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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.2 Lisboa abr. 2015

 

CLUBE DE LEITURA

Serão os testes de diagnóstico de antigénio rápido um método preciso e fiável no diagnóstico da faringite por Streptococcus b haemolyticus do grupo A?

Are the rapid diagnostic tests for group A streptococcal pharyngitis accurate and reliable?

Maria João Pitta F. Silva

Médica Interna de Medicina Geral e Familiar

UCSP Barão do Corvo


 

Lean WL, Arnup S, Danchin M, Steer AC. Rapid diagnostic test for group A streptococcal pharyngitis: a meta-analysis. Pediatrics. 2014;134(4):771-81.

Introdução

A faringite é uma causa frequente de procura dos serviços de saúde, especialmente na população pediátrica. O Streptococcus β haemolyticus do grupo A (SGA) é a causa bacteriana mais frequente.

No que respeita ao diagnóstico desta entidade clínica surgem alguns desafios, nomeadamente na distinção entre faringite de etiologia bacteriana ou vírica.

O teste de diagnóstico de referência é a cultura da orofaringe do SGA. Os testes de diagnóstico de antigénio rápido (TDAR) são uma alternativa promissora; no entanto, face a preocupações relativas à sua sensibilidade e especificidade têm tido um uso limitado na prática clínica.

Objetivo

O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática com meta-análise sobre a precisão diagnóstica dos TDAR na faringite por SGA.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados bibliográficas da MEDLINE e Embase de artigos publicados entre 1996 até 2013, complementada com uma revisão manual da bibliografia de artigos que cumpriam os critérios de inclusão. Foram incluídos estudos sobre a precisão dos TDAR na faringite por SGA. Cada artigo foi avaliado por dois investigadores utilizando uma escala Quality Assessment of Diagnostic Accuracy Studies. Apenas foram incluídos estudos que empregaram TDAR utilizando zaragatoas e como controlo culturas numa placa de ágar com sangue.

Foi realizada uma regressão bivariada de efeitos aleatórios para estimar a sensibilidade e especificidade com intervalos de 95% de confiança. Foi também realizada uma meta-análise adicional para a população pediátrica.

Resultados

Foram incluídos 48 estudos, com um total de 60 pares de sensibilidade e de especificidade, correspondendo a um total de 23.934 doentes. As estimativas sumárias para sensibilidade e especificidade dos TDAR foram 0,86 (IC 95%: 0,83-0,88) e 0,96 (IC 95%: 0,94-0,97), respetivamente. Os resultados foram semelhantes para a população pediátrica.

Observou-se uma variação considerável da sensibilidade entre os estudos, mas pouca variabilidade na especificidade.

Relativamente aos vários tipos de TDAR analisados, os de base molecular obtiveram a melhor precisão diagnóstica, com uma sensibilidade de 0,92 (IC 95%: 0,89-0,95) e especificidade de 0,99 (IC 95%: 0,97-0,99).

Limitações

Algumas limitações foram: metodologias muito variadas entre os estudos incluídos, métodos de recolha de amostras nem sempre explícitos, diferenças na gravidade dos doentes incluídos, número insuficiente de estudos em cada tipo de TDAR. Esta última limitação impossibilitou a realização de meta-regressão ou análise dos subgrupos para determinar a importância de fatores potencialmente confundidores.

Discussão

A precisão diagnóstica dos TDAR mais recentes (técnicas moleculares) é promissora; no entanto, o facto de demorar entre uma e três horas a apresentar o resultado poderá ser uma desvantagem em comparação com os testes de 1.a geração (baseados em imunidade) que podem apresentar o resultado em tão pouco tempo como 30 segundos.

Este estudo demonstra que os TDAR podem ser utilizados com precisão no diagnóstico da faringite por SGA. No caso de TDAR negativos, a cultura da orofaringe não é necessária, nomeadamente em locais com baixa incidência de febre reumática, particularmente se se utilizarem testes com sensibilidades altas como os baseados em técnicas moleculares.

COMENTÁRIO

A faringite é um motivo frequente de consulta e de prescrição de antibióticos em cuidados de saúde primários. Embora numa grande parte dos casos a etiologia da faringite seja vírica, pode também ter como etiologia uma infeção bacteriana, sendo o Streptococcus β haemolyticus do grupo A (SGA) o agente mais frequente.1-2 A amigdalite estreptocócica é mais frequente em idade escolar e apresenta, como possíveis complicações, a febre reumática e complicações supurativas como abcesso periamigdalino, linfadenite cervical e mastoidite.3-4

No que respeita ao diagnóstico de faringite surgem por vezes dificuldades na distinção da etiologia vírica ou bacteriana. Assim, são utilizados critérios clínicos e epidemiológicos que ajudam a detetar doentes com alta probabilidade de faringite por SGA. Os critérios de Centor são usados tanto em adultos como em crianças; no entanto, este método identifica apenas 53% dos doentes com faringite por SGA. Desta forma, é geralmente recomendada a confirmação laboratorial da presença de SGA de forma a limitar a utilização indevida de antibióticos.3,5

O teste de referência para o diagnóstico de faringite por SGA é a cultura da orofaringe; no entanto, os TDAR são uma boa alternativa, uma vez que apresentam os resultados em menos tempo e permitem tomar decisões em relação ao tratamento na altura do diagnóstico.1,4

A Norma de Orientação Clínica n.o 20/2012, da Direção-Geral da Saúde, recomenda que em idade pediátrica seja realizada a confirmação microbiológica de faringite antes do início de antibioterapia. A realização TDAR é recomendada sempre que há suspeita clínica de faringite por SGA, exceto em situações com clínica ou epidemiologia sugestiva de infeção vírica ou em crianças com idade inferior a três anos (exceto se tiverem contactado com infeção por SGA). A cultura da orofaringe para SGA é apenas recomendada em determinadas situações em que os TDAR não estão disponíveis ou como confirmação quando os TDAR são negativos.4

Existem vários tipos de TDAR, nomeadamente os de 1.a geração (aglutinação de látex) e, mais recentemente, foram desenvolvidos testes baseados em técnicas moleculares.

A sensibilidade varia bastante, consoante os diferentes tipos de testes, sendo que os de 1.a geração apresentam sensibilidades aproximadas de 70%, ao contrário dos testes mais recentes que apresentam sensibilidades aproximadas de 90%. Estes últimos têm como desvantagem o facto de apresentarem o resultado em uma a três horas, ao contrário dos testes mais antigos que são mais rápidos.3-4,6

No que respeita à utilização dos TDAR na prática clínica, as orientações internacionais apresentam alguma variabilidade, sendo que tanto as americanas como as europeias recomendam a utilização de TDAR, mas apenas as americanas recomendam a confirmação por cultura dos TDAR negativos em crianças. Pelo contrário, as orientações europeias não recomendam a confirmação cultural em adultos ou crianças. Já as orientações australianas não recomendam de todo a utilização de TDAR na prática clínica.7-9

Os resultados deste estudo demonstram que a sensibilidade geral dos testes analisados é boa, mas com bastante variabilidade individual. Os autores ressalvam ainda a existência de possíveis fatores confundidores que poderão influenciar a sensibilidade dos testes, como o tipo de zaragatoa utilizada e a técnica de colheita, os quais deverão ser melhor estudados.3

Apesar das recomendações nacionais e internacionais indicarem critérios específicos para a utilização de TDAR no diagnóstico de faringite por SGA, a realidade portuguesa a nível dos cuidados de saúde primários e secundários não é em geral esta, uma vez que os mesmos raramente estão disponíveis. A decisão de iniciar ou não antibioterapia é muitas vezes baseada em critérios clínicos e epidemiológicos e não em exames microbiológicos, contribuindo para uma prescrição por vezes indevida com os riscos inerentes a esta ação.

Com base nos resultados deste estudo, a sensibilidade dos TDAR de última geração é superior, não implicando estudo adicional no caso de serem negativos. A sua utilização na suspeita de faringite por SGA contribui para tornar a prescrição de antibioterapia mais precisa.

Assim, poderia ser uma vantagem dispor destes dispositivos na prática clínica habitual. Impõe-se, contudo, a necessidade de realizar estudos de custo–benefício que permitam perceber até que ponto a sua utilização poderá ser vantajosa a este nível.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ruiz-Aragón J, Rodríguez López R, Molina Linde JM. Evaluation of rapid methods for detecting Streptococcus pyogenes: systematic review and meta-analysis. An Pediatr (Barc). 2010;72(6):391-402.         [ Links ]

2. Aalbers J, O’Brien KK, Chan WS, Falk GA, Teljeur C, Dimitrov BD, et al. Predicting streptococcal pharyngitis in adults in primary care: a systematic review of the diagnostic accuracy of symptoms and signs and validation of the Centor score. BMC Med. 2011;9:67.         [ Links ]

3. Lean WL, Arnup S, Danchin M, Steer AC. Rapid diagnostic test for group A streptococcal pharyngitis: a meta-analysis. Pediatrics. 2014;134(4):771-81.         [ Links ]

4. Direção-Geral da Saúde. Diagnóstico e tratamento da amigdalite aguda na idade pediátrica: norma de orientação clínica nº 020/2012, de 26/12/2012. Lisboa: DGS; 2012.         [ Links ]

5. Morais S, Teles A, Ramalheira E, Roseta J. Amigdalite estreptocócica: presunção clínica versus diagnóstico (Streptococcal pharyngitis: clinical suspicion versus diagnosis). Acta Med Port. 2009;22(6):773-8. Portuguese

6. Leung AK, Newman R, Kumar A, Davies HD. Rapid antigen detection testing in diagnosing group A beta-hemolytic streptococcal pharyngitis. Expert Rev Mol Diagn. 2006;6(5):761-6.         [ Links ]

7. Shulman ST, Bisno AL, Clegg HW, Gerber MA, Kaplan EL, Lee G, et al. Clinical practice guideline for the diagnosis and management of group A streptococcal pharyngitis: 2012 update by the Infectious Diseases Society of America. Clin Infect Dis. 2012;55(10):e86-102.         [ Links ]

8. Pelucchi C, Grigoryan L, Galeone C, Esposito S, Huivinen P, Little P, et al. Guideline for the management of acute sore throat: ESCMID Sore Throat Guideline Group. Clin Microbiol Infect. 2012;18 Suppl 1:1-28.         [ Links ]

9. Matthys J, De Meyere M, van Driel ML, De Sutter A. Differences among international pharyngitis guidelines: not just academic. Ann Fam Med. 2007;5(5):436-43.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.