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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.2 Lisboa mar. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Os exames gerais de saúde salvam vidas?

Do general health check-ups save lives?

Ana Cristina Moreira*, Joana Santos**, Margarida Moreira***, Margarida Ferreira da Silva****

Internas em Formação Específica de Medicina Geral e Familiar

*UCSP Oliveira do Douro

**USF Arco do Prado

***USF das Ondas

****USF das Ondas


 

Krogsbøll LT, Jørgensen KJ, Grønhøj Larsen C, Gøtzsche PC. General health checks in adults for reducing morbidity and mortality from disease. Cochrane Database Syst Rev 2012 Oct 17; 10: CD009009.1

 

Introdução

Os exames gerais de saúde (EGS) são elementos comuns nos cuidados de saúde de alguns países. Têm o objetivo de detetar doença e fatores de risco (FR) para reduzirem a morbimortalidade. No entanto, a maioria dos testes comummente pedidos não foram completamente estudados e levam ao aumento de intervenções diagnósticas e terapêuticas que podem ser prejudiciais ou benéficas.

Objetivo

Quantificar os benefícios e os prejuízos dos EGS com ênfase nos resultados relevantes para o paciente como a morbimortalidade.

Métodos

Pesquisa de artigos até julho de 2012 nas seguintes bases de dados: Medline, EMBASE, Healthstar, Cochrane Library, Cochrane Central Register of Controlled Trials, CINAHL, EPOC Trials Register, ClinicalTrials.gov e WHO ICTRP, suplementada por pesquisa das listas de referências dos artigos incluídos e de citações (Web of Knowledge).

Critérios de Seleção

Incluíram-se ensaios clínicos (EC) randomizados que compararam adultos não selecionados para doença ou FR, submetidos ou não a EGS, definidos como rastreio da população geral para mais de uma doença ou FR em mais do que um sistema orgânico. O EGS teria de ter sido realizado no contexto de Cuidados de Saúde Primários ou comunidade. Foram excluídos estudos realizados na população geriátrica.

Recolha e análise de dados

Dois autores extraíram os dados de forma independente, avaliaram o risco de vieses dos EC e contactaram autores para resultados adicionais. Analisaram os resultados de mortalidade total e por doença específica através de meta-análise – modelo de efeitos aleatórios – e para os outcomes secundários efetuaram uma síntese qualitativa, dado a meta-análise não ser praticável.

Resultados

Foram identificados 16 EC e incluídos 14 destes (182 880 participantes), com follow-up entre um e 22 anos. Nove EC providenciaram dados totais de mortalidade (155 899 participantes, 11 940 mortes), mediana de tempo de seguimento de nove anos e risco relativo (RR) de 0,99 (intervalo de confiança – IC de 95% de 0,95 a 1,03). Oito EC referiram dados de mortalidade cardiovascular (152 435 participantes, 4 567 mortes), RR de 1,03 (IC 95% de 0,91 a 1,17) e de mortalidade por cancro (139 290 participantes, 3 663 mortes), RR de 1,01 (IC 95% de 0,92 a 1,12). A análise de subgrupo e de sensibilidade não alterou estes achados. Na revisão sistemática não foi evidenciado efeito nos eventos clínicos ou outras medidas de morbilidade, mas um EC demonstrou um aumento de hipertensão e de hipercolesterolémia com o EGS e outro demonstrou um aumento de doença crónica auto-reportada. Um EC registou aumento de 20% no número total de novos diagnósticos por participante durante seis anos, comparativamente ao controlo. Nenhum ensaio comparou o número total de prescrições, mas dois de quatro demonstraram um número aumentado de pessoas medicadas com antihipertensores. Dois de quatro EC demonstraram efeitos benéficos ligeiros na saúde auto-reportada, que poderá ser devido a viés de informação (EC sem ocultação). Não foi evidenciado efeito na admissão hospitalar, incapacidade, preocupação, visitas médicas adicionais ou ausência do trabalho, mas a maioria destes resultados foram pouco estudados. Não encontraram resultados úteis no número de referenciações a especialidades hospitalares, de testes de seguimento após um resultado inicial positivo ou de cirurgias efetuadas.

Conclusão

Os EGS não reduziram a morbimortalidade global, cardiovascular ou oncológica, apesar do aumento de novos diagnósticos. Resultados prejudiciais importantes, como o número de procedimentos diagnósticos de seguimento ou efeitos psicológicos a curto prazo, não foram estudados ou reportados e muitos ensaios apresentaram problemas metodológicos. Considerando o grande número de participantes e mortes incluídas, o período longo de seguimento e a não redução da mortalidade cardiovascular e por cancro, os EGS provavelmente não serão benéficos.

COMENTÁRIO

Desde meados do século XX, os avanços tecnológicos da medicina moderna e a maior atenção para os cuidados preventivos levaram ao aumento do rastreio de doença/FR em indivíduos aparentemente saudáveis – constituindo os denominados EGS, também conhecidos como exames médicos periódicos ou de rotina.

Por outro lado, a formação médica académica está, muitas vezes, vocacionada para o tratamento de doenças, a procura da «cura». Assim como cada vez mais a população se interessa por não contrair uma doença ou detetar a doença precocemente, daí que procure a realização de exames para esse fim.

Historicamente, o conceito dos EGS evoluiu desde a sua origem, motivado sobretudo pela necessidade de estratificação de risco dos doentes pelas companhias de seguros e pelo requisito necessário para ingressar em determinadas profissões,2 para uma conceção mais recente, em que estes exames têm como objetivo identificar fatores de risco previamente desconhecidos ou sinais precoces de doença, de forma a intervir atempada e eficazmente.3 Na sua essência têm lugar nos Cuidados de Saúde Primários, porém veem a sua utilização cada vez menos fundamentada, à medida que a análise dos seus resultados tem vindo a demonstrar uma relação custo-benefício desvantajosa em adultos assintomáticos.4

Ainda que amplamente praticados, não estão universalmente definidos ou aceites – diferentes periodicidades e amplo espectro de exames diagnósticos, desde o exame clínico ao pedido de procedimentos invasivos. É também, importante ter em conta as suas consequências não intencionais, incluindo o so­bre­diagnóstico, o continuum investigacional e os riscos associados (ansiedade, ausência laboral, aumento dos custos de saúde).

Neste seguimento, a revisão sistemática e meta-análise de Krogsbøll e colaboradores1,5 tenta avaliar os benefícios e prejuízos do EGS em adultos assintomáticos, não selecionados para FR/doença. Os autores não encontraram evidência destes na diminuição da mortalidade total, cardiovascular ou por cancro (em nove EC), podendo mesmo aumentar o sobrediagnóstico, o sobretratamento e a autoperceção de doença.

No entanto, e apesar dos resultados não serem totalmente surpreendentes, indo de encontro a diversas recomendações nacionais e internacionais6-13 e de tratar-se de uma revisão realizada de acordo com os padrões metodológicos exigentes da Cochrane Collaboration, apresenta algumas limitações que podem pôr em causa a validade dos resultados e conclusões obtidas.

Primeiro, o ano médio dos estudos incluídos é de 1976 (variando entre 1963 e 1999), altura em que as práticas da medicina diferiam das atuais, nomeadamente os exames em questão, os limiares de diagnóstico e os tratamentos instituídos perante a deteção da doença, tornando-se difícil extrapolar estes resultados para os dias de hoje. Como exemplo, alguns dos testes atualmente preconizados não foram avaliados na maioria dos estudos, nomeadamente o rastreio dos hábitos tabágicos, da diabetes e dos cancros colorretal e da mama. Por outro lado, foi considerado como rastreio oncológico a telerradiografia do tórax, atualmente não utilizada para este efeito.

Segundo, ao excluírem os ECs randomizados dirigidos a uma doença/FR, os autores excluíram a melhor evidência individualizada e focaram-se na análise combinada de séries de exames, independentemente das diferenças metodológicas dos estudos selecionados. Assim, isto não significa que a realização de exames periódicos seletivos, de acordo com a medicina baseada na evidência, deixa de ter interesse. Aliás, os estudos mais recentes demonstram benefício na deteção de hipercolesterolémia em homens com idade superior a 35 anos e em mulheres com idade superior a 45 anos7-9,12, na medição da pressão arterial com uma periodicidade dependente do valor tensional obtido7-9,11 e nos rastreios dos cancros colorretal7-10, do colo do útero7-10 (forças de recomendação – A) e da mama7-9,13 (força de recomendação B).

Terceiro, apesar dos testes estatísticos não demonstrarem heterogeneidade dos estudos incluídos na meta-análise, parece, pela análise da tabelas dos testes praticados, verificar-se o oposto. Por exemplo, oito dos 14 estudos não incluíram o exame clínico e quatro a história clínica; apenas cinco estudos realizaram algum tipo de rastreio oncológico e sete não rastrearam a diabetes.

Quarto, a exclusão de EC dirigidos a indivíduos idosos resultou numa população estudada relativamente jovem. Além disso, a média de anos de seguimento foi de 7,2 anos no total e de 10,7 anos (entre 4 e 22 anos) nos estudos utilizados para análise de mortalidade, constituindo um seguimento relativamente curto. Consequentemente, e dado que os FR incluídos de forma consistente foram a pressão arterial, o colesterol, a altura e o peso, considerados atualmente como FR a longo prazo6, a interpretação dos resultados de morbimortalidade deveria ser contextualizada a curto prazo.

Quinto, os diferentes grupos de intervenção, ao serem constituídos pela autosseleção individual em participar no estudo, levanta o viés de adesão/seleção, porque aqueles que aderem, ao demonstrarem interesse pela saúde, têm um melhor prognóstico independentemente do rastreio instituído, limitando, assim, a validade externa do estudo. Além disso, existiu um número importante de perdas no follow-up, podendo ter ocorrido o viés de perda de seguimento. Os utentes que procuram o EGS são muitas vezes diferentes daqueles que não o fazem: pertencem a uma classe social mais elevada, têm menor risco e morbilidade cardiovascular, entre outros,14 daí que este seja um exemplo insofismável da Lei de Cuidados Inversos e das iniquidades no acesso aos Cuidados de Saúde.

Concluindo, a revisão em análise é bastante pertinente ao tentar responder a uma questão amplamente debatida. No entanto, ao descrever abordagens antigas, os seus resultados devem ser cautelosamente interpretados, não sendo impeditivos da aplicação de rastreios dirigidos ou da implementação de atividades preventivas, que podem mesmo ter contribuído para a ausência de benefício dos EGS observada. Também não implicam que os componentes dos EGS considerados individualmente sejam ineficazes. É importante desmistificar o uso de exames de diagnóstico não criterioso, uma vez que já foi demonstrado que uma percentagem significativa dos utentes atribui superioridade à utilização de exames relativamente aos médicos que guiam as suas recomendações pela anamnese e exame físico realizados durante a consulta.15-16

A Medicina Contemporânea, baseada na evidência, tende a substituir os exames gerais de saúde por medidas mais custo-efetivas, como o exame de saúde periódico seletivo, orientado para as caraterísticas especificas do indivíduo.

Ensaios mais recentes são necessários para avaliar a importância dos EGS sistemáticos, desafiando ideias enraizadas sobre o valor destes exames, quer em doentes, quer em médicos, não baseadas na evidência e que prevaleceram durante décadas.17 Até lá reforça-se a importância de adaptar individualmente as atividades de prevenção e rastreio e discutir com o doente, de forma personalizada, as opções disponíveis, tal como é preconizado nas recomendações emanadas pela United States Preventive Services Task Force18 e pela Canadian Task Force on Preventive Health Care.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Krogsbøll LT, Jørgensen KJ, Grønhøj Larsen C, Gøtzsche PC. General health checks in adults for reducing morbidity and mortality from disease. Cochrane Database Syst Rev 2012 Oct 17; 10: CD009009.         [ Links ]

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CONFLITOS DE INTERESSE

As autoras declaram não apresentar conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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