagnóstico seja essencialmente clínico, em caso de dúvida ou necessidade de exclusão de isquemia (previamente à instituição de terapêutica compressiva) justifica-se a determinação do índice tornozelo braço e a realização de ecodoppler arterial.8-9

A patofisiologia da úlcera venosa é complexa e multifatorial. A insuficiência e a hipertensão venosas constituem fatores primários aos quais acrescem a imobilidade e a trombose venosa. Conjuntamente, estes fatores predispõem à lesão capilar com consequente dano endotelial que desencadeia fenómenos de agregação plaquetária e edema intracelular que contribuem para a formação e perpetuação da úlcera. As úlceras venosas podem estar associadas a complicações graves como celulite, osteomielite ou malignização.9-10

Os objetivos do tratamento da úlcera venosa são reduzir o edema, promover a cicatrização e prevenir as recorrências. Embora a terapêutica compressiva local constitua a primeira linha de tratamento (SOR A), as opções de tratamento sistémico têm eficácia limitada e evidência não estabelecida.6 Consequentemente, muitas decisões terapêuticas são baseadas na experiência e preferências médicas individuais.11 Pensa-se que a pentoxifilina, pelos seus efeitos vaso ativadores (melhorando a microcirculação e a oxigenação dos tecidos) e antiagregante plaquetário, poderá ser útil no tratamento desta patologia em associação com a terapêutica compressiva ou isoladamente, embora nalguns relatos a sua utilização tenha sido controversa.1,7,12

O objetivo deste trabalho é rever a evidência disponível acerca da eficácia e da segurança da pentoxifilina no tratamento da úlcera venosa crónica dos membros inferiores, em idade adulta.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa de artigos (normas de orientação clínica, meta-análises, revisões sistemáticas e estudos originais), publicados entre 1 de janeiro de 2003 e 15 de julho de 2015 nas bases de dados MEDLINE, National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Practice Guidelines InfoBase, Guidelines Finder da National Electronic Library for Health do NHS britânico, Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness - Centre for Reviews and Dissemination, Bandolier, The Cochrane Library, bem como referências bibliográficas dos artigos selecionados. Foram utilizados os termos MeSH pentoxifylline e venous ulcers. A pesquisa foi limitada a artigos nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa.

Foram incluídos estudos realizados na população adulta (idade superior a 18 anos) com úlcera venosa crónica dos membros inferiores (População), com um grupo exposto à terapêutica com pentoxifilina (Intervenção), comparativamente a um grupo placebo/ausência de tratamento (Comparador). O resultado medido (Outcome) foi a eficácia expressa em tempo até à cicatrização, bem como os efeitos laterais e a relação custo-efetividade da terapêutica.

Foram excluídos estudos não aleatorizados ou realizados em animais, bem como aqueles realizados em indivíduos com idade inferior a 18 anos, doentes portadores de úlceras de etiologia não venosa. Estudos duplicados ou já incluídos na revisão sistemática ou meta-análise selecionada foram também excluídos.

O nível de evidência e a força de recomendação dos vários artigos, quando ausente, foram atribuídos pelas autoras, de acordo com os critérios da escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Family Physician.

Resultados

Foram encontrados 51 artigos, seis dos quais de acordo com os critérios de inclusão: duas normas de orientação clínica, uma meta-análise, uma revisão sistemática e dois ECA. Todos os estudos estão sumarizados nos quadros I a V.

 

 

 

 

 

 

1. Normas de orientação clínica

As normas de orientação clínica da Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society13 e da Scottish Intercollegiate Guidelines Network5 preconizam a administração de pentoxifilina por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia, como adjuvante da terapêutica compressiva pelo seu efeito benéfico na cicatrização das úlceras venosas crónicas dos membros inferiores (SOR A).

A administração de pentoxifilina pode estar associada a interações com os anti-inflamatórios não esteroides. Apesar de o número de indivíduos que relataram efeitos adversos (maioritariamente gastrointestinais) ter sido superior no grupo de tratamento com pentoxifilina, a diferença não foi estatisticamente significativa.

2. Revisão sistemática

Na revisão sistemática1 foram incluídos 12 ECA, num total de 864 participantes adultos de várias idades, com uma ou várias úlceras venosas dos membros inferiores e com uma duração média de 26 meses. Onze estudos compararam a pentoxifilina com o placebo ou ausência de tratamento e um estudo comparou a pentoxifilina com o anticoagulante defibrótido. A terapêutica compressiva foi utilizada em sete estudos com variação do tipo de compressão utilizado. O método de diagnóstico de úlcera venosa diferiu entre os estudos que o reportaram. Todos os ensaios tentaram incluir apenas indivíduos com úlcera de etiologia venosa, sendo que apenas um deles permitiu a inclusão de participantes com doenças concomitantes, como a diabetes mellitus. Em todos os ensaios, a pentoxifilina foi administrada por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia.

O risco de vieses e o modo de descrição dos métodos foram muito variáveis. O procedimento de aleatorização foi explicitado em três estudos e a ocultação da alocação descrita em apenas dois. Um estudo é classificado como cego e oito como duplamente cegos, mas apenas quatro destes explicaram o método de ocultação; os restantes estudos não a realizaram ou não a mencionaram. Com exceção de dois, os restantes ensaios utilizaram dados objetivos que permitiriam o estabelecimento de comparações nos resultados. Um ensaio excluiu dois participantes da análise final, seis não registaram abandonos ou incluíram-nos na análise como falências terapêuticas. Nos restantes, todos os abandonos foram excluídos da análise.

Globalmente, o tratamento com pentoxifilina, com ou sem terapêutica compressiva, associou-se a maior probabilidade de cicatrização relativamente ao tratamento placebo (RR 1,70; IC 95% 1,30-2,24).

Na presença concomitante de terapêutica compressiva, o grupo de tratamento com pentoxifilina demonstrou maior probabilidade de cicatrização relativamente ao tratamento placebo (RR 1,56; IC 95% 1,14-2,13), com um NNT calculado entre 3 e 11. Contudo, 64% da variação entre os estudos foi devida à heterogeneidade e não ao acaso, a qual se deveu à inclusão de participantes com úlceras de difícil cicatrização. A análise combinada deste subgrupo de participantes, com úlceras de difícil cicatrização (total de 264 participantes de três estudos), demonstrou que a probabilidade de cicatrização era maior relativamente ao grupo placebo (RR 2,36; IC 95% 1,74-3,19) e com uma magnitude superior aos ensaios que não incluíam este tipo particular de doentes (RR 1,20; IC 95% 1,01-1,43). Assim, especula-se que a pentoxifilina poderá ser particularmente efetiva como adjuvante da terapia compressiva nos doentes com úlceras de difícil cicatrização.

Na ausência de terapia compressiva, o tratamento com pentoxifilina associou-se igualmente a maior taxa de cicatrização relativamente ao grupo placebo (RR 2,25; IC 95% 1,49-3,39), com um NNT calculado entre 3 e 4, com baixa heterogeneidade. Este dado sugere que a pentoxifilina poderá ser considerada nos doentes que não toleram ou recusam a terapia compressiva.

A incidência de efeitos laterais, maioritariamente gastrointestinais, foi significativamente mais alta em pessoas tratadas com pentoxifilina (RR 1,56; IC 95% 1,10-2,22), podendo ter motivado cerca de 30% dos abandonos.

3. Meta-análise

Na meta-análise de Iglesias e colaboradores7 utilizou-se um modelo probabilístico de Markov para estimar os benefícios clínicos e os custos médios associados ao tratamento com pentoxifilina por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia, relativamente ao tratamento placebo, como adjuvante da terapêutica compressiva. Os dados clínicos foram obtidos a partir de quatro ECA (publicados previamente a janeiro de 2000) e sintetizados, utilizando métodos Bayesianos. Foi estimado o grau de incerteza associado ao custo-efetividade da pentoxifilina, prévia e posteriormente à realização do último grande ECA de Dale e colaboradores,14 de modo a avaliar a sua contribuição na redução do grau de incerteza. Foi também estimado o valor máximo associado à investigação futura, de modo a refletir acerca da utilidade deste último estudo, bem como de outra investigação adicional.

Na análise prévia, o grupo de tratamento com pentoxifilina apresentou, em média, uma cicatrização 8,28 semanas mais precoce (IC 95% 1,89-14,56), um ganho de 0,02 QALYs (IC 95% 0,12-0,17) e uma redução nos custos de € 216,94 (IC 95% 37,18-248,43) (taxa de conversão utilizada (10.08.2015) € 1,00=£ 0,70). A curva de aceitabilidade da pentoxifilina demonstrou, com um baixo grau de incerteza, que esta tem elevada probabilidade de ser custo-efetiva.

Em análise posterior, o tratamento com pentoxifilina apresentou, em média, uma cicatrização 6,55 semanas mais precoce (IC 95% 1,93-11,15), um ganho de 0,01 QALY (IC 95% 0,09-0,13) e uma redução nos custos de € 68,66 (IC 95% 34,45-171,5), demonstrando, assim, uma tendência semelhante em termos de custos e benefícios clínicos; todavia, com uma probabilidade ligeiramente inferior de ser custo-efetivo e, surpreendentemente, com um grau de incerteza maior. Assim, os encargos da investigação posterior aos três primeiros ECA foram desnecessários.

Em suma, no tratamento da úlcera venosa crónica dos membros inferiores, a administração de pentoxifilina por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia, concomitantemente com a terapêutica compressiva, apresenta elevada probabilidade de ser custo-efetiva.

4. Ensaios clínicos aleatorizados

O estudo de Nelson e colaboradores12 comparou a administração de pentoxifilina por via oral na dose de 400mg, três vezes ao dia, versus placebo. Em cada grupo comparou-se o penso de apósito viscoso versus penso hidrocolóide e nestes comparou-se ainda a compressão em camada simples versus quatro camadas. O estudo decorreu ao longo de seis meses e envolveu 245 participantes adultos com diagnóstico clínico de doença venosa e com uma úlcera venosa com pelo menos 1cm de comprimento e oito semanas de duração. Para reduzir o viés de seleção, a alocação foi ocultada utilizando envelopes lacrados, opacos e numerados sequencialmente. A utilização de um placebo para o fármaco em estudo permitiu reduzir o viés de aferição/mensuração. A dupla ocultação apenas foi possível no tratamento com pentoxifilina ou placebo. Não se verificou evidência de interação entre os diferentes tratamentos no tempo de cicatrização. A mediana do tempo de cicatrização foi de 98 dias no grupo da pentoxifilina e de 118 dias no grupo placebo. A cicatrização completa da úlcera ocorreu em 62% dos indivíduos do grupo de tratamento com pentoxifilina e em 53% do grupo placebo, sendo que esta diferença não foi estatisticamente significativa (p=0,21). Após uma análise ajustada através do modelo de Cox foram identificados outros fatores com influência na cicatrização, nomeadamente a área da úlcera, o tipo de compressão, o número de anos após o primeiro episódio de ulceração e a duração da úlcera atual. A compressão de quatro camadas associou-se a um risco relativo de cicatrização de 1,8 relativamente à compressão em camada simples (IC 95% 1,3-2,5). Esta análise demonstrou que a administração de pentoxifilina aumentava significativamente a probabilidade de cicatrização (RR 1,4; IC 95% 1,0-2,0). O número de abandonos foi semelhante no grupo de tratamento com pentoxifilina e no grupo placebo, pelo que este fármaco parece ser bem tolerado.

Assim, o estudo concluiu que o acréscimo da pentoxifilina (dose diária total de 1200mg) à terapêutica compressiva de elevada intensidade pode aumentar a probabilidade de cicatrização, o que está de acordo com as revisões sistemáticas recentes, embora este achado só tenha sido estatisticamente significativo quando se procedeu a uma análise secundária ajustada. Por este motivo foi atribuído a este estudo um nível de evidência 2.

O estudo de Parsa e colaboradores15 comparou a terapêutica compressiva isolada à terapêutica compressiva associada à administração de pentoxifilina por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia, durante um período de dez meses. A amostra foi constituída por 40 doentes com idade superior a 18 anos com o diagnóstico clínico de úlcera venosa crónica. A existência de insuficiência arterial constituiu o critério de exclusão do presente estudo.

Vinte doentes foram alocados aleatoriamente para a terapêutica compressiva (grupo controlo) e os restantes para a terapêutica compressiva associada à administração de pentoxifilina (grupo de intervenção). A aleatorização foi realizada por meio de envelopes opacos e fechados contendo números aleatórios gerados por computador.

O tempo médio até à cicatrização completa da úlcera venosa foi de quatro meses no grupo de intervenção (DP=1,298 meses) e de 6,25 meses no grupo de controlo (DP=3,143 meses), sendo a diferença estatisticamente significativa (p=0,007).

Atribuiu-se um nível de evidência 2 a este estudo devido ao escasso número de participantes, ausência de placebo e por não se ter procedido a ocultação.

Conclusões

As normas de orientação clínica da Wound, Ostomy, and Continence Nurses Society13 e da Scottish Intercollegiate Guidelines Network5 preconizam a administração de pentoxifilina por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia, como adjuvante da terapêutica compressiva pelo seu efeito benéfico na cicatrização da úlcera venosa crónica dos membros inferiores (SOR A).

Segundo a revisão sistemática da Cochrane Database of Systematic Reviews,1 na presença concomitante de terapêutica compressiva, o grupo de tratamento com pentoxifilina demonstrou maior probabilidade de cicatrização relativamente ao tratamento placebo, com um NNT calculado entre 3 e 11. A análise combinada dos três estudos que incluíram participantes com úlceras de difícil cicatrização demonstrou uma probabilidade de cicatrização superior relativamente ao grupo placebo com uma magnitude superior aos ensaios que não incluíam este tipo particular de doentes. Conclui-se, assim, que a pentoxifilina poderá ser particularmente efetiva como adjuvante da terapia compressiva nos doentes com úlceras de difícil cicatrização. Na ausência de terapia compressiva, o tratamento com pentoxifilina associou-se igualmente a maior taxa de cicatrização relativamente ao grupo placebo, com um NNT calculado entre 3 e 4. Este dado sugere que a pentoxifilina poderá ser considerada, face a intolerância, contraindicação ou recusa da terapêutica compressiva.

No estudo de Nelson e colaboradores,12 o efeito estatisticamente significativo da pentoxifilina na cicatrização da úlcera foi demonstrado apenas após uma análise secundária ajustada (Nível de evidência 2). No estudo de Parsa e colaboradores,15 a administração de pentoxifilina juntamente com a terapêutica compressiva resultou numa cicatrização significativamente mais rápida comparativamente à terapêutica compressiva isolada. Contudo, este estudo apresenta algumas limitações, sobretudo o facto de ter incluído apenas 40 indivíduos (nível de evidência 2).

A análise custo-efetividade na meta-análise de Iglesias e colaboradores7 demonstrou que o tratamento adjuvante com pentoxifilina apresenta elevada probabilidade de ser custo-efetivo, traduzindo-se numa cicatrização mais precoce, num ganho de QALYS e na redução dos custos do tratamento.

Todos os estudos avaliaram a eficácia das terapêuticas instituídas, mas nem todos analisam os efeitos secundários. Naqueles que fizeram esta análise verificou-se que a incidência de efeitos laterais, sobretudo gastrointestinais, foi significativamente maior no grupo de tratamento com pentoxifilina, o que poderá limitar a adesão terapêutica.

Os resultados obtidos apresentam evidência consistente a favor da terapêutica com pentoxifilina administrada por via oral na dose de 400mg, três vezes por dia, no tratamento da úlcera venosa crónica dos membros inferiores. A investigação futura deverá incidir na determinação da posologia ótima que facilite a adesão terapêutica sem comprometer a eficácia e a segurança do fármaco. Seria igualmente interessante definir qual o momento mais indicado para adicionar o fármaco à terapêutica compressiva, bem como identificar o subgrupo de doentes (senão todos) que mais beneficia com a sua administração.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Ângela Pinto Neves

E-mail: angela.neves82@gmail.com

 

Conflito de interesses

As autoras declaram não ter conflitos de interesses.

 

Recebido em 24-09-2015

Aceite para publicação em 25-05-2015

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