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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.2 Lisboa abr. 2015

 

CLUBE DE LEITURA

Revisão Sistemática sobre a utilização de mel na tosse aguda em crianças

A Systematic Review of Honey for acute cough in children

Sofia Figueira*, Carla Ramos**

*Médica Interna de Medicina Geral e Familiar - USF S. Julião

**Médica Interna de Medicina Geral e Familiar - USF S. Julião


 

Oduwole O, Meremikwu MM, Oyo-Ita A, Udoh EE. Honey for acute cough in children. Cochrane Database of Systematic Reviews 2014, Issue 12. Art. No.: CD007094. DOI: 10.1002/14651858.CD007094.pub4.

Introdução

A tosse em idade pediátrica é um motivo de preocupação parental, pela alteração na qualidade de vida e do sono e pela ansiedade que provoca, sendo um dos motivos de consulta mais frequentemente invocados.1

Na tentativa da sua resolução, frequentemente são administrados medicamentos não sujeitos a receita médica, alguns dos quais sem evidência científica e que podem estar associados a efeitos adversos graves.2-6 O mel, por vezes utilizado no alívio sintomático da tosse,  é composto por uma mistura de diferentes tipos de hidratos de carbono, aminoácidos, flavonóides, vitaminas e oligoelementos que se pensa auxiliarem na redução da inflamação e na prevenção do crescimento de bactérias, vírus e fungos.7-10

Esta revisão sistemática foi realizada no sentido de avaliar a efetividade da utilização de mel no alívio sintomático da tosse aguda (duração inferior a três semanas), a nível comunitário.

Metodologia

Foi efetuada uma pesquisa em seis bases de dados (CENTRAL, MEDLINE, EMBASE, CINAHL, Web of Science, AMED, LILACS e CAB Abstracts) e na ICTRP da OMS de ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECAC) que comparassem a utilização de mel (individualmente ou em combinação com antibióticos) versus nenhum tratamento, placebo ou outros medicamentos não sujeitos a receita médica no contexto de tosse aguda em ambulatório em crianças de idades compreendidas entre um e 18 anos. Foram selecionados três ECAC, envolvendo um total de 568 crianças.

Esta revisão comparou a utilização de mel, dextrometorfano, difenidramina, placebo ou nenhum tratamento no alívio sintomático da tosse, através de uma estimativa dos efeitos pela apreciação subjetiva parental utilizando uma escala de Likert.

Como outcomes primários foram considerados a duração e o alívio sintomático da tosse (redução da frequência e severidade) e, como outcomes secundários, a melhoria da qualidade do sono das crianças e dos cuidadores, a melhoria da qualidade de vida, os efeitos adversos medicamentosos, a melhoria do apetite e o custo da utilização de mel versus de xaropes para a tosse.

Resultados

Observou-se que a utilização de mel parece ser, de forma estatisticamente significativa, mais eficaz na redução da frequência e severidade da tosse que a utilização de placebo (evidência de qualidade alta), difenidramina (evidência de qualidade baixa) ou nenhum tratamento (evidência de qualidade moderada), não se tendo verificado, em relação ao dextrometorfano, diferenças significativas quanto à frequência ou severidade da tosse, parecendo ter eficácia semelhante (evidência de qualidade moderada).

Em relação à melhoria da qualidade do sono das crianças e cuidadores, a utilização de mel parece ser mais eficaz que a difenidramina, placebo ou nenhum tratamento (evidência de qualidade moderada), mas não melhor que a utilização de dextrometorfano (evidência de qualidade moderada).

Quando diferentes tipos de mel foram comparados, o mel natural de Kafi-Abad (Irão) originou maior melhoria sintomática em comparação com os restantes tipos de mel. No entanto, esta conclusão derivou de um estudo com elevado nível de viés, onde nenhum dos braços do tratamento foi cego.

Foram descritos alguns efeitos adversos não graves, sem diferença estatisticamente significativa, entre o mel e as restantes subtâncias: agitação, hiperatividade e insónia (mel e dextrometorfano), sonolência (difenidramina) e queixas gastrointestinais (mel e placebo).

Nenhum dos estudos incluídos abordou a eficácia comparativa do mel na melhoria da qualidade de vida e do apetite ou no custo da utilização de mel versus  xaropes antitússicos.

Discussão

Os resultados desta revisão reportam-se a apenas três pequenos estudos, dois deles com elevado risco de viés (por ausência de grupo de controlo e non-blinding de todos os participantes e investigadores). Nenhum dos estudos incluídos avaliou a efetividade do mel na duração da tosse, uma vez que o período de intervenção e seguimento nos estudos foi de apenas uma noite e a utilização de uma escala de Likert para reportar os sintomas torna-os subjetivos. Desta forma, e uma vez que os resultados obtidos foram de baixa ou moderada qualidade de evidência, estes podem não ser generalizáveis à população.

Conclusão e qualidade da evidência

Até ao momento não existe evidência robusta a favor ou contra a utilização de mel, sendo necessários estudos com maior tempo de utilização e follow-up, assim como a avaliação de outros dados relevantes para os cuidadores, como o efeito do mel na duração da tosse, a melhoria do apetite e o nível de atividade física.

COMENTÁRIO

A tosse aguda em idade pediátrica, nomeadamente no contexto de doença infecciosa do trato respiratório superior, é um sintoma e motivo frequente de recurso aos serviços de saúde. Por prescrição médica, indicação farmacêutica ou automedicação é frequente, na tentativa de resolução deste sintoma, o recurso a fármacos antitússicos, expectorantes e descongestionantes, cuja utilização não é suportada pela melhor evidência disponível3 e está associada a despesas de saúde elevadas.11 O uso destes fármacos está também documentadamente associado a inúmeros efeitos adversos na faixa etária pediátrica e várias entidades oficiais, como a Food and Drug Administration e a American Academy of Pediatrics, emitiram pareceres contra a utilização destes fármacos, nomeadamente em crianças com idade inferior a seis anos.12-13

Por todos estes motivos, torna-se importante encontrar alternativas eficazes e seguras para o alívio sintomático e diminuição da duração da tosse aguda, melhoria da qualidade do sono para crianças e cuidadores e, em última análise, redução do absentismo escolar e laboral daí decorrente. O mel é uma alternativa considerada pela Organização Mundial da Saúde no tratamento da tosse, através da sua ação como agente demulcente.14 Sendo um líquido natural complexo, possui propriedades antimicrobianas e antioxidantes que variam em intensidade, de acordo com a sua composição e que podem explicar a sua longa utilização pela medicina tradicional na abordagem da tosse.15 No que se refere à segurança na utilização do mel em crianças, deve ser considerado o risco da contaminação por Clostridium botulinum sendo, assim, desaconselhado o seu uso antes do primeiro ano de vida.16

O artigo em análise representa uma atualização de uma revisão sistemática da Cochrane Reviews, publicada originalmente no ano de 2010,17 que procura avaliar a eficácia do mel na resolução da tosse aguda pediátrica em contexto de ambulatório. Enquanto que a primeira edição não encontrou qualquer evidência contra ou a favor do uso do mel no contexto da tosse aguda em idade pediátrica, a presente revisão conclui que o mel parece ser superior à ausência de tratamento, placebo ou difenidramina no que se refere ao alívio sintomático da tosse, não sendo, por outro lado, superior ao dextrometorfano quando considerado o mesmo outcome. Ainda assim, considerando que dois dos três estudos controlados e aleatorizados incluídos na revisão apresentam um elevado risco de viés, não existe até ao momento evidência contundente que suporte a utilização do mel no contexto descrito. Para que se possam efetuar mudanças consistentes e orientadas para a prática clínica, no que se refere à utilização do mel na tosse em idade pediátrica, são necessários estudos de maior qualidade metodológica e que considerem períodos mais longos de tratamento e follow-up da intervenção. Adicionalmente, parece ser importante o recurso a uma estratégia de educação para a saúde, informando os cuidadores de que a tosse na criança no contexto de infeção respiratória aguda é um mecanismo fisiológico de defesa e um sintoma autolimitado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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3. Smith SM, Schroeder K, Fahey T. Over-the-counter (OTC) medications for acute cough in children and adults in ambulatory settings. Cochrane Database Syst Rev. 2012;8:CD001831. doi:10.1002/14651858.CD001831.pub4.         [ Links ]

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17. Oduwole O, Meremikwu MM, Oyo-Ita A, UDoh EE. Honey for acute cough in children. Cochrane Database Syst Rev. 2010;1:CD007094. doi:10.1002/14651858.CD007094.pub2.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

As autoras declaram não ter conflito de interesses.