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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.2 Lisboa mar. 2012

 

CLUBE DE LEITURA

Aumento de peso após cessação tabágica, como prevenir?

Joana Sequeira

Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Flor de Sal - Aveiro


 

Farley AC,Hajek P, LycettD, Aveyard P. Interventions for preventing weight gain after smoking cessation. Cochrane Database of Systematic Reviews 2012, Issue 1. Art. No.: CD006219. DOI: 10.1002/14651858.CD006219.pub3.

 

Introdução

A maioria das pessoas que pára de fumar aumenta de peso. Algumas intervenções de cessação tabágica foram desenvolvidas para a sua promoção e simultaneamente controlar o aumento de peso. Existem outros tratamentos que foram desenvolvidos com o único objectivo de promover a cessação tabágica, sem contemplarem o aumento de peso.

Objectivos

Com este trabalho pretendeu-se rever a evidência do efeito de intervenções que visam limitar o aumento de peso pós cessação tabágica, avaliando a variação de peso (no fim do tratamento, 6 meses e 12 meses), e cessação tabágica (aos 6 e 12 meses) e qual o efeito de intervenções destinadas a auxiliar a cessação tabágica que possam também afectar o peso no período pós cessação.

Métodos de pesquisa

Foi realizada uma pesquisa no «Cochrane Tabacco Addition Group’s Specialized Register» e CENTRAL, em Setembro de 2011. Adicionalmente, pesquisou-se em Cochrane reviews os estudos que incluíram terapêutica de substituição de nicotina (TSN), antidepressivos, agonista parcial do receptor da nicotina, antagonista do receptor tipo 1 dos canabinóides e intervenções de exercício físico para cessação tabágica, publicados no volume 9, Cochrane Library 2011.

Critérios de selecção

Seleccionaram-se ensaios com intervenções orientadas para o ganho de peso pós cessação tabágica e que mediram o peso em qualquer consulta de seguimento e/ou seis ou mais meses depois do dia de abandono do tabaco. Posteriormente foram incluídos ensaios da Cochrane reviews que reportaram aumento de peso em qualquer momento.

Análise e colecta de dados

Foram extraídos dados sobre as características de base da população, intervenção, resultados e qualidade do estudo. A alteração do peso foi expressa como a diferença relativamente ao peso base e foi relatado apenas em fumadores abstinentes. A abstinência do tabaco foi expressa numa relação de risco (RR). Quando apropriado foi realizada uma meta-análise dos dados.

Principais resultados

Algumas intervenções farmacológicas testadas para limitar o aumento de peso pós cessação resultaram numa redução significativa do aumento de peso no final do tratamento (dexfenfluramina (diferença média (DM) -2,50 Kg; IC 95%: -2,98 a -2,02; 1 estudo), fenilpropanolamina (DM -0,50 Kg; IC 95%: -0,80 a -0,20; N = 3), naltrexona (DM -0,78 Kg; IC 95%: -1,52 a -0,05; N = 2). Não houve evidência que o tratamento reduzisse o aumento peso aos 6 ou 12 meses (m). Nenhuma intervenção farmacológica afectou significativamente a taxa de cessação tabágica.

Intervenções educacionais acerca do peso, apenas se associaram a não redução do aumento de peso pós cessação no final do tratamento (6 ou 12 m). No entanto estas intervenções reduziram significativamente a abstinência aos 12m (RR 0,66; IC 95%: 0,48 a 0,90; N = 2). Intervenções personalizadas relativamente ao peso, reduziram significativamente o aumento de peso pós cessação, aos 12m (DM -2,58 Kg; IC 95%; -5,11 a 0,05; N = 2) e não foram associadas a redução significativa da abstinência a 12m (RR 0,74; IC 95%: 0,39 a 1,43; N = 2). Uma dieta muito baixa em calorias (DMBC) reduziu significativamente o aumento de peso pós cessação no final do tratamento (DM -3,70 Kg; IC 95%: -4,82 a -2,58; N = 1), mas não tão significativamente aos 12m (DM -1,30 Kg; IC 95%: -3,49 a 0,89; N = 1).

A DMBC aumentou a probabilidade de abstinência aos 12 meses (RR 1,73; IC 95%: 1,10 a 2,73; N = 1). Não houve nenhuma evidência que a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tenha diminuído o aumento de peso pós cessação, mas houve algumas evidências de maior aumento de peso aos 6m (DM 0,74Kg; IC 95%: 0,24 a 1,24) e maior abstinência aos 6m (1,83 RR; IC 95% 1,07 para 3,13; N = 2). No entanto, houve significativa heterogeneidade estatística.

Não houve evidência que o exercício reduza significativamente o aumento de peso pós cessação no final do tratamento (DM -0,25 Kg; IC 95%: 0,78 a 0,29; N = 4) no entanto encontrou-se uma redução significativa aos 12 meses (DM -2,07 Kg; IC 95%: -3,78 a -0,36; N = 3).

A bupropiona e fluoxetina limitaram o aumento de peso pós cessação no final do tratamento (bupropiona DM -1,12 Kg; IC 95%: -1,47 a -0,77; N = 7) (fluoxetina DM -0,99 Kg; IC 95%: -1,36 a -0,61; N = 2). Não houve nenhuma evidência que o efeito persista aos 6m (bupropiona DM – 0,58 Kg; IC 95%: - 2,16 a 1,00; N = 4), (fluoxetina DM -0,01 Kg; IC 95%: -1,11 a 1,10; N = 2) ou 12m (bupropiona DM -0,38 Kg; IC 95%: -2,00 a 1,24; N = 4). Não foram encontrados dados sobre o aumento de peso aos 12m com fluoxetina.

Em geral, a TSN atenuou o aumento de peso pós cessação no final do tratamento (DM -0,69 Kg; IC 95%: -0,88 a -0,51; N = 19), sem forte evidência que o efeito variasse entre as diferentes formas de TSN. Houve significativa heterogeneidade estatística causada por um estudo que relatou uma redução de 4,3 kg no aumento de peso pós cessação devido à TSN. Removendo este estudo, a diferença na mudança de peso no final de tratamento foi - 0,45 Kg (IC 95%: -0,66 a -0,27; N = 18). Não houve nenhuma evidência de efeito no aumento de peso pós cessação aos 12 meses (DM -0,42 Kg; IC 95%: -0,92 a 0,08; N = 15).

Encontrou-se evidência que a vareniclina reduziu significativamente o aumento de peso pós cessação no final do tratamento (DM -0,41 Kg; IC 95%: -0,63 a -0,19; N = 11), mas este efeito não foi mantido aos 6 ou 12 m. Três estudos compararam o efeito da bupropiona com a vareniclina. Participantes com bupropiona ganharam significativamente menos peso no final do tratamento (-0,51 Kg; IC 95%: -0,93 a -0,09; N = 3). A comparação directa não mostrou diferenças significativas no aumento de peso pós cessação entre a vareniclina e a TSN.

Conclusões

Apesar de algumas terapêuticas farmacológicas testadas para limitar o aumento de pós cessação, demonstrarem evidência a curto prazo, a falta de dados de eficácia a longo prazo e outros problemas associados, limitam a sua utilização. Intervenções educacionais para o peso isoladamente, não são efectivas e podem reduzir a abstinência. Intervenções para o peso personalizadas, podem ser efectivas e não reduzem a abstinência, no entanto existem poucos estudos. Um estudo demonstrou que a DMBC aumenta a abstinência mas não previne o aumento de peso a longo prazo. A TCC não limitou o aumento de peso pós cessação e pode não promover a abstinência a longo prazo. O exercício reduziu significativamente o peso a longo prazo, mas não a curto prazo. São necessários mais estudos para clarificar se isto é um efeito do tratamento ou um efeito de oportunidade. Bupropiona, fluoxetina, TSN e vareciclina reduziram o aumento de peso pós cessação durante o tratamento. No entanto este efeito não se manteve um ano após a cessação tabágica, sendo a evidência insuficiente para excluir um efeito modesto a longo prazo. Os estudos não permitem estabelecer recomendações clínicas relativamente a programas efectivos para prevenir o aumento de peso após cessação tabágica.

Comentário

O abandono do tabaco está associado a um aumento médio de peso de 4.5Kg em 6 a 12 meses. Os factores de risco para maior aumento ponderal após abandono do tabaco são: raça afro-americana, idade < 55 anos, fumador de > 25 cigarros/dia e o nível socioeconómico baixo.1

O aumento de peso após a cessação tabágica, como qualquer aumento de peso acima do recomendável, pode ter consequências para a saúde. A incidência de Diabetes é maior nos fumadores que pararam de fumar do que nos que continuam, um efeito que aparentemente se explica pelo aumento de peso. Por outro lado o aumento de peso durante ou após a cessação tabágica está associado a recaídas. Alguns estudos referem que a probabilidade de êxito na cessação tabágica é menor nas mulheres, e que este facto deve-se, em parte à maior preocupação destas com o aumento de peso.2,3

O programa-tipo de actuação para Cessação Tabágica da Direcção Geral de Saúde (DGS), recomenda que na avaliação clínica inicial do fumador, seja avaliado não só o Índice de Massa Corporal, como também a preocupação do fumador relativamente a este assunto. Assim nos casos em que haja excesso de peso, obesidade, grande preocupação e/ou ansiedade com o peso ou aumento de peso superior a 3Kg em tentativa anterior de cessação tabágica, deve ser considerado o encaminhamento para um nutricionista. Nos restantes casos, os fumadores devem ser aconselhados a fazer uma alimentação saudável e aumentar os níveis de actividade física diária.2 De acordo com a revisão apresentada, podem existir benefícios quanto ao aumento de peso, quando as intervenções educacionais são feitas de forma personalizada e quando o exercício físico é feito a longo prazo.

Relativamente à terapêutica farmacológica, as recomendações da DGS reconhecem que a TSN e a bupropiona podem contribuir para limitar/atrasar o aumento de peso associado ao abandono do tabaco.2 Segundo a revisão apresentada o efeito das terapêuticas farmacológicas no aumento de peso parece ocorrer apenas a curto prazo.

O aumento de peso que ocorre após a cessação tabágica deve ser uma preocupação dos profissionais de saúde nas suas intervenções de cessação tabágica. São necessários mais estudos que avaliem o efeito a longo prazo das medidas educacionais e farmacológicas, no entanto elas não devem ser esquecidas e o acompanhamento por nutricionista deve ser disponibilizado sempre que necessário.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Audrain-McGovern J, Benowitz NL. Cigarette smoking, nicotine, and body weight. Clin Pharmacol Ther. 2011 Jul;90(1):164-8        [ Links ]

2. Cessação Tabágica – Programa tipo de actuação. Direcção Geral da Saúde. Dezembro de 2007.         [ Links ]

3. Norma de orientação clínica prática para o tratamento do uso e dependência do tabaco. Instituto da Qualidade em Saúde. 2002.         [ Links ]

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