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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.1 Lisboa fev. 2016

 

CLUBE DE LEITURA

Rastreio do cancro da mama em mulheres entre os 40 e os 49 anos: os benefícios superam os malefícios?

Breast cancer screening in women aged 40 to 49 years: do the benefits outweigh the harms?

Ana Sofia Gaspar

Médica de família - USF São João do Estoril


 

Moss SM, Wale C, Smith R, Evans A, Cuckle H, Duffy SW. Effect of mammographic screening from age 40 years on breast cancer mortality in the UK Age trial at 17 years' follow-up: a randomised controlled trial. Lancet Oncol. 2015;16(9):1123-32. doi: 10.1016/S1470-2045(15)00128-X

Introdução

Os efeitos específicos relacionados com a idade no rastreio com mamografia e o momento em que se verificam tais efeitos continuam a ser motivo de discussão. No estudo UK Age Trial foi comparado o efeito do rastreio com mamografia anual a partir dos 40 anos, com início do rastreio a partir dos 50 anos, na mortalidade por cancro da mama. Os resultados apresentados após 10 anos de seguimento não apresentaram diferença significativa na mortalidade entre os grupos de estudo. No presente estudo são apresentados os resultados após 17 anos de seguimento.

Metodologia

Mulheres com idades compreendidas entre os 39 e os 41 anos, participantes no programa de rastreio do cancro da mama do National Health Service do Reino Unido, foram distribuídas aleatoriamente em dois grupos. No grupo de intervenção, o rastreio com mamografia foi realizado anualmente até terem completado 49 anos e, no grupo de controlo, o rastreio foi oferecido a partir dos 50 anos e a cada três anos. Foram comparados os seguintes resultados primários: mortalidade por cancro da mama e incidência de cancro da mama in situ, invasivo e a incidência total. Por existir interesse no momento em que se verifica o efeito sobre a mortalidade, foram analisados os resultados em diferentes períodos de seguimento.

Resultados

Entre 14 outubro de 1990 e 25 de setembro de 1997 foram distribuídos aleatoriamente 160.921 participantes: 53.883 mulheres no grupo de intervenção e 106.953 no grupo de controlo. Após um seguimento médio de 17 anos, a razão de taxas de incidência de mortes por cancro de mama foi 0,88 (IC 95% 0,74-1,04) por cancros diagnosticados durante a fase de intervenção. Observou-se uma redução significativa na mortalidade por cancro da mama no grupo de intervenção comparativamente ao grupo de controlo nos primeiros 10 anos após o diagnóstico (razão de taxas de incidência de mortes por cancro de mama de 0,75; IC 95% 0,58-0,97), mas não depois disso (razão de taxas de incidência de mortes por cancro de mama de 1,02; IC 95% 0,80-1,30) para cancros diagnosticados durante a fase de intervenção. A incidência global de cancro da mama durante os 17 anos de seguimento foi similar entre o grupo de intervenção e o grupo de controlo (razão de taxas de incidência de cancro de mama de 0,98; IC 95% 0,93-1,04).

Interpretação

Os resultados do presente estudo revelam uma redução precoce na mortalidade por cancro de mama no rastreio através de mamografia anual em mulheres com idades compreendidas entre os 40 e os 49 anos. São necessários mais dados para compreender plenamente os efeitos a longo prazo. A incidência cumulativa sugere que o sobrediagnóstico não é significativo.

Comentário

A nível mundial, o grupo etário alvo para o rastreio do cancro da mama com mamografia não é consensual. Em 2009, a United States Preventive Services Task Force recomendou formalmente o rastreio bianual para mulheres entre os 50 e os 74 anos, realçando que para mulheres entre os 40 e os 49 anos o benefício do rastreio bianual era pequeno e que deveria considerar-se o risco individual na decisão de realizar o rastreio.1 Por outro lado, a American Cancer Society recomenda a realização de mamografia anualmente a partir dos 40 anos.2 De facto, estudos realizados no Canadá e na Suécia demonstraram que o rastreio de mulheres entre os 40 e os 49 anos reduziu em 30% a mortalidade.3 No entanto, a maioria das recomendações existentes, incluindo as nacionais,4 defendem o início do rastreio a partir dos 50 anos, uma vez que os potenciais benefícios seriam inferiores aos malefícios do sobrediagnóstico.

Um recente e importante estudo, o Canadian National Breast Screening Study, corroborou estes dados ao concluir não existir evidência do impacto do rastreio de mulheres entre os 40 e os 49 anos na mortalidade por cancro da mama após 25 anos de seguimento, tendo-se observado globalmente um aumento significativo do sobrediagnóstico de casos de cancro da mama (uma em cada 424 mulheres).5

No estudo exposto, os resultados revelaram que após 17 anos de seguimento menos mulheres morreram de cancro da mama no grupo da intervenção em comparação com o grupo que realizou o rastreio a partir dos 50 anos, ao contrário dos resultados obtidos após 10 anos de seguimento, em que não se encontraram diferenças significativas.

Este estudo vem alimentar a controvérsia ao demonstrar que, para mulheres com idades entre os 40 e os 50 anos, os benefícios do rastreio com mamografia prevalecem sobre os malefícios do sobrediagnóstico. No entanto, os dados apresentados poderão ser considerados insuficientes para clarificar totalmente os malefícios.

A discrepância de resultados e as diferenças no tipo de desenho dos principais estudos sobre este tema geram dúvidas quanto à suposição de que a redução da mortalidade do rastreio com mamografia em mulheres sem risco aumentado de cancro da mama neste grupo etário é significativa e supera os malefícios do sobrediagnóstico com o consequente impacto na qualidade de vida da mulher. Assim, poder-se-á considerar que, à luz destes novos dados, a evidência para recomendar contra a realização de mamografia como método de rastreio neste grupo etário não é sólida.

Posto isto, e tal como em todos os rastreios implementados na prática clínica do médico de família, é fundamental disponibilizar a informação existente sobre os riscos e benefícios do exame para uma decisão esclarecida, mesmo que a informação fornecida seja contraditória e possa não ser facilitadora do processo de tomada de decisão.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. U.S. Preventive Services Task Force. Final update summary - Breast cancer: screening. USPSTF; 2009 Nov (cited 2015 Oct 8). Available from: http://www.uspreventiveservicestaskforce.org/Page/Document/UpdateSummaryFinal/breast-cancer-screening         [ Links ]

2. American Cancer Society. American Cancer Society guidelines for the early detection of cancer. ACS; 2015 Sep (cited 2015 Oct 8) Available from: http://www.cancer.org/healthy/findcancerearly/cancerscreeningguidelines/american-cancer-society-guidelines-for-the-early-detection-of-cancerX        [ Links ]

3. Feig SA. Screening mammography benefit controversies: sorting the evidence. Radiol Clin North Am. 2014;52(3):455-80.         [ Links ]

4. Direção-Geral da Saúde. Abordagem imagiológica da mama feminina: norma nº 51, de 27/12/2011. Lisboa: DGS; 2015.         [ Links ]

5. Miller AB, Wall C, Baines CJ, Sun P, To T, Narod SA. Twenty five year follow-up for breast cancer incidence and mortality of the Canadian National Breast Screening Study: randomised screening trial. BMJ. 2014;348:g366.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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