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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.2 Lisboa mar. 2012

 

CLUBE DE LEITURA

Bacteriúria assintomática na gravidez, tratar durante quanto tempo?

Ana Catarina Maia

3.o Ano formação específica de Medicina Geral e Familiar, USF Castelo


 

Widmer M, Gülmezoglu AM, Mignini L, Roganti A. Duration of treatment for asymptomatic bacteriuria during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev 2011 Dec; 7 (12): CD000491. DOI: 10.1002/14651858.CD000491.pub2.

 

Introdução

Uma revisão sistemática da Cochrane revelou que o tratamento da bacteriúria assintomática em mulheres grávidas reduz substancialmente o risco de pielonefrite e diminui o risco de parto pré-termo. Contudo, não é claro se o esquema terapêutico de toma única é tão eficaz como a antibioterapia convencional mais longa.

Objectivos

Determinar a efectividade clínica das diferentes durações do tratamento da bacteriúria assintomática na gravidez.

Metodologia de pesquisa

Foi pesquisada a Cochrane Pregnancy and Childbirth Group’s Trial Register (a 31 de Agosto de 2011) e lista de referências dos artigos seleccionados.

Critérios de selecção

Pretendiam-se ensaios aleatorizados e quasi-aleatorizados comparando regimes de terapêutica anti-microbiana que se diferenciem pela sua duração (particularmente comparando toma única com esquemas mais longos) em mulheres grávidas com diagnóstico de bacteriúria assintomática.

Recolha e análise de dados

A avaliação da qualidade dos ensaios e extracção de informação foram efectuadas de forma independente.

Resultados principais

Foram seleccionados 13 estudos, incluindo 1622 mulheres. Todos se apresentavam como comparações de tratamento de toma única com esquemas terapêuticos de quatro a sete dias. Os ensaios eram na maioria de qualidade limitada. A taxa de «não cura» da bacteriúria assintomática nas mulheres grávidas foi ligeiramente maior para o tratamento de toma única em relação ao esquema terapêutico de curta duração; no entanto, estes resultados não foram estatisticamente significativos e mostraram heterogeneidade. Quando comparando os ensaios que utilizaram o mesmo antibiótico nos grupos de tratamento e de controlo com os ensaios que usaram diferentes antibióticos nos dois grupos, a taxa de «não cura» foi semelhante. Não houve diferença estatisticamente significativa na taxa de recorrência da bacteriúria assintomática entre os grupos de tratamento e de controlo. Foram detectadas ligeiras diferenças para o parto pré-termo e pielonefrite, embora, com excepção de um ensaio, a dimensão da amostra dos ensaios fosse inadequada. O tratamento de dose única foi associado com uma redução na descrição de «quaisquer efeitos secundários».

Conclusões dos autores

O esquema de antibioterapia em dose única poderá ser menos eficaz que o de sete dias. As mulheres com bacteriúria assintomática na gravidez deverão ser tratadas com o esquema convencional de tratamento com antibióticos até que esteja disponível mais informação testando esquemas terapêuticos de sete dias em comparação com os de três ou cinco dias.

Comentário

É consensual que o rastreio de bacteriúria assintomática na gravidez e o seu tratamento são de crucial importância na prevenção da pielonefrite e parto pré-termo. Assim é premente a uniformização de esquemas terapêuticos designados para esta situação clínica. A presente revisão mostra-nos estudos de comparação entre tratamentos antibióticos de um e sete dias. Parece haver um padrão de efeitos secundários ligeiramente menor no grupo de um dia, taxas de resultados negativos (pielonefrite e parto pré-termo) semelhantes, mas uma ligeira inferioridade da taxa de cura no grupo de tratamento mais curto, aconselhando-se assim o esquema mais longo (sete dias). Não são discriminados fármacos em particular como mais aconselhados, se bem que foram testados diversos (ampicilina, fosfomicina, amoxicilina, amoxicilina/ácido clavulânico, nitrofurantoína, trimetoprim/sulfametoxazol).

No que se refere às normas portuguesas da Direcção-Geral de Saúde, podemos aferir a indicação do rastreio trimestral da bacteriúria assintomática da grávida através de urocultura com eventual teste de sensibilidade antibiótica.1 A fundamentação de tal procedimento remete para várias recomendações anglo-saxónicas e uma meta-análise que relaciona a bacteriúria assintomática na gravidez com o parto pré-termo e baixo peso ao nascer. Alegam assim que a bacteriúria assintomática não tratada está associada a pielonefrite (20%) e parto pré-termo (10%). Quanto ao tratamento, com grau de recomendação A e nível de evidência III, é recomendado o esquema com fosfomicina 3g, dose única ou amoxicilina/ácido clavulânico 500mg/125mg, 8/8h, 5-7 dias, sendo que este último deverá ser evitado no 1º trimestre.2 Assim, verifica-se que no 1º trimestre da gravidez apenas é indicado um tratamento que os autores deste artigo mostraram ser menos eficaz. A nitrofurantoína é aconselhada na mulher não grávida mas não está explícita no tratamento da grávida.

Após consulta do manual de referência na Obstetrícia, os Protocolos de Medicina Materno-Fetal3 verifica-se que é referido como tratamento de eleição o esquema de três dias com amoxicilina/ácido clavulânico 800mg/125mg, 12/12h ou 500mg/125mg 8/8h, cefalexima 250mg 6/6h, cefixime 400mg numa toma diária única, trimetoprim/sulfametoxazol 160mg/800mg 12/12h ou amoxicilina 250mg 8/8h; sete dias com nitrofurantoína 100 mg 6/6h ou fosfomicina 3g toma única. A vigilância deverá ser efectuada 10 dias após o término do tratamento, com urocultura. É novamente referido que o ácido clavulânico não deverá ser utilizado no 1º trimestre, bem como o trimetoprim. Contudo, estas opções são bem mais ousadas que as das normas, incluindo vários antibióticos não contemplados nestas (todos eles também incluídos nos estudos da presente revisão). Se bem que compreensível a precaução aplicada nas normas da Direcção-Geral de Saúde, é também vital que os clínicos possam medicar correctamente mulheres grávidas com bacteriúria assintomática cujo teste de sensibilidade antibiótica revele resistência aos fármacos defendidos. Na ausência de normas orientadoras, a sua prescrição não será tão uniformizada e, como tal, poderá estar sujeita a uma eventual maior taxa de erros médicos.

Estes protocolos levantam uma questão essencial que também é colocada na conclusão da revisão como dúvida a esclarecer futuramente: qual o papel dos esquemas terapêuticos intermédios, nomeadamente de três dias de duração. O esquema de um dia parece ser eficaz mas talvez não tanto como o convencional, pelo que não deverá ser o privilegiado. No entanto, o esquema de sete dias parece só ser absoluta e comprovadamente necessário na infecção urinária sintomática (cistite não complicada). Assim, deverão as grávidas ser submetidas a sete dias de administração de antibiótico quando algo entre um e sete dias de tratamento será eficaz e seguro? Os protocolos de Medicina Materno-Fetal adiantam-se a estas dúvidas e defendem na maioria dos fármacos a duração de três dias de tratamento. Eventualmente, será após o esclarecimento desta questão que se conseguirá chegar a novas evidências e novas recomendações para esta situação aparentemente benigna mas potencialmente grave.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Direcção Geral de Saúde. Norma no 015/2011. 2011.

2. Direcção Geral de Saúde. Norma no 037/2011. 2011.

3. Campos DA, Montenegro N, Rodrigues T. Protocolos de Medicina Materno-Fetal. 2ª ed. Lisboa: Lidel; 2008.         [ Links ]

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