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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.2 Lisboa mar. 2012

 

CLUBE DE LEITURA

A importância da intervenção familiar na cessação tabágica: «Já pensou no seu filho?»

Joana Daniel Bordalo*; José Pedro Antunes**

*Interna de Medicina Geral e Familiar, USF Flor de Sal – ACES Baixo Vouga II

**Interno de Medicina Geral e Familia, UCSP Ílhavo 1 – ACES Baixo Vouga II


 

Rosen LJ, Noach MB, Winickoff JP, Hovell MF. Parental smoking cessation to protect young children: a systematic review and meta-analysis. Pediatrics 2012 Jan; 129 (1): 141-52.

 

Contexto

O tabaco é um produto legal que, no século XX, matou à escala mundial 100 milhões de pessoas. Os programas de prevenção, as políticas de protecção à exposição passiva do fumo e os programas de cessação tabágica, são alguns dos esforços desenvolvidos para a prevenção da morbi-mortalidade relacionada com o tabaco. A falta de informação sobre a magnitude do problema e a subvalorização do risco individual sugerem que a promoção de medidas educativas e de sensibilização são fundamentais para a cessação tabágica. Pelo insucesso destas estratégias foi considerada como alternativa a sensibilização dos fumadores para o impacto do fumo passivo ao invés do risco individual. Esta medida parece ser particularmente efectiva quando se trata da exposição passiva dos próprios filhos. Os benefícios da diminuição da exposição passiva das crianças ao fumo do tabaco incluem a diminuição da síndrome de morte súbita, das doenças do ouvido médio, da asma, da pneumonia e da deterioração da função respiratória. A Organização Mundial de Saúde estima que 40% das crianças são expostas passivamente ao fumo do tabaco.

Objectivos

Analisar as taxas de cessação tabágica nos pais em estudos desenhados para a protecção das crianças à exposição passiva do fumo, pela cessação ou modificação dos padrões de tabagismo e avaliação do abandono tabágico nos pais de crianças jovens.

Metodologia

Meta-análise de artigos originais e revisões sistemáticas sobre os efeitos das intervenções de cessação tabágica nos pais, assim como as suas taxas de abandono. Pesquisa na Medline, PsycINFO, Web of Science e Cochrane de artigos publicados em inglês até final de Março de 2011.

Critérios de inclusão dos estudos: (1) ensaios clínicos controlados aleatorizados/quasi-aleatorizados e caso-controlo; (2) os participantes fossem os pais (mãe, pai ou ambos); (3) as crianças entre os 0 e 6 anos estivessem distribuídas nas seguintes coortes: saudáveis, asmáticas ou utilizadoras de hospitais e clínicas pediátricas; (4) sem restrição do tipo/programa de intervenção; (5) o objectivo primário dos estudos fosse a redução/cessação tabágica dos pais ou a diminuição da exposição passiva das crianças; (6) a monitorização das taxas de abandono pelos pais fosse obrigatória; (7) e o período mínimo de observação fosse de um mês desde o início da intervenção. O resultado final avaliado foi a taxa de cessação tabágica nos pais, apresentado sob as formas de taxa de cessação tabágica parental (TCTP), taxa de cessação tabágica materna (TCTM) ou paterna. Foram explorados subgrupos e categorizados relativamente à idade, ao tipo de intervenção (local, interveniente, uso de medicação e número de sessões) e ao tipo de estudo.

Resultados

Foram analisados 876 artigos dos quais 468 foram seleccionados. Destes, 403 não eram relevantes para este estudo e apenas 18 cumpriam os critérios de inclusão. Os estudos foram conduzidos nos Estados Unidos da América, China, Noruega, Escócia, Finlândia, Itália e Austrália entre 1987 a 2010.

As intervenções dos estudos incluídos utilizavam materiais de auto-ajuda, aconselhamento directo, aconselhamento telefónico, utilização de medicação e/ou medição dos níveis de cotinina. Contemplavam crianças até aos 16 anos sendo que 6 estudos incluíam crianças até 1 ano de vida. As intervenções foram realizadas em ambiente familiar, no hospital, em clínicas de saúde infantil, em consultórios pediátricos ou combinados. Os responsáveis pelas intervenções foram as enfermeiras, os médicos, os investigadores e o corpo clínico. Apenas dois estudos utilizaram medicação para cessação tabágica. O número de sessões foi desde uma a mais de cinco. O objectivo principal em oito estudos foi a redução da exposição das crianças ao fumo do tabaco, em cinco estudos a cessação tabágica na mãe e os outros cinco estudos contemplavam ambos os objectivos referidos. Relativamente aos grupos controlo, em oito estudos receberam algum tipo de intervenção, em seis não foi possível determinar essa informação e em quatro estudos não receberam qualquer intervenção.

Foram incluídos 18 estudos com N combinado de 7053. As TCTP variaram de 0.9% a 83.6% no grupo de intervenção (média ponderada de 23.1%), em comparação com o grupo de controlo, que variou de 0.8% a 72.1% (média ponderada de 18.4%). O benefício da intervenção foi encontrado em 13 estudos (72%) dos quais quatro (22%) apresentaram vantagens estatisticamente significativas no grupo de intervenção. Na globalidade o risco relativo foi de 1.34 ([IC] 1.05,1.71; P=0.02) mostrando uma discreta melhoria, mas estatisticamente significativa, no grupo de intervenção. O risco absoluto de 0.04 ([IC] 0.01,0.07; P=0.005) mostra um benefício adicional de 4% no grupo de intervenção em comparação com o controlo. A análise do conjunto das TCTM (12 estudos) foi semelhante aos resultados das TCTP (RR=1.44; IC 0.99,2.09; P=0.06).

As intervenções mostraram-se benéficas nos seguintes subgrupos: pais de crianças com quatro ou mais anos (RR=1.57; IC 1.14,2.16; P =0.006); uso de medicação (RR=3.13; IC 1.19,8.21; P=0.02); cujo objectivo principal fosse a cessação tabágica (RR=1.69; IC 1.2,2.4; P=0.003); e com taxas de seguimento entre 81% e 100% (RR=1.64; IC 1.12,2.42; P=0.01).

Conclusões

Alguns pais desistiram de fumar pelos seus filhos. As autoridades de saúde devem recomendar intervenções eficazes que aconselhem os pais a deixar de fumar, pelo benefício causado aos seus filhos, como também, treinar os clínicos nesta área. São necessários mais estudos para: (1) construir intervenções efectivas que encorajem a cessação tabágica nos pais focada no benefício das suas crianças; (2) isolar os factores que potenciam esta motivação e, (3) no caso dos pais não estarem motivados ou capazes de parar fumar, identificar as intervenções mais eficazes na protecção destas crianças à exposição passiva ao fumo do tabaco.

Comentário

O fumo passivo é um termo utilizado para designar a exposição involuntária de um não fumador ao fumo do tabaco. O fumo que é inalado involuntariamente pode ser estimado pela medição das concentrações dos componentes do fumo no ar ambiente ou, sob a forma de biomarcadores como o doseamento de cotinina. A morbilidade associada ao fumo passivo é um problema de saúde pública importante, nomeadamente no que toca à exposição de crianças, incluindo gastos de saúde consideráveis e diminuição da qualidade de vida. A exposição passiva das crianças pode ter como efeitos adversos a prematuridade, a mortalidade perinatal, a restrição do crescimento fetal, a síndrome de morte súbita, a asma e outras doenças respiratórias, doenças do ouvido médio e risco acrescido para doença cardiovascular futura.1

Esta meta-análise mostra que as intervenções de cessação tabágica nos pais, pela sensibilização dos benefícios para os filhos, aumentou as taxas de abandono parental e materno. Esta estratégia tem entre outras vantagens: a melhoria da saúde e esperança média de vida dos adultos; a protecção da exposição dos filhos aos malefícios causados pela inalação do fumo; a diminuição da ansiedade dos pais com o potencial dano causado aos seus filhos; e a diminuição da probabilidade das crianças filhos de não fumadores serem fumadores.2,3

Este artigo aviva a importância que os profissionais de saúde têm, particularmente os Médicos de Família, no aconselhamento dos seus utentes fumadores para a cessação tabágica, especialmente naqueles que podem ser persuadidos pelo facto de causarem problemas de saúde aos seus filhos.

Em cuidados de saúde primários o médico é o cuidador privilegiado da saúde da família, podendo potenciar as suas intervenções em seio familiar. O acompanhamento longitudinal das famílias permite reforçar as medidas para hábitos de vida saudáveis, nomeadamente a cessação tabágica. Esta perspectiva deverá ser utilizada nos diversos ambientes de consulta, seja na consulta de adultos, seja particularmente em consulta de saúde infantil e de saúde materna. A consulta de saúde infantil, onde a atenção dos pais está concentrada na saúde e bem-estar dos seus filhos, pode ser um momento chave para esta sensibilização. O mesmo acontece com as grávidas, período no qual as mulheres estão muito sensibilizadas para o desenvolvimento e crescimento saudável dos seus filhos, assim como os potenciais riscos preveníveis.

Encorajar a cessação tabágica pela demonstração do impacto sobre a morbi-mortalidade do acto de fumar, utilizando o objectivo de proteger a saúde da população e em particular das crianças, poderá ser uma forma importante de a implementar.4 É um trabalho preventivo. É uma acção de promoção de saúde. É o nosso objectivo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Samet JM, Sockrider M. Secondhand smoke exposure: Effects in children. UpToDate. Disponível em http://www.uptodate.com [acedido em 01/03/2011].         [ Links ]

2. Farkas AJ, Gilpin EA, White MM, Pierce JP. Association between household and workplace smoking restrictions and adolescentsmoking. JAMA 2000 Aug 9; 284 (6): 717-22.         [ Links ]

3. Doll R, Peto R, Boreham J, Sutherland I. Mortality in relation to smoking: 50 years’ observations on male British doctors. BMJ 2004 Jun 26; 328 (7455): 1519-28.         [ Links ]

4. Hovell MF, Hughes SC. The behavioral ecology of secondhand smoke exposure: a pathway to complete tobacco control. Nicotine Tob Res 2009 Nov; 11 (11): 1254-64.         [ Links ]

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