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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.5 Lisboa out. 2015

 

ARTIGOS BREVES

Hipertensão arterial secundária: a propósito de um caso de obstrução da junção pieloureteral

Ureteropelvic junction obstruction causing secondary hypertension: a case report

Antony Nogueira,1 Catarina Pinho,1 Joana Teixeira,1 Filipa Natal2

1Médico(a) Interno(a) de Medicina Geral e Familiar, USF Pevidém - Aces Alto Ave

2Médica Assistente de Medicina Geral e Familiar, USF Pevidém - Aces Alto Ave

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução: As causas secundárias de hipertensão arterial podem ser identificadas numa proporção muito pequena de doentes hipertensos. A patologia renal, nomeadamente a estenose da artéria renal e a patologia do parênquima, é um dos principais motivos de hipertensão arterial secundária. Relata-se de seguida um caso de uma paciente de 18 anos, na qual o estudo da hipertensão revelou a presença de uma obstrução da junção pieloureteral unilateral.

Descrição do caso: Paciente do sexo feminino, 18 anos de idade, que recorreu a uma consulta de apoio por um quadro de ansiedade com dois dias de evolução sem fator desencadeante identificado. Ao exame objetivo apresentava apenas valores de tensão arterial elevados e taquicardia, tendo sido medicada com um ansiolítico pelo seu estado de ansiedade. Por manter valores de tensão arterial elevados em ambulatório foi iniciada terapia anti-hipertensiva e estudo de causas secundárias de hipertensão. Do estudo destacou-se a presença de obstrução da junção pieloureteral e hidronefrose à esquerda. Referenciada posteriormente aos cuidados de saúde hospitalares e submetida a cirurgia urológica, encontra-se atualmente assintomática e com valores de tensão arterial controlados sem recurso a medicação.

Comentário: A obstrução da junção pieloureteral unilateral é uma causa rara de hipertensão arterial. Define-se pela diminuição da passagem de urina da pélvis renal para o ureter, com consequente dilatação do sistema urinário coletor e lesão do parênquima renal. Atualmente, devido ao uso generalizado da ecografia obstétrica nas gravidezes vigiadas, grande parte são diagnosticados ainda no período perinatal sendo raros os casos detetados apenas na adolescência ou idade adulta.

Palavras-chave: Hipertensão; Obstrução Pieloureteral; Hidronefrose.


 

ABSTRACT

Introduction: Secondary hypertension can be identified in a small proportion of patients. Kidney disease, including renal artery stenosis and parenchymal disease, is one of the main causes of secondary hypertension. We report the case of an 18 year-old girl with secondary hypertension due to unilateral ureteropelvic junction obstruction.

Case description: An 18 year-old girl presented at an urgent consultation with symptoms of anxiety for two days without a known trigger. On physical examination she had elevated blood pressure and tachycardia. She was treated with an anxiolytic. Because of sustained high blood pressure found on out-of-office blood pressure monitoring, she began antihypertensive drug treatment. The search for secondary causes of hypertension revealed the presence of obstruction of the left ureteropelvic junction causing hydronephrosis. After urological surgery, the patient was asymptomatic. Blood pressure was controlled without antihypertensive drugs.

Comment: Unilateral ureteropelvic junction obstruction is a rare cause of hypertension. It is defined as impaired urine flow from the renal pelvis into the proximal ureter with subsequent dilatation of the collecting system. It can cause damage to the kidney. The widespread use of ultrasonography during pregnancy has resulted in a higher detection rate for antenatal ureteropelvic junction obstruction and hydronephrosis. Cases detected in teenagers and adults are rare.

Keywords: Hypertension; Ureteropelvic Obstruction; Hydronephrosis.


 

Introdução

Os dados epidemiológicos mais recentes indicam que, em Portugal, 42,1% da população residente entre os 18 e 90 anos é hipertensa. A prevalência específica calculada para a idade e género demonstrou ser superior nos homens e nas idades avançadas (≥64 anos) em comparação com as mulheres e as idades jovens (≤35 anos).1

Na prática clínica dos cuidados de saúde primários, causas específicas e potencialmente reversíveis de hipertensão arterial podem ser identificadas numa pequena proporção dos doentes. Devido à sua elevada prevalência, as formas secundárias de hipertensão podem afetar um grande número de hipertensos.2

O estudo das causas secundárias de hipertensão arterial deve ser realizado perante doentes jovens (≤35 anos), nos casos de hipertensão resistente e/ou de difícil controlo, subidas repentinas da tensão arterial, situações de lesão de órgãos-alvo e perante sinais sugestivos, como síndroma de Cushing, massas abdominais palpáveis, sopros cardíacos ou abdominais, diferenças da tensão arterial entre os membros superiores ou pulsos femorais diminuídos.2

De entre as possíveis causas, a patologia renal (nomeadamente a estenose da artéria renal e as doenças parenquimatosas) é a principal causa identificada de hipertensão arterial secundária.2

Relata-se de seguida um caso de uma paciente de 18 anos com valores de tensão arterial elevados identificados na Unidade de Saúde Familiar (USF), em que o estudo da hipertensão arterial revelou a presença de uma obstrução da junção pieloureteral unilateral.

Descrição do caso: Paciente do sexo feminino, 18 anos de idade, raça caucasiana, estudante do ensino secundário, a residir com duas irmãs e uma sobrinha. Pertencente a uma família de médio risco (escala de risco de Segovia-Dreyer), classe IV da classificação de Graffard e com Apgar Familiar de 7. Antecedentes perinatais de gravidez de risco por idade materna avançada (42 anos) e multiparidade. Desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor sem intercorrências. Antecedentes pessoais patológicos e familiares não relevantes. Antecedentes ginecológicos de menarca aos 13 anos, menstruação regular e sem atividade sexual. Sem hábitos medicamentosos, etílicos ou tabágicos, não consumidora de drogas e sem alergias conhecidas.

A utente recorreu em janeiro de 2014 à USF da sua área de residência, em contexto de consulta de apoio, por um quadro clínico com dois dias de evolução caracterizado por inquietação, irritabilidade e sensação de tensão muscular sem fator desencadeante identificado durante a anamnese. O exame físico realizado fora normal, excetuando a presença de valores de tensão arterial elevados (tensão arterial sistólica média de 159mmHg e tensão arterial diastólica média de 93mmHg) após três medições em ambos os braços, bem como taquicardia (frequência cardíaca média de cerca de 110bpm).

Pelo seu estado de ansiedade foi medicada com alprazolam 0,25mg duas vezes ao dia, aconselhada a monitorizar diariamente a sua pressão arterial em casa e marcada nova consulta com duas semanas de intervalo para reavaliação do quadro clínico.

Após duas semanas, a utente recorreu à USF sem qualquer tipo de sintomatologia (a cumprir a medicação prescrita). No entanto, os valores de tensão arterial medidos em ambulatório mantinham-se elevados (tensão arterial sistólica entre 150-160mmHg e tensão arterial diastólica entre 85-95mmHg). Perante esta situação clínica optou-se iniciar terapêutica anti-hipertensora com um bloqueador da entrada de cálcio (amlodipina 5mg uma vez ao dia) e iniciar estudo para possíveis causas de hipertensão arterial secundária.

Em fevereiro de 2014, a utente marca nova consulta e traz consigo o resultado dos exames complementares de diagnóstico, onde se destaca, no eletrocardiograma, taquicardia sinusal (frequência cardíaca de 110bpm) e, na ecografia renovesical “aumento do diâmetro bipolar do rim esquerdo (com cerca de 16cm) e dilatação marcada do seu sistema coletor condicionando severa laminação do seu parênquima provavelmente não funcionante; sem dilatação do ureter homolateral… aspetos que depõem a favor de uma síndrome de junção pieloureteral”.

Após referenciação aos cuidados de saúde hospitalares (serviço de urologia), a utente realizou uma cintigrafia renal com 99mTc MAG3 e prova de furosemida, em junho de 2014, que confirmou a presença de dilatação pielocalicial, hipofunção renal e ausência de resposta ao estímulo diurético, compatível com obstrução pielouretral esquerda. A função renal do rim direito era de 69,3% e a do rim esquerdo era de 30,7%.

Foi proposta em julho de 2014 para cirurgia urológica, que a doente aceitou. Foi submetida em dezembro de 2014 a nefrectomia esquerda (resultado anatomopatológico da peça operatória: “rim hidronefrótico pielonefrítico crónico”).

Atualmente, a utente encontra-se assintomática e com valores tensionais controlados sem recurso a medicação anti-hipertensora.

Discussão: A obstrução da junção pieloureteral corresponde à principal causa de hidronefrose neonatal com uma incidência calculada de cerca de 1:1.500 recém-nascidos, ocorrendo mais no género masculino (2:1) e atingindo com mais frequência o rim esquerdo.3-4

A etiologia da obstrução inclui as causas adquiridas e as causas congénitas. De acordo com os estudos publicados, as causas congénitas são mais prevalentes, podendo ser classificadas, de acordo com o tipo de estenose, em intrínseca e extrínseca.5

Fisiopatologicamente, a obstrução da junção pieloureteral congénita do tipo intrínseco resulta da adinamia de determinados segmentos uretéricos provocados por alterações das fibras de colagénio e/ou interrupções da musculatura lisa da região pieloureteral.5

Devido ao uso generalizado da ecografia obstétrica nas gravidezes vigiadas, grande parte das obstruções da junção pieloureteral com hidronefrose associada são diagnosticados ainda no período perinatal, sendo raros os casos detetados apenas na adolescência ou idade adulta.3-4

Nas crianças, os sintomas incluem massas abdominais palpáveis, atraso de crescimento, recusa alimentar ou mesmo infeções do trato urinário.5 Por sua vez, quando não diagnosticado durante a gravidez ou infância, a obstrução da junção pieloureteral na adolescência e nos jovens adultos pode manifestar-se sob a forma de lombalgia, náuseas e/ou vómitos, infeções urinárias de repetição e hematúria macroscópica, sendo a hipertensão arterial um sinal tardio e muito raro.3,5 Nestas faixas etárias, a dilatação do sistema coletor e a diminuição da vascularização renal com consequente isquemia do rim lesado origina elevação da tensão arterial por ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona.3 Não existem, porém, dados concretos e publicados sobre a incidência de hipertensão arterial nas situações de obstrução da junção pieloureteral unilateral congénita do tipo intrínseco.

A cirurgia com recurso a ureteropieloplastia é a terapêutica gold standard nas obstruções da junção pieloureteral,4 sendo a nefrectomia reservada para as situações de função renal agravada ou lesões renais irreversíveis.3-4

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Macedo ME, Lima MJ, Silva AO, Alcântara P, Ramalhinho V, Carmona J. Prevalência, conhecimento, tratamento e controlo da hipertensão em Portugal: estudo PAP (Prevalence, awareness, treatment and control of hypertension in Portugal: the PAP study). Rev Port Cardiol. 2007;26(1):21-39. Portuguese

2. Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redón J, Zanchetti A, Böhm M, et al. 2013 ESH/ESC Guidelines for the management of arterial hypertension: the Task Force for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). J Hypertens. 2013;31(7):1281-357.         [ Links ]

3. Bocardo-Fajardo G, Blanco-Jiménez E. Historia natural de la hidronefrosis congénita. Clin Urol Complutense. 2002;(9):29-54.         [ Links ]

4. Tekgül S, Dogan HS, Erdem E, Hoebeke P, Kocvara R, Nijman JM, et al. Guidelines on paediatric urology. Arnhem, NL: European Association of Urology; 2015.         [ Links ]

5. Lam JS, Breda A, Schulam PG. Ureteropelvic junction obstruction. J Urol. 2007;177(5):1652-8.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Antony Fernandes Nogueira

Av. S. Jorge, n.º 205, 3.º esq., 4820-802 Fafe

E-mail: antony.nogueiradr@hotmail.com

 

Conflitos de interesses

Os autores declaram não ter conflito de interesses.

 

Recebido em 11-06-2015

Aceite para publicação em 13-09-2015

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