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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.5 Lisboa set. 2012

 

CLUBE DE LEITURA

Diabetes Mellitus tipo 2: Impacto do controlo intensivo da glicemia na nefropatia diabética

Rita Eiriz*, Cristina Sousa**

* USF São João do Porto

**USF Renascer


 

Coca SG, Ismail-Beigi F, Haq N, Krumholz HM, Parikh CR. Role of intensive glucose control in development of renal end points in type 2 diabetes mellitus: systema-tic review and meta-analysis. Arch Intern Med 2012 May 28; 172 (10): 761-9.

 

Contexto

O controlo intensivo da glicemia em doentes com Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) tem sido proposto como uma medida preventiva de doença renal. Apesar de existirem vários estudos a demonstrar a sua influência na prevenção do aparecimento da albuminúria (surrogate renal end point), desconhece-se o seu papel protector na elevação da creatinina sérica, progressão para doença renal terminal (DRT) e mortalidade por doença renal (clinical renal end points). Ainda assim, mesmo perante a falta de evidência, as guidelines NKF KDOQI 2007 (National Kidney Foundation Kidney Disease Outcomes Quality Iniciative Clinical Practice Guidelines and Clinical Practice Recommendations for Diabetes and Chronic Kidney Disease) e ADA 2011 (American Diabetes Association) continuam a recomendar um controlo apertado da glicemia na prevenção da doença renal e outras complicações microvasculares. De salientar que estas guidelines se baseiam em estudos que apenas demonstraram uma melhoria na albuminúria e não em clinical renal end points, e além disso revelaram não diminuir a morte por doença cardiovascular, tendo mesmo o estudo ACCORD (Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes) verificado um aumento de 22% no risco de morte nos doentes com controlo glicémico intensivo.

Objectivo

Avaliar os benefícios do controlo glicémico intensivo versus convencional relativamente a renal outcomes em adultos com DM2.

Métodos

Foram pesquisados artigos nas bases de dados MEDLINE, EMBASE e Cochrane desde 1 de Janeiro de 1950 a 31 de Dezembro de 2010, conduzidos em humanos com idade igual ou superior a 19 anos, sem restrição de língua, género ou tipo de jornal. A pesquisa visou identificar ensaios clínicos controlados e randomizados que comparassem surrogate renal end points (microalbuminúria, macroalbuminúria) com clinical renal end points (elevação da creatinina sérica, DRT e morte por doença renal) em doentes com DM2 sob controlo intensivo da glicemia comparativamente ao controlo convencional.

Resultados

Foram incluídos sete estudos que envolveram 28 065 adultos monitorizados durante 2 a 11,1 anos. Comparado com o controlo convencional, o controlo intensivo da glicemia reduziu de forma estatisticamente significativa o risco de microalbuminúria (risco relativo [RR] 0,86 [95% IC 0,76-0,96], p=0,009) e macroalbuminúria (RR 0,74 [0,65-0,85], p=0,001), mas não a elevação da creatinina sérica (RR 1,06 [0,92-1,22], p=0,44), DRT (RR 0,69 [0,46-1,05], p=0,09) ou morte por doença renal (RR 0,99 [0,55-1,79], p=0,98). A análise de regressão revelou que as diferenças observadas na HbA1c entre o controlo convencional e o intensivo estavam associadas a benefícios a nível de surrogate renal end points. A incidência cumulativa de elevação da creatinina sérica, DRT e morte por doença renal foi baixa (<4%, <1,5%, <0,5%, respectivamente), comparada com a incidência de microalbuminúria (23%) e macroalbuminúria (5%), em ambos os grupos estudados.

Conclusões

O controlo intensivo da glicemia reduz o risco de microalbuminúria e macroalbuminúria, mas não existe evidência que o mesmo reduza o risco de clinical renal end points significativos, durante os anos de follow-up dos estudos. Os autores apontam algumas razões para esta falta de evidência: início tardio do controlo intensivo da glicemia, duração insuficiente do tratamento, redução não satisfatória da HbA1c, existência de outros factores de risco para nefropatia como HTA e dislipidemia, presença de outras causas de morte que impeçam a manifestação de clinical renal end points em tempo suficiente e poder estatístico inadequado para detectar diferenças significativas. Os autores concluem ainda que não existirá benefício em iniciar tratamento intensivo da glicemia a meio da evolução da doença para prevenção de doença renal.

COMENTÁRIO

Da análise do artigo depreende-se que o controlo intensivo da glicemia tem como objectivo valores alvo da HbA1c inferiores a 6-7,1% ou glicemia em jejum inferior a 108 mg/dL.

De acordo com a evidência disponível não parece correcto obter valores de HbA1c o mais baixo possível.1 As guidelines actuais da ADA sugerem que estes devem ser personalizados de acordo com os factores individuais de cada doente, aconselhando valores inferiores a 6,5-8%.2 No caso de Portugal, as normas da Direcção-Geral de Saúde vão de encontro a estes números, sendo recomendado um valor inferior a 6,5%, que pode ser adaptado a cada doente.3 Desta forma, poderá constituir fonte de polémica efectuar, nos diabéticos tipo 2, um controlo demasiado apertado da glicemia.

Convém, no entanto, referir que os estudos incluídos na meta-análise apresentavam características diferentes entre si, nomeadamente: o número de participantes (variou de 110 a 11 140); valores alvo de HbA1c (<6 a 7,1%) / glicemia em jejum (<108 mg/dL); terapêutica para atingimento do controlo glicémico (insulina, sulfonilureia, metformina, roziglitazona); tempos de follow-up (entre 2 a 11,1 anos); tempo de evolução da DM2 (6,5 a 12 anos de evolução, exceptuando o estudo UKPDS4,5 que incluiu DM2 de novo); existência de outros factores de risco para doença renal (HTA, dislipidemia) e consequente terapêutica (IECA/ARA, estatina). Verifica-se também, pela análise do artigo, que o tempo decorrido desde o diagnóstico da DM2 até ao final de cada estudo variou entre 10 e 17,6 anos, o que poderá não ser tempo suficiente para mostrar o efeito benéfico do controlo da glicose na DRT, que tipicamente se manifesta após 25 anos de duração da DM2.6 No entanto, sabe-se que pode existir um atraso no diagnóstico desta doença, que frequentemente é de pelo menos 5 anos6, o que em alguns estudos já poderia ser tempo suficiente para mostrar algum benefício clínico do controlo intensivo da glicemia, se é que ele existe.

Nesta sequência, um seguimento mais alargado de uma cohort do UKPDS de 3 277 participantes, com um total aproximado de 22 anos de duração e que não foi incluído na meta-análise em questão, mostrou existir benefício da terapia intensiva no desenvolvimento da doença renal, nomeadamente insuficiência renal (especialmente quando o tratamento é iniciado precocemente no decurso da DM2).7 De forma semelhante, a ADA 2012 refere que a optimização do controlo glicémico contribui para a redução do risco ou atraso de progressão de nefropatia com um nível de evidência A, apesar de não especificar que graus de nefropatia são esses (surrogate vs. clinical renal end points).2 Existe também uma meta-análise de 2011 da Cochrane com 29 986 participantes (que incluiu, para além dos sete artigos avaliados na meta-análise em estudo, 13 outros ensaios clínicos controlados e aleatorizados), com follow-up entre 3 e 12,5 anos, que revelou que o maior controlo glicémico melhora as complicações microvasculares. Nesta meta-análise houve redução do risco de progressão da nefropatia no grupo do controlo intensivo comparativamente ao grupo standard (RR 0,89, 95% IC 0,83-0,95). No entanto, há que ressalvar que a definição de nefropatia varia entre os estudos, não se encontrando explícito as variáveis estudadas (nefropatia subclínica e/ou clínica).8

Finalmente, o artigo em análise vem reforçar a ideia da dificuldade de avaliação das complicações da DM, nomeadamente a nefropatia, sobretudo aquelas com mais impacto clínico, tanto por se desenvolverem ao fim de muitos anos como por serem prevalentes outros factores de risco/co-morbilidades para doença renal. Verifica-se que existem numerosos estudos a demonstrar benefício do tratamento intensivo nas lesões precursoras de doença renal, não se verificando o mesmo para as complicações mais graves. Seriam úteis estudos com maior tempo de follow-up e definição clara do tipo de lesão renal (subclínica e/ou clínica) para se avaliar se realmente um controlo intensivo da glicemia atrasa o desenvolvimento de nefropatia clínica.

No entanto, é de ter em consideração que o controlo intensivo da glicemia aumenta o risco relativo de hipoglicemia grave na ordem dos 30%9 e gera aumento de custos. Contudo, estes são largamente compensados pela redução do custo das complicações e pelo aumento de tempo sem complicações.10

Sendo assim, uma intervenção eficaz na DM2 é útil e previne complicações microvasculares, sobretudo se essa intervenção for realizada numa fase precoce da doença. Todavia, seria mais vantajoso avaliar se estas intervenções intensivas conduzem a efeitos maléficos nos doentes, o que não foi ainda bem estudado (excepto pelo estudo ACCORD11 que revelou um aumento de 22% no risco de morte).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Margolis KL, O’Connor PJ. Prioritizing treatments in type 2 diabetes mellitus: Comment on "Role of intensive glucose control in development of renal end points in type 2 diabetes mellitus. Arch Intern Med 2012 May 28; 172 (10): 770-2.         [ Links ]

2. American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes – 2012. Diabetes Care 2012 Jan; 35 (Suppl 1): S11-S63.         [ Links ]

3. Norma da DGS nº 005/2011, de 31/01/2011: ”Prevenção e Avaliação da Nefropatia Diabética”. Lisboa: DGS; 2011.         [ Links ]

4. UK Prospective Diabetes Study (UKPDS) Group. Intensive blood-glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes (UKPDS 33). Lancet 1998 Sep 12; 352 (9131): 837-53.         [ Links ]

5. UK Prospective Diabetes Study (UKPDS) Group. Effect of intensive blood-glucose control with metformin on complications in overweight patients with type 2 diabetes (UKPDS 34). Lancet 1998 Sep 12; 352 (9131): 854-65.         [ Links ]

6. Nathan DM. Understanding the long-term benefits and dangers of intensive therapy of diabetes: Comment on "Role of intensive glucose control in development of renal end points in type 2 diabetes mellitus. Arch Intern Med 2012 May 28; 172 (10): 769-70.         [ Links ]

7. Holman RR, Paul SK, Bethel MA, Matthews DR, Neil HA. 10-year follow-up of intensive glucose control in type 2 diabetes. N Engl J Med 2008 Oct 9; 359 (15): 1577-89.         [ Links ]

8. Hemmingsen B, Lund SS, Gluud C, Vaag A, Almdal T, Hemmingsen C, et al. Targeting intensive glycaemic control versus targeting conventional glycaemic control for type 2 diabetes mellitus. Cochrane Database Syst Rev 2011 Jun 15; 86): CD008143.         [ Links ]

9. Hemmingsen B, Lund SS, Gluud C, Vaag A, Almdal T, Hemmingsen C, et al. Intensive glycaemic control for patients with type 2 diabetes: systematic review with meta-analysis and trial sequential analysis of randomised clinical trials. BMJ 2011 Nov 24; 343: d6898. doi: 10.1136/bmj.d6898.         [ Links ]

10. Gray A, Raikou M, McGuire A, Fenn P, Stevens R, Cull C, et al. Cost effectiveness of an intensive blood glucose control policy in patients with type 2 diabetes: economic analysis alongside randomised controlled trial (UKPDS 41). United Kingdom Prospective Diabetes Study Group. BMJ 2000 May 20; 320 (7246): 1373-8.         [ Links ]

11. Gerstein HC, Miller ME, Byington RP, Goff DC Jr, Bigger JT, Buse JB, et al; Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes Study Group. Effects of intensive glucose lowering in type 2 diabetes. N Engl J Med 2008 Jun 12; 358 (24): 2545-59.         [ Links ]

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