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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.2 Lisboa mar. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Atividade física de lazer de intensidade moderada a intensa e mortalidade: análise de uma coorte alargada

Leisure time physical activity of moderate to vigorous intensity and mortality: a large pooled cohort analysis

Catarina Miranda*, Francisco Pinto da Costa**

*Médica Interna de MGF, USF do Mar - ACES Grande Porto IV (Póvoa de Varzim)

**Médico Interno de MGF, USF das Ondas - ACES Grande Porto IV (Póvoa de Varzim)


 

Moore SC, Patel AV, Matthews CE, Berrington de Gonzalez A, Park Y, Katki HA, et al. Leisure time physical activity of moderate to vigorous intensity and mortality: a large pooled cohort analysis. PLoS Med 2012; 9 (11) :e1001335. doi: 10.1371/journal.pmed.1001335.

 

Introdução

Nas últimas décadas tem-se vindo a assistir a um decréscimo nos níveis de atividade física (AF) nos Estados Unidos da América e noutros países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Embora difícil de quantificar, este facto poderá potencialmente conduzir a uma redução na expectativa de vida da população.

Vários estudos têm sugerido uma diminuição da mortalidade prematura com a AF, mas poucos quantificaram, efetivamente, os anos de vida ganhos para diferentes níveis de exercício. Entre as suas limitações destacam-se o pequeno tamanho amostral, a restrição a uma única raça e o uso de amplas categorias de AF. Está, igualmente, por esclarecer a diferença entre os indivíduos obesos ativos e os normoponderais inativos no que respeita à esperança de vida.

O objetivo do estudo consistiu em determinar os anos de vida ganhos após os 40 anos, com vários níveis de AF de lazer, globalmente e de acordo com o índice de massa corporal (IMC).

Métodos

Foram considerados 19 estudos de coorte prospetivos que haviam participado numa análise prévia de IMC e mortalidade no National Cancer Institute Cohort Consortium. Dos 8 estudos que cumpriam o critério de inclusão relativo à avaliação do tempo semanal dispendido em AF de lazer de intensidade moderada a intensa, 6 aceitaram participar (5 estudos norte-americanos e 1 estudo sueco).

Totalizaram-se 654 827 participantes, com idades compreendidas entre os 21 e os 90 anos; na análise da AF e esperança de vida foram apenas incluídos os indivíduos com idade igual ou superior a 40 anos (97,5%). Os dados relativos à AF e IMC foram auto-relatados.

Foram consideradas 4 categorias de IMC de acordo com a classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

A AF foi dividida em 6 categorias segundo as guidelines da US Federal Physical Activity (2008) e da OMS (2010), e expressa em horas equivalentes metabólicas por semana (MET-h/sem). Um MET é considerado o gasto energético de uma dada atividade dividido pelo gasto energético basal.

Resultados

Da população estudada, 56% eram do sexo feminino e 96,4% de raça caucasiana. No início do estudo, a média de idades dos participantes era de 61 anos e o nível médio de AF era de 8 MET-h/sem. Os participantes com níveis mais elevados de AF moderada a intensa eram tendencialmente homens, não fumadores, com maiores níveis de escolaridade e não obesos.

Comparativamente com a inatividade (0 MET-h/sem), a AF de 0,1 a 3,74 MET-h/sem (equivalente ao somatório de 75 minutos de caminhada por semana, metade do mínimo preconizado) está associada a um ganho de 1,8 anos na expectativa de vida, enquanto que, com níveis de AF de 22,5 MET-h/sem (3 vezes o mínimo recomendado) verifica-se um ganho de 4,5 anos.

Da análise conjunta da AF categorizada por IMC, verificou-se que os indivíduos normoponderais (IMC 18,5-24,9 Kg/m2) ativos (AF correspondente a 7,5 MET-h/sem) obtinham um ganho de 7,2 anos de vida comparativamente com os indivíduos obesos classe II (IMC ≥ 35 Kg/m2) inativos (0,0 MET-h/sem). No entanto, ser normoponderal inativo está associado a menos 3,1 anos de vida comparativamente a ser obeso classe I (IMC 30-34,9 Kg/m2) ativo.

Discussão

Os resultados deste estudo sugerem que a AF, mesmo em níveis inferiores aos recomendados, está associada a uma redução do risco de mortalidade, e ganho na esperança de vida, nos indivíduos com mais de 40 anos. O achado de que a inclusão de pequenas quantidades de AF de lazer na rotina diária pode aumentar a longevidade poderá ajudar a consciencializar indivíduos inativos da importância de um plano simples de AF, mesmo que se verifique insuficiente para o controlo do peso.

Constatou-se, ainda, que globalmente, níveis mais elevados de AF se repercutem num maior ganho de anos de vida. Esta associação foi também demonstrada para todos os níveis de IMC. Quando analisadas conjuntamente, a inatividade física e obesidade traduzem-se numa marcada diminuição da longevidade.

Neste estudo, uma das limitações a reter é o auto-relato de variáveis como o IMC e nível de AF, que podem ter sido subestimadas e sobrevalorizadas, respetivamente.

COMENTÁRIO

«Walking is man’s best medicine»

Hipócrates

Há mais de 2500 anos que se equacionam os potenciais benefícios da atividade física para a saúde. Sabe-se, atualmente, que, para além do controlo do peso, o exercício previne e atrasa o desenvolvimento de doenças crónicas (cardiovasculares, Diabetes Mellitus tipo 2 e alguns cancros) e contribui para o bem-estar biopsicossocial.1,2

Apesar das recomendações da OMS3 – no mínimo, 150 minutos por semana de AF de intensidade moderada, 75 minutos de AF intensa (7,5 MET-h/sem) ou ainda uma combinação equivalente – menos de metade da população adulta cumpre as metas preconizadas.4 No entanto, e de acordo os dados encontrados neste estudo, os benefícios da AF (traduzidos em ganho na expectativa de vida) foram demonstrados mesmo para gastos energéticos inferiores. Esta informação pode motivar indivíduos inativos à prática de uma AF atendendo a que metas menos exigentes trazem igualmente algum benefício.

Ainda que os primeiros estudos nesta área sugerissem uma maior implicação da má condição física no risco de mortalidade comparativamente à obesidade, o presente artigo foi pioneiro em quantificar as diferenças na expectativa de vida (ganho/perda de anos) por categorias de AF e IMC. Na análise conjunta dos extremos das variáveis registou-se uma diferença considerável na expectativa de vida: ser obeso classe II e inativo acarreta uma perda de 7,2 anos face aos indivíduos normoponderais ativos. Intrigante foi o achado de que a «magnitude» do exercício físico parece suplantar o «peso» da obesidade, na medida em que se verificou que os indivíduos obesos classe I ativos vivem até 3,1 mais anos do que os normoponderais inativos. Terá a expressão «Fat but fit» agora mais significado do que nunca?

Os benefícios da AF são, geralmente, expressos por comparação dos riscos relativos de doença e mortalidade entre grupos ativos e inativos. Embora estas estimativas estatísticas sejam úteis para a comunidade científica, revelam-se pouco esclarecedoras para a população em geral.4 Este artigo adota uma forma mais adequada de expressar esses benefícios, uma vez que quantifica a diferença na esperança de vida nesses grupos e, por isso, constitui uma fonte de mensagem clara e objetiva passível de ser veiculada pelo Médico de Família na sua prática clínica.

Por se tratar de uma atividade banal e facilmente adaptável à vida diária, a caminhada é a AF de lazer mais frequentemente aconselhada em Cuidados de Saúde Primários. Este estudo vem demonstrar que esta recomendação não é meramente empírica, uma vez que corresponde já a um gasto energético moderado (3 METs) e, como tal, deve ser mantida.5

Em suma, este estudo vem reforçar o papel da AF como agente modificador de estilo de vida, promotor de saúde e capaz de prevenir uma mortalidade precoce.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Moore SC, Patel AV, Matthews CE, Berrington de Gonzalez A, Park Y, Katki HA, et al. Leisure time physical activity of moderate to vigorous intensity and mortality: a large pooled cohort analysis. PLoS Med 2012; 9 (11): e1001335.         [ Links ]

2. Kokkinos P. Physical activity, health benefits, and mortality risk. ISRN Cardiol 2012; 2012: 718789.         [ Links ]

3. World Health Organization. Global Recommendations on Physical Activity for Health. Geneva: World Health Organization; 2010.         [ Links ]

4. Janssen I, Carson V, Lee IM, Katzmarzyk PT, Blair SN. Years of life gained due to leisure-time physical activity in the US. Am J Prev Med 2013 Jan; 44 (1): 23-9.         [ Links ]

5. US Department of Health and Human Services. 2008 Physical Activity Guidelines for Americans. Washington, DC: US Department of Health and Human Services; 2008.         [ Links ]

 

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores revelam não ter qualquer conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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