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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.2 Lisboa abr. 2016

 

CLUBE DE LEITURA

Devem manter-se os antiagregantes plaquetários e os anticoagulantes em doentes propostos para colonoscopia?

Should we continue antiplatelet and anticoagulant therapy in patients referred for colonoscopy?

Ana Miranda*, Diogo Libânio**

*Médica Interna de Medicina Geral e Familiar,Unidade de Saúde Familiar Lagoa

**Médico Interno de Gastrenterologia. Serviço de Gastrenterologia, Instituto Português de Oncologia Dr. Francisco Gentil do Porto


 

Shalman D, Gerson LB. Systematic review with meta-analysis: the risk of gastrointestinal haemorrhage post-polypectomy in patients receiving anti-platelet, anti-coagulant and/or thienopyridine medications. Aliment Pharmacol Ther. 2015;42(8):949-56.

Introdução

As recomendações para a gestão de fármacos antitrombóticos em doentes propostos para realização de colonoscopia são escassas. Foi realizada uma revisão sistemática da literatura e meta-análise acerca do risco de hemorragia pós-polipectomia (HPP) em doentes medicados com antiagregantes plaquetários (aspirina e tienopiridinas) e/ou anticoagulantes.

Métodos

Foi realizada uma revisão sistemática e meta-análise da literatura comparando o risco de HPP em doentes medicados com fármacos antitrombóticos e em doentes não medicados com estes fármacos. A pesquisa bibliográfica foi realizada em quatro bases de dados eletrónicas e no Conference Proceedings Citation Index para identificação de estudos apresentados em congressos. Foram incluídos ensaios aleatorizados e controlados (ECA) e estudos observacionais que avaliassem adequadamente a exposição a antitrombóticos em doentes submetidos a polipectomia e que reportassem o risco de HPP. A HPP foi definida como imediata quando ocorrida durante o procedimento e diferida quando ocorrida até 30 dias após. O endpoint primário definido foi a ocorrência de HPP (imediata ou diferida). O risco associado ao uso de antitrombóticos foi avaliado através do cálculo de odds ratio com modelo de efeitos fixos e foi realizada análise de sensibilidade utilizando o modelo de efeitos aleatórios. A heterogeneidade foi avaliada através da estatística Q de Cochran e do cálculo da medida de inconsistência I2.

Resultados

Foram identificados 1.442 estudos publicados e 48 resumos, dos quais nove cumpriam os critérios de inclusão. Quatro dos estudos incluíram doentes sob ácido acetilsalicílico (AAS) ou outros anti-inflamatórios não esteroides (AINE), um incluiu doentes sob varfarina, dois incluíram doentes sob clopidogrel e dois incluíram doentes sob dupla antiagregação plaquetária.

Nos quatro estudos que incluíram doentes sob AAS/AINE (retrospetivos, caso-controlo) ocorreu HPP em 59 dos 1.489 doentes sob AAS/AINE (3,9%) e em 104 dos 3.650 doentes não medicados com antitrombóticos (2,8%). O risco de HPP imediata foi semelhante entre os dois grupos (OR 1,1; IC 95% 0,9-1,9; I2=0%), embora com tendência a maior risco de HPP diferida nos doentes medicados com AAS/AINE (OR 1,5; IC 95% 0,9-2,2; I2=36%).

Um ECA avaliou a frequência de HPP em 70 doentes sob varfarina com pólipos até 10mm. A taxa de HPP imediata foi de 23% (8/35) nos doentes submetidos a polipectomia com eletrocoagulação (hot snare) e de 6% (2/35) nos doentes submetidos a polipectomia com ansa sem corrente (cold snare), enquanto a taxa de HPP diferida foi também superior na polipectomia com eletrocoagulação (14% vs 0%).

Dois estudos caso-controlo retrospetivos avaliaram o risco de HPP em 95 doentes sob clopidogrel. A taxa de HPP imediata foi de 4% (3/70) em doentes sob clopidogrel e de 0,3% (8/2.380) em doentes não medicados com clopidogrel (p=0,003). O uso de clopidogrel foi também associado a um maior risco de HPP diferida (4% vs 0,6%; OR 9,7; IC 95% 3,1-30,8; I2=0%).

Conclusão

A manutenção de antiagregantes plaquetários como o AAS não parece ser um fator de risco para HPP, enquanto a manutenção de tienopiridinas (e.g., clopidogrel) e anticoagulantes orais foi associada a um maior risco de HPP. Estes resultados suportam a manutenção de AAS no período periprocedimento e a cessação temporária de tienopiridinas e anticoagulantes orais.

COMENTÁRIO

A gestão dos fármacos antitrombóticos em doentes propostos para colonoscopia (com eventual polipectomia) é um problema frequente e relevante em medicina geral e familiar, que não raras vezes causa dúvidas ao médico de família. A colonoscopia diagnóstica com ou sem biópsia (assim como a endoscopia digestiva alta) é considerada um procedimento de baixo risco hemorrágico. Contudo, em 23-34% dos casos,1-2 são encontrados pólipos que devem ser submetidos a polipectomia (procedimento de alto risco hemorrágico), a qual idealmente deve ser realizada no mesmo momento, desde que reunidas as condições de segurança necessárias. Assim, no momento do pedido da colonoscopia, o médico de família deve ter em atenção se o doente se encontra medicado com fármacos modificadores da hemostase, verificar o risco tromboembólico e atuar de acordo com as recomendações, devendo essa informação constar no pedido da colonoscopia.

A revisão sistemática apresentada concluiu que a manutenção do AAS não é um fator de risco significativo para HPP, enquanto as tienopiridinas e os anticoagulantes orais aumentam o risco de HPP pelo que devem idealmente ser suspensos no período periprocedimento.3 Estes resultados suportam as recomendações das Sociedades Europeia e Portuguesa de Endoscopia Digestiva, que recomendam a manutenção de AAS desde que administrado na dose standard e em doentes sem alterações da coagulação pré-existentes e a suspensão de anticoagulantes orais e de clopidogrel, se possível, nos doentes submetidos a polipectomia. Apesar de nalguns estudos o AAS se associar a um risco de HPP ligeiramente superior, é considerada segura a sua manutenção em caso de necessidade.4-5

Em doentes com baixo risco trombótico, as tienopiridinas devem ser idealmente suspensas cinco a sete dias antes do procedimento, se este for considerado de elevado risco hemorrágico.4 Contudo, em doentes com risco trombótico elevado, a suspensão das tienopiridinas deve ser realizada pelo tempo mínimo necessário e balanceando o risco-benefício, de preferência atuando com apoio de outras especialidades e preferência do doente.4

Os anticoagulantes orais, como os antagonistas da vitamina K, poderão ser mantidos se INR em dose terapêutica e se efetuado um procedimento endoscópico de baixo risco hemorrágico (e.g., endoscopia digestiva alta). Já se for realizado um procedimento com elevado risco hemorrágico e o risco tromboembólico for baixo (e.g., FA não valvular com CHADS2VASc <2),  estes podem ser suspensos cinco dias antes do procedimento sem necessidade de terapêutica de ponte. Caso contrário (alto risco tromboembólico), deve ser realizada terapêutica de ponte com heparina de baixo peso molecular (HBPM).5

No que diz respeito ao modo de atuação com os anticoagulantes orais diretos, esta vai variar em função da biodisponibilidade do fármaco e função renal do doente. Para procedimentos de baixo risco hemorrágico recomenda-se a omissão da toma no dia do procedimento, desde que a clearance da creatinina seja ≥50ml/min e reinício seis a oito horas após o procedimento com metade da dose diária, seguindo o esquema normal nos restantes dias. Por outro lado, em procedimentos de alto risco hemorrágico, como a colonoscopia com polipectomia e baixo risco tromboembólico, que não justifique ponte com HBPM, o tempo de suspensão deverá ser de 40 horas para o rivaroxabano, 60 horas para o apixabano e 72 horas para o dabigatrano, desde que a clearance da creatinina seja ≥50ml/min, devendo estes ser reiniciados apenas 24 a 48 horas depois do procedimento.6-8

Em suma, é importante considerar o uso dos fármacos antitrombóticos nos doentes aos quais é pedida colonoscopia com eventual polipectomia, devendo a manutenção/suspensão destes fármacos ser baseada nas recomendações existentes, mas considerando sempre o risco-benefício individual de cada doente.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bowles CJ, Leicester R, Romaya C, Swarbrick E, Williams CB, Epstein O. A prospective study of colonoscopy practice in the UK today: are we adequately prepared for national colorectal cancer screening tomorrow? Gut. 2004;53(2):277-83.         [ Links ]

2. Wexner SD, Garbus JE, Singh JJ, SAGES Colonoscopy Study Outcomes Group. A prospective analysis of 13,580 colonoscopies: reevaluation of credentialing guidelines. Surg Endosc. 2001;15(3):251-61.         [ Links ]

3. Shalman D, Gerson LB. Systematic review with meta-analysis: the risk of gastrointestinal haemorrhage post-polypectomy in patients receiving anti-platelet, anti-coagulant and/or thienopyridine medications. Aliment Pharmacol Ther. 2015;42(8):949-56.         [ Links ]

4. Boustière C, Veitch A, Vanbiervliet G, Bulois P, Deprez P, Laquiere A, et al. Endoscopy and antiplatelet agents: European Society of Gastrointestinal Endoscopy (ESGE) guideline. Endoscopy. 2011;43(5):445-61.         [ Links ]

5. Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva. Prevenção da hemorragia em doentes hipocoagulados ou sob terapêutica antiagregante plaquetária submetidos a técnicas endoscópicas electivas. J Port Gastrenterol. 2011;18(1):40-2.         [ Links ] Portuguese

6. Fonseca C, Alves J, Araujo F. Manuseio peri-operatório dos doentes medicados com anticoagulantes e antiagregantes plaquetários: resultado da 3ª Reunião de Consenso da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (Peri-operative management of antithrombotic agents: results of the 3rd consensus meeting of the Portuguese Society of Anesthesiology). Rev Soc Port Anestesiol. 2014;23(3):76-95. Portuguese

7. Baron TH, Kamath PS, McBane RD. New anticoagulant and antiplatelet agents: a primer for the gastroenterologist. Clinical Gastroenterol Hepatol. 2014;12(2):187-95.         [ Links ]

8. Heidbuchel H, Verhamme P, Alings M, Antz M, Diener HC, Hacke W, et al. Updated European Heart Rhythm Association Practical Guide on the use of non-vitamin K antagonist anticoagulants in patients with non-valvular atrial fibrillation. Europace. 2015;17(10):1467-507.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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