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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.2 Lisboa abr. 2014

 

CLUBE DE LEITURA

Dupla inibição do sistema renina-angiotensina no tratamento da nefropatia diabética: a associação será benéfica?

Double inhibition of the renin-angiotensin system in the treatment of diabetic nephropathy: is it helpful or harmful?

Rui Miguel Costa

Médico Interno de Medicina Geral e Familiar, USF S. Félix da Marinha, Gaia


 

Fried LF, Emanuele N, Zhang JH, Brophy M, Conner TA, Duckworth W, et al. Combined angiotensin inhibition for the treatment of diabetic nephropathy. N Engl J Med. 2013; 369 (20):1892-903.

Introdução

A nefropatia diabética é a principal causa de doença renal terminal (DRT) nos Estados Unidos. As pessoas com diabetes e proteinúria estão sob alto risco de progressão para DRT. O bloqueio do sistema renina-angiotensina diminui a progressão da doença renal proteinúrica. A associação terapêutica de um inibidor da enzima conversora da angiotensina (IECA) a um antagonista dos receptores da angiotensina II (ARA-II) resulta numa maior redução da proteinúria do que a monoterapia isolada. No estudo Ongoing Telmisartan Alone and in Combination with Ramipril Global Endpoint Trial (ONTARGET), um estudo randomizado de associação terapêutica versus monoterapia em pessoas com risco cardiovascular aumentado, não foram observados benefícios cardiovasculares ou renais com a associação terapêutica, e houve um aumento do risco de hipercalémia e lesão renal aguda necessitando de diálise. O presente estudo foi desenhado para testar a segurança e eficácia da associação terapêutica combinada de um IECA e um ARA II quando comparado com o ARA II em monoterapia em retardar a progressão para nefropatia diabética proteinúrica.

Métodos

Foi realizado um estudo multicêntrico, duplamente cego, randomizado e controlado (Veterans Affairs Nephropathy in Diabetes - VA NEPHRON-D) desenhado para testar a eficácia da associação terapêutica de losartan (ARA) com lisinopril (IECA), em comparação com o tratamento padrão com losartan isoladamente, em retardar a progressão da doença renal diabética proteinúrica. Foi fornecido losartan (dose de 100 mg por dia) a pacientes com diabetes tipo 2, com uma relação de albumina para creatinina urinária de pelo menos 300, e uma taxa de filtração glomerular (TFG) de 30,0-89,9 ml por minuto por 1,73m2 de superfície corporal; em seguida foram distribuídos aleatoriamente para receber o lisinopril (numa dose de 10 a 40 mg por dia) ou placebo. O endpoint primário foi a primeira ocorrência de uma mudança na estimativa da TFG (um declínio de ≥ 30 ml por minuto se a TFG estimada inicial fosse de ≥ 60 ml por minuto ou uma queda de ≥ 50% se o valor inicial estimado de TFG era <60 ml por minuto), DRT, ou morte. O endpoint secundário era a primeira ocorrência de um declínio na TFG estimada ou DRT. O endpoint terciário incluiu eventos cardiovasculares (enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral ou hospitalização por insuficiência cardíaca congestiva), queda abrupta na TFG estimada, e a mudança da albuminúria em 1 ano. Os outcomes de segurança foram: todas as causas de mortalidade, efeitos adversos graves, hipercalémia e insuficiência renal aguda.

Resultados

Entre 1448 pacientes aleatoriamente randomizados com um seguimento médio de 2,2 anos, verificaram-se 152 (21,0%) eventos de endpoint primário no grupo da monoterapia e 132 (18,2%) no grupo de associação terapêutica (razão de risco com terapêutica de associação, 0,88, intervalo de confiança de 95% [IC], 0,70 a 1,12, P = 0,30). Verificaram-se 101 (14,0%) eventos de endpoint secundário no grupo da monoterapia e 77 (10,6%) no grupo de associação terapêutica. A tendência para um benefício da terapêutica de associação em relação ao endpoint secundário (relação de risco, 0,78, IC 95%, 0,58-1,05, P = 0,10) diminuiu com o tempo (P = 0,02 para o teste da não proporcionalidade). Não ocorreu nenhum benefício em relação à mortalidade (razão de risco para morte, 1,04; CI, 0,73-1,49 95%, P = 0,75) ou eventos cardiovasculares. A associação terapêutica aumentou o risco de hipercaliémia (6,3 eventos por 100 pessoas-ano versus 2,6 eventos por 100 pessoas-ano com a monoterapia; P <0,001) e lesão renal aguda (12,2 vs 6,7 eventos por 100 pessoas-ano, p <0,001). O estudo foi interrompido precocemente por questões de segurança devido ao aumento da taxa de eventos adversos graves (hipercalémia e lesão renal aguda) no grupo da associação terapêutica comparado com o grupo em monoterapia.

Discussão

A associação terapêutica de um IECA e ARA II, quando comparado com o ARA II em monoterapia, foi associada a risco acrescido de eventos adversos graves (lesão renal aguda e hipercalémia). O risco mais elevado de lesão renal aguda com o tratamento combinado é evidente até os 42 meses de follow-up. A terapêutica combinada não apresentou um benefício significativo no que diz respeito ao endpoint primário (progressão da doença renal ou morte), mortalidade ou doença cardiovascular. Para o endpoint secundário, houve uma tendência geral para um risco menor na associação terapêutica do que na monoterapia. No entanto, pelo teste da não-proporcionalidade, este risco diminui e torna-se similar aos 42 meses follow-up. Os resultados deste estudo são concordantes com aqueles dos estudos ONTARGET e Aliskiren Trial in Type 2 Diabetes Using Cardiorenal Endpoints (ALTITUDE), que mostraram um aumento de dano e nenhum benefício cardiovascular ou renal com associações terapêuticas que bloqueiem o sistema renina-angiotensina. Os pacientes neste ensaio representam uma população de alto risco com proteinúria residual, apesar da utilização de um ARA-II em dose máxima. O aumento significativo no risco (mais 17 eventos adversos graves por 100 pessoas-ano no grupo associação versus monoterapia) ofuscou uma tendência não significativa em ganhos nos endpoints primário e secundários. O risco de hipercaliémia foi duas vezes mais elevado no grupo de associação terapêutica do que no grupo em monoterapia. O estudo sugere que pode haver um ponto além do qual um maior bloqueio do sistema renina-angiotensina é inseguro e sem benefício adicional. Tal como nos estudos ONTARGET e ALTITUDE, neste estudo a associação terapêutica diminuiu a albuminúria, sem retardar a progressão a longo prazo.

Conclusão

Os resultados deste estudo demonstram que a associação terapêutica de um IECA e um ARA-II em pacientes com nefropatia diabética proteinúrica não proporciona um benefício clínico e foi associada a um aumento do risco de eventos adversos.

COMENTÁRIO

Segundo a norma de orientação clínica da Direção-Geral da Saúde número 005/2011, «Prevenção e Avaliação da Nefropatia Diabética», na diabetes, o padrão da terapêutica anti-hipertensora é a utilização de fármacos que bloqueiem o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA): os IECA e os ARA-II.¹ É também referido que na DM tipo 2 com HTA e normoalbuminúria, a inibição do SRAA atrasa o aparecimento da microalbuminúria e que os ARA-II demonstraram reduzir a evolução da micro para a macroalbuminúria e para a doença renal crónica (DRC). É também descrito que a utilização destes fármacos exige a vigilância da creatininémia e da caliémia, pelos riscos de insuficiência renal aguda e hipercaliémia, o que veio a acontecer no estudo apresentado.

Tal como referido no editorial que acompanha o artigo, foi formulada a hipótese de que a interrupção de mais do que uma etapa no SRAA (com associações terapêuticas) poderia aumentar a protecção renal.2-3 Deste modo foi descrito que uma maior redução da pressão arterial e da albuminúria ocorria com diferentes estratégias de duplo bloqueio do SRAA.4

Previamente, os estudos ONTARGET e ALTITUDE demonstraram a falha na protecção renal e cardiovascular com associações terapêuticas.5-6

Este estudo, de Fried et al,2 é concordante com os anteriores. Os resultados deste estudo também demonstram que uma melhoria da pressão arterial e da albuminúria não se traduz em redução de riscos, porque, em contraste com os estudos em monoterapia, os efeitos protectores já não compensam o risco elevado de efeitos adversos graves (hipercalémia e lesão renal aguda). O estudo foi inclusivamente suspenso prematuramente devido a estes efeitos adversos graves.

Foi publicada em Março de 2013 uma revisão sistemática acerca da utilização de associações terapêuticas no tratamento da nefropatia diabética.7 A revisão conclui que os IECA e os ARA-II são a base do tratamento da nefropatia diabética. No entanto, a associação terapêutica de um IECA e um ARA-II não tem mais eficácia do que a monoterapia com um IECA ou ARA-II, e que pode aumentar o risco de hipercalémia ou lesão renal aguda. O estudo de Fried et al não se encontra incluído nesta revisão pois esta foi publicada previamente; porém, complementa e dá mais robustez a esta revisão.

Deste modo, no tratamento da nefropatia diabética, com a evidência actualmente existente, a associação terapêutica de um IECA e ARA-II não tem maior eficácia do que a monoterapia e pode aumentar o risco eventos adversos sem benefícios clínicos evidentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Direção-Geral da Saúde. Prevenção e Avaliação da Nefropatia Diabética. -Norma no 005/2011 de 31/01/2011. Lisboa: DGS; 2011.         [ Links ]

2. Fried LF, Emanuele N, Zhang JH, Brophy M, Conner TA, Duckworth W,et al. Combined angiotensin inhibition for the treatment of diabetic nephropathy. N Engl J Med. 2013; 369 (20):1892-903.         [ Links ]

3. de Zeeuw D. The end of dual therapy with renin-angiotensin-aldosterone system blockade? N Engl J Med. 2013; 369 (20):1960-62.         [ Links ]

4. Kunz R, Friedrich C, Wolbers M, Mann JF. Meta-analysis: effect of monotherapy and combination therapy with inhibitors of the renin angiotensin system on proteinuria in renal disease. Ann Intern Med. 2008; 148 (1):30-48.         [ Links ]

5. ONTARGET Investigators. Telmisartan, ramipril, or both in patients at high risk for vascular events. N Engl J Med. 2008; 358 (15):1547-59.         [ Links ]

6. Parving HH, Brenner BM, McMurray JJ, de Zeeuw D, Haffner SM, Solomon SD, et al. Cardiorenal end points in a trial of aliskiren for type 2 diabetes. N Engl J Med. 2012; 367 (23):2204-13.         [ Links ]

7. Vivian E, Mannebach C. Therapeutic approaches to slowing the progression of diabetic nephropathy - is less best? Drugs Context. 2013; 212249.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

O autor declara não ter conflito de interesses.

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