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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.4 Lisboa July 2013

 

POEMs

Uso de tiotrópio na asma mal controlada com terapêutica de combinação standard

The use of tiotropium in asthma poorly controlled with standard combination therapy

Filipa Silva, Mara Galhardo

Internas de Medicina Geral e Familiar

USF Dunas, ULS de Matosinhos


 

Kerstiens H, Engel M, Dahl R, Paggiaro P, Beck E, Vanderwalker M, et al. Tiotropium in asthma poorly controlled with standard combination theraphy. N Engl J Med 2012 Sep 27; 367 (13): 1198-207.

Questão clínica:

Será o uso de tiotrópio benéfico quando combinado com a terapêutica standard na asma mal controlada?

Resumo do estudo

Introdução

Uma percentagem significativa dos doentes com o diagnóstico de asma apresenta um mau controlo, apesar do uso das medicações preconizadas nas normas de orientação clínica (glicocorticóides inalados com ou sem o uso de agonistas β2 de longa duração de acção). Nestes doentes as opções terapêuticas alternativas têm vindo a demonstrar eficácia marginal.

Estudos recentes demonstraram que a opção de adicionar um segundo broncodilatador inalado de longa duração nos doentes com asma mal controlada à terapêutica standard pode constituir uma opção com impacto no controlo da doença.

O objectivo deste estudo foi comparar os efeitos da adição de tiotrópio à terapêutica standard (glicocorticóide e agonistas β2 de longa duração de acção) com o uso da terapêutica standard na função pulmonar e no risco de exacerbações da asma mal controlada.

Métodos

O estudo apresentado tem 48 semanas de duração, é aleatorizado, de dupla ocultação, em grupos paralelos e envolveu 912 doentes distribuídos por dois grupos terapêuticos: um (grupo de intervenção) constituído por 456 doentes tratados com tiotrópio 5µg (Spiriva®, dispositivo inalador Respimat®) para além da terapêutica standard (elevadas doses de glicocorticóide oral e agonistas β2 de longa duração de acção) uma vez por dia e outro (grupo controlo) constituído por 456 doentes tratados com só terapêutica standard.

Os pacientes incluídos no estudo apresentavam idade entre 18 e 75 anos, diagnóstico de asma antes dos 40 anos de idade e com pelo menos 5 anos de evolução. Para participar no estudo era também necessário pontuar 1,5 ou mais no Questionário de Controlo de Asma (ACQ-7), apresentar uma limitação persistente do fluxo aéreo (definida como volume expiratório forçado no 1º segundo (FEV1) após broncodilatador inferior ou igual a 80%; capacidade vital forçada igual ou inferior a 70% após a inalação de 4 puffs de 100 µg de salbutamol ou 90µg de albuterol) apesar de tratamento diário com glicocorticóide inalado (≥800 µg de budesonido ou equivalente) e agonistas β2 de longa duração de acção. Todos os participantes deveriam ter história no último ano de pelo menos uma exacerbação com necessidade de terapêutica corticóide sistémica. Constituíram critérios de exclusão carga tabágica superior a 10 UMA, hábitos tabágicos no ano anterior ao estudo, diagnóstico de DPOC e uso de medicação anticolinérgica.

A selecção dos doentes decorreu por um período de 4 semanas após as quais se procedeu à aleatorização.

Após aleatorização, foram agendadas visitas clínicas, sete no total, durante as 48 semanas de duração do estudo.

Neste estudo, os investigadores definiram como end-point primário o tempo decorrido até à ocorrência da primeira exacerbação grave e parâmetros espirométricos (avaliados na semana 24 do estudo): peak FEV1, ou seja FEV1 máximo obtido nas primeiras 3 horas após a administração da medicação em estudo e trough FEV1: FEV1 avaliado 10 minutos antes da administração da medicação em estudo. Como end-points secundários foram considerados os parâmetros espirométricos acima referidos mas avaliados em cada visita clínica, o tempo decorrido até à primeira exacerbação moderada e grave. Esta foi definida como um agravamento do padrão de sintomas relacionados com a asma, uma diminuição de 30% ou mais, por 2 ou mais dias, no pico do fluxo expiratório relativamente ao obtido no período de selecção.

Resultados

Neste ensaio, verificou-se que o tempo decorrido até à primeira exacerbação foi superior em 56 dias no grupo tratado com tiotrópio comparativamente ao grupo placebo, correspondendo a uma redução estatisticamente significativa de 21% do risco de desenvolver a primeira exacerbação.

O tiotrópio reduziu de forma significativa o risco de exacerbações moderadas em 31% em comparação com a terapêutica standard. A taxa anual de exacerbações no grupo tratado com tiotrópio foi inferior (0,53) ao grupo controlo (0,66), o que significa uma redução estatisticamente significativa de 6%. De acordo com a gravidade das exacerbações, o tiotrópio mostrou-se superior na redução da taxa anual de exacerbações quer moderadas quer graves.

Relativamente aos parâmetros espirométricos avaliados na 24ª semana foi possível observar no grupo tratado com tiotrópio uma subida média, estatisticamente significativa, do peak FEV1 e do trough FEV1 relativamente ao basal.

Foram reportados 73,5% de eventos adversos no grupo sob terapêutica com tiotrópio e 80,3% no grupo placebo. De todos os eventos adversos reportados por pelo menos 2% dos doentes, apenas a rinite alérgica ocorreu numa taxa significativamente mais elevado no grupo do tiotrópio.

Discussão

As normas de orientação clínica existentes contemplam o uso de tiotrópio no tratamento da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), mas o seu uso no tratamento da asma só recentemente tem vindo a ser investigado. O benefício adicional na combinação de broncodilatadores de longa duração de acção já tem vindo a ser demonstrado no caso da DPOC.

Neste estudo, a terapêutica com tiotrópio aumentou de forma estatisticamente significativa o tempo decorrido até à primeira exacerbação moderada ou grave e diminuiu significativamente a taxa anual de exacerbações. Em análise post-hoc verificou-se um NNT (número de doentes necessário a tratar para prevenir um exacerbação adicional) de 15 durante as 48 semanas de tratamento com tiotrópio para além da terapêutica standard.

Não se verificou, após aplicação dos questionários para avaliação do controlo e impacto na qualidade de vida, melhoria clínica significativa entre os dois grupos estudados.

Relativamente aos parâmetros espirométricos, as melhorias no peak FEV1 revelaram-se estatisticamente significativas, apesar de numa magnitude reduzida (<10%), facto para o qual deve ser tida em conta a função basal dos doentes em estudo: já sob broncodilatador de longa duração de acção e com limitação permanente do fluxo aéreo.

Este estudo permitiu demonstrar que, nos doentes com asma mal controlada e já sob terapêutica com glicocorticóides inalados e agonistas β2 de longa duração de acção, o tiotrópio pode constituir uma opção válida com resultados positivos, quer na redução do risco de exacerbações, quer melhorando os parâmetros espirométricos.

COMENTÁRIO

Uma parte substancial dos doentes com asma apresenta a sua doença mal controlada, com sintomas e exacerbações frequentes, apesar do uso de glicocorticóides inalados e agonistas β2 de longa duração de acção definidos como terapêutica standard.1 Para estes doentes é necessário explorar alternativas e a adição de um broncodilator anticolinérgico pode constituir uma opção válida, como tem vindo a ser demonstrado em alguns estudos.2,3

Um dos pontos fortes deste estudo está relacionado com a definição das exacerbações da asma como end-point primário, focando-se num objectivo específico e relevante. O grande número de doentes incluídos, assim como a informação detalhada obtida sobre as taxas de exacerbação, são também aspectos positivos deste ensaio. A este estudo atribui-se nível de evidência 1b.

Permanecem por esclarecer alguns aspectos: estes resultados não poderão ser generalizados a todos os doentes com asma mal controlada e já sob terapêutica com glicocorticóides inalados e agonistas β2 de longa duração de acção, pois o estudo seleccionou um subgrupo destes, com limitação persistente do fluxo aéreo, ou seja, com características específicas; sendo este estudo de curta duração, não permite avaliar se a redução da taxa de exacerbações com o tiotrópio produziu um acréscimo na esperança média de vida; o uso do dispositivo inalador Respimat® pode aumentar as concentrações de tiotrópio plasmático e ter impacto no risco de morte por doenças cardiovasculares em doentes já com risco substancial.4

Este estudo deve ser visto como um passo intermédio na aplicação segura de agentes anticolinérgicos nos doentes com asma de difícil controlo.

O facto de sete dos dez autores do estudo receberem/terem recebido apoios e/ou serem consultores das empresas farmacêuticas com produtos ensaiados no estudo, além de este ter sido financiado pela Boehringer-Ingelheim e Pfizer, deve fazer-nos olhar para estes resultados com a devida precaução na sua aplicabilidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Kerstiens H, Engel M, Dahl R, Paggiaro P, Beck E, Vanderwalker M, et al. Tiotropium in asthma poorly controlled with standard combination theraphy. N Engl J Med 2012 Sep 27; 367 (13): 1198-207.         [ Links ]

2. Peters SP, Kunselman SJ, Icitovic N, Moore WC, Pascual R, Ameredes BT, et al. Tiotropium bromide step-up therapy for adults with uncontrolled asthma. N Engl J Med 2010 Oct 28; 363 (18): 1715-26.         [ Links ]

3. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention (update 2012). Disponível em: http://www.ginasthma.org/uploads/users/files/GINA_Report (acedido em 27/07/2013).         [ Links ]

4. Bel EH. Tiotropium for asthma: promise and caution. N Engl J Med 2012 Sep 27; 367 (13): 1257-9.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

As autoras declaram não ter qualquer conflito de interesses.

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