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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.1 Lisboa fev. 2015

 

POEMs

Prognóstico do défice cognitivo ligeiro em medicina geral e familiar

Prognosis of mild cognitive impairment in general practice

Joana Oliveira

Médica Interna do 4º ano de Medicina Geral e Familiar

USF Cova da Piedade, ACES Almada-Seixal


 

Kaduszkiewicz H, Eisele M, Wiese B, Prokein J, Luppa M, Luck T, et al. Prognosis of mild cognitive impairment in general practice: results of the German AgeCoDe study. Ann Fam Med. 2014;12(2):158-65. doi:10.1370/afm.1596.

Questão clínica

Existe benefício no diagnóstico de défice cognitivo ligeiro?

Resumo

Objetivo: O diagnóstico formal de Défice Cognitivo Ligeiro (DCL) foi recentemente introduzido no DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition) como perturbação neurocognitiva ligeira. Foi investigado o seu valor prognóstico e analisados os determinantes da sua evolução no estudo alemão AgeCoDe (estudo sobre envelhecimento, cognição e demência nos cuidados primários).

Métodos: Foram incluídos no estudo 357 doentes a partir dos 75 anos, seguidos em consulta nos cuidados de saúde primários durante três anos. De acordo com a sua evolução clínica foram divididos retrospetivamente em quatro grupos: remissão, flutuante, estável e progressiva.

Resultados: 41,5% dos doentes tiveram remissão dos sintomas com função cognitiva normal aos 1,5 e três anos, 21,3% tiveram evolução flutuante, 14,8% tiveram sintomas estáveis e 22,4% progrediram para demência. Os doentes que apresentaram maior risco de doença evolutiva ao longo do espectro apresentavam inicialmente sintomas de depressão, défice em mais que uma área cognitiva, défice severo ou idade avançada. O resultado relativo a capacidade de aprendizagem e reprodução após dez minutos foi considerado o melhor indicador para diferenciação entre evolução para remissão ou evolução progressiva.

Conclusões: Nos cuidados de saúde primários, cerca de um quarto dos doentes com DCL apresenta progressão para demência nos três anos seguintes. A determinação da função da memória e sintomas depressivos auxiliam na predição da evolução quanto a progressão ou remissão. Considerando o conceito de DCL adaptado ao algoritmo de diagnóstico clínico (DSM-5), não devemos esquecer que três quartos dos doentes se mantêm cognitivamente estáveis ou apresentam melhoria da função cognitiva nos três anos seguintes. Estes doentes não devem ser alarmados desnecessariamente pela perceção deste diagnóstico.

COMENTÁRIO

O DSM-5 apresenta significativas alterações relativamente a critérios de diagnóstico e classificação de vários capítulos fulcrais da doença mental. Quanto às perturbações neurocognitivas (PNC) reconhece subgrupos etiológicos específicos e cada grupo pode então ser dividido em grau “ligeiro” ou “major” de disfunção cognitiva com base no declínio, especialmente na incapacidade de desempenhar funções básicas às atividades da vida diária (AVDs). É ainda adicionado o especificador “com” ou “sem perturbação do comportamento”.1-2

A introdução de um novo diagnóstico no algoritmo clínico tem como objetivo aumentar a sua deteção precoce e tratamento. No caso do défice cognitivo ligeiro (DCL) é reconhecido um nível de perturbação cognitiva que precede a progressão para défice cognitivo major (demência e perturbação amnésicas) ou outras situações de declínio grave, mais desadaptativos. É feito o update de domínios cognitivos e a sua necessidade para cumprir critérios de diagnóstico de DCL, nomeadamente: declínio cognitivo ligeiro adquirido em pelo menos um domínio cognitivo (atenção complexa, funções executivas, aprendizagem e memória, linguagem, perceção motora ou cognição social), com base na preocupação do indivíduo, informador confiável ou médico que percecionou o declínio ou défice objetivado em testes de cognição neuropsicologica estandardizados. O défice cognitivo não interfere com a autonomia nas AVDs e não ocorre em contexto de delirium ou de outra doença mental.2

Esta definição de DCL ultrapassa questões relacionadas com a idade, referindo-se a um nível de declínio que requer estratégias compensatórias e acomodações para a manutenção da autonomia. O declínio é, por definição, adquirido e não do desenvolvimento, o que obriga ao conhecimento da performance prévia e à necessidade da compreensão do contexto educacional e social do doente quando é feita a aplicação de testes. Salienta-se também o facto de o défice de memória não ser critério essencial para este diagnóstico.3

Face à suspeita diagnóstica, sobretudo no DCL, a elaboração de uma história clínica cuidada e a integração com outros achados clínicos são fundamentais, sobretudo face a uma situação borderline, num contínuo que é imprevisível.5

Os autores do DSM-5 determinam que a decisão diagnóstica deve basear-se numa avaliação neuropsicológica que quantifica os domínios cognitivos, orienta áreas que necessitam de maior suporte e serve de base para avaliação posterior. Os testes breves mentais globais podem ser úteis, mas menos sensíveis e apresentam algumas limitações. Priorizando os resultados, ocorre frequentemente o subdiagnóstico em indivíduos com bom funcionamento e testes “normais”, mas na realidade têm declínio nas funções relacionadas com AVDs ou o sobrediagnóstico noutros em que a baixa performance não representa alteração da linha base e pode estar relacionada com alterações pré-mórbidas ou com uma intercorrência transitória. Por outro lado, o foco excessivo nos sintomas subjetivos pode falhar nos indivíduos com insight pobre. Na referência, a necessidade de maior assistência associada “à idade”, os doentes mantêm autonomia, mas necessitam de mais tempo e esforço do que anteriormente. Nestes casos, é fundamental determinar que a dificuldade na execução é justificada pelo declínio cognitivo e não pela limitação motora.3

A prevalência das PNC aumenta com a idade, sendo que na população mais envelhecida o DCL é mais difícil de estimar porque a comunidade médica está pouco sensibilizada e o declínio menos claro é justificado, pela comunidade, pela “idade”. Estima-se que seja muito variável: de 2 a 10% aos 65 anos e de 5 a 25% aos 85 anos. É aceite que o principal fator de risco seja a idade, seguido do sexo feminino (atribuível à maior esperança de vida).3

Com o aumento do número de diagnósticos de DCL prevê-se a possibilidade de abrir caminho ao desenvolvimento de planos de tratamento efetivos, de forma a encorajar investigadores a avaliar como os novos critérios de diagnóstico se correlacionam com sintomas e potenciais terapêuticas educacionais e estimulação cerebral. Vislumbra-se a potencial utilização de marcadores de prognóstico, cuja utilidade não está ainda comprovada. Segundo o DSM-5, a deteção precoce permite intervenções mais efetivas, que não são eficazes em graus mais severos e podem reduzir a velocidade de progressão da doença.2

Encontramo-nos na prática clínica diária face a uma população tendencialmente envelhecida, na qual se estima o subdiagnóstico do DCL e provável aumento da sua prevalência no futuro. Contudo, encontramo-nos igualmente numa fase em que não existem ainda terapêuticas efetivas a oferecer, estando preconizado o reforço dos cuidados preventivos demenciais. A gestão do diagnóstico e acompanhamento da sua evolução em parceria com a família e cuidadores requer uma relação médico-doente funcional que dá primazia à abordagem centrada no doente e não na doença. É essa relação de confiança que permite a prestação dos melhores cuidados ao doente em cada fase, maximizando a sua autonomia e prevenindo a sua progressão. De acordo com o estudo apresentado, esta é a prática adequada a todos os utentes, especialmente dirigida aos cerca de três quartos que não apresentam progressão para demência (nível de evidência 1b).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kaduszkiewicz H, Eisele M, Wiese B, Prokein J, Luppa M, Luck T, et al. Prognosis of mild cognitive impairment in general practice: results of the German AgeCoDe study. Ann Fam Med. 2014;12(2):158-65. doi:10.1370/afm.1596.         [ Links ]

2. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Arlington, VA: APA; 2013.         [ Links ] ISBN 9780890425558

3. Ganguli M, Blacker D, Blazer DG, Grant I, Jeste DV, Paulsen JS, et al. Classification of neurocognitive disorders in DSM-5: a work in progress. Am J Geriatr Psychiatry. 2011;19(3):205-10.         [ Links ]

4. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: text revision (DSM-IV-TR). 4th ed. Washington, DC: APA; 2000.         [ Links ] ISBN 9780890420256

5. Stetka BS, Correll CU. A guide to DSM-5. Medscape. 2013 May 21. Available from: http://www.medscape.com/viewarticle/803884        [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter qualquer conflito de interesses.

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