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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.3 Lisboa maio 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Estatinas: de herói a vilão na diabetes?

Statins: from hero to villain in diabetes?

Camila Mota Neves, Maria Cortês Ferreira

Internas Complementares de MGF, UCSP São Mamede


 

Navarese EP, Buffon A, Andreotti F, Kozinski M, Welton N, Fabiszak T, et al. Meta-analysis of impact of different types and doses of statins on new-onset diabetes mellitus. Am J Cardiol 2013 Apr 15; 111 (8): 1123-30.

 

Introdução

Múltiplos ensaios clínicos aleatorizados e controlados (ECAC) mostraram resultados consistentes na redução da mortalidade cardiovascular com o uso de estatinas, especialmente na população diabética. Contudo, apesar de relativamente bem toleradas, 13 ECAC revelaram que, quando comparadas com o placebo, parecem estar associadas a um maior risco de desenvolvimento de diabetes mellitus (DM), sendo esse efeito, segundo outra meta-análise, dose-dependente. Têm surgido algumas hipóteses sobre possíveis mecanismos para esta associação, tais como: a indução de um aumento da resistência periférica à insulina; a interação com as células β pancreáticas prejudicando a produção de insulina; e alterações na sinalização da insulina no tecido periférico.

Por conseguinte, os autores deste artigo elaboraram uma meta-análise, na qual foram rever os estudos publicados que avaliavam o impacto de diferentes tipos e doses de estatinas no aparecimento de DM.

Métodos

Dois investigadores fizeram, de forma independente, uma pesquisa de ECAC que relacionavam o uso de estatinas com o desenvolvimento de DM, publicados entre novembro de 1994 e outubro de 2012. Os critérios de inclusão utilizados foram: estudos realizados em humanos; ECAC comparando pacientes tratados com alta dose de estatina versus (vs) placebo, ou alta dose vs dose moderada vs placebo. Os fatores de exclusão foram: estudos com seguimento inferior a 1 ano ou com menos de 1000 pacientes.

Resultados

Dos estudos encontrados, 17 ECAC cumpriam os critérios de inclusão, com um total de 113 394 pacientes. Destes, 14 ECAC comparavam o uso de estatina com placebo e 3 estudos comparavam estatina em alta dose, com dose moderada. Foram consideradas altas doses 80 mg de atorvastatina, 40 mg de pravastatina, 20 mg de rosuvastatina e 40 mg de sinvastatina e doses moderadas 10 mg de atorvastatina, 10 a 20 mg de pravastatina e 10 mg de rosuvastatina.

A pravastatina 40 mg/dia foi associada ao menor risco de aparecimento de DM (Odds Ratio (OR) 1,07 Intervalo de confiança (IC) 95% 0,86 – 1,30). Por outro lado, a rosuvastatina 20 mg/dia foi associada a um aumento de 25% no risco de desenvolvimento de DM em relação ao placebo (OR 1,25 IC 95% 0,82 – 1,90). Relativamente ao uso de atorvastatina 80 mg/dia o impacto no risco relativo foi intermédio (OR 1,15 IC 95% 0,90 – 1,50).

Nos resultados obtidos com o uso de dose moderada, manteve-se a rosuvastatina com maior risco de desenvolvimento de DM (OR 1,10 IC 95% 0,78 – 1,58), atorvastatina com risco intermédio (OR 1,04 IC 95% 0,74 – 1,48) e a pravastatina com menor risco (OR 0,99 IC 95% 0,68 – 1,41).

Comparando altas doses dos fármacos com dose moderada do mesmo fármaco verificou-se que o risco de desenvolver DM é maior com doses mais altas.

Os valores do índice de massa corporal e a percentagem de redução do colesterol-LDL foram utilizados como co-variáveis, não se verificando associação destes relativamente ao risco de desenvolvimento de diabetes.

Discussão

Trata-se de um estudo de grandes dimensões que indica um aumento do risco de desenvolvimento de DM com diferentes tipos e doses de estatinas. A pravastatina parece ser a estatina associada a um menor risco. Por outro lado, a rosuvastatina foi associada a um maior risco de desenvolvimento de DM, utilizando quer doses altas, quer moderadas.

Como fator limitante desta meta-análise destaca-se a utilização de intervalos de confiança alargados, o que pode limitar as conclusões. No entanto, os autores argumentam que os resultados obtidos foram consistentes em todos os estudos analisados, pelo que os resultados serão significativos, apesar de serem necessários ainda mais estudos.

Contudo, os autores concluem o estudo considerando que, à luz do conhecimento atual, os benefícios desta terapêutica na redução do risco de eventos cardiovasculares é significativo, excedendo qualquer risco eventual de desenvolvimento de DM.

COMENTÁRIO

As estatinas são dos medicamentos mais prescritos em todo o mundo. Torna-se portanto de extrema importância conhecer melhor a sua ação e potenciais complicações do tratamento, pelo que as conclusões deste estudo não podem ser menosprezadas.

Em 2012, na sequência de artigos que agitaram a comunidade científica ao relacionar o tratamento com estatinas a um aumento de incidência de diabetes, a Food and Drug Administration lançou um alerta em que refere a potencial influência destas no perfil metabólico dos utilizadores.1

Nesta meta-análise há contudo algumas limitações importantes a salientar, que levam a que os resultados tenham que ser analisados com precaução. Analisando os valores de OR dos vários estudos, apesar de serem diferentes entre si, representam um risco pequeno, requerendo intervalos de confiança amplos. Contra este facto os autores argumentam que, apesar destas limitações, os resultados são consistentes nos diferentes estudos analisados. Calculando o número necessário para causar dano (number needed to harm – NNH) em pacientes tratados com altas doses de estatinas, obteve-se o valor de 536, o que significa que será necessário tratar 536 pacientes para que um deles desenvolva DM. Os ECAC incluídos nesta meta-análise apresentam algumas diferenças, no que diz respeito aos critérios utilizados para estabelecer o diagnóstico de DM, sendo que em alguns estudos foi considerada apenas uma avaliação laboratorial de glicemia alterada para estabelecer o diagnóstico. Há ainda a considerar o facto de existirem múltiplos fatores de risco para o desenvolvimento de diabetes que não foram avaliados, visto que os diferentes estudos analisados não tinham sido desenhados à partida com o objetivo de provar esta associação.2-19

A definição de alta dose vs dose moderada merece também algumas considerações, visto que não são explícitos os critérios utilizados e o momento do estudo em que foram definidos.

Uma explicação que não foi tida em conta pelos autores para explicar o aumento de risco de desenvolvimento de DM associada à terapêutica com estatinas prende-se com o facto de estas, pela redução de eventos cardiovasculares, conduzirem a um aumento da esperança média de vida, que isoladamente é um factor de risco para o aumento de incidência de DM.

Em conclusão, torna-se imperioso desenvolver mais estudos, no sentido de avaliar com maior segurança o risco real de desenvolvimento de DM com estes fármacos, nomeadamente, estudos que comparem as diferentes estatinas entre si, em detrimento da sua comparação com placebo. Ainda assim parece-nos que o risco potencial de desenvolvimento de DM com o uso de estatinas tem que ser balançado com o benefício na redução de risco cardiovascular.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CONFLITOS DE INTERESSE

As autoras declaram não apresentar nenhum conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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