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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.3 Lisboa maio 2012

 

CLUBE DE LEITURA

Ingestão de sal na hipertensão arterial: quem e quanto deve reduzir?

Filipa Deveza

Interna de Medicina Geral e Familiar, USF S. Julião – ACES Oeiras

 


Frisoli TM, Schmieder RE, Grodzicki T, Messerli FH. Salt and hypertension: is salt dietary reduction worth the effort? Am J Med 2012 May; 125 (5): 433-9.

Introdução

O tratamento farmacológico da hipertensão arterial (HTA) é eficaz na redução da pressão arterial (PA) e da morbi-mortalidade das doenças cardiovascular (CV) e renal. Contudo pode ter efeitos adversos e requer uma supervisão médica contínua. As modificações de estilos de vida já mostraram ter efeito real e significativo na redução da PA. Esta revisão visa especificamente a redução da ingestão de sal, sobre a qual há provavelmente a mais variada e forte evidência entre as intervenções em estilos de vida, e pretende clarificar para quem, e em que extensão, a redução da ingestão de sal reduz a PA.

Durante a maior parte da evolução o Homem consumiu menos de 0,25 g/dia de sal. Actualmente, o consumo deste é elevado, devido ao seu uso no tempero dos alimentos mas especialmente devido à sua grande quantidade nos alimentos processados.

Embora a HTA e o aumento da PA relacionada com a idade esteja virtualmente ausente em populações cuja ingestão de sal é baixa, a maioria das pessoas que ingere sal em excesso mantém-se normotensa. Assim, o sal é necessário mas não suficiente para o desenvolvimento da HTA existindo uma variabilidade individual na sua sensibilidade que parece depender da susceptibilidade genética.

O consumo de sal, que inicialmente aumenta aquando da diversificação alimentar, mantém-se elevado nas crianças e adolescentes. Nos jovens, a redução da PA associada a redução moderada da ingestão de sal ocorre de forma relativamente rápida e pode ter um efeito prolongado que se mantém na terceira e quarta décadas de vida.

Os idosos, obesos e os americanos de origem africana são mais sensíveis ao sal, pelo que, para um mesmo valor de redução de sal, a PA descerá mais do que nos jovens, o que demonstra nesses um maior benefício desta medida.

A relação entre a ingestão de sal e a PA é directa e progressiva. Uma redução de 3 g/dia prediz um decréscimo de PA de 3,6-5,6/1,9-3,2 mmHg em hipertensos e 1,8-3,5/0,8-1,8 mmHg em normotensos e uma redução de 6 g/dia de sal por quatro ou mais semanas diminuiu a PA 7,11/3,8 mmHg em hipertensos e 3,57/1,66 mmHg em normotensos. De notar que alguns estudos que contrariam estes dados são frequentemente de curta duração ou implicam restrições salinas severas, o que não produz o efeito anti-hipertensor a longo prazo que uma redução persistente, ainda que moderada, produz.

Cada vez mais evidência sugere que o consumo elevado de sal aumenta directamente (isto é, para além da PA) o risco de acidente vascular cerebral (AVC), hipertrofia ventricular esquerda e proteinúria. Apesar de escassez de evidência que estabeleça a relação entre ingestão salina e incidência ou progressão da insuficiência cardíaca, os resultados favorecem a redução de sal nestes doentes para prevenir retenção de líquidos e deterioração sintomática.

Ainda não há suficiente poder para excluir importantes efeitos clínicos da redução da ingestão de sal na morbi-mortalidade cardiovascular. Não obstante, para reduções pequenas não se detectaram diferenças na actividade da renina plasmática ou no perfil lipídico. Uma dieta pobre em sódio associa-se à estimulação do sistema renina-angiotensina e sistema nervoso simpático, os quais compensam a redução da PA.

Em doentes de alto risco cardiovascular, um aumento da excreção de sódio foi um forte determinante de morte por todas as causas, enfarte do miocárdio, AVC e hospitalização por insuficiência cardíaca congestiva, mas uma ingestão baixa também se relacionou a um aumento de morte por causa cardiovascular, sugerindo uma relação em J ou U entre a ingestão de sal e a morbi-mortalidade. A restrição salina parece diminuir os eventos cardiovasculares enquanto a ingestão não for abaixo de 2,4 g/dia. Dado o actual consumo de sal ser 10-12 g/dia, em média, é muito pouco provável aproximarmo-nos desses valores num futuro próximo. Contudo, um estudo recente mostrou resultados diferentes: uma consistente e inversa, embora fraca, associação entre mortalidade cardiovascular e excreção urinária de sódio em 24 horas. Actualmente, não é fácil conciliar os resultados deste estudo com os estudos contraditórios prévios; talvez este estudo questione os índices usados para medir a ingestão de sal tanto quanto a actual associação entre ingestão de sal e PA.

É difícil reduzir a ingestão de sal a nível comunitário. O desafio deve ser abordado entre consumidores e produtores e requer uma cooperação da indústria alimentar. Mais de 80% do excesso de sal consumido, especialmente nos países desenvolvidos, vem dos alimentos processados e não da adição de sal pelo consumidor enquanto cozinha. A estratégia de redução da ingestão de sal de 10-20% anual/bi-anualmente provavelmente não seria detectada pelo paladar e alcançaria os níveis pretendidos (5-6 g/dia) em aproximadamente cinco anos.

Em vários países, europeus e norte-americanos, têm sido já aplicadas medidas para reduzir a ingestão de sal das suas populações que, no limite, se reflectem numa poupança económica considerável.

Valerá a pena esta iniciativa de saúde pública? Pode um diurético, por exemplo, conferir uma redução da PA da população de forma mais fácil? O efeito anti-hipertensor de um diurético deve ser ponderado com os seus possíveis efeitos adversos. Estes não se verificam quando utilizadas doses baixas, contudo, nesse caso, o efeito terapêutico desejado pode não ser atingido. Assim, os efeitos adversos dos anti-hipertensores mais usados são significativos em comparação com a relativa segurança da redução da ingestão salina.

Para a obtenção do valor alvo de PA não basta a correcção da ingestão salina e parece que a modificação de mais do que um dos seus factores de risco (ex. alimentação e peso) tem um efeito aditivo em comparação com a modificação de um factor isoladamente.

Conclusão

A redução da ingestão de sal pode atrasar ou prevenir a incidência ou o tratamento da HTA em indivíduos normotensos e contribuir para a redução da PA em hipertensos já a receber terapêutica farmacológica. Há cada vez mais evidência de que a redução da ingestão salina tem um efeito redutor do risco de doença CV, em parte pela redução da PA.

Comentário

As referências ao sal vêm desde a antiguidade. Inicialmente usado como conservante de alimentos, o sal era extremamente valioso e chegou a servir como forma de pagamento, dando origem à palavra «salário». Hoje em dia a população reconhece-lhe valor sobretudo por dar sabor aos alimentos.

Esta revisão narrativa permite-nos sumarizar dois pontos. Primeiro, a redução da ingestão salina tem maior impacto nos valores de PA da população idosa. Segundo, a redução do consumo de sal implica não só a evicção de adição de sal «de mesa» mas também de alimentos pré-cozinhados.

A associação entre consumo excessivo de sal e aumento da PA é actualmente bem reconhecida pela nossa população, em especial quando discutida a saúde dos idosos. Admitido o excesso de sal como causa de HTA resistente, a diminuição do consumo deste é referida como uma das principais intervenções nos estilos de vida.1 Na norma da Direcção-Geral da Saúde «Abordagem terapêutica da Hipertensão Arterial» são recomendados valores de sal inferiores a 5,8 g/dia.2 Importa contudo questionar como podem os doentes quantificar o sal que ingerem diariamente.

Conhecendo-se o impacto das doenças cardiovasculares em Portugal, este artigo reafirma a influência da redução da ingestão salina na diminuição da morbi-mortalidade destas, por efeito directo para além da redução dos valores tensionais.

Não ignorando a possibilidade de malefícios por um consumo de sal muito reduzido, a quantidade mínima de sal necessária ao organismo é a que geralmente existe nos próprios alimentos.

Em última análise esta problemática requer medidas de saúde pública que dificultem o acesso da população a alimentos prejudiciais, que a longo prazo poderão prevenir custos em terapêutica farmacológica e em complicações da HTA.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. 2007 Guidelines for the management of arterial hypertension. The Task Force for the Management of Arterial Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J 2007 Jun; 28 (12): 1462-536.         [ Links ]

2. Direcção-Geral de Saúde. Norma n.º 26 de 29-09-2011. Abordagem Terapêutica da Hipertensão Arterial. Lisboa: DGS, 2011.    

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