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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.4 Lisboa ago. 2014

 

CLUBE DE LEITURA

Efeitos na saúde do uso de cigarros eletrónicos

Health effects of the use of electronic cigarettes

Ana Sofia Nogueira

Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar da USF S. Félix da Marinha - ACeS Grande Porto VIII - Espinho/Gaia


 

Callahan-Lyon P. Electronic cigarettes: human health effects. Tob Control. 2014;23:ii36-ii40.

Introdução

Os cigarros eletrónicos (e-cigarros) têm aumentado rapidamente de popularidade nos Estados Unidos da América, o que implica que os seus utilizadores e consumidores passivos estejam expostos a aerossóis e produtos constituintes destes dispositivos.

Esta é uma revisão dos estudos publicados sobre os efeitos na saúde humana da exposição a e-cigarros e seus componentes.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados Web of Knowledge, PubMed, SciFinder, Embase e EBSCOhost (até setembro de 2013). Foram incluídos artigos escritos em Inglês, acessíveis ao público, publicados em revistas com revisão por pares e que abordassem exclusiva ou parcialmente os efeitos na saúde da exposição e/ou uso de sistemas eletrónicos de libertação de nicotina ou e-cigarros.

A partir de 359 artigos que cumpriam os critérios de inclusão foram selecionados 44 artigos para esta revisão (publicados entre 2009 e 2013). A validade e força de cada estudo foi determinada com base numa avaliação qualitativa dos objetivos do estudo e população, risco de viés, experiência de indivíduos com e-cigarros e os detalhes experimentais.

Resultados

Efeitos na saúde relacionados com componentes específicos dos e-cigarros

Os efeitos na saúde dos componentes do e-cigarro foram avaliados em dezoito estudos.

A aerossolização do líquido do e-cigarro (geralmente composta por água, propilenoglicol [PG], glicerina, nicotina e aromatizantes) produz o “fumo” que os consumidores e, potencialmente, não utilizadores inalam.

Os efeitos da inalação dos produtos libertados pelo e-cigarro variam de acordo com múltiplos fatores, quer individuais, climatéricos e características do local onde ocorre o consumo quer do tipo de dispositivo utilizado.

O glicol e vapor de glicerol são componentes da maioria dos e-cigarros e atuam como irritantes das vias aéreas superiores. O contacto com vapor de glicol pode secar mucosas e olhos. A glicerina e PG não causaram efeitos citotóxicos em células estaminais embrionárias humanas, células estaminais neuronais e fibroblastos pulmonares humanos quando expostos a diferentes soluções de recarga de e-cigarros. No entanto, não existem dados suficientes para determinar a segurança da inalação de vapor de glicerol, associada ao uso de e-cigarros, quando realizada de forma continuada e a longo prazo.

Casos graves de intoxicação por nicotina, devido aos cigarros, são relativamente raros visto que vómitos espontâneos normalmente limitam a absorção de tabaco engolido. No entanto, os e-cigarros podem representar um aumento de risco de toxicidade devido à disponibilidade de altas concentrações de nicotina nos cartuchos.

O nível de exposição à nicotina proveniente do uso de e-cigarros é muito variável. Estudos encontraram grandes variações nos níveis de nicotina, variabilidade na aerossolização, imprecisão nos rótulos dos produtos e libertação inconsistente de nicotina durante a utilização do produto.

Os dados sobre os efeitos na saúde a curto prazo são limitados e não existem dados suficientes sobre os efeitos de longo prazo.

Efeitos fisiológicos observados em estudos clínicos

Os efeitos fisiológicos do uso do e-cigarro foram avaliados em nove dos estudos analisados.

Quando avaliados os efeitos fisiológicos do e-cigarro verificou-se que ocorre irritação da orofaringe e tosse seca com o uso inicial do produto, níveis de cotinina plasmática semelhantes aos utilizadores de cigarro tradicional e comprometimento da função respiratória semelhante ao fumador tradicional.

Assim, a literatura atualmente disponível é insuficiente para determinar se o uso do e-cigarro no seu todo é menos nocivo para o utilizador individual do que o cigarro tradicional.

Riscos da exposição passiva

A exposição passiva aos produtos do e-cigarro foi avaliada em cinco estudos.

As elevadas concentrações de nicotina presentes em alguns dispositivos aumentam os riscos da exposição passiva, particularmente em crianças. A nicotina residual persistente em superfícies interiores pode levar à exposição terciária através da pele, por inalação e ingestão muito tempo após a exposição.

Potencial para redução do dano ou auxiliar na cessação tabágica

Doze artigos avaliaram o potencial do e-cigarro como auxiliar na cessação tabágica.

Embora as campanhas de marketing incluam implícita ou explicitamente informações sobre a capacidade do e-cigarro ajudar a diminuir ou cessar o consumo de tabaco, estes dados carecem de apoio científico. Alguns estudos têm demonstrado redução a curto prazo no consumo de cigarros durante a utilização de e-cigarros.

Alguns fumadores referem menos sintomas de abstinência, assim como explicam a atração pelos e-cigarros, devido ao custo reduzido, perceção de menor toxicidade e maior liberdade de consumo.

Conclusão

Os e-cigarros têm potencialmente vantagens relativamente aos cigarros tradicionais. Todavia, a evidência científica atual sobre os seus efeitos na saúde humana é limitada, assim como os seus efeitos a nível ambiental e para os consumidores passivos.

As inúmeras diferenças no fabrico dos e-cigarros, seus componentes e potenciais toxicidades dificultam a sua avaliação como um único dispositivo.

Apesar de o aerossol dos e-cigarros poder conter menos produtos tóxicos que o cigarro tradicional, os estudos que avaliam se são menos prejudiciais não são conclusivos. Alguns artigos sugerem que o uso de e-cigarro pode facilitar a cessação tabágica, faltando, no entanto, dados definitivos. Contudo, a Food and Drug Administration aprovou o uso do e-cigarro como auxiliar da cessação tabágica.

De salientar que existe uma preocupação crescente relativamente aos indivíduos que nunca consumiram substâncias com nicotina devido aos e-cigarros serem produtos atraentes para a população jovem (nova tecnologia, variedade de aromas).

Futuros estudos que avaliem os efeitos na saúde humana dos e-cigarros devem incluir o impacto nos padrões de consumo e cessação tabágica, marcas preferidas e efeitos secundários e terciários da exposição ao aerossol.

Os dados atualmente disponíveis não são suficientes para confirmar um benefício a longo prazo para consumidores ou para a população em geral.

COMENTÁRIO

Tal como o artigo refere, o consumo de e-cigarros tem vindo a aumentar rapidamente.1 Apesar de a maioria das autoridades de saúde se ter concentrado no estudo da sua potencial toxicidade e auxiliar na cessação tabágica, as empresas de comercialização do e-cigarro cresceram exponencialmente.

Segundo esta revisão sistemática, a evidência científica atual carece de informação relativa ao impacto global do e-cigarro na saúde dos indivíduos, consumidores passivos e como auxiliar da cessação tabágica, o que é corroborado no artigo de Frank et al.2 O estudo de Bullen et al3 demonstrou que o cigarro eletrónico é modestamente eficaz como adjuvante da cessação tabágica, com efeitos semelhantes aos dispositivos de nicotina transdérmicos na síndroma de abstinência e poucos eventos adversos, pelo que consideram que o papel destes dispositivos permanece inconclusivo.

A publicação de Kosmider et al4 concluiu que o vapor libertado pelos e-cigarros contém compostos de carbonilo potencialmente tóxicos e cancerígenos, assim como que a nova geração de e-cigarros pode aumentar o risco de exposição a níveis elevados de compostos de carbonilo, embora os riscos sejam provavelmente inferiores aos do cigarro tradicional.

A legislação portuguesa é omissa no que diz respeito ao uso de dispositivos de tabaco eletrónicos.5 Contudo, o Infarmed desaconselha “a utilização deste tipo de produtos, por não ser possível assegurar a sua qualidade, segurança e eficácia/desempenho”.6 Face ao exponencial consumo destes produtos seria importante que a revisão da legislação dos produtos de tabaco, esperada para 2014, regulasse o seu uso.

Esta revisão demonstrou que a evidência científica acerca dos e-cigarros é limitada. Assim, considera-se urgente a realização de estudos randomizados e controlados sobre os riscos e benefícios do uso de e-cigarro de forma a estabelecer definitivamente o seu potencial para a cessação tabágica e regulamentar o seu uso.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Callahan-Lyon P. Electronic cigarettes: human health effects. Tob Control. 2014;23:ii36-ii40.         [ Links ]

2. Franck C, Budlovsky T, Windle SB, Filion KB, Eisenberg MJ. Electronic cigarettes in North America: history, use, and implications for smoking cessation. Circulation. 2014;129(19):1945-52.         [ Links ]

3. Bullen C, Howe C, Laugesen M, McRobbie H, Parag V, Williman J, et al. Electronic cigarettes for smoking cessation: a randomized controlled trial. Lancet. 2013;382(9905):1629-37.         [ Links ]

4. Kosmider L, Sobczak A, Fik M, Knysak J, Zaciera M, Kurek J, et al. Carbonyl compounds in electronic cigarette vapors: effects of nicotine solvent and battery output voltage. Nicotine Tob Res. 2014 May 15.         [ Links ] pii: ntu078. (Epub ahead of print)

5. Lei nº 37/2007, de 14 de Agosto. Diário da República. 1ª série(156).

6. INFARMED. Cigarros eletrónicos: circular informativa nº 156/CD, de 12/08/2011. Lisboa: INFARMED; 2011.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

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