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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.3 Lisboa maio 2014

 

CLUBE DE LEITURA

Metas da pressão arterial nas pessoas com Diabetes e Hipertensão - qual é a evidência?

Blood pressure targets for people with hypertension and diabetes - what is the evidence?

Andreia Glória Silva*, Diana Tomaz**

Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Oeiras

Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Conde de Oeiras


 

Arguedas JA, Leiva V, Wright JM. Blood pressure targets for hypertension in people with diabetes mellitus. Cochrane Database Syst Rev. 2013;10:CD008277.

Introdução

Diversas normas de orientação clínica publicadas nos últimos anos recomendam metas de pressão arterial inferiores às consideradas para a população geral nas pessoas com diabetes mellitus. No entanto, desconhecem-se ao certo os benefícios de uma redução mais intensiva da pressão arterial (inferior a 130/80 mmHg) nestes doentes.

Objetivos

Determinar se metas de pressão arterial inferiores a 130/85 mmHg estão associadas a redução da mortalidade e morbilidade, comparativamente a metas standard (inferiores a 140 - 160/90 - 100 mmHg), em pessoas com diabetes.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados DARE, Cochrane Database of Systematic Reviews, Hypertension Group Specialised Register (Janeiro 1946 - Outubro 2013), Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), MEDLINE (Janeiro 1946 - Outubro 2013), EMBASE (Janeiro 1974 - Outubro 2013), ClinicalTrials.gov, International Clinical Trials Registry Platform (WHO ICTRP), e de referências bibliográficas de todos os artigos e revisões relevantes.

Critérios de seleção

Ensaios clínicos aleatorizados que comparassem pessoas com diabetes alocadas a metas de pressão arterial inferiores ou standard, conforme definido previamente.

Colheita e análise de dados

Os ensaios incluídos e os dados foram avaliados por dois revisores de forma independente. Os outcomes primários considerados foram a mortalidade total, eventos adversos graves totais; enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva e doença renal terminal. Os outcomes secundários foram a pressão arterial sistólica e diastólica média e desistência devido a efeitos adversos.

Resultados

Foram encontrados 5 ensaios aleatorizados, dos quais apenas um (ACCORD) contemplou a meta de Pressão Arterial Sistólica (PAS). Neste estudo, apesar de se ter atingido uma redução da pressão arterial estatisticamente significativa (119,3/64,4 mmHg vs 133,5/70,5 mmHg, p < 0,0001), somente a redução da incidência de acidente vascular cerebral apresentou significância estatística (RR 0,58; 95% CI 0,39 - 0,88; p = 0.009). Verificou-se ainda um aumento significativo no número de outros eventos adversos.

Os restantes ensaios (ABCD-H, ABCD-N, ABCD-2V e HOT) consideraram a meta de Pressão Arterial Diastólica (PAD). No grupo de menor meta de PAD, em média 128/76 mmHg vs 135/83 mmHg no grupo standard (p < 0,0001), constatou-se tendência para a redução na mortalidade total (RR 0,73; 95% CI 0,53 - 1,01), principalmente devido a mortalidade não cardiovascular, não se encontrando diferenças nos outros outcomes primários.

Conclusões dos autores

De momento, a evidência não suporta metas de pressão arterial inferiores às metas standard para as pessoas com diabetes e pressão arterial elevada. São necessários mais ensaios clínicos aleatorizados, que de futuro considerem a mortalidade total, os eventos adversos graves totais, os eventos cardiovasculares e renais1.

COMENTÁRIO

A doença cardiovascular é a principal causa de morte em Portugal e de mortalidade prematura nas pessoas com diabetes mellitus. Estima-se que, nestes doentes, o risco de doença coronária, de acidente vascular cerebral e de outras doenças cardiovasculares seja 2 vezes superior2. A presença de outros fatores de risco e/ou de comorbilidades aumenta o risco, sendo que os indivíduos com hipertensão apresentam um risco cerca de 4 vezes superior ao dos indivíduos sem o diagnóstico de hipertensão e/ou de diabetes. Assim, é fundamental a intervenção adequada nos fatores de risco cardiovascular, sendo indispensável para a prática clínica definir objetivos de pressão arterial nestes doentes.

Algumas Normas de Orientação Clínica (NOC) que recomendavam valores alvo de tensão arterial mais intensivos (inferiores a 130/80 mmHg) nas pessoas com diabetes têm vindo a reconsiderar este objetivo terapêutico. As NOC da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC)3 e da Associação Americana de Diabetes (ADA)4 foram revistas em 2013, recomendando agora uma PAS inferior a 140 mmHg. A ADA refere contudo que, em pessoas jovens, poderá ser preconizado um valor de PAS inferior a 140 mmHg. Em relação à PAD, a ESC e a ADA aconselham valores inferiores a 85 mmHg e a 80 mmHg, respetivamente. Recentemente foi publicada uma NOC da Joint National Comittee (JNC8)5 que recomenda valores de pressão arterial inferiores a 140/90 mmHg nos adultos hipertensos com diabetes. A exceção parece ser a NOC NICE,6 que já em 2008 aconselhava valores inferiores a 140/80 mmHg. As normas acima mencionadas afirmam não haver evidência que justifique uma meta mais intensiva. As NOC da Direção-Geral da Saúde sobre a definição e a classificação da hipertensão arterial7 e a sua abordagem terapêutica8 não fazem referência aos objetivos de pressão arterial nestes doentes. Sublinham apenas que, na avaliação e tratamento da hipertensão arterial, deve ser estratificado o risco absoluto tendo em conta fatores de risco, lesões de orgão alvo e comorbilidades, entre as quais se encontra a diabetes.

Em meta-análises anteriores a esta revisão sistemática obtiveram-se resultados semelhantes. De referir duas meta-análises9-10 publicadas em 2011, que incluíram um maior número de ensaios clínicos, em que apenas se obteve uma redução estatisticamente significativa do risco de acidente vascular cerebral para a meta igual ou inferior a 130 mmHg. Também uma meta-análise11 de 2012, que se baseia nos mesmos ensaios clínicos que a revisão da Cochrane, conclui que uma meta mais intensiva apenas está associada a uma ligeira redução do risco de acidente vascular cerebral, sem redução do risco de mortalidade ou de enfarte do miocárdio.

Interessa referir algumas limitações da revisão sistemática aqui discutida, que poderão limitar a sua aplicação prática. Esta contempla um número reduzido de ensaios, sendo que na avaliação da meta do valor tensional sistólico apenas foi considerado o estudo ACCORD. A escassez de estudos deve-se à ausência de ensaios aleatorizados com boa qualidade que comparem metas de pressão arterial na diabetes mellitus. O estudo ACCORD considerou como meta no grupo mais intensivo uma PAS inferior a 120 mmHg, não se podendo, deste modo, inferir sobre os benefícios de uma PAS inferior a 130 mmHg. No entanto, confirma a redução da mortalidade e de eventos cardiovasculares estatisticamente significativos associada à meta standard (inferior a 140 mmHg) em pessoas com diabetes.

Pelo exposto, é possível que se venha assistir a uma mudança de paradigma na abordagem da hipertensão arterial nos indivíduos com diabetes, como se tem constatado noutras áreas, de que é exemplo a abordagem das dislipidémias, com a eliminação dos valores alvo de colesterol LDL. Contudo, persistem dúvidas quanto às recomendações que têm vindo a ser publicadas pelo que, dado o impacto que poderão ter na prática clínica, é importante a realização de novos ensaios clínicos aleatorizados de qualidade que avaliem os benefícios das diferentes metas de pressão arterial.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Arguedas JA, Leiva V, Wright JM. Blood pressure targets for hypertension in people with diabetes mellitus. Cochrane Database Syst Rev. 2013;10:CD008277.         [ Links ]

2. Emerging Risk Factors Collaboration, Sarwar N, Gao P, Seshasai SR, Gobin R, Kaptoge S, et al. Diabetes mellitus, fasting blood glucose concentration, and risk of vascular disease: a collaborative meta-analysis of 102 prospective studies. Lancet. 2010;375(9733):2215-22. Erratum in: Lancet. 2010;376(9745):958.         [ Links ]

3. Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redon J, Zanchetti A, Böhm M, et al. 2013 ESH/ESC Practice Guidelines for the Management of Arterial Hypertension. Blood Press. 2014;23(1):3-16.         [ Links ]

4. American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes - 2013. Diabetes Care. 2013;36 Suppl 1:S11-66.         [ Links ]

5. James PA, Oparil S, Carter BL, Cushman WC, Dennison-Himmelfarb C, Handler J, et al. 2014 evidence-based Guideline for the management of high blood pressure in adults: report from the panel members appointed to the Eighth Joint National Committee (JNC 8). JAMA. 2014;311(5):507-20.         [ Links ]

6. National Collaborating Centre for Chronic Conditions (UK). Type 2 Diabetes: National Clinical Guideline for Management in Primary and Secondary Care (Update). London: Royal College of Physicians; 2008.         [ Links ]

7. Direção-Geral da Saúde. Abordagem terapêutica da hipertensão arterial - Norma nº 020/2011 de 29/09/2011, atualizada a 19/03/2013. Lisboa: DGS; 2013.         [ Links ]

8. Direção-Geral da Saúde. Hipertensão arterial: definição e classificação - Norma nº 026/2011 de 28/09/2011, atualizada a 19/03/2013. Lisboa: DGS; 2013.         [ Links ]

9. Reboldi G, Gentile G, Angeli F, Ambrosio G, Mancia G, Verdecchia P. Effects of intensive blood pressure reduction on myocardial infarction and stroke in diabetes: a meta-analysis in 73,913 patients. J Hypertens. 2011;29(7):1253-69.         [ Links ]

10. Bangalore S, Kumar S, Lobach I, Messerli FH. Blood pressure targets in subjects with type 2 diabetes mellitus/impaired fasting glucose: observations from traditional and bayesian random-effects meta-analyses of randomized trials. Circulation. 2011;123(24):2799-810.         [ Links ]

11. McBrien K, Rabi DM, Campbell N, Barnieh L, Clement F, Hemmelgarn BR, et al. Intensive and standard blood pressure targets in patients with type 2 diabetes mellitus: systematic review and meta-analysis.  Arch Intern Med. 2012;172(17):1296-303.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

Os autores declaram não ter conflito de interesses.

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