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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.40 Lisboa jun. 2020

https://doi.org/10.15847/cct.jun2020.040.rev01 

RESENHA

 

Recensão do livro "Social Innovation and Sustainable Consumption: Research and Action for Societal Transformation"

Review of "Social Innovation and Sustainable Consumption: Research and Action for Societal Transformation"

 

 

Hugo PintoI

[I]Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal. e-mail: hpinto@ces.uc.pt.

 

 

Social Innovation and Sustainable Consumption: Research and Action for Societal Transformation

Julia Backhaus, Audley Genus, Sylvia Lorek, Edina Vadovics, Julia M. Wittmayer

London: Routledge-SOCRAI Studies in Sustainable Consumption. Routledge/Taylor & Francis Group, 2019

 

 

Visão Global

O mundo está a colapsar. De várias formas. As sociedades contemporâneas estão a confrontar-se com uma permanente turbulência social, económica e ecológica. As políticas tradicionais não conseguem dar respostas efetivas aos novos tipos de problemas. Os padrões atuais de consumo e de produção estimulam a degradação ambiental. Crises, que pareciam desconectadas, encontram-se cada vez mais relacionadas umas com as outras, alimentando-se reciprocamente.

O livro Social Innovation and Sustainable Consumption: Research and Action for Societal Change , editado por Julia Backhaus e colegas, apresenta e analisa políticas, estratégias e processos para a transformação societal e mudanças fundamentais para responder ao desafio da sustentabilidade. Partindo de uma perspetiva eminentemente institucionalista, considerando central compreender profundamente as estruturas que incentivam ou limitam a ação individual e coletiva, este livro integra o estudo da inovação social, do consumo sustentável e da transformação das sociedades, em treze capítulos que exploram avanços teóricos e conceptuais na interseção destes três domínios. Os capítulos enquadram uma relevante discussão teórica e vários estudos de caso, principalmente europeus, em diferentes temas, da alimentação à energia. Os textos centram-se não apenas na apresentação dos atores, práticas e relações relevantes, mas procuram sublinhar os processos de institucionalização de determinadas inovações sociais. Estudos de caso como as Cidades em Transição, Global Ecovillage Network, Movimento Slow Food, Credit Unions, Economia da Partilha, são analisados em detalhe. A necessidade de consumo sustentável é um dos aspetos incontornáveis do conjunto de capítulos e remete para as alterações que as sociedades contemporâneas têm de operar para garantir que os fenómenos de sobre-produção e de sobre-consumo são controlados sem colocarem em causa os limites do próprio planeta e seus recursos.

Este é um livro coletivo que resulta dos resultados de um workshop organizado em novembro de 2015 no Impact Hub em Viena a propósito do TRANSIT, um projeto FP7 financiado pela Comissão Europeia que se centrou na análise da inovação social como geradora de mudança social. A obra é promovida pela atividade da SCORAI – The Sustainable Consumption Research and Action Initiative, uma rede internacional que envolve cerca de um milhar de investigadores e decisores políticos na interface entre o consumo, o bem-estar humano e a mudança tecnológica e cultural.

 

Desafios à investigação em inovação social

Grande parte da discussão sobre inovação social permanece ainda hoje vaga com uma profusão de definições concorrentes. Para muitos é simplesmente um novo termo para o estudo de organizações sem fins lucrativos; para outros, pode incluir quase tudo, desde novos tipos de democracia até ao desenho de produtos acessíveis a consumidores com baixos rendimentos. Para outros, não é mais que uma tentativa disfarçada de mercantilizar atividades que estavam na esfera da economia social e solidária ou sob a responsabilidade do Estado. Todavia pode ser entendida numa perspetiva menos cínica – a inovação social resulta da vontade de transformar ideias em ação para responder a necessidades sociais. Os indivíduos conseguem criar respostas inovadoras, muitas vezes a partir de experiências de pequena escala e de carácter localizado. É a partir da observação da implementação destas soluções, com o seu sucesso, que tentativas de replicar institucionalmente essas soluções podem surgir. A inovação social advém também da exploração de possibilidades adjacentes, quando após uma solução ser encontrada para determinado problema, outras alternativas fluem quase espontaneamente a partir desta – ampliando, adaptando ou combinando essa solução, a novos problemas ou com novas configurações.

Uma forma simples de definir inovação social é compreendê-la como uma nova ideia que funciona na prática para responder a necessidades sociais não satisfeitas (Mulgan et al., 2007). Uma definição útil de inovação social descreve-a como inovações que são sociais quer nos seus fins quer nos seus meios (Young Foundation, 2012), captando a finalidade social das soluções criadas e a necessidade de uma articulação coletiva entre diversos atores. Westley e Antadze (2010) sublinham que a inovação social é um processo complexo de introdução de novos produtos, processos ou programas que alteram profundamente as rotinas básicas, os fluxos de recursos e de autoridade ou as crenças do sistema social em que a inovação ocorre. Tais inovações sociais bem-sucedidas têm durabilidade e amplo impacto. Do ponto de vista das políticas públicas, a inovação social é essencialmente uma nova forma de responder a falhas de mercado e a falhas do Estado e distingue-se de uma conceção de inovação estritamente económica, porque não trata apenas de novos tipos de produtos ou de processos, mas de satisfazer necessidades não resolvidas pelo mercado e de criar formas mais satisfatórias de inserção dos indivíduos na sociedade (OCDE, 2011). Neste livro, a inovação social é vista essencialmente como um processo que estimula mudanças nas relações sociais que envolvem novas formas de fazer, organizar, saber e enquadrar necessidades sociais (cf. Capítulo 2 – Conceptualising the Role of Social Innovation in Sustainability Transformations , Alex Haxeltine, Flor Avelino, Julia Wittmayer, Iris Kunze, Noel Longhurst, Adina Dumitru e Tim O’ Riordan).

A inovação social varia naturalmente em termos dos seus impactos. Podemos estar a considerar soluções meramente incrementais, mas podem estar também em causa mudanças que alteram as bases fundamentais da sociedade. Neste último caso, falamos de inovação social transformadora, que desafia, altera ou substitui formas institucionais dominantes num determinado contexto, tendo por isso um impacto alargado nos grupos que a experienciam. A transformação remete para a mudança fundamental, persistente e irreversível na sociedade. A abordagem do livro é largamente inspirada no trabalho de Karl Polanyi. “A Grande Transformação” (Polanyi, 1944; 2018) apresentava a ascensão do mercado como instituição primordial na realidade contemporânea e sublinhava como economia está sempre incrustada na ação do Estado e outras instituições específicas. A economia de mercado é compreendida como uma ficção, a mercadorização do trabalho, da terra e da moeda como aspetos que fizeram exaltar a financeirização e a conflitualidade crescente com o meio natural (cf. Capítulo 3 – The Idea(l) of a ‘Sustainable Sharing Economy’: Four Social Science Perspectives on Transformative Change , Julia Backhaus, Harro van Lente e René Kemp). As transições sociotécnicas (Geels, 2004), com enfoque no que se designa normalmente por transições sustentáveis (Köhler et al., 2019) são outra das abordagens, intimamente relacionada com a noção de transformação, destacadas no livro. A inovação social pode contribuir para uma transição sustentável, enfim, para uma mudança transformadora, através de novas formas de fazer, organizar, enquadrar e conhecer.

A investigação sobre inovação social não é ainda coerente em termos de objeto ou de enquadramento teórico-metodológico. Constitui um fenómeno abordado de diferentes perspetivas e, portanto, também definido de diferentes maneiras (cf. Capítulo 1 – Introduction: the Nexus of Social Innovation, Sustainable Consumption and Societal Transformation , Julia Backhaus, Audley Genus e Julia Wittmayer). As ciências sociais, em particular a Sociologia, centram a sua atenção para o estudo da inovação social na compreensão das novas práticas ou formas de interação social. Existem análises sobre as estruturas de inovação e difusão a partir do nível micro. A relação entre inovação social e a mudança é particularmente sublinhada, explorando com atenção os movimentos de cidadãos como catalisadores da inovação social (Cajaiba-Santana, 2014).

Os estudos regionais e urbanos têm sido também importantes catalisadores da investigação sobre inovação social ao conferir atenção às respostas territorializadas a necessidades sociais emergentes (Moulaert e Van den Broeck, 2018). Existe um conjunto significativo de trabalhos que exploram respostas inovadoras à exclusão social em contexto urbano e em regiões periféricas, explorando o potencial de modelos, intervenções e interações públicas, privadas e da sociedade civil. A inovação social envolve a transformação das relações sociais no território, a reprodução de identidades e culturas locais e o estabelecimento de estruturas de governança em múltiplas escalas. A inovação social é, portanto, na maior parte das vezes, local ou regionalmente incrustada. Para as cidades, o Capítulo 5 ( Local Authorities and their Development of New Governance Approaches: Distilling Lessons from a Social Innovation Project, Marcelline Bonneau e François Jégou) é particularmente estimulante, ao sugerir aspetos fundamentais para se concretizar a inovação social na governança da cidade: produção de conhecimento transdisciplinar, instituições e estratégias adaptativas, antecipação de efeitos sistémicos de longo-prazo, formulação de objetivos de forma participada e iterativa, desenvolvimento estratégico interativo e inclusivo. É fundamental estimular a colaboração entre diferentes tipos de atores e favorecer a partilha de recursos e responsabilidade da governança na cidade. A inovação social pode ajudar a estimular cidadãos mais ativos e oferecer a diversos stakeholders uma oportunidade de se envolverem em processos de decisão e planeamento. Por outro lado, a inovação social permite a vários níveis de governo desenvolver um engajamento ativo com estes “novos” atores da cidade.

 

Nota Conclusiva

Atualmente a inovação social tem potencial para se converter numa importante agenda de mudança, mas carece quer do apoio das políticas públicas para se desenvolver enquanto prática, quer de atenção da investigação para alimentar processos de decisão com conhecimento científico robusto. A agenda de investigação sobre inovação social está profundamente entrelaçada com um campo emergente de ação e prática. Ao invés de ser um domínio científico com limites claros, fundamentos teórico-metodológicos distintamente definidos, está enraizado em atividades estimuladas pela prática quotidiana. Assim, uma melhor compreensão da inovação social só pode ser garantida com mecanismos que permitam entender o trabalho em curso, em várias partes do mundo, por variados tipos de atores, para a concretizar, colocá-la em ação e descobrir se pode ser generalizada a outros problemas e contextos.

Subsistem grandes interrogações para a agenda de investigação da inovação social: o papel dos cidadãos na geração de inovação social, as reconfigurações das funções do Estado, mercado e sociedade; o papel da inovação social para uma transição sustentável. Certamente um dos eixos cruciais desta agenda será a transformação do consumo e a reconfiguração dos moldes em que é efetuado nas sociedades atuais.

Também é fundamental aprofundar no futuro o debate que a inovação social não é, por si só, algo socialmente positivo. A inovação social pode ter um lado obscuro que desafia suposições normativas, de que implica sempre uma melhoria, quando pode ser apenas uma mudança. A noção de que inovações sociais podem criar vencedores e perdedores raramente é veiculada (Nicholls et al., 2015). Sendo uma condição importante para a mudança, a inovação social pode não ser suficiente, porque o seu desenho e implementação podem ser influenciados ou mesmo sequestrados por interesses de organizações e instituições dominantes, que garantem a manutenção e continuidade de práticas insustentáveis. É sabido que inovações criarão valor para alguns, mas destruirão para outros, algo subjacente à ‘destruição criativa’ (Schumpeter, 1942; 2018). O benefício social de uma inovação é contingente. É importante, portanto, estar ciente de que a bondade da inovação social da perspetiva de uma das partes interessadas pode ser muito diferente da visão de outros atores.

A transformação que venha a acontecer no domínio da sustentabilidade será profunda e vai alterar radicalmente a estrutura institucional existente. No entanto, é evidente que no futuro próximo a inovação social – tal como sugere este livro – vai permanecer um campo complexo e multifacetado sujeito a práticas, discursos e definições concorrentes.

 

Referências

Cajaiba-Santana, G. (2014) “Social innovation: Moving the field forward. A conceptual framework”, Technological Forecasting & Social Change , 82(C), pp. 42–51.

Moulaert, F., Van den Broeck, P. (2018) “Social Innovation and Territorial Development”, in J. Howaldt, C. Kaletka, A. Schröder, M. Zirngiebl (Eds.) Atlas of Social Innovation: New Practices for a Better Future. Sozialforschungsstelle , TU Dortmund University: Dortmund. pp. 25-29.

Mulgan, G. (2015) “Foreword: The Study of Social Innovation – Theory, Practice and Progress”, in A. Nicholls, J. Simon, M. Gabriel (Eds.) New Frontiers in Social Innovation Research, Palgrave Macmillan, London, pp. x-xx.

Mulgan, G., Tucker, S., Ali, R., Sanders, B. (2007) Social Innovation: What it is, why it matters and how it can be accelerated . Oxford: Skoll Centre for Social Entrepreneurship.         [ Links ]

Nicholls, A., Simon, J., Gabriel, M. (2015) “Introduction: Dimensions of Social Innovation”, in A. Nicholls, J. Simon, M. Gabriel (Eds.) New Frontiers in Social Innovation Research, London: Palgrave Macmillan, pp. 1-26.

Noya, A. (2011) “The Essential Perspectives of Innovation: The OECD LEED Forum on Social Innovations”, in OECD (ed.) Fostering Innovation to Address Social Challenges Workshop Proceedings , Paris: OECD Publications, pp.18-24. Disponível em: https://www.oecd.org/sti/inno/47861327.pdf.

Polanyi, K. (1944; 2018) A Grande Transformação, 2ª edição, Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Schumpeter, J. (1942; 2018) Capitalismo, Socialismo e Democracia, Coimbra: Actual.         [ Links ]

Westley, F., Antadze, N. (2010) “Making a Difference: Strategies for Scaling Social Innovation for Greater Impact”, The Innovation Journal: The Public Sector Innovation Journal, 15(2), pp. 1-19.

Young Foundation (2012) Social Innovation Overview – Part 1: Defining Social Innovation. A deliverable of the project: ‘The theoretical, empirical and policy foundations for building social innovation in Europe’ (TEPSIE). Brussels: European Commission, DG Research.

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