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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.2 Lisboa abr. 2014

 

CLUBE DE LEITURA

Prevenir nem sempre é o melhor remédio

Prevention is not always the best solution

Sara Anjo

Interna de Medicina Geral e Familiar, UCSP Barão do Corvo, ACeS Gaia


 

Martins C, Azevedo LF, Ribeiro O, Sá L, Santos P, Couto L, et al. A population-based nationwide cross-sectional study on preventive health services utilization in Portugal: what services (and frequencies) are deemed necessary by patients? PLoS One. 2013;8(11):e81256. doi: 10.1371/journal.pone.0081256.

Introdução

A maioria das estratégias para induzir um uso mais racional de serviços de saúde preventivos são orientadas para a vertente médica da relação médico-doente. Contudo, o modelo de consulta tem sofrido alterações, apresentando os doentes, atualmente, um papel mais importante na consulta médica.

O objetivo deste estudo foi avaliar quais os serviços de saúde considerados necessários e com que frequência, pelos adultos da população portuguesa em geral.

Métodos

Estudo transversal baseado na população portuguesa. Contou com a participação de mil adultos portugueses inquiridos por entrevista telefónica assistida por computador e selecionados por amostragem estratificada por grupos. Foram avaliadas as proporções e as estimativas de prevalência na população foram determinadas para cada serviço de saúde, tendo em consideração se os entrevistados o consideravam necessário e com que frequência.

Resultados

As idades dos entrevistados variaram entre os 18 e os 97 anos e 520 dos 1000 (52%) entrevistados foram mulheres.

Entre os adultos portugueses, 99,2% [intervalo de confiança (IC) 95%: 98,5 a 99,6] consideram que devem realizar análises gerais de rotina ao sangue e à urina, devendo ser repetidos em média a cada 12 meses (IC 95%: 11,4 a 12,6); 87,4% (IC 95%: 85,3 a 89,3) dos entrevistados referiram ter efetivamente realizado estes exames.

Dos 15 serviços analisados, 14 foram considerados periodicamente necessários por mais de 60% dos entrevistados. Entre os entrevistados, 37,7% (IC 95%: 34,5 a 41,1) referiram recorrer aos serviços de saúde por iniciativa própria.

Conclusão

A maioria dos adultos portugueses acredita que deve utilizar um elevado número de serviços de saúde, numa frequência próxima do anual, sendo que a maioria na verdade segue essa calendarização. Os nossos resultados indicam uma tendência para uma utilização excessiva de recursos.

Estratégias adequadas orientadas para o doente, visando o uso de exames médicos e medidas preventivas com informação adequada e discussão dos riscos e malefícios, são urgentemente necessárias e cruciais para alcançar um uso mais racional dos serviços de saúde e prevenir as consequências do uso excessivo de exames.

COMENTÁRIO

O desejo legítimo de querer preservar a saúde conduziu à ideia de que todas as doenças são curáveis se detetadas precocemente. Assim, o conceito de medicina preventiva foi ganhando uma dimensão descontrolada e demasiado ambiciosa.

Este estudo evidencia que a população adulta portuguesa realiza mais exames complementares de diagnóstico e com maior frequência do que o previsto nas recomendações nacionais e internacionais, refletindo claramente que a perceção dos portugueses em relação ao número e periodicidade de exames a realizar é inadequada. O termo «análises gerais» ou até mesmo «check up», que tão frequentemente é motivo de consulta por parte dos utentes nos cuidados de saúde primários, parece estar enraizado na cultura portuguesa.

É fundamental que tanto a classe médica como a população estejam sensibilizados para os malefícios diretos de alguns exames efetuados (como o uso de radiações ionizantes), mas principalmente para as potenciais consequências de um resultado alterado num exame de rotina. A orientação e correta valorização de uma alteração num exame pedido a um doente assintomático constitui um desafio, dado implicar, na maioria das vezes, a realização de exames adicionais, progressivamente mais dispendiosos, alguns dos quais de caráter invasivo com possíveis complicações associadas. Não raras vezes, todo este processo, que condiciona adicionalmente elevado stress psicológico ao doente, termina na conclusão de que se tratou de um falso positivo ou de que a alteração inicial não carece de uma orientação terapêutica.

Precisamente neste contexto surgiu o conceito de prevenção quaternária, também designada por prevenção da iatrogenia. Na realidade, com a crescente utilização na área da saúde de novas tecnologias e a realização de um maior número de intervenções diagnósticas e terapêuticas, o intervalo de segurança entre os benefícios e os riscos tem vindo a diminuir, reduzindo a segurança para o doente.2

É interessante refletir sobre o facto de 37,7% da população inquirida afirmar que realiza exames médicos por sua iniciativa. Apesar da consulta constituir um momento de decisão partilhada entre o médico e o doente, todos os exames complementares de diagnóstico implicam uma prescrição médica, decisão esta que deverá prevalecer sobre a vontade pouco criteriosa do doente.

Para a complexidade deste tema, contribui adicionalmente o facto da evidência demonstrar que exames gerais de saúde não reduzem a morbimortalidade global, cardiovascular ou por neoplasia, apesar do aumento de novos diagnósticos.3

Todos os cuidados médicos, incluindo os preventivos, têm o potencial de provocar prejuízo ao doente. A intervenção médica excessiva é uma ameaça para o doente que contacta com o Sistema de Saúde.4

Devemos pois fornecer aos utentes a informação necessária para poderem tomar decisões autónomas, conhecendo as vantagens e as desvantagens dos métodos de diagnóstico propostos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Martins C, Azevedo LF, Ribeiro O, Sá L, Santos P, Couto L, et al. A population-based nationwide cross-sectional study on preventive health services utilization in Portugal: what services (and frequencies) are deemed necessary by patients? PLoS One. 2013;8(11):e81256. doi: 10.1371/journal.pone.0081256.         [ Links ]

2. Hespanhol AP, Couto L, Martins C. A medicina preventiva. Rev Port Clin Geral. 2008;24(1):49-64.         [ Links ]

3. Krogsbøll LT, Jørgensen KJ, Grønhøj Larsen C, Gøtzsche PC. General health checks in adults for reducing morbidity and mortality from disease: Cochrane systematic review and meta-analysis. BMJ. 2012;345:e7191.         [ Links ]

4. Melo M. A prevenção quaternária contra os excessos da Medicina.  Rev Port Clin Geral. 2007;23(3):289-93.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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